DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros Carlos Cadilha (Árbitro Presidente), Marisa Almeida Araújo e Isaque Marcos Ramos (Árbitros Auxiliares), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
I – Relatório
1. A...- GESTÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., com o número de identificação fiscal n.º..., com sede na ...—...—..., ...-..., ..., sociedade gestora e representante do FUNDO ABERTO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO B..., com o número de identificação fiscal ..., com sede no mesmo local, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação adicional de IVA e de liquidação de juros compensatórios, no montante global de € 111.371,46, bem como do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra esses actos de liquidação, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é um fundo de investimento imobiliário aberto que, no âmbito da sua actividade, compra, vende e arrenda bens imobiliários, detendo, para esse efeito, os CAE n. os 68100 e 68200.
Em 27 de Outubro de 2005, entregou na Administração Tributária uma declaração de início de actividade em que declarou pretender registar-se como um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, tendo em consideração que, no âmbito da sua actividade corrente, realiza simultaneamente operações que conferem o direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito, como é o caso da exploração de centros comerciais, parques de estacionamento e gestão de imóveis com e sem renúncia à isenção do IVA.
No entanto, a Administração Tributária enquadrou o Fundo no regime de isenção previsto no artigo 9.º do Código do IVA, através do preenchimento do Campo 5 do Quadro 10 da declaração referente a transmissões de bens e ou prestações de serviços isentos que não conferem o direito à dedução.
Em 2017, na sequência da abertura de um procedimento inspectivo, a Administração procedeu à alteração oficiosa do registo, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2013, passando a incluir a Requerente no regime normal de IVA.
No Relatório de Inspecção Tributária elaborado no âmbito da mesma acção inspectiva, concluiu-se haver lugar às seguintes correcções: (a) liquidação de IVA na aquisição de serviços de construção civil, no montante de € 79.643,57, pela não aplicação da regra de inversão do sujeito passivo nessas operações; (b) dedução de IVA na aquisição de serviços de construção civil, no montante de € 10.080,41, também com fundamento na inobservância da aplicação da regra de inversão do sujeito passivo; (c) regularização de IVA em violação do disposto no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA, no valor de € 16.892,87.
Relativamente à liquidação de IVA na aquisição de serviços de construção civil, a Administração Tributária invocou que o Fundo constava como sujeito passivo isento quando o correto enquadramento seria como sujeito passivo no regime normal de IVA, pelo que lhe era aplicável a regra de inversão do sujeito passivo a que se refere o artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do Código do IVA, contanto que estamos perante a aquisição de serviços de construção civil cujo adquirente é sujeito passivo de IVA em Portugal e pratica operações que conferem o direito à dedução.
Concluindo que não competia aos prestadores efetuar a liquidação do IVA, mas ao Fundo enquanto adquirente de serviços de construção, não obstando à obrigação a circunstância de o imposto ter sido indevidamente liquidado pelos fornecedores, tendo em conta que essas entidades poderão obter a devolução do imposto.
A Requerente sustenta, no entanto, que a sua situação cadastral quanto ao regime de sujeição a IVA não é da sua responsabilidade mas unicamente devido ao incorrecto enquadramento pelos serviços tributários no regime de isenção, pelo que a Requerente só não procedeu à autoliquidação do imposto quanto aos serviços de construção civil por erro exclusivamente imputável à Administração.
E assim, a liquidação adicional com o invocado fundamento viola os princípios fundamentais da segurança jurídica e protecção da confiança, assim como os princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa fé a que se referem os artigos 55.º da LGT e 46.º do CPPT, constitucionalmente consagrados nos artigos 2.º e 266.º da Constituição.
De outro modo, verifica-se uma ilegalidade por duplicação de colecta, em violação do disposto no artigo 205.º do CPPT, porquanto o imposto liquidado e pago pelos prestadores dos serviços de construção civil se torna igualmente exigível ao Fundo, sendo que se verifica não só a identidade da natureza do tributo como a coincidência temporal quanto ao período de tributação.
