Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 397/2018-T
Data da decisão: 2019-04-10  IRC  
Valor do pedido: € 407.823,60
Tema: IRC - Dedutibilidade de encargos financeiros. Prestações acessórias e suplementares.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

            Os árbitros Dr. José Poças Falcão, (árbitro-presidente), Prof. Doutor Luís Menezes Leitão e Dr. Leonardo Marques dos Santos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-10-2018, acordam no seguinte:

 

 RELATÓRIO

 

A..., S.A., sociedade comercial anónima registada sob o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na ..., n.º..., ...,  ..., com o capital social de € 32.500.000,00 (doravante, “A...” ou “Requerente”), veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, e 17.º-A do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante, “RJAT”), apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (doravante, “AT” ou “Requerida”) com vista à anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante, “IRC”) relativa ao exercício de 2014 com o número 2018... e consequente ato de liquidação de juros, na parte que decorre da correção traduzida na desconsideração de encargos financeiros suportados pela Requerente.

 

1.1.        O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-08-2018.

1.2.        Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, al. a) e do artigo 11.º, n.º 1, al. b) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

1.3.        Em 09-10-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, als. a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

1.4.        Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, al. c) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 29-10-2018.

1.5.        A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

1.6.        Por despacho de 28-02-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

1.7.        As Partes apresentaram alegações.

1.8.        O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

1.9.        As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

1.10.      O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

1.11.      Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

POSIÇÃO DAS PARTES

 

2. A Requerente defende que:

 

2.1.        O ato de liquidação em discussão nos presentes autos deve ser considerado nulo ou, no mínimo, ineficaz, por falta de um ato de demonstração de compensação.

2.2.        O ato de liquidação adicional de IRC (e respetivos juros compensatórios), no valor global a pagar de € 34.936,34, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral teve origem no ato de liquidação adicional de imposto e juros com o número 2018..., consubstanciado na demonstração de acerto de contas n.º 2018..., e no valor global a pagar de € 340.296,29.

2.3.        Esse primeiro ato de liquidação adicional foi recebido pela Requerente a 13-04-2018, mas continha um erro na determinação do imposto alegadamente devido já que a AT não havia considerado o saldo de benefícios fiscais que a Requerente tinha direito a deduzir aos resultados do mencionado exercício de 2014.

2.4.        Foi apresentado um requerimento ainda antes do termo do prazo para proceder ao pagamento voluntário da mencionada liquidação originária, tendo sido solicitada a retificação do aludido lapso.

2.5.        A sua pretensão foi deferida, tendo, consequentemente, sido anulada a liquidação originária e emitida nova liquidação – a liquidação que se contesta parcialmente nos presentes autos, correspondente ao n.º 2018..., no valor de € 34.936,34.

2.6.        A referida liquidação foi paga.

2.7.        A liquidação teve por base o mesmo Relatório de Inspeção Tributária que se encontrava subjacente à liquidação originária.

2.8.        A segunda liquidação (corrigida) não foi acompanhada da competente demonstração de compensação, pese embora tenham sido feitos múltiplos pedidos ao Serviço de Finanças de... – ... .

2.9.        Nunca pôde tomar conhecimento da compensação ordenada pela AT, seus valores ou fundamentos, prazos de pagamento ou meios de reação.

2.10.      A inexistência de um ato de demonstração de compensação – ou a falta da sua notificação à Requerente implica a nulidade do ato de liquidação correspondente, ora em causa, com todas as consequências legais, ou, mesmo que assim não se entenda, a referida falta de notificação comportará sempre, no mínimo, a ineficácia do mencionado ato relativamente à Requerente, nos termos e para os efeitos do artigo 36.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante, “CPPT”).

 

A Requerente defende ainda que:

 

2.11.      Na inspeção levada a cabo pela AT, relativa ao exercício de 2013, foram averiguadas as prestações suplementares e prestações acessórias efetuadas às suas participadas, com o regime das prestações suplementares, não vencendo juros.

2.12.      No mesmo exercício, suportou encargos financeiros relativos a empréstimos e financiamentos obtidos junto de entidades bancárias, destinados ao “investimento, o apoio e reestruturação da estrutura funcional das unidades produtivas com redução do quadro de pessoal, o reforço do fundo de maneio da empresa e o financiamento à exportação”.

2.13.      A AT concluiu que “não foi possível proceder e uma associação direta entre os empréstimos obtidos pela A… SA e as prestações acessórias e prestações suplementares nas suas participadas”.

2.14.      A AT se limitou a refletir em 2014 a correção a que havia já procedido, justamente quanto a encargos financeiros, no ano de 2013.

2.15.      No ano de 2013, contabilizou encargos financeiros no valor global de € 1.543.106,29.

2.16.      Em atenção aos limites previstos no artigo 67.º do Código do IRC, deduziu uma parte desse valor em 2013, e reportou o remanescente para dedução nos exercícios subsequentes.

2.17.      Em 2014, considerou fiscalmente o montante (remanescente) de € 932.360,24, a título de «encargos financeiros suportados no ano de 2013 que, por força da limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento, não puderam ser considerados fiscalmente nesse período», nos termos e para os efeitos do artigo 67.º do Código do IRC.

2.18.      A AT, na sequência de inspeção tributária realizada ao exercício de 2013, concluiu no sentido de dever ser desconsiderada, à luz do artigo 23.º do Código do IRC, a totalidade dos encargos financeiros registados (€ 1.543.106,29), tendo acrescido à sua matéria coletável, no ano de 2013, a parte dos encargos financeiros que havia sido considerada nesse ano para efeitos fiscais.

2.19.      Na liquidação que ora se contesta, limitou-se a desconsiderar a parte dos encargos financeiros (contabilizados em 2013) que, ao abrigo do artigo 67.º, havia reportado para o ano de 2014, no montante de € 932.360,24.

2.20.      Contestou, em sede arbitral, a correção realizada pela AT relativamente ao ano de 2013, bem como a liquidação de IRC daí resultante, as quais se encontram a ser apreciadas pelo tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD no processo n.º 198/2018, pelo que caso o seu pedido de pronúncia arbitral seja deferido, como antecipa, a referida correção será anulada, daí decorrendo não apenas a anulação dos seus efeitos no ano de 2013, quanto a anulação necessária dos efeitos reportados para o ano de 2014 – concretamente, a desconsideração dos aludidos encargos financeiros no valor de € 932.360,24.

 

A Requerente defende também que:

 

2.21.      O seu objeto social, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 dos seus Estatutos, consiste no “exercício de indústria têxtil, podendo explorar qualquer outro ramo de actividade industrial ou comercial que a Assembleia Geral decidir e seja permitido por lei, montar ou fazer aquisições de outras fábricas, estabelecer delegações ou sucursais, gerindo, a título complementar, diversas participações sociais, enquadrando o exercício desta atividade no artigo 3.º, n.º 2 dos seus Estatutos que preveem que a “sociedade poderá adquirir participações de capital em outras sociedades de responsabilidade limitada, qualquer que seja o seu objecto social, e, bem assim, adquirir participações de capital em sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas”.

