Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 421/2018-T
Data da decisão: 2019-05-06  Selo  
Valor do pedido: € 35.728,63
Tema: Imposto do Selo, art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS e princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.            RELATÓRIO

 

A..., S.A., contribuinte n.º..., com sede na Rua ..., ..., doravante designada por Requerente, apresentou em 31/08/2018 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral respeitante à liquidação de Imposto do Selo do ano de 2016 (n.º 2018...), no montante de 33 028,45 euros e demostração da liquidação de juros compensatórios (n.º 2018...) no montante de 2700,18 euros por,  no seu juízo, padecer do vício de violação de lei.

 

O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 23/10/2018 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

No dia 13/11/2018 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) foi a Requerida em 13/11/2018 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo (PA).

 

Em 10/12/2018 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, atenta a legalidade da liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios.

 

O tribunal em 27/12/2018 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com base na inexistência de exceções a conhecer e na desnecessidade de convidar as partes a corrigir as peças processuais, concedeu oito dias para que estas, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou o dia 13/05/2019 como data limite para proferir a decisão arbitral.

 

As alegações finais escritas, em que as partes mantiveram as suas posições iniciais, foram apresentadas pela Requerente no dia 09/01/2019 e pela Requerida em 10/01/2019.

 

2.            POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente sustenta que a liquidação de Imposto do Selo e demonstração de juros compensatórios padece de erro sobre os pressupostos de direito, pois não existe na letra do art. 7.º, n.º 1, al. e) do Código do Imposto do Selo (CIS) qualquer elemento que permita afirmar que apenas as garantias destinadas «diretamente à concessão de crédito» se encontram abrangidas pela norma de isenção suprarreferida. A letra do referido preceito normativo elenca um conjunto de realidades que constam da verba 10 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), cuja isenção de imposto depende apenas do facto de aquelas serem realizadas entre instituições e entidades ali indicadas.

Em segunda linha defende que a aplicação da norma constante da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, a qual entrou em vigor em 31/03/2016,  na parte em que confere caráter interpretativo à redação dada ao atual art. 7.º, n.º 7 do CIS é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal, consagrado no art. 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como dos princípios da proteção da confiança e segurança jurídica que decorrem do art. 2.º da CRP.

Ao conferir esse caráter interpretativo, o legislador pretende aplicar a nova redação a factos anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março,  sendo certo que, o art. 13.º, n.º 1 do Código Civil (CC) estatui que a lei interpretada tem de aplicar-se com o sentido que lhe foi conferido pela lei interpretativa desde o início da sua vigência no ordenamento jurídico.

 Contudo, no seu juízo, apesar do declarado caráter interpretativo da alteração legislativa, estamos na presença de uma norma inovadora e não interpretativa, isto é, a qualificação atribuída pelo legislador à natureza da norma é inócua, visto que se trata de uma norma inovadora. Assim, entende que essa qualificação configura um disfarce de retroatividade da lei nova.

O princípio constitucional da proibição da retroatividade da lei fiscal consubstancia-se na proibição de aplicação da lei fiscal nova a factos ocorridos no âmbito da vigência fiscal da lei antiga. O momento relevante para a determinação do caráter retroativo da lei fiscal é o da verificação do facto tributário, pelo que será de considerar retroativa, a lei que pretenda atribuir efeitos tributários a esse facto, quando o mesmo já se consolidou anteriormente ao momento da sua entrada em vigor. No caso concreto, se o facto tributário ocorreu no momento da emissão da garantia – 17/02/2016, portanto em data anterior à entrada em vigor da lei nova.

Em resumo, o art. 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que confere caráter interpretativo ao n.º 7 do art. 7.º do CIS é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da retroatividade da lei fiscal, consagrado no art. 103.º, n.º 3 da CRP.

Termina solicitando a condenação da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) no pagamento de juros indemnizatórios, pois entende que é manifesto o erro que subjaz aos atos tributários em crise.