Quanto à dedução de IVA na aquisição de serviços de construção civil, a Autoridade Tributária recusou o direito à dedução por considerar que o IVA foi liquidado indevidamente pelos prestadores dos serviços de construção civil, não tendo sido aplicada a regra da inversão do sujeito passivo pelo que se não verificam os requisitos para a aplicação do direito à dedução a que se refere o artigo 19.º, n.º 1, alínea c); do Código do IVA.
A Requerente defende que o entendimento adoptado pela Autoridade Tributária ofende o princípio da neutralidade deste imposto que, no domínio da legislação nacional, resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, segundo a qual os sujeitos passivos poderão deduzir o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelos mesmos para a realização das operações sujeitas a IVA. Concluindo que se afigura ser desproporcional por contrário ao sistema comum do IVA a limitação do direito à dedução do imposto incorrido pelo Fundo na aquisição de recursos para a realização das suas operações tributadas, ainda que a liquidação do IVA nessas operações tenha, por erro desculpável, não tenha seguido o regime do reverse charge.
A Requerente considera ainda ser ilegal o não reconhecimento da regularização de IVA relativamente a créditos incobráveis por incumprimento da totalidade dos requisitos mencionados no artigo 78.º do Código do IVA, porquanto efectuou a prova da declaração de insolvência da empresa devedora, com sentença transitada em julgado, e de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que embora a Requerente assuma que é um sujeito passivo misto, realizando simultaneamente operações que conferem o direito a dedução do IVA e operações que não conferem esse direito e proceda à liquidação de imposto nas operações sujeitas a tributação IVA, invoca um erro desculpável pela não liquidação do imposto na aquisição de serviços de construção civil em face da sua situação cadastral como sujeito passivo isento.
Os serviços não estão impedidos de proceder à correcção oficiosa da situação fiscal do contribuinte e, perante a aquisição de serviços de construção civil, não pode deixar de aplicar a norma anti-abuso prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do Código do IVA.
Por outro lado, nessa circunstância, não há lugar a uma duplicação de colecta pois essa situação apenas poderia ocorrer se o pagamento do imposto fosse devido pelo prestador dos serviços e pelo adquirente, sendo que o pagamento efectuado, ainda que indevidamente, poderá ser ulteriormente reembolsado.
No tocante à pretendida dedução de IVA na aquisição de serviços de construção civil, a Autoridade Tributária contrapõe que a dedução corresponde ao IVA indevidamente liquidado pelos fornecedores de serviços de construção civil, em violação do estatuído n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, e só haveria lugar à dedução se a Requerente tivesse autoliquidado o IVA nessas operações, em aplicação da regra de inversão do sujeito, tal como prevê o artigo 19.º, n.º 8, do Código do IVA.
Quanto à não regularização do IVA por créditos incobráveis, a Autoridade Tributária sustenta que a certidão de trânsito em julgado da decisão judicial de insolvência data de 16 de agosto de 2017, sendo posterior à data da conclusão do procedimento e das correcções ao imposto e que o documento destinado a dar conhecimento ao adquirente dos serviços não está datado nem é acompanhado da prova do envio e, em todo o caso, à data de 2017 havia já transcorrido o prazo de quatro para o exercício do direito de regularização
2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenado o prosseguimento para alegações por prazo sucessivo.
A Requerente analisou a matéria de facto em vista à fixação dos factos que devem ser tidos como assentes e quanto ao direito aplicável reiterou as suas anteriores posições.
A Autoridade Tributária não contra-alegou.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 7 de novembro de 2018.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) O Fundo gerido e administrado pela Requerente é um fundo de investimento imobiliário aberto que, no âmbito da sua actividade, compra, vende e arrenda bens imobiliários, detendo, para esse efeito, os CAE n. os 68100 e 68200;
B) Em 27 de Outubro de 2005, o Fundo entregou na Administração Tributária uma Declaração de Início de Actividade em que declarou pretender registar-se como um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, tendo em consideração que, no âmbito da sua actividade corrente, realiza simultaneamente operações que conferem o direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito, como é o caso da exploração de centros comerciais, parques de estacionamento e gestão de imóveis com e sem renúncia à isenção do IVA.
