Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 433/2018-T
Data da decisão: 2019-04-30  IRC  
Valor do pedido: € 27.357,83
Tema: Encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros. Tributações autónomas cfr. art.º 88.º, n.º 3 do CIRC. “Presunção legal”.
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DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A...,  NIPC..., Sociedade em Nome Colectivo com sede na R. ..., ... ..., doravante designada por “A...”, “Requerente” ou “SP” (Sujeito Passivo), veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), doravante “RJAT”, requerer a constituição do Tribunal Arbitral.

 

Como objecto imediato do Pedido de Pronúncia Arbitral na origem dos autos, a Requerente peticiona a anulação de despacho de indeferimento de Recurso Hierárquico, o qual sucedeu, confirmando-o, a despacho de indeferimento de Reclamação Graciosa. Recurso Hierárquico e Reclamação Graciosa estes que haviam sido por si interpostos tendo por fundamento erro em autoliquidação em sede de IRC.

 

Por sua vez, como objecto mediato do Pedido a Requerente peticiona a anulação parcial da sua autoliquidação de IRC, reportada ao exercício de 2013. Mais peticionando o reembolso das quantias que entende neste contexto terem sido por si indevidamente pagas, no valor de € 27.357,83, acrescido de juros indemnizatórios, igualmente peticionados.

 

A Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente tramitou sob o n.º ...2016... e foi alvo de despacho de indeferimento, ora impugnado. O Recurso Hierárquico, que teve por objecto a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, tramitou sob o n.º ...2016... e confirmou a anterior decisão em sede de Reclamação Graciosa, sendo o respectivo despacho de indeferimento ora também impugnado.

 

À autoliquidação do exercício de 2013 em causa nos autos, processada pela Requerente por submissão da respectiva Declaração Modelo 22, corresponde a Demonstração de Liquidação de IRC com o N.º 2015... .

 

A Reclamação Graciosa foi apresentada pelo SP com fundamento em erro na autoliquidação em sede de IRC do exercício de 2013 por referência às tributações autónomas que o mesmo então liquidou, relativas, naquilo que para os presentes autos releva, a encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros.

 

Sumariamente, defende a Requerente - em sede de procedimento de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico subsequente e, agora, na presente sede de Pedido de Pronúncia Arbitral - que o art.º 88.º, n.º 3 (e n.º 4) do Código do IRC (doravante “CIRC”), ao abrigo do qual procedeu à autoliquidação das Tributações Autónomas (doravante também “TAs”) que entretanto coloca em crise, contém em si uma presunção. A saber, uma presunção de empresarialidade meramente parcial. Mais que tal invocada presunção deverá ser tida como uma presunção ilidível. E que, logrando ela Requerente fazer prova do contrário daquilo que resulta da invocada presunção, deverá esta ter-se por ilidida. E por fim que, a ser assim, i. e., a lograr ela Requerente fazer essa prova, deverá concluir-se, por consequência - tudo como invoca - pela não incidência de Tributações Autónomas no caso.

 

Tendo a Requerente pago o montante total resultante da sua autoliquidação em sede de IRC referente ao exercício de 2013, que veio depois colocar parcialmente em crise (em sede de procedimentos administrativos e, agora, nos presentes autos), e incluindo-se nesse montante pago o valor correspondente à liquidação das Tributações Autónomas relativas a encargos com viaturas ligeiras de passageiros na parte que coloca em crise, e com que se não conforma, vem a mesma ora peticionar: (i) a anulação do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico e, bem assim, do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa; (ii) a anulação parcial da autoliquidação referente ao exercício de 2013, i. e., no referente às Tributações Autónomas respeitantes a encargos com viaturas ligeiras de passageiros na parte aqui em crise; (iii) o reembolso das quantias nessa medida pagas, segundo pugna, em montante superior ao devido e, bem assim, (iv) juros indemnizatórios.

 

Sumária e fundamentalmente, Requerente e Requerida têm entendimentos divergentes sobre o teor da norma de incidência em causa – o art.º 88.º, n.º 3  do CIRC – designadamente, sobre se a mesma contém, ou não, em si, uma presunção. Presunção legal, acrescentemos nós desde já.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT a 04.09.2018.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 24.10.2018 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 14.11.2018.

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”) e consequente manutenção dos actos em crise na Ordem Jurídica.

Entende a Requerida, por contraposição ao entendimento da Requerente, que nenhum dos actos por esta colocados em crise se encontra ferido de ilegalidade. Desde logo, por neles se não verificar qualquer violação do art.º 88.º do CIRC.

 

Em suma, e conforme desenvolve na sua Resposta, assim será: (i) porque a argumentação da Requerente, no sentido da existência de uma presunção de empresarialidade  no art.º 88.º, n.º 3, não tem suporte legal (por não ter correspondência seja na letra da lei, seja na sua ratio),  e (ii) porque ainda que se admitisse (o que a Requerida não faz) a existência de uma tal presunção, a Requerente não fez prova da aludida “empresarialidade”  e, como tal, não poderia sequer considerar-se ter sido afastada a invocada (não admitida pela Requerida) presunção, e, por fim, (iii) porque uma interpretação da norma em causa (art.º 88.º, n.º 3 do CIRC) nos termos defendidos pela Requerente violaria a Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”).

 

Por despacho de 04.01.2019 decidiu este Tribunal notificar as Partes para a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, tendo em consideração o requerimento de produção de prova testemunhal apresentado pela Requerente.

 

A reunião teve lugar a 25.01.2019, tendo as Partes ficado então notificadas para apresentar alegações escritas facultativas, sucessivas, no prazo de 15 dias cada, iniciando-se a contagem do prazo pelo lado da Requerente.

 

Ambas as Partes apresentaram alegações. A Requerente veio, nas suas, reiterar no essencial o que já havia defendido no PPA, refutar o argumento da Requerida de que a sua (da Requerente) tese nos autos contém em si um apelo ao recurso à equidade na decisão que se pede ao presente Tribunal e, por fim, insistir no bem fundado da tese por que pugna, invocando Jurisprudência Arbitral e argumentando contra a tese da Requerida de que uma interpretação do art.º 88.º, n.º 3 como a que defende violaria a CRP. Mais defendendo terem ficado provados os factos por si alegados no PPA e sobre os quais incidiram os depoimentos das testemunhas.

 

A Requerida, por seu lado, nas suas alegações, veio: reiterar o anteriormente defendido em sede de Resposta, acrescentando e desenvolvendo argumentos de Direito no sentido da posição que perfilha; concluir (sem conceder quanto à inexistência, como pugna, de uma presunção no art.º 88.º, n.º 3) que a Requerente não logrou fazer prova dos factos que alegadamente lhe permitiriam afastar a invocada presunção; e , por fim, reiterar e desenvolver argumentos no sentido de dever julgar-se inconstitucional o art.º 88.º, n.ºs 3 e 5 quando interpretado nos moldes em que a Requerente defende dever interpretar-se.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) A Requerente é uma Sociedade em Nome Colectivo constituída ao abrigo da lei portuguesa e que exerce a título principal actividade de natureza comercial.

b) No exercício de 2013 a Requerente tinha por objecto social o comércio de produtos alimentares e de consumo, bem como a prospecção, compra, venda, arrendamento, gestão de imóveis próprios, construção, remodelação e gestão de propriedades (cfr. Certidão Permanente do Registo Comercial, cujo código de acesso foi junto aos autos a solicitação do Tribunal).

 

c) A Requerente desenvolve a sua principal actividade comercial nas lojas “A...” localizadas em território nacional.

 

d) A Requerente procedeu à autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2013, mediante apresentação da Declaração Modelo 22, e respectiva Declaração de substituição cuja cópia consta dos autos (PA2, Doc. 2, p. 7 e ss.) e cujo teor se dá por reproduzido.

 

e) Da Declaração Modelo 22 supra (cfr. Declaração de substituição, v. alínea anterior) consta, no Quadro 10 - Campo 365, o valor de € 830.936,87 a título de Tributações Autónomas, e no mesmo Quadro 10, em “Total a pagar” o valor de € 1.348.030,67.

 

f) Por referência à Declaração Modelo 22  supra (cfr. alíneas anteriores) foi emitida a Demonstração de Liquidação de IRC - “N.º da Compensação 2015...”, “N.º Liquidação 2015...”, “Data Liquidação 2015-07-30”, cuja cópia consta dos autos (PA2, Doc. 1, p. 5) e cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta, a título de Tributações Autónomas o valor de € 830.936,87, e na qual se refere em “pagamento de autoliquidação” o valor de € 1.348.030,67.

 

g) Com referência ao exercício de 2013, a Requerente apresentou, a 28.07.2016, Reclamação Graciosa com fundamento em erro na autoliquidação.

 

h) Na Reclamação Graciosa apresentada, que tramitou sob o n.º ...2016..., a Requerente veio alegar encontrar-se ferido de erro o “ato tributário de “autoliquidação” de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas relativo ao período de tributação correspondente ao ano civil de 2013.” - cfr. respectiva Informação N.º ...-AIR1/2016, junta aos autos pelo SP com o PPA (doc. n.º 2, p. 3) e que aqui se dá por reproduzida.

 

i) Na Reclamação Graciosa a ora Requerente imputava erro à autoliquidação na parte referente a Tributações Autónomas por referência a três distintas situações, a saber, encargos com despesas de representação, encargos com viaturas ligeiras de passageiros e encargos com ajudas de custo (cfr. p. 3 da Informação N.º ...-AIR1/2016 elaborada no procedimento de Reclamação Graciosa em momento ulterior ao exercício do Direito de Audição - junta pelo SP com o PPA como Doc. n.º 2).

 

j) A Requerente foi notificada do projecto de decisão, de indeferimento, da Reclamação Graciosa e para exercício do Direito de Audição (cfr. Processo Administrativo junto aos autos e que aqui se dá por reproduzido – v. PA2, p. 75 e ss).

 

k) Do projecto de decisão da Reclamação Graciosa (v. PA2, p. 77 e ss., Informação N.º...-AIR1/2016) consta, entre o mais:

 

(...)

 

(...)

 

(…)

Continuando na apreciação dos argumentos da Reclamante :

 

(...)

(...)