                A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:

i)             Isenção de Imposto do Selo

A isenção prevista no art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS determina que os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a sua utilização se reportem ao crédito concedido. Ou, dito de outro modo, o acento tónico encontra-se no crédito concedido.

A referida posição foi sufragada pelo legislador com a introdução do n.º 7 ao art. 7.º do CIS (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março) com o seguinte teor: «O disposto na alínea a) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea».

O número aditado constitui uma mera explicação de uma norma anterior, por isso, o legislador atribui-lhe natureza interpretativa. A interpretação da norma era dúbia, existindo jurisprudência que sustentava que o elemento catalisador, a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua mera utilização), era o crédito concedido. Deste modo, no seu juízo, não fica vedado ao legislador a possibilidade de utilizar a lei interpretativa.

 

ii)            Inconstitucionalidade

 

Não existe qualquer inconstitucionalidade emergente de uma pretensa retroatividade da lei, pois o legislador limitou-se a vir esclarecer um conceito pré-existente.  Ou seja, há uma interpretação autêntica.

 

iii)           Direito a juros indemnizatórios

Se a liquidação de Imposto do Selo controvertida não enferma de vícios invalidantes, não é a AT responsável pelo pagamento de qualquer montante a título de juros indemnizatórios.

Mas ainda que a liquidação fosse ilegal, se a decisão se fundar na inconstitucionalidade do caráter interpretativo do art. 7.º, n.º 7 do CIS, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios, na medida em que o princípio da legalidade vincula a administração ao cumprimento do direito positivado e, assim, encontra-se-lhe vedada a desaplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.

 

Nesta sequência, são as seguintes questões que o tribunal deve apreciar:

a)            Se a liquidação de Imposto do Selo padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito;

b)           Se a Requerente tem direito ao reembolso do Imposto do Selo pago e a juros indemnizatórios.

 

3.            SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1.  A Requerente exerce a atividade de «Outra Intermediação Monetária», à qual corresponde o CAE 64190.

4.1.2. Em 17/02/2016 a Requerente, em nome e a pedido do A..., S.A., prestou uma garantia bancária autónoma, à primeira solicitação, até ao montante de 5 504 741,75 euros, destinada a assegurar o pagamento, se for devido e quando for devido, da dívida exequenda e respetivos acréscimos legais, peticionada no processo de execução fiscal n.º ...2016... .

4.1.3. A Requerente não liquidou Imposto do Selo sobre a referida garantia bancária, por entender ser aplicável à operação a isenção prevista no art. 7.º, al. e) do CIS, uma vez que se tratava de uma garantia prestada por uma instituição de crédito a pedido de outra instituição de crédito, ambas domiciliadas em Portugal.

4.1.4. A Requerente, por ofício datado de 30/11/2017 foi notificada pela AT para apresentar elementos relativos à sobredita garantia bancária e respetiva liquidação de Imposto do Selo ou justificações para a eventual aplicação da isenção.

4.1.5. Em 18/12/2017 a Requerente respondeu à notificação referindo que não liquidou Imposto do Selo, por entender ser aplicável a isenção prevista no art. 7.º, al. e) do CIS.

4.1.6.  Por ofício datado de 05/03/2018 a Requerente foi notificada da proposta do relatório de inspeção, no qual se concluía pela correção que determinou a liquidação de 33 028,45 euros de Imposto de Selo, acrescida de juros compensatórios, no montante de 2700,18 euros.

4.1.7. A Requerente em 20/03/2018 exerceu o direito de audição relativamente à proposta de relatório de inspeção.

4.1.8. Por despacho datado de 11/04/2018, a proposta do relatório de inspeção tributária transformou-se em definitiva, concluindo-se que: «…porque a Garantia Bancária em análise não se destinou diretamente à concessão de crédito, mas sim a prestar garantia no processo de execução fiscal n.º ...2016... do Serviço de Finanças de Lisboa..., não se encontra abrangida pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS».