C) A Administração Tributária enquadrou o Fundo no regime de isenção previsto no artigo 9.º do Código do IVA;
D) A Requerente encontrava-se inscrita no regime previsto no artigo 9.º do Código do IVA desde 20 de Novembro de 2002;
E) No âmbito da sua actividade, o Fundo realiza simultaneamente operações sujeitas a imposto que conferem direito à dedução e operações isentas de imposto que não conferem direito à dedução;
F) A Requerente foi alvo de uma acção de inspecção externa credenciada pela Ordem de Serviço n.º 2016..., com início em 20 de novembro de 2016, visando a analisar a particularidades da actividade desenvolvida com referência ao ano de 2015;
G) No âmbito dessa acção de inspecção, o Fundo foi notificado do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, datado de 17 de Junho de 2017, relativamente ao qual exerceu o direito de audição sobre as correcções propostas pela AT;
H) Em 1 de Agosto de 2017, o Fundo foi notificado do Relatório de Inspecção Tributária que manteve o anterior entendimento, tendo concluído haver lugar às seguintes correcções, no valor total de € 108.623,37:
a) IVA não liquidado na aquisição de serviços de construção civil, no montante de € 79.643,57, pela não aplicação da regra de inversão do sujeito passivo nessas operações;
b) IVA indevidamente deduzido na aquisição de serviços de construção civil, no montante de € 10.080,41, também aqui com fundamento na inobservância da aplicação da regra de inversão do sujeito passivo para a liquidação do IVA nestas operações;
c) IVA regularizado, relativamente a créditos incobráveis, com o incumprimento do n. º 7 do artigo 78.º do Código do IVA, no valor de € 16.892,87;
I) Relativamente ao enquadramento das operações do sujeito passivo em sede de IVA no que se refere a serviços de construção civil e liquidação de IVA na aquisição desses serviços, o Relatório de Inspecção Tributária relata o seguinte:
II.1.1.2 Enquadramento das operações do sujeito passivo em sede de IVA - serviços de construção civil
Analisando os serviços faturados ao Fundo pelos diversos prestadores de serviços de construção civil, verificámos que os mesmos procederam à liquidação do IVA nas faturas emitidas no ano de 2015, na medida em que o Fundo constava como sujeito passivo isento na base de dados da AT. Contudo, como anteriormente explicado, embora por inércia do Fundo e do seu incorreto enquadramento, no caso concreto, estamos perante sujeito passivo no regime normal de IVA.
Para estes sujeitos passivos, a alínea j) do n.º 1 do artigo. 2.º do CIVA impõe a regra de inversão do sujeito passivo, quando se cumprem cumulativamente s seguintes condições:
- Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil;
- O adquirente seja sujeito passivo de IVA em Portugal e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução de IVA.
(…)
Conclui-se assim que as duas condições para a aplicação da regra de inversão do sujeito passivo estão cumpridas, pelo que, caberia ao adquirente dos serviços de construção (o Fundo) a liquidação do referido imposto das faturas emitidas pelos prestadores dos serviços de construção civil.
III.1.1.3 IVA não liquidado na aquisição de serviços de construção civil - € 79.643,57
Resulta do exposto no ponto anterior que os vários prestadores de serviços não deveriam ter efetuado a liquidação do IVA, uma vez que o verdadeiro devedor do imposto é o Fundo, na qualidade de sujeito adquirente de serviços de construção.
O facto dos fornecedores terem liquidado imposto e essa liquidação não ser devida, não impede que a liquidação do imposto e o respetivo pagamento não recaia sobre o Fundo, considerando que essas entidades poderão obter a devolução do referido imposto junto da Autoridade Tributária.