 

l) No exercício do seu Direito de Audição em sede de RG a ora Requerente veio a conformar-se com o constante do respectivo projecto de indeferimento no respeitante a Tributações Autónomas com despesas de representação e ajudas de custo, mantendo a sua discordância tão só quanto aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros e, dentro destes, apenas na parte  dos encargos relativos às “viaturas pool”, cuja Tributação Autónoma autoliquidada ascendeu a € 27.357,83 (vinte e sete mil trezentos e cinquenta e sete euros e oitenta e três cêntimos).

m) Em anexo ao seu articulado de exercício do Direito de Audição Prévia, na RG, o SP juntou, como documento n.º 2, que se dá por reproduzido, uma listagem intitulada “Mapa identificativo de viaturas em pool”, no qual se identificam 48 viaturas e os correspondentes anos e valores de aquisição, taxas de tributação autónoma aplicáveis, nuns casos de 10%, noutros de 20%, e valores tributação autónoma por viatura, sendo o total de Tributações Autónomas daí constante no valor de € 27.357,83 (v. PA2, pp. 70 e 97; v. Doc. 3 junto com o PPA);

 

n) Em anexo ao seu articulado de exercício do Direito de Audição Prévia, na RG, o SP juntou, como documentos n.ºs 3, 4 e 5, três documentos que designou de “Exemplo de formulário de requisição de viatura em pool” (v. PA2, pp. 70 e 98 e ss.), cada um dos três referente a uma viatura, e cada um constituído por (i) uma comunicação de requisição de viatura por email, (ii) uma Declaração de recepção de viatura e, no verso desta (iii) uma lista enumerando seis regras sob o título “Regras para a utilização das viaturas de substituição”.

 

o) Após o exercício do direito de audição pelo SP, a AT manteve a mesma posição que no projecto de decisão (RG), reiterando o respectivo mérito e concentrando a decisão, no  despacho de indeferimento, na matéria que o SP manteve controvertida em sede de Direito de Audição (v. l) supra; v. doc. n.º 2 junto pelo SP com o PPA - Informação N.º ...-AIR1/2016).

 

p) A Reclamação Graciosa foi indeferida pelo ofício n.º... de 12.09.2016, e o SP notificado da respectiva decisão (cfr.  doc. n.º 2, que juntou com o PPA). Da notificação da decisão de indeferimento - Informação N.º ...-AIR1/2016 anexa - consta, entre o mais:

 

(…)

 

(...)

 

(...)

 

q) A 13.10.2016 o SP interpôs Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa.

 

r) O Recurso Hierárquico tramitou sob o n.º ...2016... e nele a Requerente pugnou pela anulação da decisão de indeferimento da RG, apresentou o mesmo pedido - mas apenas na parte referente a Tributações Autónomas por encargos com as viaturas ligeiras de passageiros que denomina “viaturas pool” - (cfr. l) supra), com a mesma fundamentação que na Reclamação Graciosa, e juntou os documentos já juntos com esta e com o articulado do Direito de Audição na mesma (v. m) e n) supra).

s) Em sede de Recurso Hierárquico foi dispensada a Audição Prévia.

 

t) Em 30.04.2018 foi proferido despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, no qual a Requerida manteve e aderiu à posição assumida no projecto e na decisão de indeferimento da RG. Do despacho de indeferimento do RH, notificado à Requerente (cfr. doc. n.º 1 junto com o PPA) consta, entre o mais:

(…)

(...)

(...)

(...)

 

u) As “viaturas em pool”, listadas no documento junto com o PPA como doc. n.º 3 (já antes junto com o articulado de Direito de Audição em sede de RG e, ainda, com o RH - v. supra  alíneas m) e r)), são em número de 48 e destinam-se a ser utilizadas pelos funcionários da Requerente que não dispõem de viatura da empresa atribuída.

 

v) As “viaturas em pool” (“pools” localizados na sede e nos armazéns da Requerente), são viaturas de quatro portas, destinam-se a ser utilizadas pelos funcionários da Requerente em deslocações para fins profissionais a nível nacional, são em regra levantadas e entregues no mesmo dia, ao final do dia, existindo situações em que tal regra sofre excepções, podendo então o levantamento fazer-se num dia e a entrega em dia distinto.

w) Existe um procedimento para a requisição das viaturas, consistente em: cada funcionário requisita previamente a viatura, via email, indicando a data e hora ou hora aproximada para levantamento, data e hora previsível para entrega, e o fim da deslocação e, ao levantar a viatura, preenche uma declaração de onde fará constar a data e hora de levantamento, sendo a mesma declaração depois também pelo mesmo preenchida e, por si, assinada aquando da entrega, apondo a data e hora de entrega e o número de Kms na entrega. Do verso desta declaração consta um conjunto de seis regras para utilização, sob o título “Regras para a utilização das viaturas de substituição” (v. n) supra, parte final), referindo-se as mesmas à forma das requisições, levantamento e entrega de chaves e documentos, local de estacionamento, lavagem, abastecimento de combustível e resolução de anomalias.

 

x) A Requerente não dispõe de um Regulamento com normas sobre a utilização das viaturas.

 

y) A Requerente não dispõe de um sistema próprio para detecção de situações em que a utilização das viaturas extravase os fins para que são requisitadas.

 

z) É possível verificar registos de utilização de portagens.

aa) A Requerente não estabeleceu um limiar de número de Kms percorridos pelos funcionários nas “viaturas pool” a partir do qual, caso a caso, coubesse verificar da efectiva utilização estritamente para fins profissionais, nem dispõe de sistema GPS instalado nas viaturas.

 

bb) A Requerente dispõe de 243 estabelecimentos (1 sede, 4 armazéns, 238 lojas) distribuídos por grande parte do país, e tal distribuição geográfica gera necessidades de deslocações dos seus funcionários, como sejam deslocações a lojas, a clientes, a formações, a reuniões, a diligências judiciais, a terrenos e obras.

 

cc) A 03.09.2018 a Requerente interpôs o Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”) que originou o presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Não ficou provado que a utilização das viaturas em pool tenha lugar sempre exclusivamente para fins profissionais.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos, incluindo com o PPA e no Processo Administrativo (doravante também “PA”), criticamente apreciados - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados, bem como na prova testemunhal produzida e criticamente apreciada.

Relativamente aos depoimentos das testemunhas, e não obstante a sua relação profissional com a Requerente, o Tribunal considera que prestaram o seu depoimento com isenção, revelando ao Tribunal o conhecimento de que dispunham quanto aos factos que referiram, não havendo motivo para questionar da sua veracidade.

O facto dado como não provado foi-no não só com base na apreciação crítica dos documentos juntos e correspectiva exposição da Requerente nos Articulados, como também com base na prova testemunhal produzida. Ambas as testemunhas reconheceram a existência de situações em que os funcionários podem efectivamente utilizar o veículo requisitado também para fins pessoais, ainda que marginalmente, mais reconhecendo as limitações da respectiva verificação por parte da Requerente (este último ponto tendo ficando provado pelo depoimento da testemunha B...). A testemunha C... concretizou mesmo uma ocasião em que ela própria só não foi buscar a filha à escola utilizando a viatura pool que então conduzia por o marido o ter podido fazer nesse dia. Mais tendo referido que não reconhece em situações como essa uma utilização completamente pessoal.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC ), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC ).

 

3. Matéria de Direito

 

Recapitule-se : a Requerente apresentou a sua declaração Modelo 22 reportada ao exercício de 2013 e, relativamente à mesma, veio posteriormente interpor Reclamação Graciosa (doravante também “RG”) com fundamento em erro na parte referente a Tributações Autónomas (doravante também “TAs”).

Nessa sede (RG) a então Reclamante invocou erro, de facto e de direito, sempre por referência à autoliquidação de TAs a que procedera ao abrigo do art.º 88.º do CIRC. Porém abrangendo aí, no seu pedido - conforme PI da RG - TAs relativas a (i) encargos com despesas de representação, ao abrigo do n.º 7 do art.º 88.º, (ii) encargos com viaturas ligeiras de passageiros, ao abrigo dos n.ºs 3 e 4 do art.º 88.º, e (iii) encargos reportados a ajudas de custo e à compensação por deslocação em viatura própria do trabalhador, ao abrigo do n.º 9 do art.º 88.º.

Aquando do exercício do seu Direito de Audição, após notificada do projecto de decisão da RG, a então Reclamante aceitou o sentido do projecto de indeferimento relativamente a todas as questões objecto do seu pedido inicial, com excepção do que se referia às TAs decorrentes de encargos com viaturas ligeiras de passageiros, cfr. n.ºs 3 e 4 do art.º 88.º, e numa parte apenas. A saber, na parte correspondente às viaturas que denomina de “viaturas em pool”, ou “viaturas pool”, relativamente às quais o montante total de TAs autoliquidado ascendeu a € 27.357,83.

Indeferida que foi no seu todo a RG, incluindo pois também nesta parte do pedido inicial que a Reclamante manteve controvertida até final, e não se conformando com este indeferimento, veio a mesma a interpôr Recurso Hierárquico (doravante também “RH”), restringindo então o respectivo objecto às TAs autoliquidadas por referência às “viaturas em pool” (valor total de € 27.357,83).

Uma vez expressamente indeferido o RH, e assim mais uma vez confirmada pela AT a legalidade do acto de autoliquidação em causa, veio a ora Requerente interpôr o PPA na origem do presente processo.

 

Como decorre do articulado de PPA, a Requerente apresenta-o com o seguinte objecto: pedido de anulação, por ilegal, do despacho de indeferimento do RH e, bem assim, do despacho de indeferimento da RG; pedido de anulação, por ilegal, da autoliquidação em IRC do exercício de 2013 na parte relativa a TAs referentes a encargos suportados relacionados com determinadas viaturas ligeiras de passageiros, as “viaturas em pool”; reembolso do montante de € 27.357,83 e juros indemnizatórios.

