Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Dr. António Alberto Franco e Dr. Hélder Faustino (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. No dia 1 de junho de 2018, a A... – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., NIPC..., com sede na ... n.º..., ...-... Lisboa (doravante Requerente), na qualidade de sociedade gestora e em representação do FUNDO B..., NIPC..., e do FUNDO C..., NIPC..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:
- Apreciação da legalidade dos pedidos de revisão oficiosa apresentados com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) bem como, dos atos tributários de liquidação de IMT;
- Restituição do IMT pago em excesso, no montante de € 1.309.577,99, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto até à data do seu integral reembolso.
A Requerente juntou 54 (cinquenta e quatro) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outros meios de prova.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. No essencial, a Requerente alega vício de violação de lei, pelo facto de as aquisições dos imóveis em causa estarem isentas de IMT ao abrigo do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, e a consequente anulabilidade da predita liquidação de IMT.
3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 11 de junho de 2018.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4.1. Em 24 de julho de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 13 de agosto de 2018.
5. No dia 14 de agosto de 2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação.
5.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta, a saber:
Com a alteração introduzida pela Lei n.º Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro, o n.º 1 do artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) passou a prever a isenção do IMT, para além do IMI, que já anteriormente previa.
A constituição do direito à isenção, para ambos os impostos, dependia de três pressupostos tipificados na lei – a integração dos prédios no património dos fundos de investimento imobiliário; que esses fundos se constituíssem de acordo com a legislação nacional e que esses fundos operassem de acordo com a mesma legislação.
O n.º 2 do artigo 46.º do EBF passou a prever, após essa alteração, que não beneficiavam dessa isenção os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles.
As alíneas a) e j) do artigo 88.º da mesma lei que alterou o artigo 46.º do EBF (Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro) estabeleceram o regime transitório aplicável, isto é,
A alínea a) manteve, nos respetivos termos, os direitos aos benefícios fiscais constituídos anteriormente à data da entrada em vigor da alteração, e
A alínea j) estabeleceu que aquelas alterações se aplicavam aos fundos que se vierem a constituir após a data de 1 de novembro de 2006.
Estabelece, ainda, a mesma alínea que a limitação da isenção se aplica também aos prédios que sejam integrados no património de fundos de investimento anteriormente constituídos, que à data de 1 de novembro de 2006, as suas unidades de participação fossem detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles.
Significa isto que o novo regime se aplica apenas a prédios integrados após a data da entrada em vigor da lei nova, mesmo que os fundos se houvessem constituído antes da sua vigência.
Daqui resulta que, no que respeita ao IMT, o legislador utiliza o pressuposto de integração dos prédios no fundo, referindo-se à sua integração futura, e não aos prédios já integrados anteriormente à data da entrada em vigor da lei.
Significa isso, também, que o legislador pretende isentar as aquisições de imóveis que se vierem a realizar, para serem integrados no património desses fundos, desde que essa interação ocorra.
Ora, o legislador adicionou ao n.º 1 do artigo 46.º do EBF a previsão da isenção do IMT nesses casos, para, de seguida, eliminar essa isenção quando se trate de fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles. Nesses casos passam a aplicar-se taxas do IMI e do IMT reduzidas a 50%.
O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, já isentava do IMT as aquisições de imóveis pelos fundos de investimento imobiliário.
Pelo que o aditamento da previsão do IMT ao n.º 1 do artigo 46.º do EBF, efetuado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, não implica nenhum alargamento de benefícios fiscais.
A artigo 46.º do EBF passou a regular os benefícios fiscais do IMT nas aquisições de imóveis pelos fundos de investimento, pelo que regulando a mesma matéria, revogou tacitamente o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.
Tendo sido revogado o artigo 49.º do EBF, que sucedeu ao artigo 46.º do EBF, pela Lei n.º 7- A/2016, de 30 de março, nenhuma daquelas normas está atualmente em vigor.
5.2. A Requerida não requereu a produção de prova e procedeu à junção do processo administrativo (doravante, PA) aos autos.
6. Por despacho de 12 de outubro de 2018, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral coletivo de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido fixado o dia 14 de janeiro de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
7. A Requerida prescindiu da apresentação de alegações escritas. A Requerente apresentou alegações escritas, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida nos respetivos articulados.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o 102º, n.º 1, alínea d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A coligação de autores e a cumulação de pedidos é legal (artigo 3.º, n.º 1 do RJAT).
