DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Juíza conselheira Fernanda Maçãs (presidente) e os Drs. Jorge Manuel Figueiredo e Henrique Nogueira Nunes (vogais), designa¬dos pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A..., S. A., NIPC..., com sede em ..., ..., ... (doravante A... ou Requeren¬te) apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à apreciação da ilegalidade do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2010..., e correspondentes juros compensatórios, mantido na sequência de despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ..., proferido em 28 de Fevereiro de 2018, e notificado em 2 de Março de 2018.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 6 de agosto de 2018.
3. A Requerente sintetizou as razões do seu pedido nas seguintes conclusões:
1. Os termos e condições das operações de alienação das participações sociais objecto de análise pela Autoridade Tributária, em sede de preços de transferência, respeitaram o princípio da plena concorrência, na medida em que se demonstrou que o preço praticado foi superior ao valor contabilístico substancial das entidades em questão, ao contrário do que sustenta a Autoridade Tributária;
2. Neste sentido, face a todos os elementos apresentados pela Requerente, haverá que concluir que a Autoridade Tributária não logrou demonstrar que o preço praticado nas transacções entre entidades relacionadas não era razoável, i.e., não correspondia a um valor de mercado, logo, quaisquer ajustamentos em sede de preços de transferência deverão ser considerados ilegais;
3. No que se refere à avaliação contabilística das empresas, verificando-se que as sociedades B... e C... apresentavam, à data das operações, activos sobreavaliados, passivos omissos ou contingentes, resultados históricos negativos e perspectiva de resultados futuros negativos, a avaliação contabilística efectuada pela Requerente configurava uma situação de badwill;
4. Para efeitos de determinação do valor patrimonial corrigido das empresas, nos termos da legislação aplicável, deverão ser aceites todos os ajustamentos resultantes de ênfases e reservas patentes na Certificação Legal de Contas do exercício de 2001 e também do exercício de 2002;
5. A Certificação Legal de Contas, com referência a 31 de Dezembro de 2002, isto é relativa à situação das empresas aproximadamente 2 meses após a data da aquisição das participações, é um instrumento privilegiado para aferir correcções a considerar na determinação do justo valor das participações detidas na B... e F...;
6. A Certificação Legal de Contas exprime a opinião do revisor oficial de contas sobre se as demonstrações financeiras apresentam ou não, de forma verdadeira e apropriada, a posição financeira da empresa ou de outra entidade, bem como os resultados das suas operações, relativamente à data e ao período a que as mesmas se referem;
7. Neste sentido, a Autoridade Tributária não logrou demonstrar que as reservas e ênfases não eram conhecidas pelas partes à data de Outubro de 2002, refugiando-se, inicialmente, no sentido de recusar os ajustamentos derivados de factos ocorridos em 2002, no argumento simplista de que a Certificação Legal de Contas apenas foi elaborada em 2003, e, posteriormente, no falso argumento de que o modelo de avaliação previsto no Decreto-Lei n.º 328/88, de 27 de Setembro, obrigava a que a valorização fosse determinada com base no último resultado contabilístico (31 de Dezembro de 2001);
8. Ou seja, com base em argumentos desprovidos de fundamento legal, a Autoridade Tributária actuou como se fosse irrelevante a real valorização das participações sociais em Outubro de 2002, comportamento que entidades independentes nunca adoptariam;
9. Com efeito, se o n.º 1 do anexo III do Decreto-Lei n.º 328/88, de 27 de Setembro, apenas exige, de forma a determinar o valor substancial das participações sociais, que se procedam a correcções que se revelem justificadas atendendo aos factos relevantes que tenham decorrido entre o último exercício e a data de alienação das participações, não poderá a Autoridade Tributária negar que todos os factos redigidos na Certificação Legal de Contas de 2002 consubstanciam factos relevantes, ocorridos em 2002, e que influenciam o justo valor das participações;
10. Ao actuar deste modo, a Autoridade Tributária afronta de forma grave o princípio constitucional da justiça, plasmado no n.º 2 do art.º 266.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que a não consideração dos elementos referidos na Certificação Legal de Contas de 2002 conduz a uma situação flagrantemente injusta, em virtude de a sua desconsideração obstaculizar a determinação do justo valor das participações, pelo que, será de fazer operar o princípio da justiça de forma a obstar que se concretize esta situação ilegal;
11. Na óptica de uma entidade independente compradora, para a determinação da justeza do preço que irá pagar por uma determinada empresa relevaria sempre a opinião da última full audit realizada (Certificação Legal de Contas com referência a 31 de Dezembro de 2001), bem como os acontecimentos e performance entre aquela data e a data previsível de aquisição (Outubro de 2002);
12. Nos termos da avaliação contabilística efectuada pela Requerente, através do método do ajustamento dos capitais próprios, e comparativamente com a avaliação apresentada pela Autoridade Tributária, resulta uma avaliação do valor contabilístico substancial da B... no montante de € 1.368.653, pelo que a participação detida pela D... (74,76%) equivaleria a € 1.023.205:
Certificações Legais de Contas Capitais Próprios
Autoridade Tributária Requerente
Contas 2001 9 414 068€ 9 414 068€
CLC 2002 Parágrafo 7. Provisões para existencias - 1 145 000€
CLC 2001 Parágrafo 6. Capitalização de custos - 70 445 € - 70 445€
CLC 2001 Parágrafo 7. CLC 2002 Parágrafo 6 Taxas de amortização - 103 750 € - 2 441 367€
CLC 2001 Parágrafo 8. Imobilizações (custos) - 583 600 € - 583 600 €
CLC 2002 Parágrafo 9. - 1 247 772€
CLC 2001 Parágrafo 10 i) CLC 2002 Parágrafo 11 i) Passivo por imposto diferido sobre reavaliação livre de imoveis (Cf Nota 6 da ABDR 2002) - 1 700 000€ - 1 700 000€
Contas ajustadas 6 956 273€ 2 225 884€
Resultado 2002 (9/12) - 1148297€ - 857 231 €
Contas ajustadas 10-2002 5 807 976€ 1 368 653€
Participação D... 74,76% 4 342 043€ 1 023 205€
13. Nos termos da avaliação contabilística efectuada pela Requerente, através do método do ajustamento dos capitais próprios, e comparativamente com a avaliação apresentada pela Autoridade Tributária, resulta uma avaliação do valor contabilístico substancial da C... no montante de € 1.566.026:
Certificações Legais de Contas Capitais Próprios
Autoridade Tributária Requerente
Contas 2001 6 772 254€ 6 772 254€
CLC 2002 Parágrafo 6. Taxas de amortização - 119 711 € - 996 556 €
CLC 2002 Parágrafo 7. Provisões para existências - 835 000 €
CLC 2001 Parágrafo 7. Não reconhecimento de lease back 513 762 €
CLC 2001 Parágrafo 9 i). Anulação de reserva livre de imóveis (parte afecta a imóveis sob lease back) - 1 751 180€
CLC 2001 Parágrafo 9 i). Passivo por imposto diferido sobre reavaliação livre de imoveis - 714 000 € - 862 521 €
CLC 2002 Parágrafo 10. Passivo por imposto diferido sobre reavaliação livre de imóveis (Cf. Nota 6 da ABDR 2002, -1.170.410) - 307 889 €
CLC 2002 Parágrafo 9. Imobilizações e custos diferidos (custos) - 491 157 €
CLC 2002 Parágrafo 11. Provisões para cobrança duvidosa - 250 000 €
Contas ajustadas 5 938 543€ 1 791 713€
Resultado 2002 (9/12) - 828 088 € - 225 687 €
Contas ajustadas 10-2002 5110455€ 1 566 026€
14. O valor contabilístico da D..., traduzido no preço real de mercado apurado na proposta da sua aquisição por parte de uma entidade independente (E... S.P.A.), corresponde a € 600.000,00, pelo que o valor de uma participação da F... no montante de 87,56% corresponderá a € 525.360,00;
15. Inexiste, assim, qualquer fundamento legal que permita a desconsideração, por parte da Autoridade Tributária, de um valor definido no âmbito de uma relação contratual, de plena concorrência e determinado de acordo com as condições de mercado;
16. O valor contabilístico da D..., sugerido pela Autoridade Tributária, nunca poderia corresponder ao seu valor real, uma vez que o valor das participações detidas na B... e F... teria de ser desconsiderado, sob pena de estarmos a avaliar duplamente a mesma realidade;
17. Em consequência, nos termos da avaliação contabilística efectuada pela Requerente, através do método do ajustamento dos capitais próprios, e comparativamente com a avaliação apresentada pela Autoridade Tributária, resulta uma avaliação do valor contabilístico substancial da F... no montante de € 1.985.480,58, pelo que a participação detida pela D... (9,6%) equivaleria a € 190.606,14:
Participação Valor Substancial Valor Substancial correspondente à % de participação da F... SGPS
Autoridade Tributária Requerente Autoridade Tributária Requerente
G... 100% 4 607 586,22 € 1 411 929,42 € 4 607 586,22 € 1 411 929,42
D... 87,56% 7 429 502,55 € 600 000,00 € 6 505 242,43 € 525 360,00
F... 90% 53 545,73 € 53 545,73 € 48 191,16 € 48 191,16
Total 120 90 634,50 € 2 065 475,15 € 11 161 019,81 € 1 985 480,58
Participação D... 9,60% 1 071 457,90 € 190 606,14 €
18. Relativamente à avaliação da F..., salienta-se a existência de uma proposta de alienação do grupo, dirigida a uma entidade independente, por um montante entre € 6.000.000,00 e € 8.000.000,00, a qual, no entanto, não foi aceite, pelo que o valor real de mercado da F... seria sempre inferior a € 6.000.000,00;
