Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 303/2018-T
Data da decisão: 2019-06-03   Outros 
Valor do pedido: € 10.359,16
Tema: AIMI – Incidência objetiva (artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI); Terrenos para construção.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A..., LDA., NIPC..., com sede no ..., ..., ...-... ... (doravante, a “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “AT” ou “Requerida”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “AIMI”) n.º 2017..., de 30 de junho de 2017, relativa ao exercício fiscal de 2017, da qual resulta o montante de € 10.359,16. 

2.            O pedido de constituição do tribunal arbitral, foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, “CAAD”) e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”).

3.            Designado o árbitro, este comunicou a aceitação do encargo dentro do prazo.

4.            O Tribunal foi constituído em 6 de setembro de 2018.

5.            A Requerente invoca, em síntese, que: 

5.1.        Foi notificada da liquidação de AIMI n.º 2017..., de 30 de junho de 2017, relativa ao exercício fiscal de 2017, no montante de € 10.359,16, tendo procedido ao respetivo pagamento.

5.2.        Por discordar da liquidação efetuada, apresentou reclamação graciosa no dia 26 de janeiro de 2018, que a AT indeferiu expressamente através do Ofício n.º..., de 4 de junho de 2018.

5.3.        O AIMI liquidado incide sobre quatro imóveis de que é proprietária:

a)            Artigo matricial n.º ... da freguesia de ..., Concelho de ..., Distrito de ... – com o Valor Patrimonial Tributário (doravante, “VPT”) de € 5.990,00;

b)           Artigo matricial n.º... da freguesia de ..., Concelho de ..., Distrito de ... – com o VPT de € 107.830,00;

c)            Artigo matricial n.º ... da freguesia de ..., Concelho de ..., Distrito de ... – com o VPT de € 113.350,00;

d)           Artigo matricial n.º ... da freguesia de ..., Concelho de ..., Distrito de ... – com o VPT de € 2.310.630,00.

5.4.        Todos os imóveis estão classificados nas respetivas cadernetas prediais urbanas como “prédio urbano”.

5.5.        O AIMI recai sobre prédios urbanos, encontrando-se excluídos e, consequentemente, isentos de tributação, os prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos do artigo 6.º, n.º 1, als. b) e d) aplicável por força do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “Código do IMI”).

5.6.        O prédio com o artigo matricial n.º ... encontra-se no âmbito de aplicação do AIMI, uma vez que consiste num prédio destinado à habitação e porque é essa a sua utilização real e potencial.

5.7.        Igualmente sujeitos a AIMI estão os prédios com os artigos matriciais ... e ..., cujas cadernetas prediais urbanas (doravante, “CPUs” ou “CPU”) os descrevem como terrenos para construção e com “TALHÃO DE TERRENO PARA CONSTRUÇÃO URBANA”. 

5.8.        O mesmo não se pode dizer quanto ao prédio inscrito na matriz com o artigo ..., cujo VPT foi somado aos demais para se chegar à matéria coletável, pois este prédio consiste num terreno para construção, cuja CPU o descreve como “TALHÃO DE TERRENO PARA CONSTRUÇÃO URBANA DESTINADO A EQUIPAMENTO COMERCIAL”.

5.9.        O conceito de “equipamento comercial” não vem previsto na legislação fiscal, porém, qualquer interpretação leva a concluir que a afetação do prédio será comercial.

5.10.      Se existe uma exclusão de tributação em sede de AIMI relativamente aos prédios com afetação comercial, também se devem considerar excluídos os terrenos para construção de equipamentos comerciais, pois nestes casos a sua afetação futura será comercial.

5.11.      O VPT do prédio com o artigo matricial n.º ... não deveria, assim, ter sido somado aos dos demais prédios para determinação da matéria coletável e subsequente aplicação da taxa, padecendo a liquidação do vício de nulidade.

5.12.      A tributação do prédio com o artigo matricial n.º ... é violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva visto que, sem prejuízo de se tratar de um terreno para construção, pode vir a albergar uma construção destinada a habitação ou uma construção destinada a serviços, a indústria, a comércio ou outros.  

5.13.      O AIMI visa tributar, essencialmente, as pessoas cujo património habitacional está acima da média, daí a lei ter excluído do âmbito de incidência objetiva deste imposto os prédios destinados ao comércio.

5.14.      A ratio do AIMI decorre do facto de ter vindo substituir o anterior Imposto do Selo (doravante, “IS”) que tributava, essencialmente, os prédios urbanos com afetação habitacional de elevado valor patrimonial.

5.15.      O AIMI também conhecido como o “Imposto Mortágua” surgiu em resultado da intervenção da deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua, cuja finalidade consistia em tributar os prédios de valor superior a € 1.000.000,00, e substituir o IS que gerou elevada litigância entre o Estado e os contribuintes.

5.16.      Importa apurar as circunstâncias em que foi elaborada a lei que criou o IS, referindo que para os prédios urbanos com afetação habitacional de elevado valor patrimonial, começando pela discussão da Proposta de Lei n.º 96/XII (2.ª) na Assembleia da República (Série n.º 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012). 

5.17.      A este respeito, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou que “[p]ara que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável, exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos. Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os contribuintes e incida sobre todos os tipos de rendimento, abrangendo com especial enfâse os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional. Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e de evasão fiscais. Neste sentido, o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efetivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa. Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre os rendimentos do capital e sobre as mais-valias mobiliárias; e o reforço das regras de combate à fraude e à evasão fiscais. Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013.” (negritos e sublinhados acrescentados).

5.18.      Da declaração do Secretário de Estado se retira que a intenção do legislador se limitou apenas aos prédios com afetação habitacional daí a utilização do termo “casas”.  

5.19.      Assim, o AIMI não diverge do anterior imposto que manteve a exclusão de prédios comerciais, para serviços, industriais ou outros.

5.20.      Numa fase sensível da economia nacional, aumentar a tributação dos contribuintes, no âmbito do exercício das suas atividades produtivas/geradoras de riqueza, seria contraproducente e contrário aos intentos do Governo, cujo objetivo era tributar a “fortuna” imobiliária de alguns, poucos, privilegiados.

5.21.      É inequívoco que o legislador não pretendeu tributar imóveis comerciais.

5.22.      É legítimo concluir que se já tivesse sido construído o equipamento comercial descrito na matriz, o prédio estaria excluído de tributação em sede de AIMI.

5.23.      Se o prédio não está sujeito a AIMI após a sua construção, não se compreende como é que pode ser sujeito a tributação numa fase anterior à sua construção, mas cujo destino se conhece comercial.