Relativamente ao IVA indevidamente deduzido na aquisição de serviços de construção civil, o Relatório de Inspecção Tributária considera o seguinte:
“O Fundo deduziu o IVA liquidado pelos fornecedores de serviços de construção civil nas várias facturas emitidas pelos prestadores de serviços, relativamente às operações referentes aos imóveis para os quais liquidou imposto, tendo declarado a dedução do valor do imposto nas declarações periódicas nos quatro trimestres de 2015.”
(…).
J) Relativamente ao incumprimento do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA, o Relatório de Inspecção Tributária fundamenta a correção nos seguintes termos:
(…)
Para poder proceder à regularização nos termos citados, tem a Requerente de ter na sua posse certidão judicial, nos termos referidos no artigo 38.º, n.º 2, do CIRE, onde conste que a empresa da qual é credora, foi declarada insolvente, com sentença já transitada em julgado, e só deste modo ficará, o sujeito passivo, em condições de provar que se encontram reunidos os requisitos adequados à regularização do IVA. O contribuinte deve ter na sua posse prova de que os créditos reclamados se encontram reconhecidos".
No caso concreto, verifica-se que não se encontram cumpridos os requisitos mencionados nos pontos anteriores, pelo que não reunindo a totalidade dos pressupostos referidos, não pode o Fundo proceder à regularização do imposto.”
(…).
K) A Requerente juntou certidão datada de 16 de Agosto de 2017 que certifica que a sentença de verificação e graduação de créditos de 19 de fevereiro de 2012, proferida no processo de insolvência da C..., Unip, Lda., transitou em julgado em 19 de outubro de 2012;
L) A Requerente juntou uma declaração não datada destinada a comunicar a regularização do IVA e a anulação do imposto à Sociedade D..., Unip, Lda. e ao administrador de insolvência;
M) A Autoridade Tributária emitiu os seguintes actos de liquidação:
- Liquidação relativa ao período 03T/2015, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 17.233,75;
- Liquidação relativa ao período 06T/2015, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 30.844,22;
- Liquidação relativa ao período 09T/2015, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 34.428, 18;
- Liquidação relativa ao período 12T/2015, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 26.117,22;
- Liquidação relativa ao período 03T/2015 (Juros Compensatórios), correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 891,43;
- Liquidação relativa ao período 06T/2015 (Juros Compensatórios), correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 1.277,71;
- Liquidação relativa ao período 09T/2015 (Juros Compensatórios), correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 1.082,83;
- Liquidação relativa ao período 12T/2015 (Juros Compensatórios), correspondente à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., no montante de € 1.502,64;
N) A Requerente efectuou o pagamento das referidas liquidações;
O) Em 29 de Janeiro de 2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os actos de liquidação;
P) Em 28 de Maio de 2018 formou-se a presunção de indeferimento tácito da referida reclamação graciosa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Matéria de direito
Liquidação de IVA nas operações de aquisição de serviços de construção civil
5.. Invoca a Requerente que o Fundo que administra pretendeu registar-se como sujeito passivo misto para efeitos de IVA na declaração de início de actividade e, por erro imputável aos serviços, veio a ser incluído no regime de isenção previsto no artigo 9.º do Código do IVA, situação que só veio a ser suprida na sequência de um procedimento inspectivo, quando a Administração procedeu à alteração oficiosa do registo, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2013.
Neste contexto, entende a Requerente, à luz do disposto no artigo 32.º, n.º 1, do Código do IVA, que não lhe competia apresentar uma declaração de alterações, visto que, desde a data de entrega da declaração de início de actividade não se verificou qualquer alteração dos elementos constantes da declaração, pelo que o Fundo só não procedeu à autoliquidação do imposto relativamente aos serviços de construção civil por virtude de se encontrar em regime de isenção por facto que é exclusivamente imputável à Administração Tributária.
Conclui, nesse sentido, que a correcção da liquidação operada no Relatório de Inspecção Tributária, fazendo incidir sobre o Fundo a obrigação de pagamento de imposto, em aplicação do princípio da inversão do sujeito passivo, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do Código do IVA, viola os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, bem como os princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa fé.