19. Atento tudo o exposto, resulta que as operações de alienação, por parte da D..., das participações sociais detidas na B... (pelo preço de € 2.000.000,00) e F... (pelo preço de € 350.000,00), foram efectuadas a preços de mercado, inexistindo qualquer fundamento legal que permita a Autoridade Tributária corrigir os valores pelos quais tais participações foram transmitidas e, subsequentemente, que permita corrigir o prejuízo fiscal apurado no exercício de 2002 em consequência das menos-valias registadas;
20. Sem prejuízo, caso se considere que a Autoridade Tributária logrou demonstrar que o preço praticado na transacção entre entidades relacionadas não respeitou o princípio de plena concorrência, o que apenas se admite à cautela, sem prescindir e por mero dever de prudente patrocínio, sempre haverá que concluir pela necessária desconsideração das operações qualificadas pela Autoridade Tributária como sendo alegadamente “comparáveis” para efeitos de determinação do referido valor de mercado;
21. Com efeito, para efeitos de avaliação do valor de mercado das participações detidas na B... e F..., a Autoridade Tributárias não poderia ter adoptado o critério do Preço Comparável de Mercado, uma vez que as operações utilizadas como comparáveis não são realizadas entre entidades independentes, nem substancialmente idênticas, uma vez que as suas características económicas e financeiras relevantes não demonstram ser análogas ou suficientemente similares, afectando de forma significativa a determinação dos termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado;
22. Em virtude do exposto, é ilegal a correcção, no valor de € 2.273.659,70, ao montante dos prejuízos fiscais deduzidos no exercício de 2007 e gerados no exercício de 2002;
23. Logo, a Liquidação n.º 2010..., a compensação n.º 2010..., a demonstração de acerto de contas n.º 2010... e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2010 ... são manifestamente ilegais, na parte em resultam de uma correcção ilegal aos prejuízos fiscais deduzidos, devendo ser objecto de reforma;
24. Uma vez que a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação em crise, deverá ser reembolsada do montante de € 569.310,40, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos dos art.os 43.º, n.º 1 e 100.º, ambos da LGT, contados desde a data do pagamento da liquidação impugnada, i.e. 3 de Janeiro de 2011, até o integral reembolso do referido montante.
Termina pedindo:
(i) A declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2010..., da compensação n.º 2010..., da demonstração de acerto de contas n.º 2010..., bem como da respectiva liquidação de juros compensatórios, com todas as legais consequências, designadamente a sua anulação parcial e a restituição à Requerente dos montantes indevidamente pagos; e,
(ii) A indemnização da Requerente, pela Autoridade Tributária, dos prejuízos resultantes do pagamento indevido da liquidação em crise, incluindo juros compensatórios, condenando-a ao pagamento dos respectivos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 43.º e no art.º 100.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.
4. A Resposta da AT – que começou por invocar a caducidade do direito de acção da Requerente, por entender que esta só punha em causa a liquidação notificada à Requerente em 2 de Dezembro de 2010 “e as correcções resultantes da acção inspectiva que deram origem à mesma” – encerrou com as seguintes conclusões:
• A obrigação de constituir dossier de preços de transferência tem por finalidade apurar se o valor dos activos alocados a cada uma das entidades no momento da realização da operação respeita, ou não, o princípio da plena concorrência, pelo que esta apenas pode relevar se o relatório que incorpora todos os requisitos for contemporâneo da operação subjacente e incorporar todos os requisitos previstos nas disposições legais aplicáveis.
• A requerente não cumpriu com as suas obrigações fiscais. De facto, no ponto III.1.2.1.2 do RIT ficou demonstrado que a requerente 1) não possuía o dossier de preços de transferência, tendo apenas apresentado um relatório elaborado por uma sociedade de revisores oficiais de contas, alegadamente com o objectivo de provar a aplicação do princípio de plena concorrência na alienação das participações sociais em causa; 2) não efectuou os devidos ajustamentos ao resultado contabilístico a que alude o nº 8 do actual art. 63º do CIRC, na declaração periódica de rendimentos mod. 22, operação que se encontra imposta pelo nº 1 do art. 3º da Portaria 1446-C/2001, de 21/12; 3) não indicou na declaração anual de informação contabilística e fiscal a existência no exercício de 2002, de operações com entidades com as quais estava em situação de relações especiais, contrariando o disposto no então nº 7 do artigo 58º ( actual art. 63º ) do CIRC.
• O relatório apresentado pela requerente e elaborado pela entidade H...– Sociedade de revisores Oficiais de Contas datado de 10 de Outubro de 2002 não cumpre os requisitos previstos, porquanto não junta a documentação respeitante à política adoptada em matéria de preços de transferência, nomeadamente documentação e informação relativa àquelas entidades relacionadas e bem assim as empresas e aos bens e serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecção do método ou métodos utilizados.
• De acordo com os elementos recolhidos em sede de procedimento inspectivo foi possível concluir que, no caso, o método do preço comparável de mercado assume-se como o método mais adequado a aplicar, uma vez que constitui a forma mais directa de determinar o preço de plena concorrência.
• O regime dos preços de transferência não implica que cada contribuinte não possa estruturar as operações com entidades relacionadas de forma livre pretende, outrossim, corrigir o resultado fiscal de forma a eliminar vantagens fiscais daí decorrentes.
• Cabia à requerente afastar a aplicação do método do preço comparável de mercado trazendo ao processo elementos credíveis, o que não logrou fazer até porque não tinha o dossier de preços de transferência.
• O apuramento do valor substancial encontra-se descrito no RIT sobre o qual a requerente teve oportunidade de se pronunciar questionando os ajustamentos efectuados com base no DL 328/88.
• Na avaliação das respectivas participações sociais e para todas as quantificações dos ajustamentos considerados com base na Certificação Legal de Contas, a AT efectuou a adequada explicação, cfr aliás se encontra descrito na matéria de facto da presente resposta.
• O valor que suporta a correcção decorre da aplicação, pois, do método do preço comparável de mercado, pelo que o apuramento do valor substancial serviu apenas para demonstrar a total ausência de aplicação do preço de mercado na alienação das participações sociais da então D... na B... e na F... .
• Não existe qualquer razão para que os contratos de compra e venda de acções celebradas entre a I... e o Fundo J... e a F... e entre a I... e o Fundo J... e a G..., não possam ser considerados como praticados em condições de mercado livre.
• Não foram apresentados pela requerente factos concretos que demonstrem que alguma das entidades intervenientes em cada um daqueles negócios tivesse o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, pelo que, face ao disposto no artigo 58.º (actual 63.º) do Código do IRC, não estão, de todo, verificados os requisitos para que se considere a existência de relações especiais entre qualquer uma das entidades envolvidas.
5. Por despacho de 5 de Novembro de 2018 foi notificada a Requerente para responder à matéria de excepção invocada pela AT – o que aquela fez invocando ter igualmente impugnado “o despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2012... proferido (…), em 28 de Fevereiro de 2018, e notificado em 2 de Março de 2018”, ao invés do que era o entendimento da AT – e para concretizar os artigos da P.I. referentes aos aspectos de facto em relação aos quais pretendia fazer prova testemunhal.
6. Por despacho de 18 de Novembro, foi dispensada a realização da primeira reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e marcada a realização da audiência de julgamento para o dia 13 de Dezembro de 2018 pelas 14,00 horas.
7. A audiência de julgamento teve lugar no dia 13 de Dezembro pelas 14 horas, tendo-se procedido à inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente (K..., L..., e M...), bem como pela Requerida (N...), nos termos consignados na respetiva Ata, que se dá por reproduzida para todos os devidos efeitos.
Na referida Ata pode ler-se que “Nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, o Tribunal determinou a prorrogação do prazo referido no n.º1 do artigo citado por dois meses, a contar do término daquele, bem como a comunicação de tal circunstância ao Conselho Deontológico do CAAD, por força do n.º 3 do artigo 11.º do Código Deontológico, determinada em função do período de férias judiciais verificado entre 16-07-2018 e 31-08-2018, bem como, o período de férias a correr entre 22-12-2018 e 03-01-2019.
O Tribunal notificou ambas as partes para alegações escritas e sucessivas no prazo de 15 dias e designou o dia 6 de Abril de 2019 para prolação da decisão arbitral, tendo, por despacho de 3 de Abril de 2019 sido fixada como data limite para ser proferida a decisão arbitral o dia 6 de Junho de 2019.