5.24.      Se trata, pois, de uma violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva em virtude da diferença injustificada de tratamento nos termos do disposto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), constituindo causa de nulidade da liquidação.

5.25.      A reforçar esta violação existe um acórdão arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) proferido no processo n.º 668/2017-T, de 24/04/2018, no qual se decidiu que uma “interpretação literal desta norma, com o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, ela será materialmente inconstitucional, sendo incompaginável com o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a serviços e não a titularidade dos prédios neles construídos por consubstanciar um tratamento desprivilegiado dos contribuintes que se encontram na primeira situação, sem justificação material, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessa situação, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda.”.

5.26.      A construção de um equipamento comercial e a sua exploração constituem manifestações de capacidade contributiva.

5.27.      A tributação de um prédio no seu estádio embrionário, no qual o seu potencial de geração de riqueza ainda não está aproveitado e excluir-se de tributação na situação inversa, é violador do princípio da capacidade contributiva.

5.28.      As normas ínsitas no artigo 135.º-B, n.ºs 1 e 2 do Código do IMI são inconstitucionais também por violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva, quando consideram os terrenos para construção sujeitos a tributação neste imposto, ou quando não os inclui nas normas de exclusão da mesma. 

5.29.      A propriedade de um terreno para construção não pode, em si mesma, ser reveladora de riqueza que justifique a sua tributação em sede de AIMI, a sua detenção em si não é reveladora de uma manifestação de riqueza.

5.30.      Um terreno para construção pode nunca chegar a reunir as condições para ser fator produtivo, nomeadamente por não dispor de meios para nele fazer os investimentos necessários.

5.31.      A opção pela tributação de terrenos para construção como se de imóveis de luxo se tratasse viola o princípio da capacidade contributiva dado que ficciona uma realidade que não é linear.

5.32.      Por último, os artigos 135.º-C (“regras de determinação do valor tributável”) e 135.º-F (“Taxa”) do Código do IMI são, igualmente, inconstitucionais por violação do princípio da igualdade consagrado no já referido artigo 104.º, n.º 3 da CRP.

5.33.      Com efeito, o regime cria deduções aplicáveis tão-só às pessoas singulares e heranças indivisas, isentando de imposto todo o património imobiliário detido por estas pessoas abaixo de € 600.000,00.

5.34.      No entanto, não existe semelhante previsão para as pessoas coletivas que poderia ser aplicado às microempresas ou para empresas que dispusessem de uma faturação abaixo de determinado limiar.

5.35.      Ao não existir semelhante mecanismo, o regime onera, significativamente, as pessoas coletivas em detrimento das pessoas singulares e heranças indivisas, violando, deste modo, o princípio da igualdade fiscal. 

5.36.      Relativamente à taxa aplicável para cálculo do imposto, existe, igualmente, uma distorção: por um lado, às pessoas singulares é aplicado um escalonamento progressivo do imposto em obediência aos artigos 104.º, n.º 2 e 13.º da CRP e 45.º da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”); por outro, às pessoas coletivas é aplicada uma taxa única e imutável que não atende ao valor dos prédios detidos.

5.37.      Além de não ser legítimo considerar que as pessoas coletivas têm maior capacidade contributiva que as pessoas singulares, menos ainda quando se tributa sem quaisquer deduções todo o património imobiliário daquelas.

5.38.      Acresce o facto de todas as pessoas coletivas serem tratadas de forma igual, sejam microempresas ou multinacionais, independentemente do volume de negócios.

5.39.      Este tratamento desigualitário ofende o princípio da igualdade fiscal dado que tributa de forma igual pessoas com rendimentos diferentes.

5.40.      Tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT, por erro imputável aos serviços. 

 

6.            Notificada para o efeito, a Requerida apresentou resposta, em 9 de outubro de 2018, na qual sustenta que:

6.1.        O presente pedido de pronúncia arbitral (doravante, “PPA”) é intempestivo, uma vez que foi ultrapassado o prazo de 90 dias para a sua apresentação previsto no artigo 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT, contado a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária (artigo 102.º, n.º 1, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributário, doravante, “CPPT”).

6.2.        Por conseguinte, a presente ação é intempestiva, pois a data limite de pagamento do imposto era 30 de setembro de 2017 e o PPA foi apresentado no dia 28 de junho de 2018.

6.3.        Não tendo sido apresentado, em tempo, a tempestividade só poderia assentar num qualquer meio de impugnação gracioso do ato de liquidação onde tivessem sido indeferidas as pretensões da Requerente, i.e, impugnação arbitral do ato de segundo grau.

6.4.        Não obstante a Requerente ter apresentado reclamação graciosa do ato de liquidação e ter sido indeferida a sua pretensão, aquando do PPA, a Requerente não formulou ao Tribunal qualquer pedido de anulação da decisão da reclamação graciosa.

6.5.        Com efeito, estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido e não o podendo exceder, fica o Tribunal impedido de apreciar e decidir o pedido formulado conforme o disposto nos artigos 660.º, n.º 2 e 661.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”), i.e., o Tribunal não pode condenar naquilo que não tiver sido pedido.

6.6.        Assim, a AT deve ser absolvida da instância dado o PPA ter sido apresentado fora do prazo legal (cfr. artigo 278.º, n.º 1, al. e) do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT).

6.7.        Sem prejuízo da improcedência do pedido, a Requerida refere que os sujeitos passivos do AIMI são as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos sitos no território português.

6.8.        Nesse sentido, a 1 de janeiro de 2017, a Requerente era proprietária de quatro imóveis:

a)            Artigo matricial n.º... (urbano) – afetação habitação;

b)           Artigo matricial n.º ... – terreno para construção;

c)            Artigo matricial n.º ... – terreno para construção;

d)           Artigo matricial n.º... – terreno para construção.

6.9.        O apuramento dos VPTs foi realizado com base no VPT inscrito na matriz nos termos do artigo 135.º-C do Código do IMI.

6.10.      Os imóveis não estão excluídos do AIMI (cfr. artigos 135.º-B, n.º 2 e 135.º-C, n.º 3 do Código do IMI).

6.11.      Por outro lado, a qualidade de sujeito passivo é determinada nos termos do artigo 8.º do Código do IMI, ou seja, o imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.

6.12.      Por sua vez, o artigo 135.º-B do Código do IMI estabelece que:

“1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 – São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”.