4.1.9. Na fundamentação do despacho referido em 4.1.8. consta ainda que: «Face à redação do n.º 7 do art. 7.º do Código do Imposto do Selo, introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, tendo o Sujeito Passivo tomado conhecimento dela, mesmo que tendo dado uma interpretação diferente da que era esperada pelo legislador à data dos factos (17-02-2016), tinha obrigação de corrigir o seu procedimento e procedido à devida liquidação de Imposto do Selo sobre a emissão da referida Garantia Bancária».

4.1.10. A Requerente foi notificada da liquidação n.º 2018... de Imposto do Selo e de juros compensatórios, no montante total de 35 728,63 euros, sendo 2700,18 euros de juros compensatórios.

4.1.11. O montante referido em 4.1.10. foi pago voluntariamente pela Requerente no dia 22/05/2018.

4.1.12. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 31/08/2018.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

                A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

5.  MATÉRIA DE DIREITO

5.1. Questão do erro sobre os pressupostos

A Requerente entende que o legislador isentou de Imposto do Selo, os juros e comissões cobradas e as garantias prestadas, sem que estivessem associadas a qualquer operação de crédito. Por outro lado, a Requerida entende que a isenção exige a concessão de crédito.

Deste modo, importa identificar o quadro jurídico que o tribunal utilizará para apreciar o mérito da pretensão da Requerente.

A verba 10 da TGIS dispunha o seguinte à data do facto tributário: « Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor e o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente - sobre o respetivo valor, em função do prazo, considerando-se sempre como nova operação a prorrogação do prazo do contrato:  (…)».

O art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS, na data da constituição da garantia dispunha que: «São também isentos do imposto: (…)

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças».

As partes não dissentem quanto à utilização da verba 10 da TGIS, mas relativamente à aplicação da isenção à situação sub judice, bem como à violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, pela norma interpretativa constante na Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março – n.º 7, do art. 7.º do CIS.

Antes de mais, a verba 10 da TGIS tributa agora a constituição de quaisquer garantias, independentemente da sua natureza e forma, atribuindo-se particular relevância à substância económica do contrato.  Assim, serão tributadas as garantias quando o contrato consubstancie um instrumento jurídico destinado ao cumprimento da obrigação e que consequentemente implique a diminuição do património do garante .

Estão assim abrangidas pela incidência, as garantias bancárias à primeira solicitação – cláusula on first demand.

                Importa ainda acrescentar que estão excluídas da tributação as garantias materialmente acessórias de contratos especialmente tributados pela TGIS, na condição de serem constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente. A exclusão da tributação, exige uma acessoriedade material – relação entre a obrigação garantida e garantia prestada – e acessoriedade formal, a constituição da obrigação e garantia prestada no mesmo título ou instrumento e ainda que conste em título ou instrumento diferente, a constituição da garantia se efetue em simultâneo – no mesmo dia – com a obrigação .

                Assim, a isenção de imposto prevista no art. 7.º, n.º 1, l. e) do CIS será, em tese, aplicável à verba 10 e 17 quando se verificarem as condições descritas na aludida norma.

                Mas as questões centrais dos autos, repete-se, consistem em determinar se a isenção em análise opera sem a garantia estar associada a qualquer operação de crédito e se a norma interpretativa introduzida pelo Orçamento do Estado de 2016 ofende o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal.

O Orçamento do Estado para o ano de 2016, aprovado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, introduziu um n.º 7 ao referido art. 7.º do CIS, no qual se esclarece que o mencionado normativo (art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS) apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade das instituições a que norma alude e atribui-lhe uma natureza interpretativa.

Se o legislador, por intermédio de uma lei que qualificou como interpretativa, determinou que a isenção apenas se aplica às garantias diretamente destinadas à concessão de crédito, importa, em primeiro lugar, olhar para o regime jurídico das leis interpretativas.