8. Requerente e Requerida apresentaram alegações, invocando a primeira que não havia caducidade do direito de acção, como pretendera a AT, e reiterando que a liquidação impugnada tinha sido ilegal “em virtude da (i) errónea determinação do valor contabilístico ajustado das participações sociais alienadas e (ii) não comparabilidade das operações consideradas pela Autoridade Tributária como comparáveis”, e pugnando a segunda pela legalidade dessa liquidação, porquanto “o apuramento do valor substancial serviu apenas para demonstrar a total ausência de aplicação do preço de mercado na alienação das participações sociais da então D... na B... e na F...”, e “O valor que suporta a correcção decorre da aplicação (...) do método do preço comparável de mercado”, não existindo “qualquer razão para que os contratos de compra e venda de acções celebrados entre I... e o Fundo J... e a F..., a G... e a C..., não possam ser considerados como praticados em condições de mercado livre.”
II. Saneamento
9.1.O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
9.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
9.3.A Requerida suscitou a excepção de caducidade do direito de acção, argumentando, no essencial, que, uma vez que a Requerente apenas ataca o acto tributário de liquidação adicional n.º 2010... e correspondentes juros compensatórios, o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral seria de 90 dias a contar da notificação da demonstração de liquidação impugnada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º, do CPPT. Neste contexto, tendo-lhe a liquidação adicional sido notificada em 2 de Dezembro de 2010 e tendo sido o pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 2018-05-30, o mesmo seria intempestivo.
Em exercício de contraditório veio a Requerente argumentar, entre o mais, que, ao contrário do sustentado pela Requerida, o pedido de pronúncia arbitral apresentado incide sobre a decisão que recaiu sobre o Recurso Hierárquico e não deixa de integrar o objecto do pedido arbitral, resultando claro que a Requerente não prescindiu de contestar tal decisão, pelo que, em consequência, deve ser julgada improcedente a excepção da caducidade do direito à acção deduzida pela Requerida
Vejamos.
Analisado o pedido de Pronúncia Arbitral verifica-se que começa a Requerente, no seu introito, a dizer que o mesmo tem por finalidade a apreciação da ilegalidade do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2010... e correspondentes juros compensatórios, “mantido na sequência de despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2012..., proferido pela Exma. Senhora Subdiretora-geral (por subdelegação), em 28 de Fevereiro de 2018, notificado em 2 de março de 2018”.
No artigo 342.º do Pedido volta a Requerente a referir expressamente que, notificada em 2 de Março de 2018 do despacho de indeferimento da Exma. Senhora Subdiretora-geral, não podia conformar-se com a decisão (ver artigos 341.º a 343.º do Pedido). Por outro lado, ao longo do pedido arbitral a Requerente invoca e contesta especificadamente a decisão de indeferimento na medida em que mantém as ilegalidades apontadas ao acto de liquidação (cfr. vg artigos 432.º a 438.º e 477.º).
Em suma, analisados na globalidade o pedido e a causa de pedir, verifica-se que a Requerente procura, desde 29 de Abril de 2011, discutir a ilegalidade da liquidação ora impugnada (objeto mediato do pedido), tendo a sua pretensão sido sucessivamente negada, primeiro através do indeferimento da Reclamação Graciosa ( notificada em 18 de Outubro de 2012) e, posteriormente, através do indeferimento do Recurso hierárquico (objeto imediato do pedido), o qual, mantendo o acto de liquidação com as ilegalidades questionadas, não pode deixar de abrir a via contenciosa para a Requerente a impugnar (cfr. artigos 332.º a 343.º do Pedido) .
É verdade que a Requerente poderia ter usado a presunção de indeferimento da reclamação graciosa para o efeito de impugnação judicial. Note-se, porém, que o “indeferimento tácito”, consagrado no artigo 106.º do CPPT, não passa de uma mera faculdade que os particulares podem accionar ou não. Trata-se, no fundo, de um direito para favorecer a abertura da via contenciosa não podendo nunca reverter contra o acesso aos tribunais.
Assim sendo, sobrevindo indeferimento expresso que recaiu sobre anterior indeferimento de reclamação graciosa, a contagem do prazo de 90 dias, referido no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, inicia-se a partir da notificação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, ou seja, começa no dia 3 de Março de 2018 (dia seguinte ao da mencionada notificação) e terminaria no dia 31 de Maio de 2018.
Termos em que, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 30 de Maio de 2018, o mesmo foi apresentado tempestivamente, devendo improceder a excepção suscitada.
9.4. O processo não enferma de nulidades.
Cumpre decidir.
III. Do Mérito
III. 1. Matéria de facto
10. 1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
a) Em Outubro de 2002, a E... S.P.A. adquiriu a D... SA.
b) Em 30 de Novembro de 2005, a O... SA também foi adquirida pela E... S.P.A.
c) Em 28 de Dezembro de 2006, ocorreu a fusão por incorporação das duas empresas da E... S.P.A., existentes em Portugal, a D... S.A., e a O... S.A, tendo a segunda sido incorporada na primeira e alterada a designação social para a actual A..., S.A.
d) No exercício em causa (2007) a A... SA, deduziu ao seu resultado tributável, prejuízos fiscais do exercício de 2002, no montante de €8.695.607,94.
e) Verificou-se que a principal causa para o referido resultado tributável negativo (€12.166.789,05) no exercício de 2002, foram menos valias apuradas com as alienações das participações sociais que a então D..., S.A., actual A..., SA, detinha na B..., SA e na F... SGPS, S.A..
f) Em 4 de Outubro de 2002 a E... S.P.A., celebrou um contrato com a F... SGPS, S.A., para aquisição a esta da totalidade das 1.607.457 acções da D..., S.A.
g) O negócio foi concretizado em 21 de Outubro de 2002, sendo que o valor da venda pela F... à E... da totalidade das acções da D..., ascendeu a €2.950.000,00 (dois milhões novecentos e cinquenta mil euros), resultantes da seguinte soma:
• €600.000,00 (seiscentos mil euros), que seriam o valor de venda da D...;
• €2.000.000,00 (dois milhões de euros) correspondentes ao valor da venda das participações sociais da D... na B... à F...;
• 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) correspondentes ao valor da venda das participações sociais da D... na F... à G..., a qual era detida a 100% pela F... .
h) As menos valias que estão em causa apuraram-se
• na alienação, pela D..., em Outubro de 2002, a favor da sociedade G... S.A., de uma participação de 9,6% detida na F... pelo valor de €350.000,00; e
• na alienação, pela D..., em Outubro de 2002, a favor da sociedade F..., de uma participação de 74,76% detida na B... pelo valor de €2.000.000,00;
i) Decorrente das referidas alienações das participações sociais que a D... detinha na B... e na F..., a Requerente (então designada D...) apurou, no exercício de 2002, menos valias contabilísticas no montante de €7.793.484,55 e menos valias fiscais no montante de €8.950.892,45, as quais foram preponderantes na obtenção do seu resultado líquido negativo no valor de €9.498.396,95 e do seu resultado tributável, também negativo, de €12.166.789,05.
j) Na data da transmissão das participações da D... na B... e F... à G..., respectivamente, existiam relações especiais entre aquelas entidades, conforme preceituado no n.º 4 do artigo 58.º (actual 63.º) do Código do IRC, cfr. evidenciado no quadro que se segue:
l) A F... também detinha 100% do capital social da G..., logo, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 58.º (actual 63.º) do Código do IRC, também existiam relações especiais entre a D... e a G... .
m) A Requerente não possuía o “dossier de preços de transferência” previsto no n.º 6 do artigo 58.º (actual 63.º) do Código do IRC e nos artigos 13.º e 14.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, tendo apenas apresentado um relatório, elaborado por H...– Sociedade de Revisores Oficiais de Contas.
n) A Requerente não indicou, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a existência, no exercício de 2002, de operações com entidades com as quais estava em situação de relações especiais, contrariando o disposto no n.º 7 do artigo 58.º (actual 63.º) do Código do IRC.
o) A Requerente não efectuou os devidos ajustamentos ao resultado contabilístico na declaração periódica de rendimentos modelo 22, operação que se encontra imposta pelo nº 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro;
p) No final de cada um dos exercícios de 2001 e 2002 o total do capital próprio de cada uma das sociedades objecto de alienação de participações sociais pela então D..., era o seguinte:
p) A venda das participações sociais que a D... detinha na B... (€2.000.000,00) e na F... (€350.000,00), foi efectuada à própria F... e a outra empresa 100% detida pela F... (G...), pelo que a receita líquida da F... foi de €600.000,00.
10.2. Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, não se provou:
- que as recompras de acções à I... e ao Fundo J... tenham correspondido ao reverter de participações com uma lógica de financiamento/capital de risco e fossem, portanto, inadequadas como termo de comparação;
- que houvesse erros de facto na metodologia utilizada pela AT para a avaliação das transacções que deram origem ao acto de liquidação impugnado.