Para fundamentar o PPA, e como havia também feito já em sede de procedimentos administrativos (de RG e RH), a Requerente desenvolve argumentos no sentido que passamos a resumir:

- a autoliquidação das TAs decorrentes dos gastos incorridos com a utilização de viaturas ligeiras de passageiros (“VLP”) - no caso das viaturas em pool – para fins exclusivamente contidos no âmbito da sua actividade, como alega, está ferida de ilegalidade porque se deve entender que o legislador ao elencar, “no art.º 88.º do CIRC”, “os actos de despesa que deverão ser sujeitos a tributação autónoma”, e para a definição desses actos, “adotou uma presunção de não empresarialidade” (cfr. pontos 51.º e 52.º PPA);

- “Encontram-se sujeitas a tributação autónoma as despesas que, de um modo geral, e atendendo ao escopo social da maioria das empresas, poderão ser encaradas como gastos com natureza presumivelmente pessoal e não profissional ou empresarial.” (cfr. ponto 53.º PPA);

- Para determinar se “um ato de despesa” é ou não sujeito a TA - (o que refere depois de fazer uma incursão por extractos de Decisões Arbitrais que identifica - proc.º n.º 209/2013-T, proc.º n.º 255/2013-T) - há que proceder a duas operações: verificar se o mesmo consta do elenco do art.º 88.º do CIRC e, em caso afirmativo, num segundo momento verificar da sua empresarialidade integral, a qual, a ser provada, afastará a incidência de TAs, uma vez que assim “afasta-se a presunção de que tais gastos não possuem uma natureza empresarial (…).” (cfr. ponto 60.º PPA), “(...) devendo ainda ser admitida a sua dedutibilidade integral como um custo fiscalmente aceite.” (cfr. ponto 62.º PPA);

- deve entender-se que a presunção de que determinados gastos não possuem empresarialidade integral admite ilisão, pois “Desde logo, qualquer presunção constante de norma de incidência tributária é suscetível de ilisão, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da tributação pelo rendimento real, conforme, de resto, se refere no art.º 73.º da LGT.” (cfr. ponto 67.º PPA e em seguida se invocando novamente Jurisprudência Arbitral - transcrevendo passagens do proc.º n.º 209/2013-T) ;

- as normas referentes a TAs têm um carácter anti-abuso;

- as especificidades da actividade da Requerente deverão ser tidas em conta para efeitos da ilisão da presunção (cfr. ponto 83.º PPA), o que permite, em conjugação com os factos alegados (ref. necessidade e efectiva utilização das viaturas em pool para fins tão só empresariais) e que considera provar, afastar a (invocada) presunção e, assim, torna ilegal a tributação a título de TAs no caso;

- (já em alegações) no processo arbitral n.º 189/2018-T “onde as Partes, os factos e o direito invocado e aplicado são rigorosamente iguais (apenas diferindo no exercício em causa: 2014)” “acolheu-se a pretensão da, ora Requerente, com base, entre outra, na seguinte base argumentativa: Em coerência com a decisão que se assinou (…). Adere-se, assim, ao referido na decisão arbitral colegial Processo CAAD n.º 628/2014-T, citada pela Requerente, que tratou duma situação em tudo semelhante, a saber: (…).”;

- (ainda na continuação das passagens que transcreve do mesmo processo n.º 189/2018-T em alegações) “Por último invoca a AT (…) deve “ser julgado inconstitucional o art.º 88.º, n.º 3 e 5 do CIRC, (…), quando interpretado no sentido de albergar em si uma presunção ilidível (...)”. Ao que o Tribunal Arbitral respondeu com linearidade clareza com a seguinte linha argumentativa:  Em primeiro lugar (…), onde reside o fundamento legal mais determinante para a adopção do sentido desta decisão, não está nos n.ºs 3 e 8 do art.º 88.º do CIRC (…), mas sobretudo na norma constante do art.º 73.º da LGT, na medida em que (...)”.

A Requerida, por seu lado, e também muito resumidamente, expõe na Resposta o seu raciocínio como segue:

- há que questionar: “(...) aceite que os encargos suportados e dedutíveis, relativos a despesas com veículos, são comprovadamente indispensáveis para o exercício da actividade empresarial da Requerente e, como tal, dedutíveis, por força do art.º 23.º, n.º1 do CIRC, pode inferir-se que, em atenção ao carácter empresarial desses encargos, ficam afastados da incidência das tributações autónomas ou devem ainda ser submetidos a um teste mais apertado, em ordem a provar a empresarialidade integral dos encargos?”(v. ponto 43.º Resposta);

- incluem-se na norma de incidência em causa nos autos, conforme redacção então vigente, as despesas com VLP quer sejam dedutíveis, quer sejam não dedutíveis;

- nem na letra dos números 3 a 6 do art.º 88.º, nem em qualquer outra norma do CIRC se vislumbra que os encargos em causa possam ser subtraídos às normas de incidência de TAs feita a prova da sua empresarialidade integral (v. ponto 45.º Resposta);

- como constante da Decisão Arbitral no proc.º n.º 148/2016-T “não há qualquer norma que estabeleça a possibilidade de opção” (v. ponto 49.º Resposta);

- as tributações autónomas incidem sobre um conjunto heterogéneo de realidades muito díspares e as finalidades visadas pelo legislador com a respectiva tributação são múltiplas e têm evoluído ao longo do tempo; (v. pontos 50.º e ss. Resposta);

- já na parte final do mesmo n.º 3 do art.º 88.º do CIRC (cfr. redacção introduzida pela LOE 2011) o legislador consagrou a possibilidade de o SP evitar a tributação em TAs;

- o art.º 88.º é uma norma de incidência objectiva e, por isso, submetida ao princípio da legalidade; (v. 63.º e 64.º Resposta);

- a norma de incidência em causa não contém na sua redacção, seja explícita, seja implicitamente, qualquer tipo de presunção;

- mesmo que se admitisse (o que a Requerida não faz) a invocada presunção, a Requerente não fez qualquer prova material concreta, completa, inequívoca, o que provavelmente nem se tornaria exequível;

- a interpretação do art.º 88.º do CIRC veiculada pala Requerente viola o art.º 103.º, n.º 2 da CRP, por violadora do princípio da legalidade no que tange à delimitação negativa da incidência; deve ser “julgado inconstitucional o art.º 88.º, n.ºs 3 e 5 do CIRC, por violação dos princípios da legalidade (…) e da protecção jurídica e da confiança (art.º 103.º, n.º 2 e 3 da CRP), quando interpretado no sentido de albergar em si uma presunção ilidível, capaz de afastar a tributação sobre encargos (…), sempre que seja possível provar a sua indispensabilidade para o funcionamento eficiente das empresas.” (cfr. ponto 123.º Resposta).

 

Temos, assim, as seguintes:

3.1. Questões a decidir

As questões a decidir, em primeiro lugar, nos presentes autos são de Direito, a saber:

(i) Contém o art.º 88.º, n.º 3  do CIRC em si uma presunção legal? e

(ii) Existindo na norma em causa uma presunção, será ela ilidível (desde logo, por força do disposto no art.º 73.º da LGT)?

Estas questões terão que ser apreciadas e decididas em co-relação.

 

Depois, caso se responda afirmativamente às questões de Direito supra, caberá decidir:

(iii) A Requerente logrou fazer prova dos factos que traduzem o resultado oposto ao “facto presumido” e assim ilidir a “presunção”?

(iv) É inconstitucional o art.º 88.º, n.ºs 3 e 5 do CIRC, por violação do art.º 103.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, quando interpretado no sentido de albergar em si uma presunção ilidível capaz de afastar a tributação sobre encargos daí constante sempre que seja possível provar a respectiva indispensabilidade para o funcionamento eficiente das empresas?

 

Por fim, haverá que decidir quanto a:

(iv) Reembolso das quantias pagas (€ 27.357,83) e, decidindo-se pelo reembolso,

(v) Juros indemnizatórios.

 

Como se passará a fazer. Após apreciarmos previamente duas questões suscitadas nos autos, uma pela Requerente no PPA, outra pela Requerida na Resposta. A que nos referiremos como questões preliminares.

 

1.ª Questão preliminar

                - “Fundamentação contemporânea do acto” que é objecto do presente processo

 

A Requerente, no PPA, ao reportar-se ao objecto do Pedido, refere que “(...) a questão a (…) é a apreciação da (i)legalidade do indeferimento do RH (...)” enquanto “objecto imediato (ato de segundo grau) praticado pela AT.” / “Constituindo a autoliquidação de IRC de 2013 o objecto mediato (ato de primeiro grau).” (v. pontos 25.º a 27.º PPA). E acrescenta que o processo arbitral tributário consubstancia um contencioso de legalidade, por isso se inserindo no domínio do controlo da legalidade das decisões da AT, pelo que na decisão destes autos “deverá atentar-se apenas à “fundamentação contemporânea do acto” (...)” (v. pontos 28.º a 30.º PPA).

 

O acto que é objecto do presente processo é, em última análise, o acto de autoliquidação de IRC. Cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer (como aliás a Requerente ali também bem refere - v. ponto 31.º in fine PPA). Muito embora como objecto imediato do Pedido se apresente, correctamente, o despacho de indeferimento do RH. Que manteve na Ordem Jurídica os actos que o antecederam.

Se é certo que estamos no âmbito de um contencioso de legalidade, é certo também que teremos por objecto a apreciação da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu. Ou seja, com a respectiva fundamentação, contemporânea por isso.

 

Ora, por um lado, o indeferimento do RH seguiu-se ao acto de indeferimento da RG, incorporando a fundamentação deste último, confirmando-o. E, por sua vez, o acto de indeferimento da RG confirmou a legalidade da autoliquidação em IRC pelo SP. Apreciando a autoliquidação, decidiu pela legalidade da mesma, o que fez com os fundamentos constantes dos respectivos projecto de decisão e despacho de indeferimento.

 

Assim, deve ter-se por fundamentação relevante do acto de terceiro grau (RH) a do mesmo  constante e que adere à emanada em sede de projecto de decisão e decisão no acto de segundo grau (RG). Fundamentação esta que, por sua vez, adere, afinal, à fundamentação subjacente ao acto de autoliquidação, no qual o SP procedeu à liquidação das Tributações Autónomas (que agora vem colocar em crise) por aplicação do art.º 88.º, n.º 3 do CIRC.

 

Dito isto, refira-se que a fundamentação a que a Requerida recorreu para decidir como decidiu no procedimento de RG, que é a daí constante, é de molde a aderir à fundamentação que há-de entender-se subjacente ao acto de autoliquidação e é essencialmente de interpretação e aplicação de regras de Direito.

 

Como escreve Rui Duarte Morais, “(...) Haverá que distinguir (quer relativamente à decisão do recurso hierárquico, quer relativamente à decisão da reclamação) entre decisões substitutivas (revogação por substituição) e decisões confirmativas. / Se a decisão foi confirmativa, o objecto da acção é o ato primário. (...)”.

 

Como quer que seja, no caso são impugnáveis quer os segundo e terceiro actos, quer o primeiro (autoliquidação), já que aqueles, apreciando da legalidade deste, a confirmaram, mantendo-o na Ordem Jurídica. Sendo que o acto cuja legalidade vem a ser confirmada é um acto da iniciativa do SP, logo a AT, pelo acto de segundo grau em causa (indeferimento da RG), não está a confirmar “uma decisão contida numa decisão administrativa anterior” .