2.22.      Juntamente com as suas participadas, comercializa os seus produtos predominantemente em mercados internacionais, para os quais canaliza mais de 95% da sua produção.

2.23.      Em 2014, o Grupo B... era composto pelas seguintes sociedades:

 

2.24.      Na sua qualidade de sociedade holding, assumia funções de gestão e de direção de todas as subsidiárias, nomeadamente nomear os órgãos sociais das sociedades participadas, tomar decisões estratégicas sobre a sua atividade, e acompanhar a sua situação económica financeira, provendo, sempre que necessário e adequado, pela aportação dos recursos indispensáveis à prossecução do seu objeto societário.

2.25.      Detinha ainda uma participação de 100% no fundo C..., com escopo imobiliário, e uma participação de 25% na sociedade “D..., S.A.”, dedicada à cogeração.

2.26.      Tanto quanto às sociedades por si dominadas, como relativamente a estas duas últimas entidades, a atividade de gestão prosseguida inseria-se no seu escopo por força dos respetivos estatutos.

2.27.      Quanto às sociedades primeiramente referidas, a gestão justificava-se ainda por força da integração e articulação que se verificava entre a sua atividade e a atividade das suas subsidiárias.

2.28.      O ano de 2014 foi um ano particularmente difícil para o Grupo B..., que se encontrava fortemente dependente dos seus credores e com a sua atividade significativamente alavancada.

2.29.      Em 2014, o Grupo B... dava os seus primeiros passos após uma profunda recapitalização financeira, que inclusivamente culminou numa alteração da sua estrutura societária, e que ficou concluída apenas em novembro de 2013.

2.30.      Em 2013, procedeu à reestruturação da sua dívida bancária – sem o qual estaria impossibilitada a viabilidade do Grupo B... –, a qual exigiu uma revisão minuciosa dos seus processos de trabalho, da sua estrutura acionista e de gestão, e ainda do seu modelo de negócio, com vista à eliminação de quaisquer ineficiências.

2.31.      Num contexto económico muito restritivo, nomeadamente na União Europeia – principal destino das exportações do Grupo B... –, apenas com um esforço financeiro, económico e operacional muito significativo, especialmente centrado no aproveitamento das sinergias internas do Grupo e na total eliminação de ineficiências produtivas, e sob forte supervisão dos seus credores bancários – que acabavam de aceitar uma reestruturação dos seus créditos, em prol da continuidade da B...– foi possível à Requerente manter-se em atividade, salvaguardando o seu percurso histórico e os inúmeros postos de trabalho por que era (e é ainda) responsável.

2.32.      Esse esforço passou, em primeira linha, por maximizar continuamente a integração das atividades prosseguidas pelas diversas sociedades que compreendiam o Grupo B..., com o aproveitamento das sinergias criadas em conformidade, e pela rentabilização dos seus ativos.

2.33.      Em 2014, tomou a decisão de capitalizar as suas subsidiárias “E..., S.A.” (doravante, “E...”), “F..., S.A.” (doravante, “F...”), “G..., S.A.” (doravante, “G...”) e “H..., Unipessoal, Limitada” (doravante, “H...”, anteriormente designada “I..., Lda.”).

2.34.      Os fundos aportados a cada uma destas sociedades foram os seguintes:

a)            € 20.000,00 à E...;

b)           € 511.984,33 à F…;

c)            € 4.000,00 à G...;

d)           € 635.000,00 à H....

2.35.      A E... tem por objeto a «indústria têxtil, fiação, tecelagem, tinturaria e acabamentos de algodão e fibras artificiais e sintéticas».

2.36.      A E... cessou, em 2004, a sua atividade industrial – concentrada desde então na própria A...–, tendo passado a dedicar-se à comercialização de fios.

2.37.      Em finais da década de 2010, E... encontrava-se longe de obter resultados satisfatórios, registando dificuldades crescentes na angariação de clientela e na sua colocação no mercado, com um notório impacto ao nível dos seus resultados operacionais.

2.38.      A E... não tinha capacidade para gerar receitas, mas continuava a registar despesas (correntes), pois era titular de um património imobiliário significativo: terrenos e edifícios industriais, cuja manutenção implicava certos encargos, como IMI, custo de vigilância, seguros, energia, entre outros.

2.39.      Foi necessário aportar fundos a esta sociedade, para que esta fosse capaz de liquidar as suas obrigações primárias.

2.40.      Na qualidade de sócia única, a Requerente considerou-se responsável (e especialmente interessada) pela capitalização que se mostrava necessária, tanto mais que o recurso a financiamento externo estava vedado à partida, tendo então realizado prestações acessórias no valor de € 20.000,00, sujeitando o seu reembolso ao regime das prestações suplementares.

2.41.      A E... entendeu preferível este instrumento de capitalização – o qual, como é consabido, acresceu aos capitais próprios da E...– a outros mais próximos de figuras creditícias, como é o caso dos suprimentos ou das prestações acessórias remuneradas.

2.42.      Tratou-se, com efeito, de uma medida orientada para o reforço e consolidação dos capitais próprios da referida subsidiária, cuja dependência externa, face aos credores, não tinha condições para ser agravada; tratou-se, pois, da capitalização, mais do que do puro financiamento, da sociedade em causa, com vista à sua manutenção.

2.43.      Não afetou os montantes em causa à E... com o intuito de os rentabilizar no plano imediato, através da exigência de juros – os quais, em todo o caso, a E... não teria condições de pagar. O seu intuito foi o de assegurar a viabilidade e manutenção desta sua subsidiária no médio e longo prazo, com vista à obtenção de benefícios económicos duradouros.

2.44.      Tendo procedido à sua avaliação, sabia que era possível alienar os imóveis detidos pela E..., ou as participações da própria sociedade, por um valor muito relevante (entre € 3.000.000,00 a € 5.000.000,00), o qual seria mais do que suficiente não apenas para compensar o investimento realizado até à data, como para gerar uma mais-valia significativa.

2.45.      A venda por um valor considerado adequado não se mostrava possível durante os anos de crise, pelo que entendeu preferível aguardar pela melhoria das condições do mercado imobiliário e proceder à venda do património em causa apenas quando o mesmo voltasse a valorizar-se (assegurando, assim, um retorno maior para o seu investimento), tendo-se limitado a adotar as medidas necessárias para que, até lá, a E... cumprisse as suas obrigações mínimas e indispensáveis e, desse modo, evitasse a insolvência.

2.46.      A decisão de capitalizar a E... em 2014 foi uma decisão empresarial, sustentada numa perspetiva de obtenção de ganhos futuros, que – naquele ano – tinha como propósito essencial assegurar a sobrevivência da subsidiária em causa.