10.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, e o PA junto aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Uma vez que a Requerente não cumpriu as suas obrigações legais para poder demonstrar, com base no dossier de preços de transferência e declarações conexas, que o preço praticado nas alienações realizadas com entidades do grupo, antes da aquisição da totalidade das acções da D... detidas pela F... SGPS pela E... S.P.A., respeitava os requisitos legais, ficou a AT com a liberdade para adoptar um método razoável de avaliação de tal preço – o que fez, socorrendo-se de critérios legais.
Como melhor se dirá mais adiante de Direito, a violação de tais obrigações não fazia precludir a possibilidade de a Requerente demonstrar o infundado da metodologia adoptada pela AT, mas impendia sobre si, nessas circunstâncias, demonstrar que, ou o critério utilizado era inadequado de Direito, ou que era errado de facto, o que não acontece, nem pela via da alegada incomparabilidade das transacções, nem pela via da utilização dos critérios invocados.
Aliás a Requerente admitiu (artigo 164.º das suas Alegações) que o valor de alienação das participações sociais por parte da I... e do Fundo J... não correspondeu ao valor que constava da obrigação de recompra, ainda que defendesse que tal compromisso previamente fixado influenciou o valor de alienação. Em todo o caso, não ofereceu prova sólida nesse sentido. De facto, para além do testemunho de M ... (parte interessada neste caso, designadamente atenta a sua qualidade de ex-administrador da Requerente e de devedor solidário desta perante a I... e o J... – I..., nos termos dos contratos juntos como Anexos 47 e 49 do RIT), não há um único e-mail ou carta ou suporte físico a dar disso conta, nem qualquer testemunho da parte da I... e Fundo J... a corroborar a tese da Requerente, pelo que não pode este Tribunal aderir à sua tese. Demais, os contratos celebrados com as sociedades de capital de risco I... e Fundo J... (cfr. Anexos 47, 48 e 49 do RIT) nada referem quanto às operações iniciais de capital de risco ou que estes contratos são a antecipação da recompra inicialmente prevista nos contratos de capital de risco, como contratos de financiamento.
III. 2. Matéria de direito
Síntese do caso e questões a decidir
Cabe a este Tribunal apreciar a legalidade das correcções de natureza aritmética promovidas pela AT à matéria tributável de IRC de 2007 apurada pela Requerente, tendo por objectivo a validação dos prejuízos fiscais deduzidos neste exercício, mas gerados no exercício de 2002, decorrentes da alienação de participações sociais a um conjunto de entidades relacionadas, tendo resultado correcções ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis no montante de € 2.273.659,70, o que gerou a emissão de uma liquidação adicional de IRC com o n.º 2010..., da compensação n.º 2010..., da demonstração de acerto de contas n.º 2010..., tendo ditado imposto e juros compensatórios a pagar no valor de € 569.310,40.
No ano de 2002, a Requerente (à data, D...) gerou menos-valias fiscais derivadas da alienação das seguintes participações sociais por si detidas às seguintes entidades:
i. Alienação em 16 de Outubro de 2002 a favor da sociedade G... S.A. de uma participação de 9,6% detida na F... pelo valor de € 350.000,00; e,
ii. Alienação em 16 de Outubro de 2002 a favor da sociedade F..., de uma participação de 74,76% detida na B... pelo valor de € 2.000.000,00.
Os principais termos e condições destas vendas de participações sociais foram determinados em contrato celebrado entre E... S.P.A. e a F... em 4 de Outubro de 2002 – (cfr. Anexo 6 do RIT).
Face ao exposto, no decurso da acção inspectiva, considerando a inexistência do “dossier” de preços de transferência, a AT concluiu que o princípio da plena concorrência não fora respeitado pela Requerente e, para efeitos de determinação do preço que seria praticado entre entidades independentes, considerou os valores mínimos do intervalo de Plena Concorrência, conforme segue infra:
PARTICIPAÇÃO VALOR MÍNIMO INTERVALO
PLENA CONCORRÉNCIA
B... S A 3.454.689.00
F...SGPS. S A 1.168 970.70
TOTAL 4.623.659,70
Face aos valores de alienação das participações sociais em causa nos autos considerados pela Requerente, verifica-se que, no entendimento da AT, caso as referidas alienações tivessem sido efectuadas entre entidades independentes, os seus proveitos seriam superiores em €2.273.659,70, conforme infra:
PARTICIPAÇÃO
VALOR MÍNIMO INTERVALO
PLENA CONCORRÉNCIA (1)
VALOR CONSIDERADO PELO
SUJEITO PASSIVO (2)
ACRÉSCIMO DE PROVEITOS
B..., SA 3.454.689,00 2.000.000,00 1.454.689,00
F... 1.168,970,70 350 000.00 818. 970,70
TOTAL 4.623.659,70 2,350.000,00 2.273.659,70
De forma a determinar o valor de alienação das participações em respeito pelo princípio da plena concorrência, a AT adoptou o Método do Preço Comparável de Mercado, utilizando determinados comparáveis que a Requerente entende não serem comparáveis nas operações em causa nos autos.
Por outro lado, a Requerente considera ter provado que praticou um preço para as transacções em causa em obediência ao princípio da plena concorrência e que a avaliação contabilística que efectuou e que comunicou à AT deve ser aceite por cumprir com o referido princípio da plena concorrência.
Face à matéria de facto dada como provada e não provada, as questões a decidir nos presentes autos são as seguintes:
A) Consequências jurídico-fiscais da inexistência de um “dossier” de preços de transferência e do cumprimento de obrigações declarativas acessórias relacionadas com a existência de operações vinculadas;
B) Adequação do preço praticado pela Requerente como respeitando o princípio da plena concorrência. Adequação da utilização do método do preço comparável de mercado eleito pela AT;
C) Adequação da metodologia utilizada pela AT para a determinação do valor de mercado das participações sociais. Análise da comparabilidade das operações consideradas pela AT como comparáveis.
A) Consequências jurídico-fiscais da inexistência de um “dossier” de preços de transferência e do cumprimento de obrigações declarativas acessórias relacionadas com a existência de operações vinculadas:
Antes de se entrar na apreciação das questões em crise, explicite-se que não se questiona nos autos, não sendo objecto de qualquer dissídio entre as partes (cfr. art.ºs n.º 8 da PA e n.ºs 40 e 41 da Resposta), a verificação de uma situação não reconduzível ao conceito de relações especiais previstas no então artigo 58.º do Código do IRC (actualmente artigo 63.°) nas transacções em causa, estando assim as transacções sujeitas ao cumprimento do princípio da plena concorrência.
Em relação à primeira questão supra enunciada, resulta dos autos e da prova produzida que a Requerente
- não possuía o dossier de preços de transferência previsto no n.º 6 do artigo 58.º (actual 63.º) do Código do IRC e nos artigos 13.º e 14.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, apesar de estar obrigada à apresentação do mesmo pois em momento algum no processo diz não haver lugar à apresentação do mesmo;
- não efectuou os devidos ajustamentos ao resultado contabilístico na declaração periódica de rendimentos modelo 22, operação que se encontra imposta pelo nº 1 do artigo 3.º da Portaria 1446-C/2001, de 21/12;
- não indicou na declaração anual de informação contabilística e fiscal a existência no exercício de 2002, de operações com entidades com as quais estava em situação de relações especiais, incumprindo com o disposto no n.º 7 do artigo 58.º (actual 63.º) do Código do IRC, tendo antes apresentado um relatório, elaborado por H...– Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, datado de 10/10/2002 (cfr. Anexo 12 do RIT), com o objectivo de provar a aplicação do princípio de plena concorrência na alienação participações sociais em causa nos autos.
A elaboração e preparação de um processo de documentação de preços transferência não é mais do que um meio de compilação e de articulação dos diversos estudos, análises e informação que o contribuinte obteve e que foram usados para suportar a decisão sobre a determinação dos termos e condições das operações vinculadas que praticou. Sem prejuízo de eventual responsabilidade contra-ordenacional por falta de cumprimento de obrigações acessórias/declarativas, nos termos legais, o facto de um contribuinte não preparar esse processo de documentação não significa, no entendimento deste Tribunal, que não possa provar a determinação do preço de plena concorrência que tenha praticado numa dada operação com entidades realacionadas. Mas, evidentemente, o ónus dessa demonstração será seu, e implicará a demonstração de que a determinação feita subsidiariamente pela AT não é adequada, de facto ou de direito.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal central Administrativo Sul, de 18 de Dezembro de 2008, proferido no Proc. 02515/08 (e disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/ae9989923824396980257536003c9f8f?OpenDocument) “tendo a AT procedido a correcções meramente quantitativas para determinar o lucro tributável do contribuinte, competia-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem o uso da avaliação directa consentida pelos artºs. 57º do CIRC e 77º da LGT e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.”