6.13.      Logo, o AIMI recai sobre os prédios classificados como habitacionais e como terrenos para construção, independentemente da sua afetação potencial e sobre os prédios que não estejam isentos ou não sujeitos a tributação em IMI segundo o artigo 135-C, n.º 3, al. a) do Código do IMI.

6.14.      Além disso, o regime permite a dedução do AIMI à coleta de IRC, sendo esta dedução limitada à fração correspondente aos rendimentos gerados por imóveis e sujeitos a IRC, no âmbito da atividade de hospedagem, podendo, em alternativa, o encargo com o pagamento do AIMI ser considerado como gasto fiscalmente aceite para efeitos de determinação do lucro tributável (cfr. o artigo 135.º-J do Código do IMI).

6.15.      Assim, o AIMI tem a natureza de imposto real, pois a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa e não atinge a totalidade do património líquido das entidades.

6.16.      O AIMI tem natureza de tributação real, não representando, por isso, uma mera acumulação de riqueza.

6.17.      O legislador excluiu de tributação os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, contudo, optou por não incluir na exclusão os prédios habitacionais e os terrenos para construção que também integram o ativo das empresas.

6.18.      O caráter progressivo do AIMI apenas se manifesta nas pessoas singulares e não nas pessoas coletivas porque tratando-se de um imposto sobre a “riqueza imobiliária” é necessário reconduzir a expressão à sua real dimensão económica e porque os conceitos de “riqueza” e “fortuna” apenas se adequam às pessoas singulares.

6.19.      Relativamente à comparação do AIMI com a revogada verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, “TGIS”), a exclusão da tributação dos prédios urbanos com fins “industriais, comerciais e serviços” e “outros” traduz a intenção de mitigar o impacto do AIMI sobre as atividades económicas, mas não elimina todo e qualquer impacto do imposto e, por isso, existem entidades que prosseguem atividades económicas que caiam no âmbito de incidência.

6.20.      O único critério relevante para delimitar o âmbito de incidência objetiva é a tipologia de classificação dos prédios urbanos ínsita no artigo 6.º, n.º 1 por remissão do artigo 135.º-B, n.º 2, ambos do Código do IMI.

6.21.      Uma vez que se o imposto em discussão é de natureza real e incide sobre o património imobiliário constituído por prédios urbanos que preenchem os tipos visados pelo n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, a Requerente encontra-se sujeita ao IMI pelos prédios urbanos de que é proprietária.

6.22.      Não obstante se entender que o AIMI não é coincidente nem uma substituição da verba 28.1 da TGIS, no acórdão proferido no processo n.º 378/2018 o Plenário do Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma ínsita na verba 28.1 quando impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, e cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

6.23.      Relativamente à interpretação da AT não há qualquer erro porque limitou-se a cumprir a lei.

6.24.      Contrariamente ao sustentado pela Requerente, o legislador formulou a restrição do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI atendendo à classificação dos prédios, sendo que na letra da lei nada aponta para que a exclusão possa ser ampliada.

6.25.      O artigo 11.º, n.º 1 da LGT determina que o sentido das normas fiscais e a qualificação dos factos são decalcadas das regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, acrescentando no número 2 que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

6.26.      A interpretação tem de ter um mínimo de correspondência com a letra da lei, pois é o seu ponto de partida, contudo, não se esgota na apreensão literal do texto.

6.27.      A interpretação da AT limita-se a obedecer ao que é estatuído no artigo 135.º-B do Código do IMI, excluindo, apenas, de tributação os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais, ou para serviços” e “outros”. 

6.28.      A interpretação que a Requerente faz da norma é abrogante porque o seu alcance extravasa a letra da lei, ao incluir no âmbito de exclusão a totalidade dos prédios de que é proprietária.

6.29.      O recurso à analogia é proibido segundo o artigo 11.º, n.º 4 da LGT, assim, nada na letra da lei indicia que a exclusão de tributação seja extensível aos restantes prédios afetos ao funcionamento da atividade económica do sujeito passivo.

6.30.      A ratio legis do AIMI consiste em atingir uma parcela do património dos sujeitos passivos do imposto, recaindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada pessoa singular ou coletiva.

6.31.      O legislador optou por no artigo 135.º-B, n.º 2 delimitar negativamente a incidência, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua afetação, podem ser economicamente reconhecidos como fatores de produção, a título de capital (i.e., bens intermediários que, conjugados com os demais fatores de produção, produzem novas utilidades – bens económicos que satisfazem necessidades).  

6.32.      O legislador recorreu a um critério relativo às tipologias de prédios urbanos previstas no artigo 6.º, n.º 1, als. b) e d) do Código do IMI e que opera através da subtração ao AIMI dos prédios urbanos que em virtude do licenciamento utilizado e declarado pelos municípios ou, na sua falta, do respetivo destino normal, são reconduzidos às tipologias.

6.33.      Com efeito, existem duas tipologias de prédios urbanos sujeitos a AIMI: prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.

6.34.      O critério adotado é objetivo, procurando conduzir a um tratamento uniforme e igual dos prédios alvo de tributação.

6.35.      A diferente valoração e tributação entre imóveis com afetação habitacional face a imóveis destinados a comércio, indústria ou serviços resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, tratando-se, efetivamente, de uma norma de incidência objetiva de caráter geral e abstrato.

6.36.      O AIMI não pretende tributar genericamente o património, mas manifestações de capacidade contributiva.

6.37.      O Relatório da Proposta do Orçamento do Estado para 2017 e a Exposição de Motivos da proposta legislativa do Partido Socialista perderam a sua atualidade ao referirem que a intenção era a de assegurar a “ausência de impacto na atividade económica”.

6.38.      Tanto assim é que não levou à exclusão da incidência do imposto as sociedades comerciais e outras entidades equiparadas que por se destinarem à prossecução de atividades económicas seriam em maior ou menor grau oneradas pelo imposto.

6.39.      Repare-se que o legislador optou por manter alguns prédios que integram o ativo das empresas, não garantiu em todos os casos que “os prédios urbanos afectos às actividades económicas estariam sujeitos a tributação em AIMI”.  

6.40.      Entende-se, portanto, que a exclusão da incidência objetiva visou, sobretudo, afastar da sujeição os imóveis que dão suporte ao desenvolvimento de bens ou serviços ou para fins administrativos, não cuidando assim de, com caráter geral, “não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social.”.

6.41.      Ainda que os prédios estejam afetos à atividade económica do sujeito passivo, não se pode concluir que se esteja perante bens desprovidos de valor, pois são bens com valor de mercado e valor económico intrínseco, nomeadamente em virtude da sua localização, aptidão construtiva e tendencial escassez.