As leis só vigoram para o futuro e, mesmo que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular - art. 12.º do CC.

O art. 13.º, n.º 1 do CC determina que as leis interpretativas são imediatamente aplicáveis às situações anteriores quando não incorporem nenhum conteúdo inovador, isto é, não se aplica a proibição da retroatividade. Mas, dispondo a lei interpretativa, por via de regra, para o futuro, quando não tem conteúdo inovador, esta é aplicável às situações anteriores.

                Contudo, para que estejamos na presença de uma verdadeira lei interpretativa é necessário que se preencham dois requisitos: i) que a solução normativa anterior seja controvertida e ii) que a solução introduzida pela lei nova se encontre na latitude da controvérsia e que a solução nela constante fosse possível de alcançar pela jurisprudência ou pela doutrina.

                A questão ganha especial acuidade, pois, naquelas hipóteses em que estejamos perante uma falsa lei interpretativa, existirá um disfarce da retroatividade da lei nova e, como tal, há que averiguar se no Direito Fiscal a mesma é admissível à luz do art. 103.º, n.º 3 da CRP.

Por isso, importa indagar se a interpretação vertida na disposição normativa de 2016 já era uma das admissíveis, condição essencial para que estejamos na presença de uma verdadeira lei interpretativa.

Na redação da versão originária (o art. 7.º, n. 1, al. e), à data art. 6.º), a isenção em análise reportava-se à concessão de crédito e à cobrança de comissões pelas instituições de crédito. Sucede que, com a previsão de um n.º 2  ao aludido artigo, pela Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro, restringiu-se o âmbito da isenção às operações financeiras destinadas à concessão de crédito. Ou seja, o âmbito de aplicação da isenção ficou limitado às operações diretamente destinadas à concessão de crédito – incidência objetiva – e às instituições de crédito – incidência subjetiva.

Acontece que, com a sedimentação da formulação normativa: «…juros  e comissões cobrados e, bem assim,  a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras» em resultado da redação conferida ao art. 7.º pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro e a eliminação do n.º 2, ficou translúcido que, nas finalidades da norma se inscrevem,  a cobrança de juros e de comissões e, em segundo lugar, a concessão de  crédito .

Com o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro o regime do art. 6.º, n.º 1, al. e) do CIS migrou para o art. 7.º, n.º 1, al. e) do mesmo diploma, subsequentemente a Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro alterou a formulação legislativa da alínea em estudo, alargando o âmbito da isenção às «garantias prestadas».

O art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS manteve, desde então, a seguinte redação: «…os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças».

Foi com a reformulação operada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro que existiu uma linha de corte, pois o legislador assimilou as duas modalidades de operações financeiras - i) juros cobrados e a utilização de crédito e ii) comissões cobradas por instituições de crédito na mesma alínea do normativo. De igual modo, destaca-se ainda que com a Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro se alargou o âmbito da isenção às «garantias prestadas».

Em resumo, a evolução histórica do art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS atesta que somente na versão originária a isenção se reportava à concessão de crédito e à cobrança de comissões pelas instituições de crédito.  Subsequentemente com a consagração de um novo n.º 2 ao artigo, por intermédio da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro, que limitava a isenção às operações financeiras diretamente reservadas à concessão de crédito é que esta isenção ficou circunscrita às operações de crédito.

Assim, se por um lado, não se pode deixar de destacar que foi com a Lei n.º 32.º-B/ 2002,  de 30 dezembro que, no âmbito da isenção, os juros cobrados e a utilização de crédito e as comissões cobradas por instituições de crédito ficaram associadas à própria concessão de crédito, circunstância que associada à extensão da isenção às «garantias prestadas», promoveu a sua descaraterização.

Assim, o n.º 7, do art. 7.º do CIS introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, ao restringir o âmbito da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito reveste natureza inovadora, ao delimitar o âmbito da aludida isenção num marco interpretativo que não correspondia ao seu sentido gramatical e às circunstâncias em que a norma foi elaborada.