O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) O FUNDO B..., NIPC..., e o FUNDO C..., NIPC..., representados pela Requerente, configuram fundos imobiliários abertos, constituídos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 316/93, de 21 de setembro, sendo a respetiva atividade regulada pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC), aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.
b) Os objetivos de investimento destes Fundos, nos termos do respetivo Regulamento de Gestão, assentam essencialmente na aquisição de bens imóveis, tendo em vista a subsequente venda ou arrendamento.
c) A Requerente, na qualidade de sociedade gestora e em representação dos Fundos representados, adquire múltiplos imóveis, os quais se destinam a integrar o património daqueles.
d) Os Fundos representados pela Requerente adquiriram, por escritura pública de compra e venda, os imóveis que melhor se discriminam abaixo [cfr. documentos n.ºs 37 a 54 anexos à P.I.]:
e) No âmbito da aquisição dos imóveis acima identificados, foram emitidos os correspondentes atos tributários de liquidação de IMT, conforme detalhado abaixo [cfr. documentos n.ºs 19 a 36 anexos à P.I.]:
f) As liquidações de IMT acima descritas foram pagas [cfr. documentos n.ºs 37 a 54 anexos à P.I.].
g) A Requerente apresentou, em 9 de novembro de 2017, pedidos de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMT efetuados com base nas declarações Modelo 1 referentes à aquisição dos prédios urbanos identificados acima.
h) Presumindo o indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados, a Requerente apresentou, em 6 de junho de 2018, o presente pedido arbitral.
i) Até à data da apresentação do presente pedido arbitral, a Requerente não tinha sido notificada de qualquer decisão relativa aos aludidos pedidos de revisão oficiosa.
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado
§3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.
III.2. DE DIREITO
§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO
A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal respeita a saber se o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, se encontra em vigor ou não, o que determina se os Fundos de Investimento Imobiliário, independentemente da sua tipologia, estão ou não isentos de IMT na aquisição de imóveis.
Por fim, o Tribunal tem de pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso do montante de IMT indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios.
§2. DO MÉRITO
Conforme acima se refere, a Requerente vem manifestar no presente pedido arbitral a sua inconformidade com os atos de liquidação impugnados, por entender, em suma, beneficiarem as aquisições de imóveis, que os Fundos seus representados efetuaram, da isenção contemplada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, sustentando a Requerida não estar a mesma vigente.
É assente que as representadas da Requerente são Fundos de Investimento Imobiliário Abertos, legalmente constituídos e cuja atividade é hoje regulada pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.
Tendo em vista a constituição de condições tendentes à criação de fundos de investimento, o legislador, através do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, estipulou no seu artigo 1º que “são isentas de sisa as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora”.
Norma que não suscita dúvidas interpretativas, dela decorrendo literalmente que se pretendeu que a aquisição de imóveis destinadas a integrar qualquer tipo de fundo de investimento imobiliário beneficiasse de isenção de imposto de sisa.
Entretanto, na sequência da reforma da tributação do património levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro e que, nesse âmbito, revogou o Código do Imposto Municipal de Sisa, aquele diploma veio a estabelecer no n.º 2 do artigo 28.º que:
- “todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respetivamente”.
Mais veio a estabelecer, através do no n.º 6 do artigo 31.º que:
- “mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de novembro de 1958 e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT”.
Resulta assim inequívoco que as aquisições de imóveis destinadas a integrar qualquer tipo de fundo de investimento imobiliário, que até então beneficiavam de isenção de imposto de sisa, passaram a usufruir da mesma isenção, agora em sede de IMT.
Todavia, a Lei do Orçamento de Estado de 2007 – Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, através do seu artigo 82.º, veio alterar o artigo 46.º do EBF, o qual passou a estipular:
“1 – Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário, mistos ou fechados de subscrição particular, por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis reduzidas para metade”.
É com base nesta nova redação do artigo 46.º do EBF (entretanto renumerado como 49.º) e na subsequente evolução legislativa a que o mesmo foi sujeito, que a Requerida sustenta não estar em vigor a isenção prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87. Com efeito, entende que tendo aquele “artigo 46º passado a regular os benefícios fiscais do IMT nas aquisições de imóveis pelos fundos de investimento, pelo que regulando a mesma matéria, revogou tacitamente o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 1 /87, de 3 de janeiro”.
Tudo reside, assim, em determinar se ocorreu, ou não, a revogação – ainda que tácita, como defende a Requerida – daquela isenção.
A resposta a tal questão terá de ser resolvida, em primeira linha, pelo que dispõe o artigo 7.º do Código Civil que, em matéria de cessação de vigência da lei, estipula que “quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei”.
Matéria que foi já objeto de decisões proferidas no âmbito do CAAD, designadamente nos processos n.º 544/2016-T, de 28-04-2017 e n.º 677/2016-T, de 26-06-2017 (de que um dos ora árbitros foi subscritor) o qual, por sua vez, remeteu para o primeiro.