Importa, no entanto, ter presente, conforme se assinalou no acórdão do STA de 26 de outubro de 2016 (Processo n.º 01654/15), que a validação pela Administração da declaração do início de atividade apresentada pelo sujeito passivo não impede que o enquadramento para efeitos de IVA possa ser alterado posteriormente ao abrigo dos princípios de procedimento que regem a prossecução do interesse público, e, especialmente, o princípio da legalidade, da justiça e da verdade material (artigo 55º da LGT). Sendo que, como também se observa nesse aresto, a possibilidade de alteração da situação fiscal do sujeito passivo, mormente para efeito de adequar o regime de IVA à actividade económica efectivamente realizada, apenas tem como limite o prazo de caducidade do direito à liquidação a que alude o artigo 45.º da LGT.
Esta orientação jurisprudencial não pode deixar de ser aplicada na situação em que a Administração, com base nos elementos constantes da declaração de início de actividade, venha a atribuir ao contribuinte em regime diverso daquele que foi declarado.
Ainda que tenha ocorrido, num momento inicial, uma errada qualificação do regime jurídico aplicável, isso não impede a Administração Tributária de proceder à alteração oficiosa da situação fiscal quando disponha de elementos necessários para o efeito.
No caso vertente, a Requerente reconhece que o Fundo, no âmbito da sua actividade, realiza, simultaneamente, operações que conferem o direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito, como é o caso da exploração de centros comerciais, parques de estacionamento e gestão de imóveis (artigo 17.º da petição), e não contesta que, por força da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, são sujeitos passivos de imposto aqueles que disponham em território nacional de sede, estabelecimento estável ou domicílio e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, sejam adquirentes de serviços de construção civil (artigo 32.º da petição). Pretende, no entanto, que, por ter sido classificada inicialmente num regime de isenção, deverá manter-se indefinidamente nesse regime, ainda que isso possa implicar a preterição das regras que seriam legalmente aplicáveis e gerar situações de desigualdade em relação a outros contribuintes que exercem o mesmo tipo de actividade.
É a todos os títulos evidente que a Administração não está impedida de proceder à alteração oficiosa do regime aplicável quando não seja o adequado à actividade económica desenvolvida e promover as correcções na tributação que o novo enquadramento fiscal possa justificar e, sobretudo, não está impedida de efectuar essa alteração no âmbito de um procedimento inspectivo que visa justamente a observação da realidade tributária e o cumprimento das obrigações fiscais pelo sujeito passivo.
E não há aí uma qualquer violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança.
Deve começar por fazer-se notar que os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança são parâmetros de constitucionalidade normativa, cabendo ao interessado o ónus de suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade, identificando a norma ou interpretativa normativa que se torne susceptível de violar os princípios constitucionais (artigo 72.º, n.º 2, do CPTA). Não estando previsto no nosso ordenamento o recurso de amparo não é possível sindicar a violação de direitos fundamentais por parte de uma decisão judicial ou uma actuação administrativa.
Não tendo a Requerente identificado a norma ou interpretação normativa que possa ter violado os princípios enunciados não tem qualquer aplicação ao caso o citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/92.
Seja como for, a garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica. E a protecção da confiança dos particulares relativamente à manutenção de um certo regime jurídico traduz-se, no essencial, no direito a não verem frustradas as expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas.
Ora, é patente que o sujeito passivo, que realiza – como reconhece – operações que estão sujeitas a imposto e operações que dele estão isentas, não pode razoavelmente contar com a manutenção de um regime de isenção que não corresponde à sua situação tributária apenas porque a Administração Tributária efectuou num primeiro momento um incorrecto enquadramento fiscal da sua actividade.
Todas as considerações antes expendidas também revelam que não existe qualquer violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa fé.
6. A Requerente alega ainda que, por efeito da exigência do imposto com base na aplicação da regra da inversão do sujeito passivo, ocorre uma duplicação de colecta, porquanto o IVA havia já sido liquidado e pago pelos prestadores dos serviços. Invoca a propósito o disposto no n.º 1 do artigo 205.º do CPPT, segundo o qual “haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”.