Transpondo a doutrina de tal acórdão – aliás invocado pela Requerente no seu Pedido de Pronúncia Arbitral – para o caso concreto, conclui-se que a inexistência do dossier de preços transferência não acarreta para o contribuinte (in casu, para a Requerente) a impossibilidade de, em sede de processo administrativo ou jurisdicional, provar o racional empregue na determinação do preço praticado nas operações vinculadas (sem prejuízo de eventual responsabilidade contra-ordenacional decorrente do incumprimento das suas obrigações acessórias e declarativas). Mas tem o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
Por outro lado, o facto da Requerente não ter preparado o dossier de preços de transferência significa que, caso a AT considere que os termos e condições das operações vinculadas não cumprem o princípio da plena concorrência, poderá, desde que devidamente justificado, corrigir as mesmas, adoptando a metodologia que considere mais adequada.
Assim, por a Requerente não ter apresentado o dossier de preços de transferência, a AT – tendo tido dúvidas razoáveis relativamente ao valor praticado pela Requerente para a alienação das acções da B... e F... face aos seus capitais próprios ajustados – procurou identificar operações comparáveis para justificar a aplicação do método do preço comparável de mercado.
O que nos leva à segunda das questões supra enunciadas.
B) Adequação do preço praticado pela Requerente como respeitando o princípio da plena concorrência. Adequação da utilização do método do preço comparável de mercado eleito pela AT.
Cabe ter presente aqui, pela sua imediata relevância para o enquadramento jurídico do caso, o disposto nos n.ºs 1, 2, 3, 6 e 7 do artigo 58.º do Código do IRC, na redação aplicável ratione temporis ao exercício de 2007:
1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
(Redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro)
2 - O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes das empresas envolvidas, as funções por elas desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.
(Redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro)
3 - Os métodos utilizados devem ser:
(Redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro)
a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;
b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
(…)
6 - O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121º, a documentação respeitante à política adoptada em matéria de preços de transferência, incluindo as directrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros actos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecção do método ou métodos utilizados. (Redacção do Decreto-lei n.º DL 198/2001, 3 de Julho)
7 - O sujeito passivo deve indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 113º, a existência ou inexistência, no exercício a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda, no caso de declarar a sua existência:
(Redacção do Decreto-lei n.º DL 198/2001, 3 de Julho)
a) Identificar as entidades em causa;
b) Identificar e declarar o montante das operações realizadas com cada uma;
c) Declarar se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados.”.
Nesta base, resulta do então artigo 58.º (actual 63.º) do Código do IRC a necessidade de operar correcções à matéria colectável do sujeito passivo quando os termos e condições das operações financeiras por ele realizadas com uma entidade com quem esteja em situação de relações especiais não sejam substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
Nos termos do n.º 13 do artigo 58.º do Código do IRC “A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças. (Redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro)” a qual, como é sabido, é a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.
Deste modo, e relativamente às regras previstas no Código do IRC e na Portaria n.º 1446-C/2001 de 21/12/2001, descrevem-se infra os princípios e as regras de preços de transferência mais relevantes para a análise deste caso, a saber:
1. O princípio da contemporaneidade da informação;
2. O processo de documentação (dossier de preços de transferência);
3. Factores de comparabilidade das operações.
1. Da contemporaneidade da informação
Em regra, os termos e condições das operações vinculadas devem ser determinados com informação disponível e conhecida à data da realização das mesmas. Tal informação deve ser contemporânea da existente à data da realização das transacções. Aliás, como acontece nas operações realizadas entre partes independentes e na generalidade das transacções económicas.
Para estes efeitos, deve o contribuinte efectuar uma análise económica dos termos e condições da operação que pretende levar a cabo, de modo a suportar a sua decisão caso os termos e condições estabelecidos para essa transacção venham a ser questionados pela AT.
Este é o entendimento da OCDE nos seus relatórios relativos a matérias de preços de transferência, entendimentos e princípios seguidos por Portugal e vertidos na legislação portuguesa referente à matéria de preços de transferência.
Neste sentido, descrevem-se infra os comentários efectuados pela OCDE (à data dos factos em causa nos autos) sobre esta matéria, conforme os seus pontos 5.3 e 5.4 do seu relatório abaixo referido, que transcrevemos (sublinhado e negrito nossos):
“5.3 Todo o contribuinte dever-se-ia esforçar por determinar os seus preços de transferência ao nível fiscal em conformidade com o princípio de plena concorrência, tendo por base as informações de que possa razoavelmente dispor no momento dessa determinação. Consequentemente, o contribuinte deve normalmente examinar se os seus preços de transferência são calculados correctamente no plano fiscal antes de fixar esses preços. Por exemplo, seria desejável que o contribuinte examinasse se dados comparáveis estariam disponíveis relativamente a operações no mercado livre. O contribuinte poderia igualmente verificar, baseando-se nas informações de que dispuser, se as condições em que os seus preços de transferência foram estabelecidos no decurso de anos procedentes se alteraram, uma vez que os preços de transferência para o ano em curso devem ser fixados tendo por base estas considerações.
5.4 Quando o contribuinte examina se o modo como estabelece os seus preços de transferência está correcto sob o ponto de vista fiscal, deveria também em paralelo adoptar os mesmos princípios de gestão prudente quando se tratar de avaliar uma decisão empresarial de complexidade e de importância similares. É previsível que a aplicação destes princípios exija ao contribuinte a elaboração ou referência a provas documentais, que poderiam servir de documentação dos esforços envidados para cumprir o princípio da plena concorrência, constando destes documentos, as informações em que se basearam os preços de transferência, os factores tomados em consideração e o método selecionado.”.
O princípio da contemporaneidade foi vertido na legislação portuguesa no n.º 1 do artigo 15.º da Portaria n.º 1446/C-2001 de 21 de Dezembro (adiante transcrito).
Da análise dos princípios da OCDE e das regras estabelecidas pela Portaria acima referida aplicáveis quanto à contemporaneidade da informação, temos conceptualmente três momentos que poderão ser estabelecidos como relevantes para a data de reporte das informações relevantes:
(i) realização da transacção: em consonância com o princípio estabelecido pela OCDE (e o que faz mais sentido em termos económicos), estes dados devem ser conhecidos à data da realização da operação;
(ii) fim do período de tributação: formulação adoptada pela Portaria que regulamenta a preparação e manutenção do “dossier” de preços de transferência, mais consentâneo com o princípio de que o facto gerador para impostos periódicos ocorre no último dia do período de tributação, e que tal ajustamento ocorreria ainda dentro do respetivo exercício fiscal e, em princípio, já estaria reflectido nas contas;
(iii) limite do prazo para a entrega da declaração periódica de rendimentos (modelo 22): situação de recurso que permitiria ainda fazer reflectir a situação de plena concorrência dentro do mesmo período de tributação.
2. “Dossier” de preços de transferência
O facto de a Requerente não ter preparado o “dossier” de preços de transferência nos termos previstos nas regras aplicáveis à data, não preclude a possibilidade de demonstrar ex post o que devia ter demonstrado ex ante – como já vimos.
No entanto, o não cumprimento das suas obrigações declarativas e acessórias em matéria de preços de transferência faz impender sobre a Requerente o ónus da prova de que a avaliação feita pela AT não é correcta (de facto e, ou, de Direito) e que o preço que ela própria tinha adoptado era, não obstante a falta de elementos de documentação, um preço de plena concorrência.
3. Factores de comparabilidade das operações.
Está prevista a introdução de mecanismos de ajustamento aos comparáveis que permitam atenuar ou eliminar diferenças de comparabilidade entre as operações vinculadas e as realizadas entre partes independentes. O objectivo é, na medida do possível, tornar as operações mais comparáveis, dado que os seus termos e condições poderão ser muito díspares. Este ponto encontra-se previsto nos artigos 4.º e 5º da referida Portaria n.º 1446-C/2001, conforme se descreve infra:
“Portaria n.º 1446-C/2001, D.R. I Série-B, nº 294, de 21/12/2001, 4º Suplemento
(…)
CAPÍTULO II
Dos métodos de determinação dos preços de transferência
de acordo com o princípio de plena concorrência
Artigo 4.º
Determinação do método mais apropriado
1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:
a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;
b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.
3 - Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptívies de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.
(…)
Artigo 5.º
Factores de comparabilidade
Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:
a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;
b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;
c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;
d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;
e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;
f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.
(…)
CAPÍTULO IV
Das obrigações acessórias dos sujeitos passivos
Artigo 13.º
Processo de documentação fiscal
1 - O sujeito passivo deve dispor, nos termos do n.º 6 do artigo 58.º do Código do IRC, de informação e documentação respeitantes à política adoptada na determinação dos preços de transferência e manter, de forma organizada, elementos aptos a provar:
a) A paridade de mercado nos termos e condições acordados, aceites e praticados nas operações efectuadas com entidades relacionadas;
b) A selecção e utilização do método ou métodos mais apropriados de determinação dos preços de transferência que proporcionem uma maior aproximação aos termos e condições praticados por entidades independentes e que assegurem o mais elevado grau de comparabilidade das operações ou séries de operações efectuadas com outras substancialmente idênticas realizadas por entidades independentes em situação normal de mercado.