Não se vislumbrando razões para nos afastarmos do ali decidido, passamos a transcrever o que nele se diz:
- “Quanto à eventual vigência temporária do DL 1/87, de 3 de janeiro é indiscutível que o mesmo não contém qualquer disposição nesse sentido, pelo que, a não ter sido revogado por qualquer outro diploma, manter-se-á hoje plenamente vigente.
Diga-se, desde já, que não se descortina no ordenamento jurídico-fiscal qualquer norma que a tenha revogado expressamente.
A única referência clara a tal revogação consta da Proposta de Lei do Governo dirigida à Assembleia da República, no âmbito do Orçamento de Estado – PL 478/2006, de 13 de outubro de 2006 – no sentido de ser revogado o referido DL 1/87, de 3 de Janeiro, proposta essa que não foi aprovada”.
Pelo que, dizemos nós, poder-se-á dizer que da apresentação daquela proposta legislativa resultará o entendimento da vigência do aludido diploma legal e, além do mais, que o EBF, no seu atual artigo 49.º – como acima se referiu – conviverá com ele sem carácter redundante.
De qualquer modo, estando assente não ter a isenção contemplada no DL 1 /87 sido expressamente revogada, há que apurar se porventura terá ocorrido a sua revogação tácita – como sustenta a Requerida -, o que decorreria da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou pela circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior (artigo 7.º, n.º 2 do C. Civil).
Como se diz na referida decisão arbitral n.º 677/2016-T, “… também por esta via não se vislumbra ter ocorrido tal revogação, subscrevendo-se na íntegra, o que se decidiu na decisão arbitral n.º 544/2016, de 28-04-2017: «bem pelo contrário, uma leitura conjunta da nova disposição do artigo 46º do EBF e da regra precedente do artigo 1º do decreto-Lei nº 1/87, de 3 de janeiro, permite razoavelmente concluir que a partir da entrada em vigor da nova redação do artigo 46º do EBF passariam a estar isentas do IMT, não apenas as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário com o intuito de as mesmas passarem a integrar esses fundos – tal como estabelecido na regra precedente – como também os prédios integrados nos fundos imobiliários – tal como estabelecido naquele artigo 46º do EBF. Por outras palavras, a isenção de IMT valeria doravante quer para imóveis adquiridos para virem a integrar fundos imobiliários, como até então se estabelecia, quer para esses imóveis se e enquanto integrados em fundos imobiliários, nos termos do artigo 46º do EBF. No primeiro caso, a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel. No segundo caso a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de alienante do imóvel. Assim, é forçoso concluir-se pela inexistência de uma incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes»”.
Mais se diz na decisão arbitral n.º 544/2016-T que “a isenção do atual artigo 49º do EBF, mesmo na sua versão atenuada de redução das taxas de IMT para metade, constitui um suplemento não despiciendo e não redundante relativamente à isenção estabelecida pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de janeiro. Trata-se de uma isenção estrutural e teleologicamente distinta desta última, cuja introdução e manutenção na ordem jurídica assenta numa distinta valoração de política fiscal”.
Para se concluir que “também atendendo ao último dos critérios do artigo 7º, nº 2 do Código Civil, se dirá que a simples introdução da isenção do artigo 46º do EBF dificilmente poderá ser interpretada como uma medida de revogação e substituição da isenção criada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de janeiro. Por um lado, resulta das considerações precedentes que o artigo 46º do EBF não veio regular toda a matéria constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87. Em rigor, é introduzida uma nova isenção para além da já existente, a qual permanece intocada. Por outro lado, o EBF não tem o monopólio dos benefícios fiscais, podendo os mesmos ser consagrados e subsistir em legislação avulsa. Pense-se, por exemplo, nos benefícios fiscais constantes do Código Fiscal do Investimento”.
Permanecendo válidos todos os argumentos expostos, decorre que a isenção prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, no âmbito do imposto de sisa e hoje do IMT (face ao que estabelece, como se referiu, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro), está vigente, do que resulta estarem isentas de IMT as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora, como sucede com as ora em apreço.
Desse modo, assiste razão à Requerente, impondo-se declarar a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Tal direito vem consagrado no artigo 43.º da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial – ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
No caso em apreço, ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Pelo que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a ilegalidade dos indeferimentos tácitos dos pedidos de revisão apresentados pela Requerente, anulando-se os atos de liquidação de IMT, identificados no pedido arbitral.
b) Condenar a AT a restituir à Requerente o montante de imposto pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
c) Condenar a Requerida nas custas do processo.
*
VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 1.309.577,99 (um milhão, trezentos e nove mil, quinhentos e setenta e sete euros e noventa e nove cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o montante das custas é fixado em € 17.748,00 (dezassete mil, setecentos e quarenta e oito euros).
Lisboa, 8 de Janeiro de 2019.
Os Árbitros,
(José Poças Falcão)
(António Alberto Franco)
(Hélder Faustino)