6.42.      Os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da atividade, pelo contrário, nalguns casos, constituem o núcleo da atividade.

6.43.      Os bens imóveis excluídos da sujeição de AIMI (cfr. artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI) desempenham uma função instrumental em relação às atividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, pois constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas atividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos.

6.44.      Ainda que os prédios sejam instrumentais face às suas atividades, são idóneos a indicar que aquelas pessoas coletivas são titulares de bens que, em si mesmos, evidenciam capacidade contributiva em relação aos demais proprietários imobiliários e, por isso, aptos para suportar uma contribuição adicional para a desejada consolidação orçamental.

6.45.      O AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património e não sobre o rendimento, recaindo sobre manifestações de capacidade contributiva que consistem em elementos do património imobiliário com as caraterísticas previstas no artigo 135.º-B do Código do IMI.

6.46.      Atenta a formulação objetiva do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, é evidente que o legislador quis afastar a aplicação casuística sustentada pela Requerente. 

6.47.      Por fim, o legislador ao alargar a base de incidência a entidades cujo objeto social coincide com o exercício de atividades económicas demonstrou que não era sua intenção deixar fora do âmbito de incidência do AIMI os imóveis cuja titularidade pertence a tais entidades, sob pena de criar um incentivo fiscal à transferência dos imóveis por parte de pessoas singulares.

6.48.      A interpretação da Requerente a ser acolhida viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes consagrado nos artigos 2.º e 111.º e do princípio da legalidade previsto nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, al. i), todos da CRP.

6.49.      A Administração Pública está obrigada a reger-se pelo princípio da legalidade em obediência aos artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 3.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo pelo que os órgãos e agentes administrativos não têm competência para desaplicar normas face às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade.

6.50.      Os tribunais estão obrigados a desaplicar normas inconstitucionais, sendo-lhes atribuída competência para a fiscalização difusa e concreta da constitucionalidade.

6.51.      Neste sentido, os Pareceres da Procuradoria Geral da República (n.ºs 52/84, 8/85, 56/92, 190/81, 90/83, 16/92, 60/95 e 4/96) referem que: “(…) o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por um outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos (…).”.

6.52.      A AT não pode desaplicar uma norma em função da interpretação que faça acerca da sua constitucionalidade.  

6.53.      O princípio da igualdade não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias e irrazoáveis.

6.54.      Quanto aos terrenos para construção, estes dispõem sempre de um valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, não se reconduzem, portanto, a meros direitos de construção de coisas futuras.

6.55.      Já os imóveis excluídos do AIMI (cfr. artigo 135.º, n.º 2 do Código do IMI) têm uma função instrumental face à atividade económica industrial, comercial ou de serviços, pois constituem suporte ao funcionamento da atividade e não são, por si, geradores de rendimentos.

6.56.      A circunstância de os imóveis se destinarem à comercialização e não se tratarem de manifestações de capacidade contributiva é uma falácia na medida em que a sua utilidade e escassez permite atribuir-lhes um valor de mercado.

6.57.      Em matéria de AIMI não traz qualquer utilidade invocar jurisprudência relativa à verba 28.1 da TGIS visto que o AIMI ignora a potencial afetação dos terrenos para construção e, porque se aplica indistintamente da qualidade do sujeito passivo desde que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos abrangidos pelo artigo 135.º-B do Código do IMI.

6.58.      O AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda de imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos para construção e prédios habitacionais.

6.59.      O facto de os bens serem imóveis de investimento, afetos a operações imobiliárias habitualmente desenvolvidas pelos proprietários, não afetando a capacidade contributiva revelada, determinará que a tributação em AIMI seja suscetível de alguma atenuação no âmbito empresarial, tratando-se, pois, de um custo da atividade.

6.60.      Saliente-se que o AIMI é um gasto dedutível, influenciando negativamente o lucro tributável do exercício ou é dedutível à coleta do IRC quando os prédios na matéria coletável sejam incluídos nos rendimentos gerados por imóveis, a ele sujeitos, no âmbito da atividade de arrendamento ou hospedagem (cfr. artigo 135.º-J, n.ºs 1 e 2 do Código do IMI).

6.61.      Conclui-se, portanto, que o AIMI suportado em cada ano civil atenua o montante do IRC pago.

6.62.      O legislador do AIMI, atendendo às finalidades extrafiscais visadas, salvaguardou da tributação os prédios urbanos que constituem o suporte da realização de atividades económicas industriais, comerciais ou serviços de forma a influenciar negativamente o desenvolvimento económico e a competitividade das empresas nacionais. Assim, não estendeu a exclusão da incidência do AIMI aos “terrenos para construção” e aos “edifícios ou construções para fins habitacionais”, sejam os imóveis detidos para fruição do seu proprietário ou para comercialização ou qualificados contabilisticamente como “mercadorias” ou “activos não correntes detidos para venda” ou como “propriedades de investimento”.

6.63.      O legislador selecionou, legitimamente, um elemento do património para tributar, onerando as pessoas singulares e coletivas detentoras desse património, pois concluiu que a detenção manifesta capacidade contributiva.  

6.64.      Pelo que afirmar que um imóvel habitacional ou terreno para construção não revela maior capacidade contributiva por parte do seu proprietário é falacioso.

6.65.      Os juros indemnizatórios peticionados não são devidos na medida em que o ato de liquidação não enferma de ilegalidade e que à AT não pode ser imputado qualquer erro de facto ou de direito, pois cumpriu a lei.

 

7.            Tendo em consideração que as partes não arrolaram qualquer testemunha não se tendo considerado necessário ouvir as partes quanto à exceção invocada em audiência oral, foi, em 29 de outubro de 2018, dado prazo às partes para apresentarem as suas alegações escritas no prazo sucessivo de 15 dias.

 

8.            Em sede de alegações, a Requerente veio responder à matéria de exceção invocada pela Requerida, invocando que:

8.1.        Apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de AIMI, reclamação essa que é voluntária e não obrigatória ao contrário do que a Requerida dá a entender;

8.2.        Não é aplicável ao caso sub judice a jurisprudência em que a Requerida se sustenta para invocar a exceção de intempestividade, já que esta tem como ponto comum de contacto o facto de as decisões dos meios graciosos utilizados terem de ser anuladas para que a liquidação possa ser depois sindicada, coisa que não acontece no caso concreto, acrescentando que ali, não se trata de qualquer questão de intempestividade, mas antes de eventual incompetência do CAAD para se pronunciar sobre determinadas liquidações, por ser obrigatório o recurso a meio gracioso prévio.