2.47.      Num cenário de insolvência da E..., teria apenas duas alternativas: ou aceitava perder os referidos ativos imobiliários – diminuindo a mais-valia potencialmente decorrente da sua venda posterior –, ou ver-se-ia forçada a despender quantias muito elevadas (bastante mais elevadas do que aquelas que aportou a título de prestações acessórias) para adquiri los em leilão público. E mais: a insolvência da E... (ou sua descapitalização profunda) impediria um terceiro de se interessar pela aquisição das respetivas participações sociais, diminuindo assim o elenco possível de negócios que permitiriam à Requerente rentabilizar o seu investimento.

2.48.      Ao aportar à E... os recursos de que esta necessitava para fazer face às suas dívidas, encontrava-se também a cumprir as suas obrigações de sociedade holding, evitando o agravamento das suas próprias responsabilidades.

2.49.      A incapacidade da E... em fazer face às suas dívidas tinha como pano de fundo, ao abrigo do Código das Sociedades Comerciais (doravante, “CSC”) a responsabilização da Requerente – enquanto sócia única e sociedade dominante da E...– pelos montantes em falta.

2.50.      Ao travar o incumprimento da E..., a Requerente assegurava-se diretamente de que as obrigações vencidas da primeira não viriam agravar o seu (próprio) património, em termos que, entretanto, se tornariam certamente mais onerosos (mais juros vencidos, penalizações, etc.).

2.51.      Tinha ainda interesse em assegurar, tanto quanto possível, a reputação do Grupo, evitando que o mercado tomasse conhecimento das dificuldades que atravessava.

2.52.      As prestações acessórias (sujeitas ao regime das prestações suplementares) realizadas pela Requerente, ainda que de valor relativamente reduzido, foram suficientes para conter e abrandar a descapitalização da E..., dotando-a dos meios necessários para cumprir as suas obrigações no plano imediato.

 

2.53.      F... tem por objeto “o comércio por grosso de artigos e acessórios de vestuário”, servindo um propósito importantíssimo no seio do Grupo B..., responsável por potenciar o segmento de atividade a que se dedica o Grupo como um todo, mas de que beneficiava especialmente a Requerente, relativo à confeção de produtos para vestuário de elevada qualidade na área da moda, e que conta, como clientes, com grandes e prestigiados key players do ramo.

2.54.      Os produtos confecionados para este segmento de atividade são predominantemente criados a partir dos tecidos desenhados e produzidos pela Requerente, existindo uma notória interligação entre a atividade das duas sociedades.

2.55.      A atividade da F..., fruto da situação económica que vinha sentindo nos últimos anos, encontrava-se significativamente deteriorada.

2.56.      Na qualidade de acionista única da F..., a Requerente decidiu introduzir modificações severas na forma de funcionamento e produção desta sociedade, com o intuito de melhor prepará-la para os anos de crise vindouros e procurar assegurar a sua viabilidade.

2.57.      A F..., com o apoio da Requerente fez um esforço muito significativo, inclusivamente financeiro, para inverter a tendência negativa que registara nos dois últimos anos e que era também fruto do contexto que atravessava o mercado e, em 2014, registou um volume de negócios no valor de € 5.750.000,00, tendo quase € 2.000.000,00 resultado de fornecimentos realizados pela Requerente.

2.58.      Ainda assim, fruto das condicionantes (macro e próprias da referida sociedade) a F... registou, em 2014, um EBITDA negativo de cerca de € 366.000,00, e resultados líquidos negativos de € 407.000,00, pelo que continuava a depender, em 2014, do apoio financeiro da sua acionista para levar a cabo o esforço de melhoria mencionado.

2.59.      Assim, tornou-se necessário injetar, em 2014, cerca de € 500.000,00 na F..., sob pena aliás de, não o fazendo, se registar a perda de mais de metade do capital social, e exigir, da Requerente a adoção das medidas referidas no artigo 35.º do CSC: redução do capital (o que não se mostrava suficiente), dissolução (o que era contraproducente e poderia pôr em risco os compromissos financeiros da Requerente e do Grupo) ou injeção de capital (como se fez).

2.60.      Ao invés de aumentar o capital social da sua subsidiária, decidiu investir esta quantia noutros instrumentos de capital próprio – mais concretamente, na realização de prestações acessórias, gratuitas, sujeitas ao regime das prestações suplementares, tendo em vista a capitalização da sua subsidiária, ao permitir-lhe registar os referidos montantes como capitais próprios (i.e., aumentando o valor do património), e não como passivo.

2.61.      As vantagens económicas que esperava retirar deste investimento adicional não se traduziam em juros, mas, num reforço da capacidade da F... de alcançar resultados positivos no seu segmento de mercado com impacto direto e imediato nos resultados da própria Requerente e o efeito indireto e mediato de se traduzir num aumento dos lucros distribuíveis pela subsidiária.

2.62.      Na medida em que os produtos comercializados pela F... eram confecionados preferencialmente com tecidos criados pela Requerente o aumento da produção da primeira tinha um impacto nos resultados da segunda.

2.63.      É responsabilidade dos sócios aportar os fundos necessários às sociedades para que estas sejam capazes de prosseguir a sua atividade sobretudo quando estas se encontrem na situação de descapitalização referida no artigo 35.º do CSC, e mais ainda quando essas sociedades sejam dominadas.

2.64.      Foi motivada pelos seus próprios interesses empresariais e obrigações societárias que acedeu a capitalizar a F... em termos que permitiram o reforço não do seu passivo, mas dos seus capitais próprios, realizando prestações acessórias, gratuitas, as quais, como se viu, concorreram para que a F... continuasse nos anos vindouros a inverter progressivamente os seus resultados.

2.65.      No que respeita à G..., a situação é semelhante à da E... . Na medida em que tinha um património considerável – terrenos e recursos naturais que, em 2014, ascendiam ao valor de balanço de € 244.340,51, mas que a Requerente entendia poder vender por um valor entre € 500.000,00 e € 750.000,00–, o qual deixou de ser utilizado no âmbito da respetiva atividade, foi decidido manter a sociedade “adormecida”, enquanto o Conselho de Administração estudava a melhor forma de rentabilizar o património em causa.

2.66.      Na medida em que não tinha atividade, a G... não gerava proveitos, mas ia contraindo obrigações, que não tinha meios de liquidar, necessitando de uma injeção de capital adicional.

2.67.      Nesse sentido foram realizadas prestações acessórias, sujeitas ao regime das prestações suplementares, no valor de € 4.000,00.

2.68.      A decisão de realizar estas prestações acessórias foi exclusivamente empresarial, sendo estas, no fundo, o custo que a Requerente teve de assumir para manter em aberto a possibilidade de rentabilizar a sua subsidiária (e respetivos ativos), nomeadamente através da sua venda, hipótese que se afigurava mais provável – no fundo, tal como sucedia quanto à E... .

2.69.      À luz deste objetivo, as prestações acessórias só poderiam ser gratuitas, sob pena de deverem ser contabilizadas não no património (capitais próprios) da G..., mas antes no seu passivo, que se veria assim agravado – diminuindo, em consequência, o potencial interesse do mercado na aquisição da sociedade em causa ou dos seus ativos imobiliários; aliás, colocando a sociedade em verdadeira situação de insolvência.