A norma apenas explicita o que se entende por duplicação da colecta para efeito de ser invocada como fundamento da oposição à execução fiscal, a que se refere a alínea g) do artigo 204.º. Entende-se, no entanto, que este fundamento pode também ser invocado em sede de impugnação judicial, em aplicação do disposto no artigo 99.º do CPPT, quando seja susceptível de afectar a legalidade do acto de liquidação.
Torna-se claro, no entanto, que não ocorre, nas circunstâncias do caso, a duplicação da colecta.
O Fundo foi chamado a proceder à liquidação do imposto relativamente a serviços de construção civil por aplicação da regra de inversão do sujeito passivo (reverse charge), que tem em vista, como medida de combate à fraude fiscal em sectores de risco - como seja o caso dos serviços de construção civil -, sujeitar a imposto, não o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços, mas o adquirente ou destinatário que, se para tanto estiverem preenchidos os requisitos legais, o poderá deduzir.
Quando o imposto se torna exigível ao destinatário da prestação de serviços por ter sido anteriormente liquidado e pago em preterição da regra da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, isso não significa que se esteja a exigir a uma outra pessoa um imposto de idêntica natureza referente ao mesmo facto tributário. Como sublinha o acórdão do STA de 27 de Fevereiro de 2013 (Processo n.º 11079/12), a exigência de um segundo pagamento por necessidade de proceder à regularização da situação fiscal apenas pode justificar que o primeiro pagamento efectuado, sendo indevido, poderá ser ulteriormente reembolsado, através dos meios adequados de impugnação e revisão do acto tributário.
E é esse o pressuposto de que parte o Relatório de Inspecção Tributária, quando consigna que “o facto dos vários fornecedores terem liquidado imposto e essa liquidação não ser devida, não impede que a liquidação do imposto e o respetivo pagamento não tenha que ser feita por parte do Fundo, considerando que essas entidades poderão obter a devolução do referido imposto junto da Autoridade Tributária”.
O pedido mostra-se improcedente, nesta parte, com qualquer dos fundamentos invocados.
Dedução de IVA na aquisição de serviços de construção civil
7. A Requerente alega a ilegalidade da correcção efectuada por indevida dedução do IVA na aquisição de serviços de construção, considerando que ao contrário ao princípio da neutralidade do sistema comum do IVA a limitação do direito à dedução do imposto incorrido na aquisição de serviços para a realização das suas operações tributadas, ainda que o IVA, por erro desculpável, não tenha sido liquidado pelo Fundo em aplicação da regra da inversão do sujeito passivo.
O direito à dedução do imposto, disciplinado nos artigos 167.º a 192.º da Directiva IVA e, no direito interno, nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA, consiste essencialmente no direito de um sujeito passivo deduzir ao imposto incidente sobre uma certa operação tributável o imposto em que tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinem à realização dessa operação. Baseando-se o imposto num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é inerente ao próprio funcionamento do sistema e evidencia a neutralidade do imposto. Como princípio fundamental do sistema do IVA, o direito à dedução, em princípio, não pode ser limitado e exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efectuadas a montante (acórdão do TJUE de 8 de maio de 2013, Processo n.º C-271/12).
Como se deixou exposto num momento anterior, a falada regra do reverge charge aplica-se ao elenco de operações tipificadas que, no que se refere aos serviços de construção civil, tem aplicação prática no artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do Código do IVA, que sujeita a incidência subjectiva “as pessoas singulares ou colectivas (…) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil (…)”.
O direito à dedução é reconhecido no artigo 19.º do Código do IVA, que contém duas disposições especialmente aplicáveis às situações de reverge charge e que a seguir se transcrevem:
1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
b) O imposto devido pela importação de bens;
c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidos pelas alíneas e), h), e), h), i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º;
d) (…)
(…)
8- Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação.
Resulta destas disposições que há lugar ao direito à dedução pelas prestações de serviços a que se refere a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, abrangendo, por conseguinte, as situações em que o imposto é pago pelo adquirente dos serviços. O n.º 8, por sua vez, especifica que, havendo lugar ao pagamento do imposto pelo adquirente dos serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação.