8.3.        A Lei não impõe, nem no RJAT nem no CPPT, que para se sindicar a liquidação se tenha de pedir a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apenas refere que, quando tenha sido apresentado este meio gracioso, o prazo passa a contar-se da data da sua decisão, tácita ou expressa.

8.4.        Nos casos em que a decisão da reclamação ocorre por formação do indeferimento tácito, não faria sentido impor-se ao contribuinte atacar uma não decisão, pedindo a anulação duma omissão, para poder atacar um ato tributário que reputa de ilegal ou inconstitucional.

8.5.        A ação é tempestiva, improcedendo a exceção deduzida.

9.            A Requerida, por outro lado, veio essencialmente reiterar os argumentos apresentados na sua resposta.

10.          Em 6 de março de 2019, e, posteriormente, em 6 de maio, foi prorrogado o prazo de decisão por períodos de 2 meses.

  

III. DECISÃO

 

A.           MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

 

11.1.      A Requerente é proprietária dos seguintes imóveis:

(i)           Artigo matricial n.º ... da freguesia de ..., Concelho de ..., Distrito de ... – com o VPT de € 5.990,00;

(ii)          Artigo matricial n.º ... da freguesia de ..., Concelho de ..., Distrito de ... – com o VPT de € 107.830,00;

(iii)         Artigo matricial n.º ... da freguesia de ..., Concelho de ..., Distrito de ... – com o VPT de € 113.350,00;

(iv)         Artigo matricial n.º ... da freguesia de ..., Concelho de ..., Distrito de ... – com o VPT de € 2.310.630,00;

11.2.      Relativamente ao artigo matricial n.º..., a CPU indica um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, afeto à habitação;

11.3.      Quanto ao artigo matricial n.º..., a CPU indica terreno para construção com a descrição de um “TALHÃO DE TERRENO PARA CONSTRUÇÃO URBANA”;

11.4.      Quanto ao artigo matricial n.º..., a CPU refere terreno para construção com a descrição “TALHÃO DE TERRENO PARA CONSTRUÇÃO URBANA”;

11.5.      Por fim, quanto ao artigo matricial n.º..., a CPU indica terreno para construção com a descrição de “TALHÃO DE TERRENO PARA CONSTRUÇÃO URBANA DESTINADO A EQUIPAMENTO COMERCIAL”;     

11.6.      Em todas as CPUs os prédios estão classificados como prédios urbanos;

11.7.      Por discordar da liquidação de AIMI que incidiu sobre os imóveis acima listados, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação, tendo sido notificada do projeto de despacho de decisão de indeferimento através do ofício n.º..., de 2 de maio de 2018, para, querendo, exercer o direito de audição prévia no prazo de 15 dias; 

11.8.      A reclamação graciosa com o n.º ...2018... foi expressamente indeferida pela AT através do ofício n.º..., de 4 de junho de 2018;

11.9.      De acordo com a CPU do prédio urbano com o artigo matricial ... o terreno para construção destina-se a equipamento comercial;

11.10.    Não se encontra edificada qualquer construção no referido terreno.

 

A.2. Factos dados como não provados

12. Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

13.1.      Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).

13.2.      Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

13.3.      Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

13.4.      Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B.            DO DIREITO

 

B.1.        Questão prévia: exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

14.1.      Nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT: “1 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”.

14.2.      Relativamente à questão em apreço, refere JORGE LOPES DE SOUSA que “formando-se indeferimento tácito ou havendo lugar a notificação do indeferimento expresso da reclamação graciosa, os contribuintes dispõem sempre de um prazo de 90 dias para o efeito de apresentação do pedido de pronúncia arbitral.” (JORGE LOPES DE SOUSA, Guia da Arbitragem Tributária. Revisto e atualizado, Almedina: Coimbra, 2017, p. 163). 

14.3.      No caso concreto, a propositura da ação arbitral não dependia de reclamação graciosa necessária pelo que a Requerente poderia ter reagido, diretamente, contra os atos de liquidação.

14.4.      No entanto, a Requerente, como salienta a AT, optou por apresentar reclamação graciosa contra o ato de liquidação de AIMI.

14.5.      Neste contexto, sem prejuízo de decorrer do PPA que a Requerente pede a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de AIMI relativa ao ano de 2017, decorre ainda com clareza que o objeto imediato é o indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

14.6.      Com efeito, no artigo 4.º do PPA refere a Requerente que “[a] contribuinte apresentou uma reclamação graciosa. Doc. n.º 2 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.”, acrescentando no artigo 5.º que “[a] AT indeferiu expressamente a reclamação graciosa por ofício datado de 04.06.2018 (…)”.

14.7.      Entre os documentos juntos ao PPA verifica-se que foi junta a reclamação graciosa na qual está patente a rejeição dos argumentos apresentados pela Requerente e a manutenção do entendimento que fundamentou o ato de liquidação.

14.8.      Sem prejuízo de a Requerente poder identificar a sua pretensão de outra forma, fazendo referência à anulação do ato de decisão da reclamação graciosa, entendemos que a forma como o pedido é efetuado não afeta a tempestividade da presente ação.

14.9.      Sempre será de referir que os princípios “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” devem prevalecer neste contexto.

14.10.    Não há qualquer dúvida que a Requerente apresentou reclamação graciosa e que é contra o ato de indeferimento dessa reclamação que o Requerente vem reagir (a título imediato) através da presente ação arbitral.

14.11.    Desta feita, quanto muito haveria poder-se-ia colocar a possibilidade de a petição inicial ser inepta e não a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

14.12.    Contudo, mesmo em casos mais extremos em que a petição é manifestamente deficiente, as imperfeições da petição não de devem confundir com a sua ineptidão.

14.13.    Conforme defende o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA a respeito da ineptidão da petição inicial, “nem toda incorrecção, nem toda a imperfeição do requerimento inicial conduz[a] à ineptidão. O autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, servindo-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter? A petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta».” (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário. Anotado e Comentado, Vol. II, Áreas Editora: Lisboa, 2011, p. 81).

14.14.    Ou seja, a Requerente poderia ter indicado no seu pedido o objeto imediato (indeferimento expresso da reclamação graciosa) e o objeto mediato (ato de liquidação). Em todo o caso, do PPA decorre, ainda assim, claro, contra que ato reage a Requerente.