Sendo o acto de primeiro grau aquele que em última instância se pretende nos presentes autos ver anulado, cuja legalidade se pede seja apreciada, declarando-o ilegal, sempre terá o julgador que apreciá-lo em face da sua fundamentação contemporânea (no caso, sendo um acto da iniciativa do SP) como, bem assim, não ficando nos presentes autos sujeito às alegações das Partes “no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (cfr. art.º 5.º, n.º 3 do CPC).

 

Quanto à questão da delimitação do objecto do processo, em situações como é o nosso caso em que ao acto de autoliquidação se sucedeu uma decisão de indeferimento em procedimento administrativo (no caso, duas), deve entender-se ser ele (objecto), antes de mais, o acto de autoliquidação.

 

Como se escreveu no Acórdão do STA proferido no proc.º n.º 595/09, de 28.10.2009 “(...) nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objecto do processo de impugnação judicial é, formal e directamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objecto da reclamação, mas o objecto real da impugnação, o acto cuja legalidade está em causa apurar, é o ato de liquidação que foi mantido pelo acto de indeferimento da reclamação.”

 

Concluindo, a este Tribunal caberá apreciar, nos termos que ficam expostos, da legalidade do acto de primeiro grau e, bem assim, dos actos de segundo e terceiro grau (que confirmaram a legalidade daquele).

 

2.ª Questão preliminar

                - proibição de recurso à equidade

 

Aventa a Requerida em sede de defesa por impugnação, na Resposta, logo após referir-se às questões a decidir nos autos, que a tese pugnada pela Requerente contém em si um apelo a que o Tribunal decida por recurso à equidade para, por via desta, se proceder à correcção (aplicativa, diríamos) de uma lei tida por (sob a perspectiva da Requerente) inadequada ao caso. E faz então notar que a este Tribunal Arbitral está proibido decidir por recurso à equidade.

 

Sendo que a Requerente por sua vez, em sede de alegações, vem referir-se à questão como uma excepção que, tendo sido suscitada pela Requerida, não poderá obstar ao conhecimento do mérito da causa, por não se verificar.

 

Refira-se, concisamente, que em sede de pedido de pronúncia arbitral, da mesma forma que em sede de processo de impugnação judicial, estamos sempre e apenas no âmbito de um contencioso de legalidade. Como tal, é vedado o recurso a critérios de equidade – cfr. art.º 2.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT – limitando-se, pois, os Tribunais Arbitrais tributários a, aplicando o direito constituído, apreciar, precisamente, da legalidade dos actos (elencados naquele mesmo n.º 1 do art.º 2.º do RJAT).

 

Entende-se - sem necessidade de maiores desenvolvimentos - que o que está a ser solicitado a este Tribunal nos presentes autos é apreciar e decidir o Pedido mediante a aplicação da Lei. Como se verá, e que é o que se fará.

 

Como segue.

 

3.1.1.  Contém o art.º 88.º, n.º 3  do CIRC em si uma presunção legal e, a existir, será ela ilidível (desde logo, por força do disposto no art.º 73.º da LGT)?

 

Com referência ao exercício de 2013, a Requerente autoliquidou TAs por encargos em que incorreu relacionados com certas viaturas ligeiras de passageiros, o que fez ao abrigo do art.º 88.º, n.ºs 3, 4 e 5 do CIRC (cfr. redacção aplicável). Destes encargos, parte dizia respeito a “viaturas em pool” . E é nesta parte, que na autoliquidação de TAs respeita aos encargos efectuados ou suportados com as “viaturas em pool”, que a Requerente identifica ilegalidade.

 

As taxas aplicadas e montantes apurados não são colocados em crise. Sendo que o que se invoca é que tais despesas não deverão considerar-se sujeitas a TAs, pois que se destinaram a fins exclusivamente empresarias e, assim, deve entender-se que fica afastada a “presunção de empresarialidade” contida na norma de incidência, caindo consequentemente as mesmas despesas/encargos fora daquele âmbito de incidência.

 

Considera, assim, a Requerente existir na norma de incidência em causa uma presunção. E mais, que tal presunção tem que entender-se ser ilidível, porque, defende, tratando-se o art.º 88.º do CIRC, n.º 3 de norma de incidência objectiva, regerá o art.º 73.º da LGT, que dispõe no sentido de que presunções consagradas em normas de incidência admitem sempre prova em contrário.

 

Pelo que, defende a Requerente, provando-se que as despesas em causa foram por si incorridas para fins exclusivamente empresariais (que não apenas parcialmente empresariais, como entende ter o legislador presumido) o acto de autoliquidação deve considerar-se ferido de erro nessa parte. Pedindo-se, pois, a respectiva anulação, nessa medida, e pedindo-se igualmente a anulação dos despachos de indeferimento emanados pela Requerida nos procedimentos de RG e de RH.

 

Refira-se ainda, antes de mais, que é entendimento pacífico que cabe no âmbito de competência dos Tribunais Arbitrais Tributários, a funcionar sob a égide do CAAD, a competência para apreciar da legalidade dos actos de segundo e terceiro grau nos casos em que estes conheceram efectivamente da legalidade dos actos de primeiro grau elencados no art.º 2.º, n.º 1 do RJAT, e cuja legalidade se volta a questionar nesta sede (Arbitral Tributária) .

 

Nos presentes autos estamos em face de um acto de primeiro grau de autoliquidação, tendo tido lugar a interposição de Reclamação Graciosa necessária (cfr. art.º 131.º do CPPT, art.º 10.º n.º 1 al. a) do RJAT e art.º 2.º al. a) da Portaria de Vinculação ). A qual apreciou da legalidade do acto de primeiro grau, tendo posteriormente o Recurso Hierárquico, também interposto, conhecido da legalidade do decidido na RG (que confirmou).

 

Passando agora à questão fundamental que aqui cabe apreciar e decidir.

 

Vejamos, desde já, o quadro legal relevante.

Dispunha o art.º 88.º do CIRC, conforme redacção aplicável , assim (sempre sublinhados e negritos nossos):

 

Art.º 88.º – Taxas de tributação autónoma

1 — As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º.

2 — A taxa referida no número anterior é elevada para 70 % nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda por sujeitos passivos que aufiram rendimentos enquadráveis no artigo 7.º.

3 - São tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica.

4 - São tributados autonomamente à taxa de 20 % os encargos efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º.

5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 — Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afectos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as depreciações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

7 - São tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

8 — São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

9 — São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.

10 —(Revogado)

11 — São tributados autonomamente, à taxa de 25%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.

12 — Ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.º 2 do artigo 90.º.

13 — São tributados autonomamente, à taxa de 35%:

a) Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade;

b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.

 

Na redacção que antecedeu a redacção aplicável ao caso, a saber, na redacção que vigorou até 31 de Dezembro de 2010, inclusive, lia-se, para o que aqui mais releva, nos n.º 3 e 4 do mesmo artigo como segue:

(...)

3 — São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:

a) À taxa de 10%, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;

b) À taxa de 5%, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujos níveis homologados de emissão de CO2 sejam inferiores a 120 g/Km, no caso de serem movidos a gasolina, e inferiores a 90 g/Km, no caso de serem movidos a gasóleo, desde que, em ambos os casos, tenha sido emitido certificado de conformidade.

4 — São tributados autonomamente, à taxa de 20 %, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, quando os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais nos dois períodos de tributação anteriores àquele a que os referidos encargos digam respeito.

 

Ainda no CIRC, dispunha o art.º 23.º, na redacção aplicável :

 

Art.º 23.º - Gastos

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

                a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

                b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;(...)

                g) Depreciações e amortizações;

                (...)

 

Por sua vez, dispõe o legislador na Lei Geral Tributária (“LGT”), nos seus art.º 73.º e art.º 74.º assim:

 

Título III – Do procedimento tributário

Capítulo III – Do procedimento

Secção II – Instrução

 

Art.º 73.º- Presunções

As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

Art.º 74.º- Ónus da prova

1. O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

(...)

 

No CPPT, também com interesse para os autos, dispõe o legislador assim:

 

Art.º 64.º – Presunções

1 - O interessado que pretender ilidir qualquer presunção prevista nas normas de incidência tributária deverá para o efeito, caso não queira utilizar as vias da reclamação graciosa ou impugnação judicial de acto tributário que nela se basear, solicitar a abertura de procedimento contraditório próprio.

2 - O procedimento previsto no número anterior será instaurado no órgão periférico local da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação, mediante petição do contribuinte dirigida àquele órgão, acompanhada dos meios de prova admitidos nas leis tributárias.

3 - A petição considera-se tacitamente deferida se não lhe for dada qualquer resposta no prazo de seis meses, salvo quando a falta desta for imputável ao contribuinte.

4 - Caso já tenham terminado os prazos gerais de reclamação ou de impugnação judicial do acto tributário, a decisão do procedimento previsto no presente artigo apenas produz efeitos para o futuro.

 

Por fim, no Código Civil (“CC”), assim:

 

Capítulo II – Provas

Secção I – Disposições gerais

 

Art.º 342.º – Ónus da prova

1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

 

Art.º 344.º – Inversão do ónus da prova

1. As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, (...) e, de um modo geral, sempre que a lei o determine.

(…)

 

Secção II – Presunções

Art.º 349.º - Noção

Presunções são as ilacções que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

 

                Art.º 350.º – Presunções legais

1. Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.

2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.

***

 

Exposto o quadro legal, apreciemos então, tendo por referência, antes de mais, a ordem de considerações que passaremos a percorrer sobre três questões que aqui consideramos implicadas, a saber:

                A) Conceitos (presunção e ónus da prova; enquadramento - TAs - art.º 88.º/3, 4 e 5)

                B) Interpretação da Lei (critérios aplicáveis)

C) Natureza da tributação em sede de TAs

 

A) Comecemos pelos conceitos. Presunção e ónus da prova. Enquadramento das TAs - art.º 88.º, n.ºs 3, 4 e 5

 

O art.º 349.º do CC (supra) fornece-nos tal conceito: presunções são as ilacções que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Estamos, pois, a tratar de meios de prova. Que podem ser de dois tipos: (i) presunções legais (“a lei tira de um facto conhecido”), e (ii) presunções judiciais (“o julgador tira de um facto conhecido”).

 

Referindo-se às presunções, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela : “nestas supõe-se a prova dum facto conhecido (base da presunção), do qual, depois, se infere o facto desconhecido.” E, ainda nas palavras dos mesmos Autores: “As presunções podem ser legais, se estabelecidas pela lei, ou judiciais, simples ou de experiência, quando assentam no simples raciocínio de quem julga. (…) As presunções são meios de prova por sua natureza falíveis, precários, cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contraprova. (…) As presunções legais importam a inversão do ónus da prova (cfr. art.º 344.º). São designadas correntemente por presunções tantum juris as que podem ser ilididas por prova em contrário, e por presunções juris et de jure as que não admitem prova em contrário.”