No caso vertente, como se viu, o imposto foi indevidamente liquidado pelos prestadores dos serviços, por não ter sido aplicada a regra da inversão do sujeito passivo a que se refere a sobredita norma do artigo 2.º, n.º 1, alínea j), do Código do IVA. E, desse modo, não há lugar ao direito à dedução, que só ocorreria se o imposto tivesse sido liquidado pelo Fundo e apenas na medida em que a dedução correspondesse ao imposto que, nesse condicionalismo, fosse liquidado pelo adquirente dos serviços.
Alega a Requerente que a recusa do direito à dedução viola o princípio da neutralidade do sistema comum do IVA, visto que só por erro desculpável é que o IVA não foi liquidado pelo Fundo em aplicação da regra da inversão do sujeito passivo. Mas, como vimos, o erro inicial na classificação quanto ao regime de IVA aplicável não tem qualquer relevância para o caso. O ponto é que a Administração Tributária procedeu à alteração oficiosa do regime de sujeição a IVA e determinou a correcção da liquidação de imposto no que se refere aos serviços de construção civil, fazendo impender a obrigação de pagamento sobre o Fundo. E tendo o imposto sido liquidado indevidamente pelos prestadores dos serviços, é claro que não cabe ao adquirente dos serviços proceder à dedução do imposto.
O IVA confere a possibilidade de dedução de imposto anteriormente suportado para quem está integrado na cadeia produtiva e só nesse sentido é entendido como um imposto neutro relativamente à concorrência das empresas. Mas o princípio não tem aplicação quando o destinatário económico do imposto não é o seu sujeito passivo, caso em que não há lugar à dedução.
E, nessa circunstância, o exercício do direito à dedução por parte do Fundo apenas pode ter lugar em momento ulterior à própria liquidação do imposto, na sequência da correcção efectuada pela Administração Tributária.
Este entendimento é pacífico na Jurisprudência do TJUE. Invoque-se, a este propósito, e a título meramente exemplificativo, o Acórdão daquele Tribunal, datado de 6 de Fevereiro de 2014 e proferido no âmbito do processo C 424/12 em que se concluiu:
“No âmbito de uma operação sujeita ao regime da autoliquidação, em circunstâncias como as do processo principal, a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e o princípio da neutralidade fiscal não se opõem a que o beneficiário de serviços fique privado do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado que pagou indevidamente ao prestador de serviços com base numa fatura mal passada, incluindo quando for impossível corrigir esse erro, devido à falência do referido prestador”.
O pedido é também improcedente quanto a este ponto.
Regularização do IVA relativamente a créditos incobráveis
8. A Requerente alega ainda que o não reconhecimento da regularização de IVA relativamente a créditos considerados incobráveis, com base no incumprimento dos requisitos do artigo 78.º, n.º 1, alínea b), e n.º 11 do Código do IVA, está inquinado de ilegalidade, porquanto, através dos documentos n.ºs 7 e 8 juntos à petição, ficou demonstrado que a sentença de declaração de insolvência da empresa devedora se encontra transitada em julgado e foi comunicado ao sujeito passivo do imposto, adquirente dos bens ou serviços, a intenção de regularização.
As normas em causa, à data dos factos, sob a epígrafe “Regularizações”, dispunham o seguinte:
7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:
(…)
b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código;
(…)
11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada.
Torna-se claro, à luz destes dispositivos, que a dedução de imposto respeitante a créditos considerados incobráveis apenas pode ser exercitada após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos e a comunicação ao adquirente dos bens ou serviços sujeito passivo do imposto dos elementos respeitantes ao imposto que é anulado.
Relativamente a este último aspecto, o acórdão do STA de 25 de junho de 2015 (Processo n.º 0288/14) veio reconhecer que “a comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência constitui requisito legal do qual depende a legalidade da “regularização” pelo credor e deve ser feita, em caso de insolvência do devedor, ao administrador de insolvência nomeado”.