Mas a esta conclusão ainda se podia opor alguma jurisprudência  que assinala o seguinte:  «De facto, não se nos afigura fazer qualquer sentido estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, de um lado e a utilização do crédito concedido, por outro, sendo que, apenas relativamente a este, se poderia conexioná-lo dependentemente, das instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objeto, dos tipos de instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras beneficiárias. (…)- Antes, a única leitura que se nos afigura legítima, por coerente, do preceito em questão é que o mesmo se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise, tal como o considerou a Mm.ª juiz recorrida».

 Ou, na mesma linha: «Assim sendo, também nós consideramos que o preceito em questão se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise, tal como o considerou a sentença recorrida pelo que se torna despiciendo analisar a verificação ou não dos requisitos subjetivos alegados nas conclusões de recurso pois que temos logo de concluir que não se tratando, no caso, da concessão de qualquer tipo de crédito, nem, muito menos, o tipo de instituições elencadas na lei, não estavam as comissões aqui em causa isentas de Imposto de Selo, a coberto do mencionado art.º 7.º, n.º 1, al. e), do CIS» .

Acontece que esta linha jurisprudencial se reporta a factos sujeitos à verba 22 da TGIS e não à verba 10 ou 17 .

Mas, o legislador, repete-se, atribuiu à norma natureza interpretativa, isto é, retroagindo os seus efeitos à data de entrada em vigor da lei antiga, como expressa e concretamente determina o art. 13.º, n.º 1 do CC, isto é,  se retroage os seus efeitos à data da entrada em vigor da lei antiga, importa perceber as  consequências do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal  relativamente à lei interpretativa.

Mas as leis interpretativas que vinculem retroativamente o intérprete contendem com a retroatividade proibida pela Constituição?

A resposta à questão não é pacífica, pois a admissibilidade das leis interpretativas, perante a proibição da retroatividade no Direito Fiscal, tem dividido a doutrina.

Para SALDANHA SANCHES  antes da revisão constitucional era admissível, em tese, a retroatividade das leis verdadeiramente interpretativas, a apurar com recurso a uma ponderação da gravidade da lesão da confiança e dos valores visados e subjacentes à lei interpretativa. Para tal conclusão, militava a circunstância de a Constituição não impor qualquer proibição generalizada de retroatividade, mas somente aquela que violasse de modo inadmissível, a confiança e a segurança jurídica. A situação modificou-se com a revisão constitucional de 1997, alteração que, na sua ótica, mesmo quando estejamos perante uma lei verdadeiramente interpretativa, a hipótese encontra-se abrangida pela proibição constitucional de retroatividade.

Em sentido oposto, outro sector da doutrina entende que as leis interpretativas não violam ipso facto o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, tudo depende da ponderação que se efetue entre a proteção da confiança dos contribuintes e a imperiosidade na obtenção de receitas fiscais. Por exemplo, para DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA: «As normas interpretativas não são verdadeiras normas jurídicas, mas antes regras de caráter “pedagógico”. Pergunta-se se a interpretação feita pelo legislador de uma norma anterior é válida para as situações de facto anteriores à publicação de tal interpretação. Em princípio, será válida: não se está perante uma norma jurídica em sentido próprio; e a norma aplicável é a interpretada, não a interpretativa. Mas só assim será, se a norma interpretativa se limitar a fixar o sentido dominante que era atribuído à norma interpretada. Caso contrário, estar-se-á, a coberto de uma pseudo-interpretação, a criar uma norma com caráter retroativo».