 

A respeito de presunções e ónus da prova, escreveu-se assim em Acórdão do STJ de 16.02.2006, proc.º n.º 06B220 : “(...) No que concerne às presunções legais, estabelece a lei que quem as tiver a seu favor está dispensado de provar os factos a que elas conduzem (artigo 350.º, n.º 1 do CC). / Ocorre, assim, em relação aos referidos factos presumidos, a inversão do ónus da prova, mas podem ser ilididas mediante prova do contrário, sem que baste a contraprova para a sua ilisão (art.ºs 344.º, n.ºs 1 e 2 e 347.º do Código Civil). / Em consequência, produzida que seja a prova do contrário, a decisão relativa ao facto presumido nela se baseará.”

 

E como escreve Jorge Lopes de Sousa: “Quem beneficia de uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art.º 350.º, n.º 1, do CC), tendo apenas de provar o facto que serve de base à presunção para se considerar provado o facto presumido.”

 

Ponderemos.

 

Temos, pois, que, por um lado, a presunção de que se fala nos presentes autos, apta a inverter o ónus da prova, a considerar-se existir, terá necessariamente que ser uma presunção legal, no rigoroso sentido do conceito, que acabamos de ver. E que é, ademais, aquele a que se reporta o art.º 73.º da LGT (supra), como não poderia deixar de ser, e do qual a Requerente se recorre para fundamentar a sua tese.

 

Por outro, a considerar-se existir, ela significa então que a AT fica dispensada de provar que a despesa foi incorrida para fins que não exclusivamente empresariais. Basta-lhe provar (teremos que concluir que assim é na tese da Requerente) que aquela despesa foi realizada (o facto que serve, então, de base à presunção). E o contribuinte fica então com o ónus da prova - prova de que aquelas despesas se destinaram a fins 100% empresariais (que será, este último, bem vistas as coisas e na tese da Requerente, o “facto constitutivo” do direito do contribuinte – direito a não ser tributado, portanto).

 

Bem vistas as coisas, pois, se se está a alegar uma presunção, que conduz à inversão do ónus da prova, sempre se estará a falar de uma presunção legal relativa a um determinado facto constitutivo. Facto constitutivo este que, numa situação normal (que não com uma presunção legal) caberia à parte a quem aproveita fazer a respectiva prova (cfr. art.º 74.º, n.º 1 da LGT e art.º 342.º, n.º 1 do CC, supra).

 

De onde: significa também pois que, caso não tivesse sido estabelecida a dita (invocada) presunção legal (e continuando a desenvolver o raciocínio subjacente à tese da Requerente) correria, ao invés, pela AT o tal ónus da prova (a que na tese da Requerente se recorre) - prova de que os encargos incorridos pelo contribuinte com aquelas viaturas mediante a realização daquelas despesas se destinaram a fins que não 100% empresariais (o mesmo é dizer, empresariais apenas em parte). Este seria, bem reflectindo na tese da Requerente, o alegado “facto constitutivo” do direito da Requerida AT (direito a tributar, portanto). No “nosso” ramo de Direito, Fiscal, o mesmo será dizer, o “facto gerador” ou “facto tributário”.

 

Ou seja, teria então (a seguir-se o raciocínio contido na tese da Requerente) o legislador consagrado um sistema em que o tributo - a respectiva incidência - ficaria na dependência da realização de uma prova que, diga-se, é invariavelmente difícil. Senão impossível, pelo menos na generalidade dos casos. Quer seja se correr pela AT o ónus de provar a não afectação em 100% aos fins da actividade empresarial (desde logo porque quem realizou as despesas, e não a AT, será quem disporá dos elementos relacionados com as mesmas); quer seja, também (e mais ainda, parece-nos, apesar de tudo) se correr pelo contribuinte o ónus de provar que as despesas em causa foram incorridas para fins 100% empresariais (considerando a generalidade dos tipos de despesas e encargos incluídos no art.º 88.º e, para o que aqui mais interessa, nos seus n.ºs 3, 4 e 5, facilmente se concluirá que estamos, em regra, perante factos de, no mínimo, difícil prova).

 

E o que com isto queremos demonstrar/questionar é simples: caberia na vontade do legislador configurar um tal sistema, com tamanha complexidade, insegurança, e falta de certeza? Caberia no espírito do legislador - ao aqui legislar - estar a configurar, e a querer, um terreno tão movediço para lograr cobrar um tributo, no caso as Tributações Autónomas?

 

Não terá antes o legislador prescindido de se obter certeza quanto ao “facto” (eleito como tal na tese da Requerente, como, portanto, o “facto constitutivo” do art.º 74.º, n.º 1 da LGT e do art.º 342.º, n.º 1 do CC) em causa (a afectação à actividade total / quase total ou parcial / mínima / inexistente), tendo em vista considerações de política fiscal e/ou outras e numa visão de conjunto do Sistema?

 

Tenhamos em perspectiva, entre o mais, os tão almejados objectivos, em anos mais recentes, de redução da litigiosidade entre contribuintes e AT  e teremos uma resposta, a nosso ver, evidente.

Mas não será também despiciendo pensar, para responder a esta última questão, como surgiram as TAs, como foram enquadradas nos Códigos do IRC e do IRS e, bem assim, como se enquadram actualmente no contexto em que se inserem.

Abreviadamente, refira-se que a origem, na nossa legislação, das TAs podemos encontrá-la no DL n.º 375/74, de 20/08 (art.º 27.º), na altura se proibindo a realização de “despesas confidenciais ou não documentadas”, e punindo com multa a infracção à regra. Mais tarde, pela LOE 1988, procedeu-se à alteração daquele art.º 27.º do referido DL, passando a tributar-se “despesas confidenciais ou não documentadas”, norma que vigorava em separado de quaisquer Códigos sobre rendimento ou outros. Depois, já em 1990, pelo que já com os CIRC e CIRS em vigor, pelo DL n.º 192/90 de 09/06 o legislador passou a “tributar autonomamente em IRS ou IRC” as despesas confidenciais ou não documentadas, desta feita, a partir desta nova norma avulsa. E, por fim, com a Lei n.º 30-G/2000, de 29/12 o legislador veio a inserir naqueles Códigos a referida tributação, transportando-a daquele DL e desenvolvendo-a desde logo e, depois, ao longo dos anos.

 

Em paralelo com este desenvolvimento, e complexificação, das TAs, note-se, o legislador também se vinha deparando com a necessidade de legislar tendo em conta a realidade da insuficiência de meios humanos e técnicos (e financeiros) da Administração Tributária e Aduaneira para proceder a fiscalizações constantes  in loco  ao universo de contribuintes que ia exponencialmente aumentando.

 

Isto para referir que se, no passado, se previa na lei a possibilidade de a AT julgar da razoabilidade dos custos ou despesas apresentados pelos contribuintes , com recurso pelo legislador a conceitos indeterminados, almejando levar a que o contribuinte calculasse custos e despesas “(...) segundo padrões médios, numa forma grosseira de conter, por esta via, a diminuição fraudulenta dos rendimentos tributáveis.”  , menos remotamente também na lei – e pensemos agora no CIRC - se previa a dedutibilidade de custos que depois, na prática, eram confirmados ou infirmados aquando das fiscalizações que eram operadas às instalações dos contribuintes com frequência, e nas quais a AT iria avaliar, no contexto de cada caso, da razoabilidade ou não, e em que medida, dos custos e despesas constantes da contabilidade do contribuinte e que este considerara como custos fiscais. Analisando-se para o efeito a documentação, a actividade em causa, as práticas da empresa, etc., etc., etc.

 

Assistindo depois ao contribuinte, num momento ulterior, a possibilidade de sindicar os actos de liquidação que daí decorressem.

 

Tendo-se tal tarefa na prática tornado, com o passar dos anos, impossível por impraticável, o legislador - é este o nosso entendimento - socorreu-se das TAs, que foram surgindo neste contexto aos seus olhos como uma possibilidade em face da apontada dificuldade. 

 

Não nos cabendo, enquanto julgador, aferir quanto ao bem ou mal conseguido e implicado na técnica seguida pelo legislador, entendemos que também a esta luz se deve interpretar o teor das normas contidas no art.º 88.º do CIRC – e apreciar da invocada consagração pelo legislador, ali, e para o que aqui nos interessa nos respectivos n.ºs 3, 4 e 5 (cfr. redacção aplicável), de uma presunção legal (iuris tantum).

Tudo isto tendo em mente, também, as múltiplas finalidades que poderemos ver ínsitas nas diversas normas ali (art.º 88.º) constantes, certamente, e que vão desde finalidades anti-abuso e de contrariar a erosão indevida da base tributável, finalidades penalizadoras (v. o caso das despesas não documentadas), finalidades de desincentivo de certos comportamentos e de incentivo a outros (finalidades também extra-fiscais, pois), entre outras.

 

B) Passando à Interpretação da Lei. Critérios a aplicar.

 

Diz-nos, ao que aqui mais releva, o n.º 1 do art.º 11.º da LGT assim: “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”

 

Somos pois, desde logo, remetidos para os critérios gerais de interpretação das leis e, aqui, em especial para o disposto no Código Civil (doravante também “CC”), art.º 9.º. Ora, nos termos do n.º 1 deste artigo “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 

Nos números seguintes do mesmo art.º 9.º dispõe-se assim: “2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. / 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Sabemos como estas regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, também vigentes, pois, em Direito Tributário, operam. Ainda assim, façamos-lhes uma breve referência. A questão subjacente será sempre a de, na fixação do sentido e alcance com que o texto normativo deve valer, escolher um sentido de entre vários possíveis. Sentido esse que terá que ser um que assegure um mínimo de uniformidade de soluções. E para esse efeito se estabelecem, então, critérios orientadores.

 

Os critérios ou factores interpretativos são essencialmente dois: (i) elemento gramatical, correspondente à letra da lei, ao texto, e (ii) elemento lógico, subdividido este, por sua vez, em três outros, a saber, elemento racional ou teleológico, elemento sistemático, e elemento histórico. Sendo que, a letra e o espírito da lei (elemento gramatical/elemento lógico) devem necessariamente ser utilizados em conjunto.

 

Correntes hermenêuticas à parte, dizia-nos Manuel de Andrade: “(...) o intérprete (…) tem que partir do pressuposto de que a lei emana de um legislador razoável; e, por isso, terá que perguntar-se como um tal legislador teria pensado e querido a lei ao legislar no condicionalismo do tempo da sua publicação e no ambiente histórico em que foi sancionada a lei.(...)”.