14.15.    Mais ainda, a Requerida reconhece que foi apresentada uma Reclamação Graciosa.

14.16.    Acresce que o objeto da impugnação arbitral é o ato de liquidação e não o ato de segundo grau.

14.17.    Conforme o estatuído no artigo 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT é da competência dos tribunais arbitrais a apreciação da “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” (negrito nosso).

14.18.    Neste sentido, CARLA CASTELO TRINDADE sustenta que “[o] objecto do pedido de pronúncia arbitral será, então, a (i)legalidade do acto tributário de primeiro grau, independentemente de o sujeito passivo apontar como objecto da sua acção arbitral este (o acto de primeiro grau) ou o de segundo, isto sempre, desde que o segundo aprecie a (i)legalidade do acto de primeiro grau. Julga-se ainda que mesmo que o contribuinte no objecto da acção arbitral ou no pedido indique erradamente o segundo acto ao invés do primeiro, cabe ao tribunal corrigir oficiosamente desta incorrecção designadamente por imposição do princípio da boa fé processual e da cooperação a que se refere o artigo 16.º alínea f).” (CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária. Anotado, Coimbra: Almedina, 2016, p. 71) (negrito e sublinhado nossos).

14.19.    Também o Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0156/11, de 18/05/2011, defendeu que “o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise. Como se disse, entre outros, no acórdão deste STA de 28/10/2009, proferido no recurso n.º 595/09, «nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objecto do processo de impugnação judicial é, formal e directamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objecto da reclamação, mas o objecto real da impugnação, o acto cuja legalidade está em causa apurar, é o acto de liquidação que foi mantido pelo acto de indeferimento da reclamação». A impugnação não está, pois, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.” (disponível em www.dgsi.pt) (negrito e sublinhado nossos). 

14.20.    Assim, o objeto e o pedido da ação arbitral é, em primeiro lugar, a ilegalidade do ato de liquidação, ainda que o sujeito passivo possa (sendo até aconselhável que o faça) incluir menção à decisão da reclamação graciosa.

14.21.    Atendendo à data da notificação da decisão final da reclamação graciosa no dia 7 de junho de 2018 entende-se que o pedido de constituição de tribunal que deu entrada em 28 de junho de 2018 é tempestivo ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

14.22.    Este entendimento é igualmente defendido nos processos n.ºs 282/2013-T, de 27/05/2014, 347/2015-T, de 05/02/2016 e 618/2015-T, de 22/04/2016.  

14.23.    Assim, em suma, tendo em conta a data da notificação da decisão final da reclamação graciosa, considera-se que o presente PPA não se mostra intempestivo, pelo que se passa à apreciação da legalidade da liquidação.

 

B.2.        Do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis

 

15.1       Para além do disposto acima, em causa no presente aresto está a interpretação do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI cuja redação se transcreve:

“2 – São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”.

15.2       A questão em análise tem vindo a ser tratada de forma fragmentada na jurisprudência do CAAD existindo, no essencial, duas posições divergentes:

(a)          Por um lado, a posição de quem defende que os terrenos para construção que se destinem a fins “comerciais, industriais, ou serviços” ou “outros” estão excluídos de tributação em sede de AIMI. Esta posição encontra-se alicerçada, nomeadamente, na unidade do sistema jurídico, exigida pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica. Para os defensores desta tese, a unidade do sistema jurídico conduz a uma interpretação extensiva da exclusão prevista no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI relativamente aos terrenos para construção. Assim, esta orientação jurisprudencial parece defender que existe uma inconstitucionalidade material quando não se sujeita a AIMI os edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços, mas se tributa os terrenos que se destinam à construção de edifícios com esses mesmos fins. A oneração de alguns contribuintes em detrimento de outros constitui, portanto, para os defensores desta tese uma violação do princípio da igualdade;

(b)          Por outro lado, existe ainda quem entenda que a norma de sujeição do AIMI é aplicável aos prédios urbanos classificados como “habitacionais” e aos “terrenos para construção”, independentemente da sua afetação potencial. Os defensores desta tese, por seu turno, salientam que a extensão do artigo 135.º-B, n.º 2 a terrenos para construção não é correta dado que não se verifica uma identidade entre os terrenos para construção e os prédios construídos da perspetiva da teleologia da norma de exclusão.

15.3       Perante as diferentes posições, perfilhamos, genericamente, a segunda, por ser, na opinião deste Tribunal e como seguidamente se demonstra, a posição mais coerente com a letra e o espírito da lei.

15.4       Ora, no que respeita à incidência subjetiva, são sujeitos passivos do AIMI as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietárias, usufrutuárias ou superficiárias de prédios urbanos situados em território português (cfr. o artigo 135.º-A, n.º 1 do Código do IMI).

15.5       O AIMI incide sobre a soma dos VPTs dos prédios de que sejam titulares as pessoas singulares ou coletivas (cfr. o artigo 135.º-B, n.º 1 do Código do IMI).

15.6       No entanto, encontram-se excluídos do seu âmbito de aplicação os prédios rústicos, os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” tal como definidos no artigo 6.º do Código do IMI e os prédios isentos ou não sujeitos a IMI no ano anterior (cfr. o disposto nos artigos 135.º-B, n.º 2 e 135.º-C, n.º 3, al. a), ambos do Código do IMI).

15.7       A este respeito importa reiterar que a classificação como “comerciais, industriais ou para serviços”, bem como a classificação como “outros” é a que resulta do próprio Código do IMI, em particular, do artigo 6.º deste Código.

15.8       Este ponto é de particular relevo, uma vez que a classificação de prédios urbanos resultante do artigo 6.º do Código do IMI prevê expressamente a existência de “terrenos para construção” (artigo 6.º, n.º 1, al. c)), sendo estes, contudo, deixados de fora da exclusão de incidência prevista no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI,

15.9       E não se fazendo qualquer referência à afetação futura ou potencial de um terreno para construção, como fator de relevo na exclusão destes de tributação.

15.10     Com efeito, legislador classificou os prédios urbanos em quatro espécies: (i) habitacionais; (ii) comerciais, industriais ou para serviços; (iii) terrenos para construção; e (iv) outros (cfr. o artigo 6.º, n.º 1 do Código do IMI).

15.11     Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI os prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços “são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” (sublinhados nossos).

15.12     Já os terrenos para construção consistem nos “terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.” (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI).   

15.13     Para efeitos de AIMI, são, assim, sujeitos a tributação os prédios urbanos que sejam classificados como habitacionais e terrenos para construção.