2.70.      No que respeita à H..., esta é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objeto o comércio a retalho e por grosso de vestuário e seus acessórios, calçado, marroquinaria e artigos de viagem, joalharia, bijuteria e relojoaria, perfumaria, cosméticos e artigos de higiene pessoal, têxteis para o lar, tecidos para vestuário e têxteis-lar.

2.71.      Trata-se, assim, da sociedade que detém as lojas onde são alienados os produtos têxteis confecionados pelo Grupo B..., sendo detida a 100% pela Requerente.

2.72.      No âmbito da estratégia de remodelação da sua atividade, a H... abriu ainda uma nova loja em  ... (a 15-07-2014) e um espaço de venda numa loja multimarca situada em Lisboa (a 09-05-2014).

2.73.      Muito embora a H... tenha registado um volume de negócios de cerca de € 743.000,00 euros, concluiu o ano de 2014 com uma margem bruta apenas ligeiramente positiva, registando um EBITDA negativo (em cerca de € 360.000,00), assim como foram também negativos os seus resultados líquidos (mais de € 400.000,00).

2.74.      De modo que, para assegurar a manutenção da H..., continuando a apoiá-la no processo de reestruturação e melhoria em curso, teve de realizar entradas adicionais de capital na modalidade de prestações suplementares, as quais serviram essencialmente para reforçar os capitais próprios e regularizar dívidas operacionais da H....

2.75.      Também aqui, valem as considerações supra acerca da absoluta necessidade em registar os montantes aportados (€ 635.000,00) como capital, como aliás impunha o artigo 35.º do CSC, e não como passivo; razão pela qual foram os mesmos entregues à H... sob a forma de prestações suplementares.

2.76.      Foram estas prestações suplementares que contrariaram (parcialmente) a deterioração da situação patrimonial e financeira da empresa, permitindo à H... solver as suas dívidas e assim assegurar a sua atividade, sem ter de «recorrer a qualquer passivo por financiamento bancário» – o que não apenas se mostraria impossível, à data, atendendo às circunstâncias particulares da subsidiária em causa, como apenas agravaria o seu estado financeiro.

2.77.      Tratou-se, uma vez mais, de cumprir as suas obrigações societárias, cuidando pela manutenção de uma subsidiária (detida a 100%) cuja atividade, para além do mais, se integrava em pleno na sua própria atividade, com manifestas vantagens ao nível das sinergias criadas.

2.78.      Para o volume de negócios da H... em 2014, no valor de € 743.000,00, contribuíram operações com a Requerente no valor de quase € 500.000,00.

2.79.      O apoio financeiro prestado a esta subsidiária veio a mostrar-se insuficiente e, em finais de 2017, a A... acabou por tomar a decisão de dissolver H... .

2.80.      Em todos os casos acima discriminados, a decisão de aportar fundos às suas subsidiárias teve subjacente motivações empresariais próprias.

2.81.      Em todos os casos, as sociedades que desempenhavam um propósito na estrutura da Requerente, que tinham utilidade para a sua atividade, ou cujo sucesso ou manutenção se refletia positivamente na esfera da Requerente.

2.82.      A isto acresce que estava absolutamente convencida de que o fracasso económico de apenas uma das subsidiárias teria um efeito sistémico, na saúde financeira do Grupo e da sua holding, impossível de controlar.

2.83.      Por outro lado, era, em 2014, detentora (direta ou indiretamente) da totalidade do capital social das subsidiárias, de onde resulta que o compromisso com a capitalização das mesmas não era apenas motivado pelo seu próprio interesse empresarial direto (ou operacional), consistindo afinal numa obrigação societária.

2.84.      Nos termos da lei societária, as prestações suplementares – tal como as prestações acessórias sujeitas ao regime daquelas – não vencem juros, equivalendo a um reforço dos capitais próprios das sociedades delas beneficiárias. Não é o que sucede, porém, com as prestações acessórias remuneradas, bem como com os suprimentos.

2.85.      As prestações acessórias remuneradas e os suprimentos agravam o passivo, sendo consequentemente considerados como dívida da sociedade que os recebe. Assim, caso tivessem sido estes os instrumentos utilizados, a Requerente teria contribuído justamente para o efeito que pretendia evitar: o agravamento da situação económico financeira das participadas, com a diminuição do valor do seu investimento e das probabilidades de o recuperar, a deterioração da marca B...– cujos efeitos se sentiriam, antes de mais, na esfera da própria Requerente –, o risco de perda de clientela (comum), bem como o risco de insolvência, e o impacto que, de forma geral, o fracasso das referidas participadas teria na atividade produtiva da sociedade Requerente ora em causa.

2.86.      As prestações que realizou eram absolutamente indispensáveis, traduziram uma decisão estratégica, tomada a pensar no médio e longo prazo, que em vez de se focar nos juros que eventualmente seria possível realizar com os montantes aportados às participadas – as quais, em todo o caso, não estavam à data em condições de os pagar –, centrou-se na manutenção das respetivas participações sociais na esfera da Requerente – assegurando que estes ativos sobreviveriam ao período de crise económica – e na sua recuperação, com vista à obtenção de ganhos (no sentido imediato, de vantagens operacionais, e mediato, no sentido de lucros ou mais-valias) futuros.

2.87.      Em face do contexto económico descrito, a própria Requerente vinha enfrentando, desde 2012, dificuldades financeiras consideráveis, estando a sua atividade profundamente alavancada, em termos tais que tornavam imprescindível e urgente a sua recapitalização.

2.88.      Essa recapitalização veio a ocorrer em finais de 2013, tendo sido levada a cabo por um sindicato bancário composto pelos seus dois maiores credores, J... e K..., e culminou na subscrição de uma participação de 10% por um fundo de capital de risco detido pelo (atualmente) L:.. o M... .

2.89.      A entrada deste novo sócio na sua estrutura acionista e a sujeição desta, em termos gerais, ao controlo e supervisão apertados dos seus credores bancários, levaram a que fossem também reduzidos os principais gastos operacionais – através da eliminação de ineficiências, do aproveitamento de sinergias, mormente com as subsidiárias acima indicadas, etc. –, e encetadas medidas com vista ao aumento do volume de negócios.

2.90.      Neste contexto, os seus resultados operacionais registaram uma melhoria em 2014, mas a Requerente estava ainda profundamente alavancada, com compromissos bancários que se destinavam a vigorar pelo menos durante a década subsequente, com um impacto significativo ao nível dos encargos financeiros suportados.

2.91.      Os montantes dos financiamentos bancários suportados pela A... em 2014, ascendiam a mais de € 78.000.000,00, com o valor global das prestações acessórias ou suplementares realizadas a favor das subsidiárias nesse mesmo ano (€ 1.100.000,00).

2.92.      Não é possível estabelecer uma relação direta entre a dívida bancária suportada pela Requerente e a necessidade de aportar fundos às sociedades acima indicadas.