 

E, como refere Baptista Machado: “(...) ponto de referência da interpretação: a unidade do sistema jurídico. Dos três factores interpretativos a que se refere o n.º 1 do art.º 9.º, este é sem dúvida o mais importante.(...)

 

Especificamente quanto à interpretação das leis no Direito Tributário referia-se Saldanha Sanches assim: “(…) A interpretação teleológica pode conduzir, assim, a uma maior sistematicidade no Direito Fiscal, como uma técnica necessariamente estruturante e atribuidora de um sentido àquilo que, de outra forma, será um mero conglomerado de leis, obedecendo cada uma delas a um fim conjuntural, em potencial conflito com todos os outros objectivos e finalidades que levaram à publicação de outras leis igualmente marcadas pela prossecução de interesses conjunturais. A obtenção dessa unidade sistemática, que é uma condição indispensável para evitar o arbítrio na aplicação da lei fiscal, passa necessariamente por uma interpretação que assegure a coerência, como um postulado a obter, na ordenação das consequências do Direito, (...).

 

Ainda quanto à interpretação das normas tributárias, e às especificidades aplicáveis, a par dos critérios gerais, à sua interpretação,“(...) as normas tributárias têm mais semelhanças com as normas penais, embora a exigência de tipicidade não vá tão longe, sendo temperada com uma orientação claramente anti-abuso. Assim é, na medida em que a protecção dos direitos e interesses dos contribuintes individualmente considerados tem que ser devidamente ponderada com o interesse público constitucional, que também é da generalidade dos cidadãos, de assegurar a observância dos princípios da universalidade, da igualdade, da justiça e da necessidade tributárias e das orientações de política pública.(…)”.

 

C) E ainda. Natureza da tributação em sede de TAs.

 

Refira-se ainda, abreviadamente, que as TAs - é o nosso entendimento - se não confundem com um imposto sobre o rendimento. Não obstante ter sido opção do legislador, a dado momento, transportá-las para os Códigos do IRC e do IRS. Na verdade, enquanto que o facto tributário eleito pelo legislador nestes últimos é o rendimento, que é um facto tributário de formação sucessiva, naquelas, diferentemente, o facto tributário é a realização de despesas, é cada uma das despesas conforme identificadas, no caso do IRC, no art.º 88.º do CIRC. Facto tributário este que é instantâneo. E que, por razões práticas, o legislador optou por fazer os contribuintes liquidar em simultâneo com a liquidação do IRC/IRS.

 

Como tivemos já oportunidade de escrever noutra sede: “Estas [TAs] são devidas por terem sido realizadas pelo SP determinadas despesas, às quais se aplicam determinadas taxas (tudo cfr. art.º 88.º, Cap. IV do CIRC). E não mais que isto. Aqui o facto tributário é a despesa. Sendo que o montante assim apurado a título de TA vai simplesmente ser adicionado ao Imposto sobre o rendimento a pagar (…), num momento em que o mesmo foi já previamente calculado e apurado de acordo com as regras estabelecidas ao longo do Código (...)”. E também assim: “(...) Note-se que mesmo nas situações em que há uma relação com rendimentos, trata-se de rendimentos de terceiros, que são despesas do Sujeito Passivo. / E tributação que funciona autonomamente, também tal como antes de inserida nos CIRC e CIRS. Estamos, pois, perante uma tributação distinta da tributação sobre o rendimento. Desde logo pela sua incidência objectiva. Mas também pelo seu funcionamento.”

Também a este respeito: “(...) o STA assumiu diferente posição (…) considerando estar em causa uma tributação sobre a despesa (este imposto é apurado de forma independente relativamente à quantificação da matéria colectável dos impostos sobre o rendimento, existindo a obrigação do seu pagamento mesmo não havendo rendimento positivo), sendo que cada despesa constitui um facto tributário autónomo, instantâneo e de obrigação única, ao qual deve ser aplicada a lei em vigor no momento da sua realização. O que parece correcto!”

 

E, ainda a este propósito, escrevia Saldanha Sanches  assim: “(…) Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial(...); (...) o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial, e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excepcionalmente – em objecto de tributação.(...)”.

 

Isto dito, e voltando ao que mais especificamente ao nosso caso importa, acrescentemos que, a nosso ver, mesmo considerando, como consideramos, que as TAs têm uma natureza distinta do IRC, não deixa de ser conjecturável, em abstracto, a (invocada pela Requerente) consagração pelo legislador, na norma do art.º 88.º, n.º 3, de uma presunção legal. Com efeito, não deixaria de ser possível admitir, mesmo assim, no entendimento que seguimos e que ficou exposto (quanto à distinta natureza das TAs em face do IRC), que o legislador ali incluíra - no exercício da sua margem de livre conformação - as despesas em causa apenas nas situações em que (i.e., apenas quando) as mesmas houvessem sido incorridas para fins que não exclusivamente empresariais. Como despesas que são. À mesma, pois, como o facto tributário .

***

 

Avancemos, afloradas que ficam as “sub-questões” A), B) e C).

 

Estamos a tratar, nos presentes autos, dos seguintes encargos (e respectiva tributação cfr. art.º 88.º, na redacção aplicável ):

“3 - São tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos e que (…) relacionados com viaturas ligeiras de passageiros (…) cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, (…)  excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica.

E de:

“4 - São tributados autonomamente à taxa de 20% os encargos efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior (...) relacionados com viaturas ligeiras de passageiros (…) cujo custo de aquisição seja superior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º.”

 

Estamos, pois, perante normas de incidência tributária, subjectiva e objetiva. Normas que determinam, no caso, quem são os sujeitos da relação jurídico-tributária (incidência subjectiva) e qual o facto tributário (incidência objectiva) .

 

O legislador no art.º 73.º da LGT  que as “presunções consagradas” nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

Pois bem, é a partir da conjugação destes dois últimos dispositivos legais que a Requerente constrói a tese que defende nos autos. Assim: sendo o art.º 88.º, n.º 3 (e n.º 4) uma norma de incidência tributária, a presunção nele contida tem que ser ilidível.

 

Vejamos, então, se deve ou não considerar-se consagrada na norma em causa uma presunção, como defende a Requerente.

 

E para este efeito, diga-se, também o art.º 73.º da LGT terá que ser por nós submetido aos mesmos critérios hermenêuticos já sumariamente expostos acima.

Começando por este último dispositivo legal, refira-se que o mesmo surgiu no nosso Ordenamento Jurídico num contexto histórico que não poderá deixar de ser ponderado. Com efeito, na origem o art.º 73.º da LGT encontramos as preocupações que o legislador trazia então do passado, aquele mesmo passado a que fizemos referência mais atrás  e do qual resultaram preocupações em assegurar que através dos métodos presuntivos de apuramento de rendimentos não se violaria a capacidade contributiva dos SP mediante presunções inilidíveis que potencialmente fariam recair tributação onde não existia rendimento. E, como refere António Lima Guerreiro, este artigo “acolhe a doutrina do Acórdão número 63/96 do Tribunal Constitucional, que declararia, a propósito do art.º 14.º , parágrafo 2.º do CIC, que consagrava (…) , uma presunção inilidível de onerosidade dos mútuos efectuados pelas sociedades aos sócios, a inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, das presunções “jure e de jure” das normas de incidência tributária./ Das presunções inilidíveis poderia resultar a tributação sem capacidade contributiva, criando-se uma desigualdade injustificada entre o contribuinte tributado ao seu abrigo e os restantes contribuintes./O referido Acórdão reconhece a constitucionalidade da tributação por presunção legal (…), mas não das presunções absolutas, já que o princípio da capacidade contributiva resultante do princípio da igualdade implica obrigatoriamente a existência de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto. (...)”. 

 

Ora, como decorre do que já expusemos acima, nem as TAs incidem sobre rendimentos (presumidos ou não), nem o pressuposto económico seleccionado pelo legislador no âmbito das TAs é senão a realização de uma despesa pelo SP. Esta (realização da despesa) sendo a “efectiva conexão” (cfr. última transcrição) entre a prestação tributária (TA) e o pressuposto económico. Não se arrisca, por aqui, diremos, a violação do princípio da capacidade contributiva.

 

Por outro lado, e também confirmando a mesma linha interpretativa, vem-se entendendo que neste art.º 73.º da LGT se deverão considerar incluídas não apenas presunções expressas, como também presunções implícitas. E a este respeito veja-se como expõe Jorge Lopes de Sousa, após explicar o que deve entender-se por norma de incidência, e explicar também que o respectivo conceito, para efeitos do art.º 73.º da LGT , deve ser tido no seu sentido amplo, querendo aqui referir-se a que não deverá entender-se abrangida apenas a matéria colectável na sua definição, mas também na sua determinação. O que remata por remissão para Acórdão do TC (n.º 211/02, de 28-04-2003) daí transcrevendo, entre o mais: “(...) A fixação da matéria colectável constitui, por sua vez, um momento central de determinação do montante dos impostos, repercutindo-se no seu apuramento e, consequentemente, na vertente garantística dos cidadãos enquanto contribuintes. No desempenho desta tarefa, o legislador, em nome de razões de eficiência da Administração Fiscal e do combate à evasão e à fraude neste domínio, apela a presunções, (…) e assim ultrapassar as dificuldades probatórias que a determinação da matéria colectável inevitavelmente [acarreta]. ” E ainda: “O TC tem admitido a constitucionalidade da utilização de presunções para determinar a matéria colectável desde que seja permitida a sua ilisão (…).”

E continua assim o Autor para distinguir as presunções implícitas das explícitas: “(...) as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, e situações em que não é inviável apurar o valor real, como sucede, por ex: (…)/ Em situações deste tipo, está-se perante a aplicação de presunções contidas em normas de incidência objectiva (…), pelo que os interessados podem ilidi-las, ao abrigo do disposto no art.º 73.º da LGT, e fazer uso do procedimento de ilisão de presunções previsto neste art.º 64.º do CPPT; é admissível ilidir as presunções implícitas porque o que se pretende “sempre” é tributar rendimentos reais e não inexistentes e é por essa razão, de se querer “sempre” tributar valores reais, que o art.º 73.º da LGT permite “sempre” ilidir presunções. (...)”.