Em qualquer dos casos estamos perante requisitos do direito à dedução que deverão encontrar-se verificados à data em que se pretende deduzir o imposto.
No caso, as notas de crédito foram emitidas em 22 de abril de 2015 e o IVA foi deduzido ao imposto liquidado na declaração periódica de 2015/06. O Relatório de Inspecção Tributária não faz alusão à existência de documentos comprovativos do trânsito em julgado da sentença e da comunicação efectuada ao sujeito passivo de IVA e a certidão de trânsito em julgado da sentença, emitida em 16 de agosto de 2017, e a comunicação ao sujeito passivo, sem data, que foram juntos com a petição, não demonstram que os apontados requisitos da dedução do imposto se encontravam verificados à data em que foi requerida perante a Administração a regularização.
Nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, pelo que, in casu, a omissão desta prova tem de ser valorada contra a Requerente.
9. Juros compensatórios
A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação a qualquer dos actos tributários de liquidação de IVA.
Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só é exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.
No caso vertente, constata-se que o Fundo entregou na Administração Tributária uma declaração de início de actividade em que declarou pretender registar-se como um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, tendo em consideração que realiza operações que conferem o direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito. O Fundo foi enquadrado, no entanto, no regime de isenção previsto no artigo 9.º do Código do IVA e encontrava-se inscrito nesse regime desde 20 de novembro de 2002.
A alteração do enquadramento fiscal do sujeito passivo para efeitos de IVA foi efectuada por iniciativa oficiosa da Administração na sequência de um procedimento inspectivo, com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2013.
E embora a Administração invoque, no Relatório de Inspecção Tributária, que cabia ao sujeito passivo o dever de entregar a declaração de alterações, nos termos do artigo 32.º do Código do IVA, o certo é que, segundo esse preceito, a declaração de alterações apenas tem lugar quando se verifiquem alterações em relação a qualquer dos elementos contantes da declaração de início de actividade. E tendo o contribuinte declarado pretender registar-se como um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, por ser o enquadramento correspondente aos exercício da sua actividade, não lhe era imputável a inscrição no regime de isenção, nem lhe era exigível que procedesse à alteração para o regime normal se esse era o regime que já constava da declaração de início de actividade.
A correcção do imposto relativamente à liquidação de IVA na aquisição de serviços de construção civil surge, neste contexto, como decorrência da alteração oficiosa do enquadramento fiscal, não podendo atribuir-se o retardamento da liquidação do imposto devido a um comportamento culposo do sujeito passivo.
Deve concluir-se, nestes termos, que a improcedência do pedido de pronúncia arbitral quanto a essa liquidação adicional não é determinante do reconhecimento do direito a juros compensatórios.
10. Juros indemnizatórios
10. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
A condenação no pagamento de juros indemnizatórios tem lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação, nos termos das disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT.
No caso em apreço, apenas os juros compensatórios relativos à liquidação de IVA na aquisição de serviços de construção civil são considerados ilegais, pelo que os juros indemnizatórios apenas são devidos sobre o valor anulado.
Tendo sido julgado improcedente o restante pedido arbitral improcede também, nessa parte, a condenação em juros indemnizatórios.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) julgar improcedente o pedido arbitral quanto aos actos tributários de liquidação de IVA e manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
b) julgar procedente o pedido arbitral quanto aos juros compensatórios na parte referente à liquidação de IVA na aquisição de serviços de construção civil e anular a correspondente liquidação;
c) condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor de juros compensatórios decorrentes da liquidação de IVA na aquisição de serviços de construção civil, acrescido de juros indemnizatórios até efectivo reembolso;
d) julgar improcedente o pedido arbitral quanto aos restantes actos de liquidação de juros compensatórios.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 111.371,46, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, que ficam a cargo da Requerente e da Requerida, na percentagem de 92% e 8%, respectivamente.
Notifique.
Lisboa, 29 de Abril de 2019
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Marisa Almeida Araújo
O Árbitro vogal
Isaque Marcos Ramos