2.93.      Os encargos financeiros que a Requerente suportou em 2014 derivaram, quase na totalidade, da reestruturação financeira realizada uns meses antes, mais concretamente: do empréstimo prestado pelo sindicato bancário composto pelo J... e pelo K... de que a Requerente necessitou para, naquele ano, assegurar a sua viabilidade.

2.94.      Os empréstimos bancários não se relacionaram com as prestações realizadas.

2.95.      Por outro lado, demonstrado o interesse (empresarial) em capitalizar as suas subsidiárias, não se colocam dúvidas quanto ao carácter (empresarial e, nessa medida, indispensável) dos encargos financeiros relativos a empréstimos que, em abstrato, possam ter contribuído para as prestações realizadas,

2.96.      Não havendo diferença, do ponto de vista da indispensabilidade dos encargos financeiros suportados, entre capitalizar as subsidiárias ou utilizar os mesmos montantes no desenvolvimento de meios que permitissem à A... exercer as actividades complementares a que aquelas se dedicavam.

2.97.      Ao contribuir para a sua capitalização a Requerente assegurou, diretamente, a sua própria viabilidade, o aumento do valor dos seus ativos, em certos casos o crescimento da sua atividade produtiva, e ainda o reforço da sua marca e da reputação de que o Grupo gozava no mercado – e que beneficia, em primeira linha, a A... .

2.98.      O montante investido nas demais subsidiárias era apto a retornar à Requerente sob a forma de lucros futuros, ou de mais valias caso se proporcionasse a venda das respetivas participações sociais ou dos seus ativos imobiliários (seguida da dissolução e liquidação das entidades em causa).

7

3. A Requerida, por sua vez, defende que:

 

 

3.1.        Na sequência da ação inspetiva externa efetuada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017... emitida em 29-09-2017 para ser efetuado controlo declarativo, de âmbito parcial dirigido ao ano de 2014, foi elaborado documento de correção único de que resultou a liquidação n.º 2018..., no valor de € 305.289,08, acrescido de juros compensatórios, e o estorno da liquidação n.º 2015... no montante de € 403,51.

3.2.        Das referidas liquidações solicitou a Requerente a sua retificação com fundamento de que, no apuramento do imposto decorrente das correções à matéria tributável efetuadas, a AT não considerou, nas deduções à coleta e até à sua concorrência, os benefícios fiscais de que dispunha em 31-12-2014, no montante de € 1.600.000, requerendo a anulação da referida liquidação adicional de IRC, e dos correspondentes juros compensatórios, bem como a emissão de uma nova liquidação de IRC que inclua, no seu apuramento, a dedução de benefícios fiscais no montante de € 273.944,45, do saldo disponível do benefício fiscal proveniente do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento (“SIFIDE”). 

3.3.        A reclamação foi deferida tendo-se decidido anular a liquidação de IRC do ano de 2014 originada pelo documento único de correção elaborado pela Inspeção Tributária em 29-03-2018, e efetuando-se uma nova liquidação em que, ao valor da coleta de IRC de € 769.031,79, foi abatido o montante de € 769.031,79, relativo a benefícios fiscais cujo acréscimo, relativamente ao inicialmente declarado na autoliquidação feita pelo sujeito passivo, respeita à utilização de € 273.944,44, de benefícios fiscais provindos do programa SIFIDE, tendo igualmente sido anuladas as liquidações de juros compensatórios efetuadas com respeito ao ano de 2014. 

3.4.        Neste contexto, não foram beliscadas quaisquer possibilidades de defesa da Requerente, uma vez que, a fundamentação dos atos de liquidação controvertidos, bem como do relatório de inspeção tributária, é expressa, clara, suficiente e congruente, sendo que a Requerente defende um enquadramento diferente da factualidade que sustenta as correções efetuadas, o que não pode de todo confundir-se com a insuficiência de fundamentação. 

3.5.        Tendo em conta os fundamentos de facto e de direito alegados pela Requerente nos presentes autos, esta teve conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração Fiscal para a determinação dos atos controvertidos, pelo que deve ser julgado improcedente o vício de falta dos elementos do artigo 36.º, n.º 2 do CPPT. 

 

Por outro lado, defende ainda a Requerida que:

 

3.6.        Da conjugação do artigo 11.º, n.ºs 4 a 6 do CSC resulta que a simples permissão estatutária para aquisição de participações sociais não configura uma extensão do seu objeto social, mantendo-se inalterado o objeto social da empresa. 

3.7.        Da base de dados da AT, resulta que a Requerente exerce as seguintes atividades principais: ACABAMENTO DE FIOS, TECIDOS E ARTIGOS TÊXTEIS, N.E., a que corresponde o CAE 13303, e das atividades secundárias de PREPARAÇÃO E FIAÇÃO DE LINHO E OUTRAS FIBRAS TÊXTEIS (CAE 13105), TECELAGEM DE FIO DO TIPO SEDA E DE OUTROS TÊXTEIS (CAE 13203) e BRANQUEAMENTO E TINGIMENTO (CAE 13301). Em 01-01-2017, registou-se também para o exercício da atividade de ARRENDAMENTO DE BENS IMOBILIÁRIOS (CAE 68200).

3.8.        No âmbito da ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2017...dirigida ao ano de 2013 para ser efetuado controlo declarativo, em sede de IRC, cujo relatório de inspeção tributária foi elaborado em 27-11-2017, a AT apurou que, na determinação do resultado tributável daquele período, o sujeito passivo considerou encargos com financiamentos no valor de € 1.543.106,29 que, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, não se revelaram indispensáveis à obtenção dos seus rendimentos, conforme fundamentação vertida no referido relatório. No entanto, nos termos do artigo 67.º do Código do IRC, na redação à data dos factos, conjugado com o artigo 192.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o sujeito passivo acresceu, no campo 748 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, o montante de € 1.114.756,62, relativo a encargos com financiamentos suportados, pelo que a correção ao resultado tributável feita pela AT e relativa a esta matéria ascendeu a apenas € 428.349,67.

3.9.        O sujeito passivo deduziu, no campo 795 do quadro 07 da declaração de rendimento modelo 22 do ano de 2014, o montante de € 932.360,24, relativos a encargos financeiros suportados no ano de 2013 que, por força da limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento, não puderam ser considerados fiscalmente nesse período. No entanto, e porque a AT desconsiderou o montante de € 1.543.106,29, apesar de ter feito uma correção parcial ao resultado tributável, vai agora acrescer-se o valor reportado pelo sujeito passivo no ano de 2014 relativo a gastos de financiamentos de períodos anteriores.

3.10.      Do procedimento inspetivo n.º OI2017..., apurou-se, que a Requerente efetuou os seguintes movimentos a débito em subcontas da conta 41- Investimentos Financeiros:

1) E...

 

2) F…

   

3.11.      Na subconta “41410000 INV. FIN- PARTES DE CAPITAL- OUTRAS EMPRESAS”, efetuou os seguintes movimentos:

 1) G...

 

3.12.      Na subconta “41420000 INV. Empr. Concedidos - outras empresas, efetuou os seguintes movimentos:

1) H...