 

Pois bem. Deveremos entender abrangidas pelo art.º 73.º da LGT não só presunções expressas, como também presunções implícitas. Mas - e aqui reside, parece-nos, a grande linha separadora que dita o que vem sendo a dissonância de posições na Jurisprudência Arbitral a respeito da matéria que aqui nos ocupa - por presunções implícitas para este efeito se devendo entender presunções das quais resulte a determinação da matéria tributável no sentido do apuramento do quantitativo/do valor por referência ao qual se apurará, depois, a colecta. Numa perspectiva, pois, de quantificação - presumida - do rendimento, ou do valor (que também poderá ser de um bem) que estiver em causa, do rendimento (ou do valor) de que se cuida apurar para, com base nele, se proceder por sua vez ao apuramento do montante de imposto a pagar.

 

Revertendo agora à norma de incidência, e um vez que expressamente, da letra, não consta qualquer presunção, vejamos quanto à possível consagração, aí, de uma presunção legal implícita.

 

Ora, é bom de ver que nada do que agora se vem de expôr se passa no art.º 88.º, nº 3. Onde está aí uma presunção, necessariamente então presunção de um montante que o legislador presumiu? Montante que o SP pode vir colocar em crise.

Não está.

O legislador ali elegeu uma despesa, à qual determinou aplicar-se uma determinada taxa (alíquota). Apurando-se, assim, a colecta. O facto de a despesa ter ou não sido afecta pelo SP a fins exclusivamente empresariais não interfere no montante da colecta. Não se cuida aqui de apurar qual o valor ao qual se há-de aplicar a taxa do tributo. Como sucederá nas referidas presunções implícitas. Não contêm as normas de incidência de que tratamos uma presunção de rendimentos. Não se presume, através delas, a percepção de rendimentos, como também não a maior ou menor medida da percepção de rendimentos, assim como também não se presume um valor de um bem, ou do que quer que seja. Não se presume, sequer, o valor da despesa que é objecto da tributação. Determina-se, tão simplesmente, que a despesa/encargo X fica sujeita à taxa Y. Ou seja, que sobre o valor daquela despesa ou encargo (montante certo) incide uma determinada taxa (alíquota).

 

Não há, pois, na norma de incidência do art.º 88.º, n.º 3 do CIRC uma presunção para efeitos do art.º 73.º da LGT. Como também assim para efeitos do art.º 64.º do CPPT, cuja referência a presunções deverá entender-se da mesma maneira que acabamos de ver para o art.º 74.º da LGT.

 

E, note-se ainda, mesmo para quem veja nas TAs um imposto sobre o rendimento (qualquer que seja a formulação seguida), também não enxergamos como poderá, ainda assim, ver-se o art.º 88.º, n.º 3 como consagrando uma presunção implícita (que então seria admissível, defender-se-á, por referir-se a presunção de rendimentos). Veja-se. Que rendimento estaria, nessa concepção, a ser aqui presumido? O rendimento do SP, parece. Qual rendimento? Esse rendimento em que se estará a pensar ele já foi apurado por aplicação das normas que regem no CIRC o apuramento da Matéria Colectável (Matéria Colectável no sentido próprio do CIRC), cfr. Capítulo III do CIRC. Desde logo de acordo com o art.º 23.º. E quando aqui se chega, i.e., quando se chega ao apuramento do montante da TAs a pagar (apuramento da colecta de TAs) já esse tal rendimento do SP – melhor, o seu Lucro Tributável - foi apurado. Aliás, tendo-se para efeitos deste último apuramento considerado já como custos (quando dedutíveis nos termos do art.º 23.º do CIRC, como é precisamente o caso dos encargos com viaturas ligeiras de passageiros constantes do n.º 3 do art.º 88.º) os mesmos encargos de que estamos aqui a cuidar. Os mesmos encargos que, num segundo momento - (depois de terem sido considerados, porque o mesmo legislador assim o quis, como “indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” na redacção aplicável - art.º 23.º ) - vêm a ser considerados noutra sede,  que não já para efeitos de determinação de qual o Lucro Tributável do SP. Em sede, agora, de uma tributação que sobre eles, encargos, enquanto tais, incide directamente. Aqui, em TAs, eles (aqueles mesmos custos/encargos) são o facto tributário, facto tributário instantâneo. Que rendimento estaria aqui, pois, a ser presumido? Não está a ser tributado, como não está a ser presumido.

Note-se, aliás, que a Requerente não se refere a um seu rendimento que esteja a ser presumido. Refere-se, isso sim, a que aqueles encargos, em que incorreu, se destinaram à sua actividade. Pois bem, diremos, terá sido por essa razão que o legislador os considerou dedutíveis no âmbito do art.º 23.º do CIRC.

Ainda se poderia - no tal entendimento de que TAs e IRC têm a mesma natureza (que não é o nosso) - ou até num entendimento de que mesmo não tendo a mesma a natureza umas e outro tributam de algum modo rendimento - invocar que indirectamente as TAs tributam rendimento, daquele SP. Mas a esse respeito sempre poderemos dizer, por um lado, que o mesmo é próprio, parece-nos, daquilo que é tributação sobre a despesa: não estaremos, quando adquirimos um bem, enquanto consumidor final, e somos tributados em IVA, a ser - naquele mesmo sentido - indirectamente tributados no rendimento que antes de podermos incorrer na despesa tivemos que obter?; e, por outro, mesmo nessa concepção, qual seria o rendimento do SP que estaria a ser presumido (pela alegada “presunção”)? Não se nos afigura possível a resposta.

 

Pois bem. Só por aqui já fica excluída a possibilidade de se considerar consagrada, na norma de incidência em causa nos autos, uma presunção legal.

 

E não se pretenda extrapolar, como parece decorrer do alegado a certo momento pela Requerente, daquilo que deixou escrito Saldanha Sanches - cfr. nossa transcrição, C) supra, p. 41 - “cria-se aqui uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial (...)” - pois que claramente não se referia o Autor a qualquer presunção legal. Como tivemos já oportunidade de percorrer supra, são diversas as razões descortináveis no espírito do legislador ao tributar em sede de TAs. Entre elas terá também estado a de se identificar, em certo tipo de despesas, maior probabilidade de utilização “mista”, que não só para fins empresariais (e concomitante dificuldade de comprovação de finalidades contidas na sua utilização), mas juntamente com outras razões, como desincentivar o recurso excessivo a tais despesas, o incentivar o recurso a outras com resultados menos poluentes, etc., etc., etc. E seriam neste mesmo contexto as palavras do Autor.

 

Por outro lado, note-se ainda, em relação ao elemento literal na norma, que não só, como se viu já, não consta ali expressamente uma presunção, como, muito pelo contrário, no confronto com demais normas no mesmo artigo (v. nossos sublinhados no texto do art.º 88.º, supra), incluindo no n.º 6 e, bem assim, no próprio n.º 3 parte final (“excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica”), é bom de ver que quando o legislador quis condicionar ou excepcionar a incidência do tributo o disse expressamente. Pelo que, não o tendo feito quanto aos encargos em causa nos autos, teremos que concluir que não o pretendeu fazer. Caso assim pretendesse, nada teria impedido o legislador de distinguir o que não distinguiu: dizendo, por ex., “...os encargos … quando ...”, como fez noutras normas do artigo (v. nossos sublinhados no texto do artigo).

 

No desenvolvimento também de tudo o que já atrás deixámos referido, e numa lógica de Unidade do Sistema, e, no caso, Unidade do Sistema Fiscal, e interpretação que deverá levá-lo em conta, bem assim como na nossa necessária assunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e de que a lei emana de um legislador razoável, pensemos ainda. Que efeitos na prática poderiam, desde logo, advir de uma tese como a pugnada pela Requerente. 

 

Pense-se: relativamente à mesma realidade, aos encargos com VLP, o mesmo legislador que, de um lado, no art.º 23.º, aceitou tomá-los como dedutíveis integralmente, de outro, no art.º 88.º, n.º 3, teria presumido a sua empresarialidade afinal meramente parcial. E teria deixado nas mãos do contribuinte vir provar, deste lado (das TAs) que, afinal, eles tinham sido totalmente empresariais. Pois bem. Se o contribuinte o viesse provar, passaria a estar, de ambos “os lados”, aquele encargo a ser tomado como 100% empresarial. Caso, porém, o contribuinte viesse tentar provar e não o lograsse fazer, continuaria o legislador a aceitar, do lado dos custos (no art.º 23.º) que apesar de eles se destinaram apenas em parte a fins empresariais, ainda assim se deveria manter a sua dedutibilidade integral como se de despesas “totalmente empresariais”  se tratasse, para fins de apuramento do Lucro Tributável? Teria sido esta solução legislativa, a ter sido consagrada, uma solução razoável? Ter-se-ia pretendido que então, numa situação como esta última, se permitisse ir de seguida a AT corrigir (se em tempo...) as liquidações anteriormente processadas, em que se havia aceite a dedução integral daqueles encargos?

Pareceria este cenário de um legislador razoável?

Pareceria este cenário sequer operacional? Para já não falar em praticabilidade do mesmo.

Mais. Pense-se agora especificamente no caso dos encargos abrangidos pelo n. 4 do art.º 88.º (cfr. redacção aplicável, supra). São não dedutíveis e, como também vimos (mesmo pelo confronto entre a redacção que vigorou até 31 de Dezembro de 2010 e a que se aplica aos autos) estão ainda assim abrangidos pelas TAs, porque o legislador assim o quis. Neste caso (e também isto sucede no caso dos autos, sendo parte das VLP em causa precisamente enquadráveis no n.º 4 por força do respectivo valor de aquisição e como constante do Mapa respectivo junto aos autos, cfr. factos provados, m)), o mesmo legislador que, dentro da sua margem de livre conformação, determinou não serem estes encargos aceites como custos fiscais, numa parte, e que os sujeitou num segundo momento, a TAs, teria querido também que ficasse nas mãos do contribuinte vir fazer prova de que tais encargos, mesmo na tal parte que ele legislador à partida excluiu de serem aceites como custos fiscais (v. art.º 34., n.º 1, al. e)), afinal, se teriam destinado exclusivamente a fins empresariais. E teria querido que, logrando o contribuinte fazer tal prova, ao invés de ficarem os mesmos sujeitos a TAs, aliás a uma taxa mais elevada, deixassem de o ficar. E – então – do “outro lado”, continuariam a não ser aceites como custos fiscais – parece – pois que quanto a eles, nessa parte, o legislador expressamente os afastou (cfr. art.º 34., n.º 1, al. e)). Seria isto? O que o legislador teria pretendido e querido?

Parece-nos ser claro que não, para além de não ter, vimos já, o necessário mínimo de correspondência também na letra da lei.