2 - O processo de documentação fiscal referido no número anterior rege-se também pelo disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 121.º do Código do IRC.
3 - Fica dispensado do cumprimento do disposto no n.º 1 o sujeito passivo que, no exercício anterior, tenha atingido um valor anual de vendas líquidas e outros proveitos inferior a (euro) 3 000 000.
Artigo 14.º
Informação relevante
Para dar cumprimento à obrigação referida no artigo anterior, o sujeito passivo deve obter ou produzir e manter elementos informativos, designadamente quanto aos seguintes aspectos:
a) Descrição e caracterização da situação de relações especiais em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC que seja aplicável às entidades com as quais realiza operações comerciais, financeiras ou de outra natureza, bem como da evolução da relação societária do vínculo que constitua a origem da relação especial, incluindo, se for caso, o contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente, ou, bem assim, elementos demonstrativos da situação de dependência a que se refere a alínea g) do n.º 4 do mesmo artigo;
b) Caracterização da actividade exercida pelo sujeito passivo e pelas entidades relacionadas com as quais realiza operações e, em relação a cada uma destas, indicação discriminada, por natureza das operações, dos valores das mesmas registados pelo sujeito passivo nos últimos três anos, ou pelo período em que estas tenham tido lugar, se inferior, bem como, nos casos em que se justifique, a disponibilização das contas sociais daquelas entidades;
c) Identificação detalhada dos bens, direitos ou serviços que são objecto das operações vinculadas, e dos termos e condições estabelecidos, quando tal informação não resulte dos contratos celebrados;
d) Descrição das funções exercidas, activos utilizados e riscos assumidos, quer pelo sujeito passivo, quer pelas entidades relacionadas envolvidas nas operações vinculadas;
e) Estudos técnicos com incidência em áreas essenciais do negócio, nomeadamente nas de investimento, financiamento, investigação e desenvolvimento, mercado e reestruturação e reorganização das actividades, bem como previsões e orçamentos respeitantes à actividade global e à actividade por divisão ou produto;
f) Directrizes relativas à aplicação da política adoptada em matéria de preços de transferência, independentemente da forma ou designação que lhes seja atribuída, que contenham instruções nomeadamente sobre as metodologias a utilizar, os procedimentos de recolha de informação, em especial de dados comparáveis internos e externos, as análises a efectuar para avaliar da comparabilidade das operações e as políticas de custeio e de margens de lucro praticadas;
g) Contratos e outros actos jurídicos praticados tanto com entidades relacionadas como com entidades independentes, com as modificações que ocorram e com informação histórica sobre o respectivo cumprimento, devendo ainda ser fornecidos, quando não constem expressamente dos instrumentos jurídicos existentes ou quando a prática seguida se afaste do neles acordado, os elementos seguintes:
1) Definição do âmbito de intervenção das partes envolvidas;
2) Condições de entrega dos produtos e actividades acessórias envolvidas, designadamente serviços pós-venda, assistência técnica e garantias;
3) Preço e, se necessário, respectiva forma de cálculo, e, ainda, se esta estiver associada a pressupostos, a indicação dos mesmos e das circunstâncias em que ficam sujeitos a revisão, bem como a discriminação das respectivas regras e a explicação detalhada dos ajustamentos plurianuais de preços, apontando, nomeadamente, os efeitos quantitativos decorrentes de factores ligados aos ciclos económicos;
4) Duração acordada ou prevista e modalidades de extinção admitidas;
5) Penalidades e o respectivo procedimento de cálculo para a mora no cumprimento ou o incumprimento, qualquer que seja a sua forma de manifestação, incluindo designadamente juros de mora;
h) Explicação sobre a aplicação do método ou métodos adoptados para a determinação do preço de plena concorrência em relação a cada operação e indicação das razões justificativas da selecção do método considerado mais apropriado;
i) Informação sobre os dados comparáveis utilizados, evidenciando, no caso de recurso a entidade externa expecializada em estudos de mercado, a justificação da selecção, nos casos em que se justifique, a ficha técnica dos estudos e, bem assim, uma análise de sensibilidade e segurança estatística ou, sendo interna a fonte dos dados, a respectiva ficha técnica;
j) Detalhes sobre as análises efectuadas para avaliar o grau de comparabilidade entre operações vinculadas e operações não vinculadas e entre as empresas nelas envolvidas, incluindo as análises funcionais e financeiras, e sobre os eventuais ajustamentos efectuados para eliminar as diferenças existentes;
l) Estratégias e políticas do negócio, nomeadamente quanto ao risco, que sejam susceptíveis de influenciar a determinação dos preços de transferência ou a repartição dos lucros ou perdas das operações;
m) Quaisquer outras informações, dados ou documentos considerados relevantes para a determinação do preço de plena concorrência, da comparabilidade das operações ou dos ajustamentos realizados.
Artigo 15.º
Documentação de suporte à informação relevante
1 - As informações referidas nos artigos anteriores devem ter como suporte documentos produzidos pelo sujeito passivo ou por terceiros e reportar-se ao exercício da realização das operações, podendo consistir em:
a) Publicações oficiais, relatórios, estudos e bases de dados elaborados por entidades públicas ou privadas;
b) Relatórios sobre estudos de mercado realizados por instituições nacionais ou estrangeiras reconhecidas;
c) Listas de preços ou de cotações divulgadas por bolsas de valores mobiliários e bolsas de mercadorias;
d) Contratos ou outros actos jurídicos praticados quer com entidades relacionadas, quer com entidades independentes, bem como documentação prévia à sua elaboração e os textos de modificação ou aditamento aos mesmos;
e) Consultas ao mercado, cartas e outra correspondência que contenham referências aos termos e condições praticados entre o sujeito passivo e entidades relacionadas;
f) Outros documentos emitidos relativamente às operações realizadas pelo sujeito passivo, nos termos das regras fiscais e comerciais aplicáveis.
(…)
Negrito e sublinhados nossos.
Entende a Requerente que o preço que elegeu nas transacções entre entidades relacionadas era conforme ao princípio da plena concorrência, porquanto da avaliação contabilística que efectuou, através do método do ajustamento dos capitais próprios, resultou que o preço praticado fora superior ao valor contabilístico substancial das entidades em causa, jà que, à época, apresentavam activos sobreavaliados, passivos omissos ou contingentes, resultados históricos negativos e perspectiva de resultados futuros negativos, e que para efeitos de determinação do valor patrimonial corrigido deverão ser aceites todos os ajustamentos resultantes de ênfases e reservas patentes na certificações legais de contas do exercício de 2001 e de 2002, sendo que esta última, no entender da Requerente, é essencial para aferir correcções a considerar na determinação do justo valor das participações detidas na B... e na F... .
Vejamos.
A AT invocou, no que não foi desmentida pela Requerente, que esta baseou o valor da transmissão das participações alienadas na necessidade de se proceder a ajustamentos ao valor contabilístico das empresas, tendo por base as respectivas certificações legais de contas (CLC), designadamente a de 2002.
Ora, é entendimento do Tribunal que a CLC de 2002 não podia ter sido considerada para efeitos de determinação do valor das referidas participações sociais, porquanto os termos e condições das operações vinculadas devem ser determinados com informação disponível e conhecida à data da realização das mesmas. Tal informação deve ser contemporânea da existente à data da realização das transacções. Adicionalmente, em regra, a emissão da CLC de 2002 só é possível após o fecho de contas da sociedade com referência a 31 de Dezembro de 2002. Embora se considere que os factos existem per se, independentemente de vertidos na CLC, estes só foram confirmados com a emissão da CLC de 2002 que ocorreu no ano seguinte, em 6 de Maio de 2003 (cfr. do Anexo 17 do RIT) ao das operações vinculadas em questão.
A consideração dos pontos identificados na CLC de 2001, conhecidos à data da operação, e logo contemporânea, e reflectidos nas transacções, é a abordagem adequada, porque contemporânea.
Embora determinados aspectos contabilísticos referentes à CLC de 2002 possam ter sido discutidos com a administração das sociedades B... e F..., o documento final só seria conhecido pela administração da Requerente em Maio de 2003, posteriormente à data do negócio de compra e venda das açções da B... e da F... pela E... (Outubro de 2002).
Por outro lado, ainda que as contabilidades das sociedades envolvidas nas operações em causa nos autos, a da sociedade vendedora (D...) bem como das sociedades alienadas (B... e F...) possam apresentar várias deficiências contabilísticas, tendo sido “empoladas” conforme o testemunho de M...– ponto RRR. das Alegações da Requerente – tal não é relevante, nem condiciona a acção da AT; ou seja: se na preparação das demonstrações financeiras a administração de uma sociedade decide não as corrigir conforme estabelecido nos normativos contabilísticos, de modo a evidenciar aos utilizadores das mesmas uma situação patrimonial e financeira irreal e empolada, deverá ser responsabilizada pelas conclusões que eventuais utilizadores das mesmas, nomeadamente e para este caso, a AT, possam vir a retirar.