  

3.13.      A propósito das deliberações das prestações acessórias e suplementares nas sociedades participadas apurou-se que: 

  1. E...

“No dia 2014-12-15 reuniu a Assembleia Geral da sociedade E... SA, ata n.º 56, através da qual foi proposta e aprovada pelo representante da accionista única A... SA, a (…) formalização da constituição de Prestações Acessórias, em numerário, a título gratuito, estatutariamente sujeitas a um regime idêntico ao do disposto nos artigos 211.º a 213.º do Código das Sociedades Comerciais, no montante global de € 20.000,00 (vinte mil euros), já anteriormente entregue à sociedade”, para fazer face “às necessidades decorrentes da atividade actualmente desenvolvida pela sociedade, no decurso deste ano, (…)”

 2. F...

“No dia 2014-11-14, reuniu a Assembleia Geral da sociedade F... SA, ata n.º 8, através da qual foi proposta e aprovada pelo representante da acionista única A...S A, a …realização, até ao próximo dia 30 de novembro, em numerário e a título gratuito, de prestações acessórias no montante de € 511.984,33 (quinhentos e onze mil, novecentos e oitenta e quatro euros e trinta e três cêntimos), prestações essas que, nos termos do n.º 5 do artigo 4.º dos Estatutos, estarão sujeitas a um regime idêntico ao do disposto nos artigos 211º a 213º do Código das Sociedades Comerciais.”, “as quais se mostram necessárias ao desenvolvimento da atividade social da sociedade.” .

 3. G...

“No dia 2014-12-16, reuniu a Assembleia Geral da sociedade G... SA, ata n.º 67, através da qual foi proposta e aprovada pelo representante da accionista única A... S A, a … formalização da constituição de Prestações Acessórias, em numerário, a título gratuito, estatutariamente sujeitas a um regime idêntico ao do disposto nos artigos 211º a 213º do Código das Sociedades Comerciais, no montante global de € 4.000,00 (quatro mil euros), já entregue à sociedade”, para fazer face “às necessidades decorrentes da atividade actualmente desenvolvida pela sociedade, no decurso do corrente ano 2014” .

 4. H...

“No dia 2014-12-17 reuniu a Assembleia Geral da H... LDA, à data denominada H..., LDA, tendo sido lavrada a ata nº 70, na qual foi aprovada a deliberação sobre a formalização da realização de prestações suplementares no montante total de 635.000,00 EUR efetuadas pela única sócia A... S A, para fazer (…) face às necessidades decorrentes da actividade desenvolvida pela sociedade, no decurso deste ano a sócia única A... S A, predispôs-se a constituir Prestações Suplementares, tendo, para o efeito, entregue à sociedade, ao longo do ano de 2014, o montante de € 635.000,00 (seiscentos e trinta e cinco mil euros) que há agora que formalizar”. 

3.14.      Do teor das atas supra referidas e dos documentos suporte aos registos contabilísticos analisados resulta que, durante o ano de 2014, a Requerente efetuou:

 

a)            prestações acessórias às suas subsidiárias E..., F... e G... no valor global de € 535.984,33, tendo em relação às mesmas deliberado, no que respeita a juros, remunerações e restituições, aplicar-lhe o regime idêntico ao das prestações suplementares previsto nos artigos 211.º a 213.º do CSC, pelo que as prestações acessórias não venceram juros nem foram remuneradas por qualquer forma, prevendo-se a sua restituição apenas quando a situação líquida das sociedades participadas assim o permitisse.

b)           prestações suplementares à sua participada H... no montante de € 635.000,00.

3.15.      Em todas as atas é referido que a constituição das prestações acessórias e prestações suplementares por parte da Requerente a favor das suas participadas ocorreu para fazer face a necessidades decorrentes da atividade desenvolvida por essas empresas.

3.16.      De acordo com a nota 5.2 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados, em 31-12-2014 os empréstimos concedidos pela Requerente às suas subsidiárias e participadas ascendiam a € 11.145.186,30, tendo em conta os valores apurados no período anterior acrescidos dos movimentos ocorridos no período, conforme se demonstra: 

    

3.17.      Em 31-12-2014, o sujeito passivo tinha registado na conta SNC “25 – Financiamentos Obtidos”, o valor total credor de € 77.249.873,24, conforme apurado pelo balancete analítico de final de período, distribuído pelas seguintes entidades financiadoras:

 

3.18.      Do teor das atas supra referidas e dos documentos suporte aos registos contabilísticos analisados resulta que, durante o ano de 2014, o sujeito passivo suportou os seguintes encargos:

1.            Juros

Em 31-12-2014, os gastos e perdas de financiamento registados nas contas SNC “69111000 - GPF – EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS”, “69117000 GPF - JUROS FACTORING”, “69119000 GPF - OBRIGAÇÕES” e “69180000 GPF – OUTROS JUROS”, ascenderam a € 5.198.784,31, conforme apurado pelos movimentos e saldos extraídos do balancete analítico e contas correntes. No entanto, o montante de € 338.815,58, desse valor contabilizado na rubrica GPF - EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS refere-se a juros suportados em virtude da devolução de incentivos, pelo que não respeita a empréstimos bancários.

2.            Serviços bancários

Os serviços bancários associados a estes empréstimos obtidos, no ano de 2014, registados na conta SNC “62270001 - FSE - SERVIÇOS BANCÁRIOS”, ascenderam a € 399.021,51, conforme apurado pelos movimentos e saldos constantes do balancete analítico e conta corrente.

3.            Imposto do Selo

Acresce que o imposto do selo relativo a financiamentos suportados pelo sujeito passivo no ano de 2014, contabilizado na conta SNC “68120002-IMP. INDIRECTOS - IMPOSTO DE SELO”, ascendeu a € 199.240,15, conforme apurado pelos movimentos e saldos extraídos do balancete analítico e conta corrente.  

3.19.      Assim, no ano de 2014, os encargos com financiamentos contabilizados e deduzidos pelo sujeito passivo foram os seguintes:

   

3.20.      Verificando-se que a Requerente se financiou junto de instituições financeiras contraindo empréstimos pelos quais suportou encargos financeiros e imposto do selo, sendo que através da análise à contabilidade não foi possível identificar quais os empréstimos em concreto que foram afetos à realização das prestações acessórias e suplementares, aplicando uma parcela daquele financiamento na concessão de prestações acessórias e de prestações suplementares, não remuneradas, às suas participadas, pelo que a parte dos encargos financeiros e do imposto do selo correspondente a essa parcela não configura um gasto com relevância fiscal na esfera daquele.

3.21.      A Requerente:

a.            Concedeu prestações acessórias sujeitas a um regime idêntico ao do disposto nos artigos 211.º a 213.º do CSC e prestações suplementares, não remuneradas, às suas participadas; 

b.            Recorreu a empréstimos; 

c.            Pelo facto de recorrer a empréstimos suportou encargos financeiros e imposto do selo; 

d.            Através da análise à contabilidade não foi possível identificar quais os empréstimos, em concreto, que foram afetados à realização das prestações acessórias e suplementares.