15.14     Ora, a interpretação da norma deve dispor de um mínimo de correspondência com a letra da lei.

15.15     Com efeito, nos termos do artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil aplicável por força do artigo 11.º, n.º 1 da LGT: “[n]ão pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”.

15.16     Assim, se o legislador tivesse querido excluir do AIMI os prédios potencialmente ou futuramente aptos a desenvolver uma atividade económica de natureza comercial, industrial, de serviços, teria adotado uma formulação que permitisse atribuir esse alcance à norma.

15.17     Assim, concluímos que o legislador não quis excluir esses prédios do âmbito de aplicação objetivo do AIMI.

15.18     Ou seja, o critério utilizado para circunscrever os prédios excluídos prende-se com as tipologias previstas no artigo 6.º e não com a afetação potencial dos prédios à atividade económica do sujeito passivo.

15.19     Assim, apesar da Requerente deter os prédios no âmbito da sua atividade económica, o elemento literal do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI parece não valorizar essa circunstância, por si só, nos casos em que os prédios não são considerados comerciais, industriais, para serviços ou outros e, na falta da recondução dos mesmos às referidas qualificações, não afasta os prédios do âmbito de incidência do AIMI.

15.20     Em todo o caso, o intérprete deve recorrer a outros elementos de interpretação para além do elemento literal, nomeadamente aos elementos histórico e teleológico, pelo que continuaremos a nossa análise.

15.21     Ora, o AIMI foi criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017, doravante, “OE 2017”), tendo entrado em vigor no dia 1 de janeiro de 2017, e sido aditado ao Código do IMI nos artigos 135.º-A a 135.º-L.

15.22     Do Relatório do OE 2017 pode-se retirar que “[o] adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo. Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património. Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente o valor de cada prédio.” (Relatório OE 2017 do Ministério das Finanças, pp. 57 e 60) (disponível em https://www.dgo.pt/politicaorcamental/OrcamentodeEstado/2017/Proposta%20do%20Or%C3%A7amento/Documentos%20do%20OE/Rel-2017.pdf) (negrito e sublinhado nossos).

15.23     Ora, a preocupação expressa no Relatório do OE para 2017 refere-se a uma “utilização produtiva do património” e não ao seu potencial produtivo.

15.24     Embora em termos diversos dos acima descritos, parece também resultar do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI uma preocupação extrafiscal que se traduz num “incentivo”, para utilizar as palavras do referido relatório, a uma utilização efetiva e produtiva dos prédios na atividade comercial, industrial ou de serviços.

15.25     Assim, pese embora nos termos do artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil a interpretação não se deva cingir única e exclusivamente à letra da lei “mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, não se concede, assim o entende este Tribunal, uma permissão ao intérprete para retirar sentidos da norma não pretendidos pelo legislador, mas antes dissipar alguma imperfeição da letra da lei, adequando-a, nomeadamente, ao pensamento legislativo (cfr. artigo 9.º do Código Civil).

15.26     No caso concreto, cumpre assumir, nos termos do artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil, que o legislador expressou corretamente o seu pensamento.

15.27     Desta feita, conclui-se que os terrenos para construção detidos pela Requerente, incluindo o terreno destinado a equipamento comercial são sujeitos a AIMI não se encontrando excluídos da respetiva incidência objetiva do tributo.

15.28     Repare-se que, enquanto a exclusão de tributação relativa a prédios construídos e classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” ou como “outros” se traduz num incentivo à construção e exploração efetiva de uma atividade económica, o mesmo não acontece com a exclusão de um terreno para construção que, por si só, não tem associado um incentivo à edificação, podendo mesmo resultar num desincentivo à construção.

15.29     Com efeito, os terrenos para construção podem manter este enquadramento, i.e., não ser afetos a atividades materialmente comerciais, industriais, de serviços ou outras, durante um período longo ou, até mesmo, indeterminado.

15.30     Assim – caso o critério não fosse o da sua recondução à categoria de prédio urbano classificado como comercial, industrial, serviços ou outros – o prédio não seria sujeito a tributação sem estar afeto a uma utilização produtiva.

15.31     Mais, do ponto de vista jurídico, a alteração da afetação de um terreno para construção poderá ser efetuada com relativa simplicidade, o que poderia conduzir a situações de não tributação por força de uma mera afetação potencial, seguida de uma alteração da classificação, sem que esta passasse a ser, obrigatoriamente, reconduzível às categorias de prédios “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros”.

15.32     O mesmo não acontecerá com um prédio construído afeto a comércio, indústria ou serviços, cuja alteração da afetação implicará, em princípio, obras mais ou menos profundas e/ou alteração do licenciamento.