Assim, no entendimento do Tribunal, faz sentido e é coerente que a AT possa socorrer-se da informação apresentada pelas empresas e conhecida à data das operações - CLC de 2001 - para que se possa basear na mesma para pôr em dúvida o preço praticado nas operações de alienação de acções e recorrer, para o corrigir, a outros métodos.
No que se refere à CLC de 2002 entende o Tribunal que não deverá ser utilizada pelo simples facto de não ser conhecida. O argumento utilizado pela Requerente de sempre deveria relevar a opinião da última full audit realizada e que as suas principais conclusões ou factos eram já do conhecimento das administrações das sociedades em questão não significa que devam ser tomadas em consideração antes da aprovação das contas das sociedades referentes ao exercício de 2002 e emissão da respetiva certificação legal de contas que ocorreria apenas no ano de 2003.
Sobre a abordagem de utilização da metodologia prevista no DL n.º 328/88 de 27 de Setembro por parte da AT determinando apenas o valor substancial (contabilístico) em questão, e não entrando em linha de consideração com o elemento de Goodwill diga-se que este, em geral, consiste num método de avaliação de empresas previsto para efeitos de privatização de empresas públicas para venda ao mercado. Justifica a óptica patrimonial e não incorpora a potencialidade de lucros futuros (goodwill), o que em situações normais, levaria a uma avaliação mais conservadora da empresa, caso as demonstrações financeiras da sociedade traduzissem a sua situação patrimonial de uma forma verdadeira e apropriada.
O argumento aduzido pela Requerente que este método não reflecte as situações de perdas de valor das sociedades não colhe, porquanto estas deveriam de ter sido reflectidas, em grande medida, nos próprios capitais próprios das sociedades. O facto da administração das sociedades em questão nos autos não ter aplicado correctamente os princípios contabilísticos, com o objectivo de apresentar capitais próprios mais elevados, permitiu-lhe certamente daí retirar benefícios (seja no acesso ao crédito ou na apresentação dos seus resultados), mas também a expôs à utilização dessa contabilidade para confrontar transacções efectuadas por valores com ela desconformes. Assim, até por força do princípio da veracidade dos dados inscritos na contabilidade (art. 75.º da LGT), a AT teve fundamentos justificados e suficientes para questionar os prejuízos apresentados e, perante eles, convocar o regime dos preços de transferência e procurar determinar, segundo um dos métodos à sua disposição, o valor das transacções intra-grupo.
O facto de o regime de avaliação empregue ser um regime aplicável à privatização de empresas públicas, para serem vendidas no mercado a partes independentes, não será razão para que não possa ser utilizado pela AT. O facto da AT ter privilegiado a determinação do valor substancial, numa óptica patrimonial, e não a capacidade de gerar (ou não) lucros futuros, reduzindo assim a incerteza e alguma arbitrariedade na escolha de critérios de avaliação e das projecções financeiras, não é razão para que tal abordagem não possa ser seguida.
Assim, face ao supra exposto, entende o Tribunal que o preço praticado pela Requerente na transacção entre entidades relacionadas, dada a relevante divergência entre este e o valor decorrente da avaliação contabilística efectuada através do método do ajustamento dos capitais próprios, terá constituído indicação que o princípio da plena concorrência não tinha sido respeitado.
Em consequência, a Requerida, em sede de inspecção, e na ausência de critério atendível adoptado pela Requerente e devidamente documentado num “dossier” de preços de transferência inexistente, entendeu, no exercício da sua prorrogativa legal de estabelecimento de metodologia para a avaliação das participações sociais em questão nos autos, optar pelo método do preço comparável de mercado.
Note-se que a legislação de preços de transferência não prevê a adopção de determinado ou determinados métodos de avaliação de participações sociais em detrimento de outros (nem tal seria recomendável), dependendo das circunstâncias do caso concreto, ficando o contribuinte (ou a AT) livres de escolher o método que consideram mais adequado desde que devidamente justificado.
O facto de a Requerente não ter apresentado qualquer metodologia de avaliação das sociedades em questão, pois nem “dossier” de preços de transferência tinha, e o facto de o relatório da Sociedade de Revisores Oficiais de Contas H... que apresentou em 10 de Outubro de 2002 (cfr. Anexo 12 do RIT) para justificar o preço não ter sido considerado credível pela AT, permitiu a esta apresentar a metodologia que considerou mais adequada para o efeito, de modo a obter o intervalo de plena concorrência, e esse acabou por ser o método do preço comparável de mercado com recurso a um conjunto de comparáveis que se analisarão no ponto seguinte.
O mencionado relatório da Sociedade de Revisores Oficiais de Contas optou por considerar o método do valor contabilístico, o do valor do rendimento e o dos “cash-flow” descontados. Assim, a própria sociedade de revisores oficiais de contas considerou vários métodos, uns com mais foco patrimonial e outros com mais enfoque nos rendimentos ou resultados futuros.
Todavia, as conclusões do referido relatório não se encontram devidamente justificados, nomeadamente quanto à razão da utilização dos ponderadores de 15% para o método do valor contabilístico, 35% para o método do valor do rendimento e 50% para o método dos “cash-flow” descontados. Claramente, diferentes ponderadores produziriam resultados distintos.
Questionado pela AT sobre a fundamentação dos critérios adoptados na avaliação das participações sociais, o revisor oficial de contas da referida sociedade de revisores oficiais de contas refere, para além de outras considerações não relevantes para este efeito, que “… os critérios de avaliação utilizados teve em consideração o estado da arte quanto a esta matéria, pois são enumerados em diversa bibliografia,..”, (cfr, Anexo 23 do RIT), nem indicando qualquer dessa bibliografia.
Deste modo, o relatório da sociedade de revisores oficiais de contas e a posterior resposta do respectivo revisor oficial de contas não permitia determinar o valor da empresa, ou que o valor se poderia situar num certo intervalo de valores, pelo que não descortina o Tribunal qualquer vício de ilegalidade que se possa imputar à Requerida na desconsideração do preço de alienação das acções e, consequentemente, na adopção de um método alternativo.
C) Adequação da metodologia utilizada pela AT para a determinação do valor de mercado das participações sociais. Análise da comparabilidade das operações consideradas pela AT como comparáveis.
Cabe agora verificar a adequação legal (ou falta dela) dos elementos de comparabilidade adoptados, no que concerne à selecção pela Requerida dos comparáveis.
Vejamos, então, a questão suscitada sobre a adequação às regras sobre preços de transferência dos comparáveis adoptados pela Requerida.
Os comparáveis usados foram os seguintes conforme se extrai dos artigos 123.º a 126.º da Resposta da Requerida que infra se reproduz:
“A pág. 70 do RIT consta o seguinte: “Assim, para efeitos de comparabilidade entre as transmissões das participações sociais da F... a entidades relacionadas com as transmissões das mesmas participações sociais entre entidades independentes, e atendendo, conforme já anteriormente referido, que a F... é, em exclusivo, uma sociedade gestora de participações sociais considera-se, que o valor de mercado que seria praticado entre entidades independentes na transmissão das participações da F..., seria equivalente à soma do valor de mercado das suas participadas, praticado entre entidades independentes.
Assim, conforme já anteriormente exposto, no ponto III.1.2.1.2 deste relatório, considerando as participações sociais detidas pela F... na D... (87,56%), na G... (100%) e na F... LDA (90%) e as transmissões de participações sociais destas sociedades, entre entidades independentes, em datas próximas da objecto de análise, obtemos o seguinte:
- G... (100%)
O valor atribuído à G... corresponde ao valor da sua participação de 90,16% na c... SA. Em 31 de Janeiro de 2002, a I... alienou à própria G... a restante participação na C... (16.876 acções), correspondente a 5,63% do capital desta por €355.203 (anexo 48).
Assim, concluiu-se que o valor de mercado da C... seria de cerca de €6.309.111,90 (€355.203,00/5,63%), logo o valor da participação de 90,16%, detida pela G... teria o correspondente valor de cerca €5.688.295,29.
P... LDA (90%) Relativamente a esta sociedade não são conhecidas quaisquer transmissões de participações sociais no período considerado relevante para a análise.
Assim, considerando que:
A empresa foi constituída no final de 2001, com um capital social de €50.000,00, não tendo qualquer actividade nesse exercício;
No final de 2002, apresentou um resultado líquido de €3.545,73 e um total de capitais próprios de €53.545,73;
Não se atribui qualquer valor a esta participação por se considerar materialmente irrelevante no contexto em análise.
• D... (87,56%)
Em 17 de Outubro de 2002 a I... e o FUNDO J... alienaram à F... 200.000 acções da D..., correspondentes a 12,44% do capital desta por €999.428,00 (anexo 47).
Assim, concluiu-se que o valor de mercado da D... seria de cerca de €8.033.987,14 (€999.428,00 /12,44%), logo o valor da participação de 87,56%, detida pela F... teria o correspondente valor de cerca de €7.034.559,14.