Ainda por referência ao art.º 88.º, e por bastante elucidativo também, pense-se na situação prevista no respectivo n.º 14, que agrava a taxa aplicável caso os SPs “apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.” . Aplicando em tese ao caso da Requerente: caso com referência ao período de 2013 tivesse incorrido em prejuízos fiscais, e por isso o legislador tivesse querido tributar os encargos em causa nos autos em TAs com uma taxa agravada em 10 pontos percentuais relativamente às taxas constantes dos n.º 3 e n.º 4, e caso a Requerente viesse litigar, como vem, alegando que tais encargos foram incorridos exclusivamente para fins empresariais, e que, admitamos por mera hipótese, o lograsse provar, em que ficaríamos? Numa tal situação, o mesmo legislador que determinou que um tal contribuinte visse agravada a colecta de TAs nesse período, quis simultaneamente que se esse contribuinte entendesse vir litigar, e fizesse prova de que tais encargos se destinaram a fins meramente empresarias, não ficasse sujeito a TAs sobre os mesmos? Que os mesmos encargos que contribuíram também para “reforçar” o montante de prejuízos deixassem de ficar sujeitos a TAs por demonstrado que se destinaram exclusivamente a fins empresariais?

 

Pense-se ainda em outros potenciais efeitos, mesmo que não na norma de incidência de que aqui cuidamos. A ser aceite a tese sufragada pela Requerente, não haveria outros dispositivos legais, seja no próprio art.º 88.º, seja noutros artigos do CIRC, e noutros em outros Códigos fiscais, onde se conseguisse descortinar outras eventuais assunções (“presunções” na expressão da Requerente) no espírito do legislador... às quais o mesmo racional se pretendesse vir aplicar? Parece-nos que não deixa de ser de ponderar, pois que, ressalvadas as devidas adaptações e como já referia Saldanha Sanches “(...) a elaboração de um princípio tem necessariamente de levar em conta todas as consequências que este pode legitimamente comportar.”

 

Pense-se, já agora também, o que representaria cada despesa sujeita a TA pelo art.º 88.º, n.º 3 (sem pensar já no paralelo noutras normas) a ser levada a litígio judicial ou arbitral - ou procedimental cfr. art.º 64.º do CPPT - pela generalidade dos contribuintes, para litigar quanto à presumida alegadamente “empresarialidade meramente parcial”. Cenário desejado pelo legislador, este?

No entender deste Tribunal, aceitar-se a tese pugnada pela Requerente significaria aceitar que o nosso legislador teria afinal consagrado como facto tributário (facto gerador ou facto constitutivo), como facto que dá origem ao imposto, um facto presumido. Ilidível, nos moldes que vimos . Coisa que, desde logo, sem maiores desenvolvimentos e por tudo o que ficou exposto, não cremos ter sido querida pelo legislador.

Tudo conjugado, somos a concluir que a norma de incidência em causa nos autos não contém uma presunção legal, seja expressa, seja implicitamente.

 

E, refira-se ainda, não vemos que, no regime consagrado na norma de incidência de que cuidamos, na interpretação que da mesma fazemos, haja sem mais uma violação do princípio da tributação pelo rendimento real. Por um lado, o que no art.º 104.º, n.º 2 da CRP se estabelece é que a tributação das empresas incidirá “fundamentalmente sobre o seu rendimento real”. Que não é o mesmo que incidir “sobre o rendimento real”. Aliás, sempre se notará, uma verdadeira e própria tributação de empresas “pelo rendimento real” sempre conterá algo de programático, desejável sem dúvida, mas nunca alcançável em termos absolutamente rigorosos, como o próprio normativo contabilístico e a desejável aproximação da fiscalidade à contabilidade comprovam.

Referindo-se ao contido naquele art.º 104.º, n.º 2 da CRP escreve Casalta Nabais assim: “(...) O que significa que o legislador fiscal, de um lado, encontra-se constitucionalmente vinculado à instituição da regra, do princípio, da tributação das empresas pelo seu rendimento real, mas, de outro lado, mantém uma razoável dose de liberdade conformadora para estabelecer as excepções ou atenuações a essa regra que se justifiquem.”

Sendo que o princípio da tributação das empresas fundamentalmente pelo respectivo rendimento real concretiza, afinal, os princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.

Ora, se por lado na tributação em causa, dos encargos com VLP, é a própria realização da despesa que revela capacidade contributiva (“A manifestação de riqueza sobre que vai incidir essa parcela da tributação (o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar) é a simples realização dessa despesa, num determinado momento” ), por outro, e como tem já o Tribunal Constitucional desenvolvido argumentos a este respeito,  a concretização do princípio da capacidade contributiva passa também pela consideração de imperativos de praticabilidade.

E passa, diremos ainda, a análise, na prática, quer daquele princípio, quer dos princípios implicados da tributação das empresas fundamentalmente pelo rendimento real, e da igualdade tributária, pela conjugação de um conjunto de considerações e ponderações dos princípios e valores integrantes do Sistema Fiscal na sua Unidade.

 

A terminar refira-se apenas, e ainda, que não desconhecemos que se vem formando Jurisprudência Arbitral no sentido contrário àquele que seguimos, ou seja, no sentido de se entender contida na norma de incidência em causa uma presunção ilidível. Convém, assim, fazer-se uma breve referência ao ponto, até porque é a própria Requerente que insistentemente nos autos faz menção e transcreve Decisões Arbitrais onde vai colher fundamentação para a posição por que pugna.

 

Esclareça-se, antes de mais, que a Jurisprudência em causa não é unânime, nem é pacífica. Desde logo, boa parte das mesmas Decisões, quando Colegiais, leva aposto algum (ou alguns) Voto de Vencido. O que, já por si, inquina a alegada unanimidade de Decisões.

Depois, em boa parte também das Decisões em que assim se decide, não se decide pela ilisão da – aí admitida – presunção. Por não ter o SP logrado fazer a prova a que se propôs.

Depois ainda, analisada a referida Jurisprudência, parece-nos ter ela origem numa Decisão  em particular, na qual, a propósito de uma outra questão em TAs o Tribunal na sua fundamentação desenvolveu um determinado raciocínio que, ao que parece, tem vindo depois a ser seguido numa diversidade de outras situações, seja por parte de Requerentes seja por parte de Tribunais Arbitrais. E que se prende com aquilo que se entende estar contido nas normas de incidência de TAs como a do nosso caso. Aí se expondo, sintetizamos, que o através das normas das TAs sucede é que o legislador propõe ao contribuinte alternativas, uma de três. Podendo o contribuinte livremente escolher ente elas, assim: a) não deduzir a despesa, b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se quer a si quer à AT, de discutir a “empresarialidade da despesa”, e c) provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação. Reconhecendo-se a “natureza presuntiva” das tributações autónomas em casa.

Este raciocínio, que comporta mais alguns outros elementos, mas considerando-se aqui apenas esta parte que será a mais recorrentemente invocada desde então, parece-nos, e que a Requerente nos nossos autos também insistentemente refere, e transcreve, veio depois não só a ser seguido noutras Decisões Arbitrais como, entretanto, também já em Acórdão do TCA Sul  (sendo ainda este o único que conhecemos nos Tribunais que não os Tribunais Arbitrais), onde se transcreve também a parte daquele raciocínio assim: “O reconhecimento da natureza presuntiva das normas em apreço constitui uma salvaguarda da não inconstitucionalidade das mesmas.”

 

Com todo o respeito, que é muito, por quem assim decide, não podemos acompanhar. Pois que, desde logo e tendo em conta tudo o mais percorrido acima, não vemos como possível que um legislador razoável tivesse definido em tais termos o regime legal em causa. Como temos que presumir que é o legislador, razoável. E que terá consagrado as soluções mais acertadas. No espírito do sistema. Ora, a colocar-se nas mãos de cada contribuinte a opção que naquele raciocínio se aponta, o sistema perderia, quanto a nós, toda a coerência. Por tudo quanto já ficou exposto e que não voltaremos aqui a desenvolver. E, mais, parece-nos até que, por um tal sistema sim, estaria potencialmente em causa, desde logo o princípio da igualdade, pois que as diferentes possibilidades de cada contribuinte ditariam também quem avançaria e quem não avançaria para o litígio, com as consequências daí decorrentes.

 

Parece-nos também que colocar como possibilidade que um legislador razoável tenha proposto aos contribuintes, afinal, proceder de uma forma potencialmente conducente a falsear a contabilidade (como desde logo na al. a) daquele raciocínio, escolhendo livremente entre levar ou não despesas à respectiva contabilidade)  não será aceitável. Não cremos seja uma hipótese.

 

Por maior reflexão e ponderação que tenhamos feito, não nos foi dado mudar o entendimento que temos, que é o que vem de ser exposto supra. E que é o deste Tribunal.

 

3.1.2. A Requerente logrou fazer prova dos factos que traduzem o resultado oposto ao “facto presumido” e assim ilidir a “presunção”?

Não obstante o conhecimento desta segunda questão tenha ficado prejudicado pela solução de Direito a que vimos de chegar na questão antecedente, não deixaremos de fazer-lhe uma muito breve referência, como tal. A resolução a que se chegaria na mesma, não levaria senão a uma adicional confirmação do entendimento que é o deste Tribunal, e que ficou desenvolvido acima.

Em síntese. A Requerente não conseguiu fazer prova da alegada “empresarialidade total” das despesas em causa. Não logrou provar que as viaturas em pool são utilizadas pelos seus funcionários sempre única e exclusivamente para os fins da sua actividade comercial. Cfr. Matéria de facto assente e respectiva fundamentação, supra.

Também por aqui se reforçando o que atrás ficou escrito quanto à particularmente difícil, senão impossível, realização de uma tal prova.

 

4. Quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada pela Requerida

Fica prejudicado o conhecimento das questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerida, sendo que não se interpretou o art.º 88.º, n.ºs 3, 4 e 5 do CIRC no sentido de conterem em si uma presunção ilidível.

 

 

5. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

Pelo que antecede, não há que eliminar efeitos produzidos pelos actos impugnados, nenhum se encontrando ferido de ilegalidade. Não houve pagamento de quantia indevida, pelo que improcedem estes pedidos (v. art.º 43.º, n.º 1 da LGT).

 

6. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:

a)            Absolver a Requerida do pedido de anulação parcial da autoliquidação em IRC referente ao exercício de 2013;

b)           Absolver a Requerida dos pedidos de anulação das decisões de indeferimento da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico;

c)            Absolver a Requerida do pedido de devolução da quantia paga, de € 27.357,83, e do pedido de juros indemnizatórios.

 

 

 

 

7. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 27.357,83.

 

8. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 30 de Abril de 2019

O Árbitro

 

(Sofia Ricardo Borges)