15.33     Como decorre do acórdão arbitral proferido no processo n.º 654/2017-T, de 03/09/2018, “[n]ão se contestando que sob o ponto de vista de política fiscal a solução pudesse ter sido diferente, e ressalvado o muito respeito por outras opiniões, julga-se que a exclusão de tributação da totalidade ou parte dos “terrenos para construção” não foi a solução adoptada, já que o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI apenas prevê a exclusão de tributação relativamente ao AIMI dos prédios urbanos classificados “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, precisamente nos termos das alíneas b) e d), do n.º 1 do artigo 6.º, o que conduz, inevitavelmente, à tributação dos prédios previstos nas duas restantes alíneas desse mesmo artigo 6.º do CIMI, ou seja, prédios urbanos, classificados como “habitacionais” (al. a)) ou como “terrenos para construção” (al. c)). Abrangidos pela tributação em causa, nos termos da letra da lei, estão todos os prédios urbanos classificados como “habitacionais” e todos os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, e não apenas alguns deles, sendo que caso o legislador, na sua norma de exclusão de tributação, pretendesse excluir uma parte dos prédios referidos nas alíneas a) e c), do nº. 1 do artº. 6º. do CIMI, teria tido todas as possibilidades de o fazer. Do mesmo, poderia o legislador ter alterado as espécies de prédios urbanos previstas no artigo 6.º do CIMI, por exemplo, sub-dividindo os terrenos para construção consoante os fins a que os mesmos se destinassem, o que não aconteceu. Relativamente à possibilidade de interpretação extensiva da exclusão consagrada no referido n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, em ordem a abranger os terrenos para construção não destinados a habitação – solução adoptada nas decisões que acolheram pretensões semelhantes à da Requerente, ora em apreço – julga-se, sempre ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, que não será de acolher. Assim, e desde logo, crê-se que não se verifica a identidade de situações à luz dos critérios juridicamente relevantes, necessária a operar a referida extensão da cláusula de exclusão da sujeição objectiva, ou seja, não se afigura que os terrenos para construção se encontrem numa situação idêntica à dos prédios construídos, do ponto de vista da teleologia daquela cláusula de exclusão. De um ponto de vista teleológico, tal cláusula terá subjacente, em primeira linha, o propósito de onerar com o AIMI os prédios afectos, ou susceptíveis de afectação imediata, a processos produtivos, não se revestindo os terrenos para construção, de tais características, dado que enquanto um prédio construído estará, ou será susceptível de ser imediatamente, afectado a processos produtivos, os terrenos para construção não se encontram em tal situação.  (…) Efectivamente, os prédios já construídos possuem uma realidade material correspondente à tipologia que lhes cabe. Ou seja, a um prédio construído e licenciado para, ou que tenha como destino normal, o comércio, a indústria ou serviços, corresponderá a uma realidade material adequada tais finalidades e, para o que interessa, objectivamente distinta de um prédio construído e licenciado, ou com destino normal, para habitação. Os terrenos para construção, por seu lado, distinguem-se dos restantes terrenos num plano meramente jurídico, ou seja, em função de uma actuação de um ente público (concessão de licença ou autorização, admissão de comunicação prévia ou emissão de informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção – cfr. art.º 6.º/3 e 37.º/3 do CIMI) ou dos proprietários (declaração de finalidade no título aquisitivo; cfr. art.º 6.º/3 do CIMI), às quais a Lei atribui determinados efeitos jurídicos. Deste modo, em função da apontada diferenciação material, a alteração da afectação de um terreno para construção, do ponto de vista das notas relevantes para a problemática em causa, poderá ser simples, bastando, por exemplo, uma mera declaração no título aquisitivo, a apresentação e admissão de uma comunicação prévia, ou a apresentação e aprovação de um pedido de informação prévia. Já a alteração da finalidade de um edifício construído, de habitação para comércio/indústria/serviços, ou vice-versa, implicará, sob um ponto de vista da normalidade, a realização de obras mais ou menos profundas (e necessários licenciamentos). Acresce ainda que um prédio construído tem incorporado um valor significativo correspondente à construção, que, mesmo nos casos em que não esteja concretamente afectado à utilização intendida, constituirá um incentivo natural à sua exploração económica uma vez que, sempre de um ponto de vista da normalidade, um imóvel construído não só não gerará rendimentos, como se desvalorizará (em função da sua degradação) pela sua não utilização. Já um terreno para construção, não só não incorpora, de per si, qualquer incentivo natural para a sua edificação e subsequente afectação a uma actividade produtiva, como, também de um ponto de vista de normalidade, poderá ocorrer precisamente o contrário, ou seja, em função de determinadas condições de mercado que criem expectativas de ganhos meramente especulativos, poderão existir incentivos para os respectivos proprietários manterem a sua condição de terrenos não edificados.” (Cfr. Acórdão arbitral do CAAD proferido no processo n.º 654/2017-T, de 03/09/2018) (negritos e sublinhados nossos).   

15.34     No mesmo sentido, veja-se – a título exemplificativo - os acórdãos arbitrais do CAAD proferidos nos processos n.ºs 664/2017-T, de 26/06/2018; 667/2017-T, de 05/09/2018; 676/2017-T, de 16/07/2018.   

15.35     Sem prejuízo de se considerar que a tributação de apenas algum património (no caso concreto o património imobiliário) - contrariamente à tributação do património global - colocar o princípio da capacidade contributiva em tensão, não parece a este Tribunal que a tributação de prédios para construção seja o elemento determinante para considerar a existência de uma inconstitucionalidade.

15.36     Entendemos, com efeito, que, para efeitos de aplicação do princípio da igualdade, os terrenos para construção com afetação potencial de comércio, indústria e serviços não se assemelham aos prédios construídos já afetos a esses fins.

15.37     Em suma, o princípio da igualdade implica, por um lado, que sejam tratados de forma igual todos aqueles que se encontrem em situação igual e, por outro, recebam um tratamento diferente os que se encontrem em situação desigual. Contudo, no caso em apreço, prédios “comerciais, industriais ou para serviços” não parecem estar numa situação comparável com “terrenos para construção”.

15.38     Mas mais, parece existir um objetivo extrafiscal de incentivo à atividade produtiva, pelo que um juízo de inconstitucionalidade deveria assentar na desproporcionalidade da medida, o que não parece verificar-se nos termos já explicados supra.

15.39     Por último, a Requerente argumenta ainda que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a verba 28.1 da TGIS da TGIS no acórdão n.º 250/2017, dado que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação nos termos do disposto no Código do IMI, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

15.40     Ora, a este respeito cabe-nos referir, em primeiro lugar, que a redação do artigo 135.º-B do Código do IMI não coincide com a redação da verba 28.1 da TGIS.

15.41     Repare-se que a verba 28.1 da TGIS estabelecia o seguinte: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:  

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %” (negrito e sublinhado nosso).

15.42     Uma vez que a norma em causa no presente acórdão arbitral não dispõe do mesmo conteúdo que a norma prevista na anterior verba 28.1 a jurisprudência sobre esta não pode ser totalmente transposta para o caso em apreço.

15.43     As diferenças interpretativas entre as duas normas são, aliás, facilmente compreensíveis e, ademais, justificam a interpretação que ora se defende.

15.44     Com efeito, o legislador, no contexto da Verba 28. da TGIS, refere-se expressamente a uma utilização previsível (“edificação, autorizada ou prevista”), enquanto que na norma constante do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do Imposto do IMI, não se faz qualquer referência a uma afetação potencial, mas sim à classificação efetuada nos termos do artigo 6.º do mesmo Código.

15.45     Ou seja, quando o legislador pretendeu conferir um tratamento diferenciado aos prédios para construção, consoante a sua afetação fê-lo com clareza.

 

B.3.        Dos juros indemnizatórios

 

15.46     A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Requerida, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.

15.47     Não sendo de julgar procedente o PPA, não se pode concluir pela existência de pagamentos indevidos e, consequentemente, não se justifica a anulação das liquidações nem o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

C.            DECISÃO

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar improcedente a exceção invocada relativamente à intempestividade do pedido de pronúncia arbitral;

b)           Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

c)            Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D.           VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 10.359,16, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das als. a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E.            CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de junho de 2019

 

O Árbitro,

(Leonardo Marques dos Santos)