 

MATÉRIA DE FACTO

 

4.            Factos provados

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

4.1.        A Requerente tem como objeto, de acordo com o ponto 1 do artigo 3.º dos Estatutos da Sociedade, o “exercício da indústria têxtil, podendo explorar qualquer outro ramo de actividade industrial ou comercial que a Assembleia Geral decidir e seja permitido por lei, montar ou fazer aquisições de outras fábricas, estabelecer delegações ou sucursais”.

4.2.        O artigo 3.º, n.º 2 dos Estatutos da Requerente acrescenta que “a sociedade poderá ainda adquirir participações de capital em outras sociedades de responsabilidade limitada, qualquer que seja o seu objecto social, e, bem assim, adquirir participações de capital em sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas”.

4.3.        A AT efetuou uma ação inspetiva à Requerente em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2017..., emitida em 29-09-2017, tendo sido elaborado o Relatório da Inspeção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

 

4.4.        Na sequência da ação inspetiva, a AT emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2018..., e a demonstração de acerto de contas ID Documento 2018... e a compensação n.º 2018 ... cujas cópias constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

4.5.        No dia 20-08-2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, em que impugna apenas as liquidações de IRC e juros compensatórios na parte em que assentam na referida correção, quantificando a ação em € 407.823,60, que se consubstancia na desconsideração fiscal, à luz do disposto artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, de parte dos encargos financeiros e Imposto do Selo suportados no exercício de 2014, com financiamentos bancários.

4.6.        A Requerente financiou as suas participadas, todas detidas direta ou indiretamente a 100%, através de prestações suplementares e prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares para evitar as consequências negativas que resultariam para si da insolvência daquelas, em termos reputacionais e de análise de crédito;

4.7.        A Requerente tem uma atividade integral de produção e comercialização de têxteis repartida pelas suas participadas, abrangendo a produção completa de tecidos (desde a fiação, tecelagem, acabamentos, tinturaria), confeção de roupas completas e venda direta ao público através de uma marca própria, que a Requerente adquiriu;

4.8.        A comercialização de peças por empresas participadas permite incrementar a atividade de produção da Requerente;

4.9.        A Requerente é a sociedade mãe que gere a globalidade da produção e comercialização;

4.10.      Além da produção e da comercialização direta ao público através de participadas, a Requerente também exporta e produz para outras empresas e marcas;

4.11.      A E... em 2014 já estava inativa, mas interessava-lhe manter as instalações por disporem de imóveis que a Requerente contava vender por um valor elevado, para depois, dissolver essa sociedade;

4.12.      A E... apesar de inativa tinha encargos a suportar com a gestão e manutenção do seu património, pelo que necessitava de ser financiada, pois não tinha possibilidade de gerar meios para os suportar;

4.13.      A Requerente não queria que a E... fosse declarada insolvente, pois correria o risco de delapidar o seu valor;

4.14.      A F... registou em 2014 um EBITDA negativo de cerca de € 366.000,00, e resultados líquidos negativos de € 407.000,00, pelo que continuava a depender, em 2014, do apoio financeiro da sua acionista para levar a cabo o esforço de melhoria mencionado, tornando-se necessário injetar cerca de € 500.000,00 na sociedade, sob pena aliás de, não o fazendo, se registar a perda de mais de metade do capital social, e exigir, da Requerente a adoção das medidas referidas no artigo 35.º do CSC. Na medida em que os produtos comercializados pela F... eram confecionados preferencialmente com tecidos criados pela Requerente o aumento da produção da primeira tinha um impacto nos resultados da segunda.

4.15.      A G... não tinha atividade, mas tinha um património considerável que a Requerente entendia poder vender por um valor entre € 500.000,00, (mínimo) e € 750.000,00.

4.16.      Na medida em que não tinha atividade, a G..., não gerava proveitos, mas ia contraindo obrigações, que não tinha meios de liquidar, necessitando de uma injeção de capital adicional. Nesse sentido, foram realizadas prestações acessórias, sujeitas ao regime das prestações suplementares, no valor de € 4.000,00.

4.17.      A H... detém as lojas onde são alienados os produtos têxteis confecionados pelo Grupo B... .

4.18.      A H... registou um volume de negócios de cerca de € 743.000,00, tendo concluído o ano de 2014 com uma margem bruta ligeiramente positiva, e registando um EBITDA negativo (em cerca de € 360.000,00), assim como foram também negativos os seus resultados líquidos (mais de € 400.000,00).

4.19.      De modo que, para assegurar a manutenção da H..., continuando a apoiá-la no processo de reestruturação e melhoria em curso, teve de realizar entradas adicionais de capital na modalidade de prestações suplementares, as quais serviram essencialmente para reforçar os capitais próprios e regularizar dívidas operacionais da H... .

4.20.      A Requerente era uma empresa fortemente alavancada, recorrendo intensamente ao crédito, estando sob atenção intensa da banca e pelas empresas de informação financeira que atribuem ratings, pelo que tinha interesse em evitar que empresas por si dominadas se tornassem insolventes, por que isso teria impacto negativo nas condições de obtenção de crédito pela Requerente;

4.21.      A Requerente estava convicta de que, se não tivesse efetuado os investimentos às participadas sofreria mais prejuízos do que o oposto;

4.22.      A Requerente não fez os referidos aportes de capital com juros, por as participadas não os poderem pagar;

4.23.      Se não tivesse efetuado os investimentos nas participadas, a Requerente não reduziria forçosamente as suas dívidas à banca, pois poderia aumentar os seus investimentos ou efetuar outras despesas;

4.24.      Em 08-06-2018 a Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

5.            Factos não provados

5.1.        Não se provou que os empréstimos bancários contraídos pela Requerente estivessem relacionados com os investimentos realizados às suas participadas.

5.2.        Quanto a este ponto, a própria AT reconheceu no Relatório da Inspeção Tributária que “através da análise à contabilidade não foi possível identificar quais os empréstimos em concreto que foram afetados a realização das prestações acessórias e suplementares” (página 10).

 

6.            Fundamentação da fixação da matéria de facto

6.1.        Os factos provados baseiam-se no Relatório da Inspeção Tributária e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 DO DIREITO

 

Da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros

7.1.        A questão de fundo que se coloca nos presentes autos é saber se o ato tributário sub judice, que assenta na não dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros resultantes da obtenção de financiamentos junto de instituições financeiras, pode ou não ser aceite como gasto fiscal, à luz do disposto no artigo 23.º do Código do IRC. 

7.2.        A questão em discussão já foi abordada em processos anteriores no CAAD, nomeadamente nos processos n.ºs 585/2014-T ou 298/2017-T, que seguiremos de perto por nos identificarmos com a posição então adotada.

7.3.        Nos termos do artigo 23.º do Código do IRC (na redação vigente em 2014), “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

7.4.        O conceito de indispensabilidade tem sido repetidamente apreciado pela jurisprudência arbitral, designadamente no que concerne ao reforço do investimento por uma sociedade nas suas participadas.