No entanto, conforme, anteriormente referido, a D... também tinha uma participação de 9,60% na própria F..., a qual também detinha a G... e a P... LDA, logo admite-se que parte daquela valorização respeite também a estas participações, as quais já foram objecto de valorização anterior.
Assim, tomando por base essas valorizações, e tendo em conta que o que se pretende a final é avaliar a F..., e a fim de evitar duplicações, devemos, para esse efeito, retirar à valorização atribuída à D..., o efeito da sua participação na própria F... . Então ao valor da participação da F... na D... (87,56%) correspondente, conforme anteriormente demonstrado, a cerca de €7.034.559,14, devemos retirar cerca de €546.076,35 (€5.688.295,29X9,6%), referentes à valorização da participação da F... na G... .
Logo, o valor da participada D..., para efeitos da determinação do valor da F..., será de cerca de cerca de €6.488.482,79 (€7.034.559,14 - €546.076,35).
Face ao exposto, o valor de mercado da F... seria de cerca de €12.0176.778,08, correspondente à soma do valor de mercado das suas participadas, conforme anteriormente demonstrado.
Considerando que a participação da F... alienada e objecto de análise corresponde a 9,6% do seu capital o seu valor de mercado será de cerca € 1.168.970,70.
Da mesma forma, para efeitos de comparabilidade entre a transmissão da participação social da B... a entidades relacionadas com a transmissão das mesmas participações sociais entre entidades independentes, considera-se a alienação da participação que a I... e o FUNDO J... detinham na B..., correspondente a 24,92% do capital desta (606.907 acções), efectuada em 31 de Janeiro de 2003, à C... pelo montante de €1.151.563 (anexo 49)
Assim, concluiu-se que o valor de mercado da B... seria de cerca de €4.621.039,33 (€1.151.563,00/24,92%), logo o valor da participação de 74,76%, detida D... e alienada à F... teria o correspondente valor de mercado de cerca €3.454.689,00.”.
Considerou a Requerida que valores apurados supra e que de seguida se resumem, constituem o valor mínimo do intervalo de plena concorrência:
Para efeitos de determinação do preço que seria praticado entre entidades independentes considerou a Requerida os referidos valores mínimos do intervalo de Plena Concorrência, apurados no ponto anterior:
Assim, face aos valores de alienação das referidas participações sociais considerados pela Requerente, considerou a Requerida que, caso as referidas alienações tivessem sido efectuadas entre entidades independentes, os seus proveitos seriam superiores em € 2.273.659,70, conforme se assinala infra:
Entende a Requerida que inexiste qualquer razão para que os contratos de compra e venda de acções celebradas entre a I... e o Fundo J... e a F... e entre a I... e o Fundo J... e a G..., não possam ser considerados como praticados em condições de mercado livre.
Já a Requerente entende, em suma, que os comparáveis utilizados pela Requerida para efeitos de avaliação do valor de mercado das participações detidas na B... e F... não o são, porquanto tais transacções não foram realizadas entre entidades independentes, nem substancialmente idênticas, uma vez que as suas características económicas e financeiras relevantes não demonstram ser análogas ou suficientemente similares, afectando de forma significativa a determinação dos termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado.
Considera a Requerente que o valor da alienação das participações por parte da I... e Fundo J... resultou de uma prévia renegociação com estas entidades relativamente à obrigação de recompra das participações sociais detidas por estas entidades no contexto de operações de capital de risco e que tal compromisso condicionou o valor pelo qual as participações foram alienadas.
Vejamos.
A Requerida considera que as operações de compra e venda de acções realizadas pelas duas sociedades de capital de risco – I... e Fundo J... são operações comparáveis.
Estas operações, as vinculadas e as realizadas entre partes independentes, foram as seguintes:
- venda pela D... à G... de 9,6% da F... por € 350.000.
- venda pela I... e Fundo J... à F... de 200.000 acções da D... pelo valor de € 999.428,21.
- venda pela D... à F... de 74,76% da B... por € 2.000.000.
- venda pela I... e Fundo J... à C... de 606.907 acções da B... .
Como resultado a AT efectuou uma correcção aritmética de € 2.273.659,70, considerando o seguinte:
- F... (9,6%) venda por € 350.000, e deveria ter sido por € 1.168.970,70, valor mínimo decorrente de uma operação considerada como comparável;
- B... (74,76%) venda por € 2.000.000 e deveria ter sido por € 3.454.689,00, valor mínimo decorrente de uma operação considerada como comparável.
A primeira questão a que se tem de responder é se as operações supra assinaladas a negrito e sublinhado foram realizadas entre partes independentes (caso contrário, se realizadas entre partes relacionadas, como operações vinculadas, não poderão ser utilizadas como comparável externo).
A I... e o Fundo J... são partes relacionadas relativamente às sociedades onde realizaram as referidas operações de capital de risco dado a influência significativa que exercem na gestão das sociedades em que participam. Sobre isso o Tribunal não tem dúvidas.
No entanto, considera o Tribunal que as mesmas não são partes relacionadas com a C... e F..., pelo que nesta óptica se trata de partes independentes. A participação das sociedades I... e Fundo J... no Acordo de Accionistas de 25 de Janeiro de 2000 não os torna partes relacionadas da C... e F..., e mais, a operação de compra e venda de ações acima referida não foi efetuada nos termos previstos neste acordo.
Respondida a primeira questão, a se de estabelecer se eram ou não partes independentes, importa aferir se são estas operações comparáveis, ou substancialmente idênticas, a uma operação de compra de compra e venda de acções (caso contrário, se consideradas como distinta da operação comparada, não poderão ser utilizadas como comparável).
Ou seja, se as operações realizadas pela I... e Fundo J... consubstanciaram operações de financiamento, como capital de risco, ou operações de capital, com os riscos e benefícios típicos decorrentes do detentor do capital, nomeadamente o direito ao lucro gerado pelo negócio realizado pelas sociedades.
Resulta claro (e foi mesmo aceite pela AT nos autos) que, conceptualmente, uma operação de capital de risco, mesmo que na sua forma consista numa subscrição de acções e num acordo de recompra das mesmas a um preço pré-determinado, incorporando um elemento de juro ou de remuneração do capital emprestado, na sua substância consubstancia uma operação de financiamento, não devendo ser uma operação comparável a uma operação pura de compra e venda de acções, resultante da negociação entre partes tomando em consideração o valor de mercado de uma empresa.
Em regra, uma operação de financiamento não é comparável, para estes efeitos, a uma operação de capital, tais como a negociação de compra e venda de acções. Os interesses, bem como os riscos das partes envolvidas, são perfeitamente distintos.
A questão que se coloca no caso dos presentes autos, face às suas especificidades, dado a recompra das acções por parte da I... e do Fundo J... não terem sido efectuadas nos termos previstos no contrato inicial, é se a negociação decorrente da mesma resulta (i) da mera antecipação do termo do prazo do contrato mas em obediência aos princípios do contrato inicial, nomeadamente a remuneração do capital por aplicação de uma taxa de juro e de um prémio ou (ii) de uma negociação de compra e venda de acções entre accionistas.
Mesmo no caso de uma negociação de compra e venda de acções entre accionistas, no caso de uma negociação aberta e livre, fora dos termos do contrato inicial, poderia ainda ser argumentado que o objectivo da I... e do Fundo J..., como de qualquer outro financiador no âmbito de uma operação de financiamento, não seria mais do que a tentativa que qualquer credor faria em recuperar, total ou parcialmente o capital mutuado, bem como os respectivos juros. Isso mesmo corresponde ao sustentado pela Requerente quando diz que esta operação foi efectuada no âmbito da operação de capital de risco.
Ora sucede que, como se deixou consignado na decisão da matéria de facto, a Requerente não logrou prová-lo.
Destarte, como admite a Requerente, não se tratou de dar cumprimento ao acordado, mas de “renegociar” face à antecipação acordada e à mudança de adquirente. Ou seja, tratou-se não da execução do previamente acordado e estipulado, mas sim de um novo cenário que se precipitou face ao negócio entre a E... e a F... .
Pelo exposto entende o Tribunal que a Requerente não logrou rebater os pressupostos sobre os quais actuou a entidade Requerida, estando a isso obrigado em face do disposto no artigo 74.º da LGT: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
Improcede, pois, o vício imputado ao acto impugnado de violação de lei pela escolha do Método do Preço Comparável de Mercado porquanto as operações utilizadas como comparáveis respeitaram a aplicação do regime dos preços de transferência.
Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.
Não sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, não se pode concluir pela existência de pagamentos indevidos e, consequentemente, não se justifica a anulação das liquidações, nem a restituição da quantia paga, nem o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
b. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
Fixa-se o valor do processo em Euro 569.310,40, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 297.º do CPC.
O montante das custas é fixado em Euro 8.568,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 08 de Maio de 2019.
Os Árbitros,
Conselheira Fernanda Maças (Árbitro Presidente)
Jorge Manuel Figueiredo (Árbitro Vogal)
Henrique Nogueira Nunes (Árbitro Vogal)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.