7.5.        Com efeito, escreve Tomás Tavares e decorre do Acórdão n.º 298/2017-T que a “noção legal de indispensabilidade recorta-se (...) sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.” Acrescentando que a “noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro”. (Cfr. Tomás Tavares, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, página 136).

7.6.        Desta feita, “[i]ndispensabilidade não significa, pois, um nexo de causalidade obrigatória com rendimentos/proveitos, nem que, a posteriori, se devem verificar ou comprovar necessariamente efeitos económicos lucrativos decorrentes de tais gastos. Desde que os gastos resultem de actos de gestão que, com base na informação conhecida aquando da sua execução, pudessem ter como objectivo a obtenção esperada de rendimentos ou a manutenção da fonte produtora (física, intangível, financeira ou outra) tal deverá conduzir à aceitação da sua dedutibilidade”. (Cfr. Acórdão arbitral de 21-04-2015, proferido no processo n.º 644/2014-T, proferido sobre uma situação de financiamentos gratuitos a participadas).

7.7.        Refere-se também, com relevância para a presente decisão, no acórdão proferido no processo n.º 585/2014-T que “[n]ão é, assim, necessária uma ligação aos proveitos, um obrigatório nexo de causalidade entre despesas e proveitos. Por outro lado, não relevam para aquele efeito os juízos da Administração Tributária sobre o acerto das decisões de gestão, bastando que as mesmas sejam tomadas no âmbito do interesse da empresa.”.

7.8.        Neste sentido, também o Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 06754/13 CT- 2º Juízo, de 16-10-2014, aponta para a seguinte solução: “É entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos”.

7.9.        Como decorre, tanto do Acórdão n.º 585/2014-T como do Acórdão n.º 298/2017-T:

“a «atividade» de uma empresa não se esgota no conjunto de operações produtivas ou operacionais. «Atividade» é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras. Tanto será atividade a gestão de um ativo físico, como a de um intangível, como a de um ativo não corrente detido para venda, como a de um ativo financeiro.

A atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.

Nos casos de investimento de uma sociedade numa sua participada, o financiamento provindo da participante será feito no interesse deste caso sirva para que daí decorra uma expetativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes.

A dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto dos financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro).

O facto de decisões tomadas na esfera da participante influenciarem o património da participada não quer dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros. Elas são tomadas a partir do interesse da participante em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento na participada.

A participada usa fundos que lhe são aportados, mas esse aporte de fundos é feito no interesse da participante, ou seja, no contexto de atos normais de gestão que se podem englobar no seu escopo ou propósito lucrativo.

Nas situações em que a participante detém a totalidade do capital da participada e, por isso, detém total possibilidade de intervir na gestão da participada e assegurar que o investimento é utilizado no seu interesse, o investimento na participada reconduz-se a gestão da participação e consubstancia exercício indireto pela participante da atividade económica que a participada leva a cabo, cujos reflexos positivos ou negativos se acabam por repercutir totalmente na esfera jurídica da participante através da valorização ou desvalorização da sua participação, pelo que os encargos necessários para assegurar o investimento potenciador da obtenção de futuros benefícios enquadram-se no conceito de indispensabilidade económica, com o referido sentido de despesas integralmente efetuadas no interesse da empresa.”.

7.10.      Como decorre, ainda, do processo n.º 264/2016-T a “participada não é um qualquer ente estranho à actividade e interesses da participante. Não há um gasto na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. O gasto com juros incorridos com capitais obtidos e, posteriormente aportados à participada, é feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de um activo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento.”

7.11.      No caso em apreço, resulta da prova produzida que os investimentos foram efetuados pela Requerente para suprir dificuldades económicas das participadas, de forma a manterem o seu património em condições que permitam a obtenção de melhores preços em futuras vendas desse mesmo património ou manterem a possibilidade de vir a obter proveitos no futuro, pelo que tem de se concluir que a Requerente tem interesse próprio em efetuar aqueles investimentos.

7.12.      Por outro lado, resulta da prova produzida que a Requerente tinha interesse próprio em evitar que fosse declarada a insolvência de sociedades que controla a 100%, pelos prejuízos reputacionais que sofreria e que, inclusivamente, poderiam implicar dificuldades ou agravamento de condições na obtenção de crédito, a que a Requerente recorria intensamente, sendo uma empresa fortemente alavancada, sob atenção intensa da banca.

7.13.      Assim, os investimentos às participadas afiguram-se como necessários ou, pelo menos, convenientes não só para a prossecução direta dos interesses de cada uma das sociedades participadas mas também, mesmo diretamente, para a prossecução do fim da Requerente a nível da “realização de rendimentos sujeitos a imposto” (nomeadamente, com a melhoria dos seus resultados através da manutenção das atuais ou até obtenção de melhores condições junto da Banca com o repudiar de danos reputacionais em caso de insolvência de alguma das suas participadas), bem como da manutenção da fonte produtora, em que se incluem os proveitos que podem advir da alienação de património por parte dos ativos financeiros (participadas), onde reforçou o seu investimento através da concessão de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares.

7.14.      Do exposto decorre que a correção efetuada relativa à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2014 para financiar as suas participadas viola o artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, o que constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação da liquidação, na parte correspondente a essa correção.

7.15.      Com efeito, como resulta do processo n.º 160/2018-T “o gasto fiscal equivale aos gastos efetivos contraídos pelo contribuinte, na prossecução da sua atividade, e gerados no seio dessa organização – e que por isso terão sempre uma ligação causal necessária, em termos económicos, com os proveitos ou com a manutenção da organização”.

 

Questões de conhecimento prejudicado

7.16.      Devendo proceder o pedido de pronúncia arbitral pelas razões referidas, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento da questão suscitada quando à legalidade ou ineficácia do ato liquidação em discussão nos presentes autos por falta de um ato de demonstração de compensação.

 

Restituição da quantia paga

7.17.      A Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral), pelo que tem direito ao reembolso da quantia paga a mais, correspondente à correção cuja legalidade é impugnada no presente processo.

 

DECISÃO

 

 Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

a.            Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b.            Anular a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2014 com o n.º 2018 ... e a correspondente liquidação de juros compensatórios na parte que decorre da correção, nos termos peticionados, relativa à desconsideração de encargos financeiros e Imposto do Selo suportados pela Requerente;

c.            Julgar procedente o pedido de restituição das quantias pagas pela Requerente na parte respeitante à anulação parcial da sobredita liquidação adicional e juros compensatórios, de molde a reconstituir a plena reconstituição da legalidade e

d.            Condenar a AT a pagar essas quantias à Requerente, conforme peticionado.

 

VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor indicado pela Requerente e não impugnado pela demandada,  de € €407.823,60 (quatrocentos e sete mil oitocentos e vinte e três euros e sessenta cêntimos).

 CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.732,00 (seis mil setecentos e trinta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, atento o seu decaimento.

 

Lisboa, 10-04-2019

Os Árbitros,

 

(José Poças Falcão)

(Luís Menezes Leitão)

(Leonardo Marques dos Santos)