Também o tribunal entende que as normas interpretativas que se limitam a fixar o sentido maioritário à norma interpretada são válidas e constitucionalmente admissíveis. A este respeito importa sempre analisar a questão pelo olhar do Tribunal Constitucional: «De todo este enquadramento da questão de constitucionalidade, relativa à proibição de retroatividade em matéria fiscal, em confronto com as leis interpretativas, resulta, desde logo, que qualquer controvérsia doutrinária sobre a natureza verdadeiramente ou apenas aparente retroativa das leis interpretativas não protagoniza a questão de constitucionalidade que aqui se formula.    Com efeito, o cerne da questão de constitucionalidade aqui suscitada consiste, antes, no saber se as leis interpretativas que vinculem retroativamente o intérprete contendem com a retroatividade proibida na Constituição.  Ora, os fundamentos de proibição da retroatividade respeitam à segurança dos cidadãos. Assim, tal segurança é afetada perante alterações legislativas que, no momento da prática ou ocorrência dos factos que os envolvem, nem poderiam ser previstas nem tinham que o ser. Mas tal segurança também é afetada onde o seja a vinculação do Estado pelo Direito que criou, através de alteração de situações já instituídas ou resolvidas anteriormente. Desta sorte, se é verdade que as leis autenticamente interpretativas, não abalam, verdadeiramente, as expectativas concretas anteriores dos destinatários das mesmas, no caso de a interpretação tornada vinculativa já ser conhecida e tiver sido mesmo aplicada (cf. sobre essa natureza das leis autenticamente interpretativas, BAPTISTA MACHADO, ob.cit., p. 247), todavia, mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas e já aplicadas noutros casos (como acontece na situação presente) leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica.      Nesta medida, poder-se-á entender que a lei interpretativa, ainda que autêntica, ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do artigo 13º do Código Civil, altera o contexto de auto vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afeta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroatividade. Haverá, consequentemente, nesta última situação, uma garantia de segurança mais forte inerente à proibição de retroatividade.».

Ora, a interpretação efetuada pela AT de que a isenção a que o art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS não se aplica às operações financeiras não diretamente destinadas à concessão de crédito por via da natureza interpretativa do art. 7.º, n.º 7 do CIS é inovadora e agrava  a posição do sujeito passivo  que deixa de poder beneficiar da isenção. A sua aplicação a um facto tributário anterior à entrada em vigor da lei interpretativa é violadora do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal.

Assim é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, previsto no art. 103.º, n.º 2 da CRP, a interpretação do art. 7.º, n.º 1, al. e) e n.º 7 do CIS e do art. 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, nos termos da qual a isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 somente se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições nesta referidas .

Razão pela qual a recusa da aplicação de interpretação normativa tida por inconstitucional determina a ilegalidade do ato de liquidação do Imposto do Selo em crise e de juros compensatórios.

 

5.2. Questão do reembolso do Imposto do Selo pago e condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

A este propósito, o art. 100.º da Lei Geral Tributária, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT, prevê que: «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei». Isto é, a anulação judicial do ato implica a destruição dos seus efeitos ex tunc, ou seja, tudo se deve passar como se este não tivesse sido praticado.

Ora, a reconstituição da situação hipotética atual alicerça a obrigação de reembolso do imposto que foi pago. Razão pela qual, no caso concreto, perante a ilegalidade da liquidação, há indiscutivelmente lugar a reembolso do montante de Imposto do Selo pago pela Requerente.

Mas é legítimo formular a seguinte questão: a Requerente tem direito aos juros indemnizatórios?

 O art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em ato de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. E o pagamento de juros indemnizatórios pode ser determinado em processo arbitral tributário, como o art. 24.º, n.º 5 do RJAT admite, desde que, naturalmente, se verifiquem os requisitos supra descritos.

Acontece que para a decisão da AT foi decisiva a consagração do n.º 7 do art. 7.º do CIS, ao qual foi atribuída natureza interpretativa.

Ora a Administração encontra-se vinculada ao cumprimento do princípio da legalidade – art. 266.º, n.º 2 da CRP, não tendo assim liberdade para renunciar ao comando normativo, por via da sua inconstitucionalidade, função essa que à luz do art. 213.º da Lei Fundamental se encontra atribuída aos Tribunais.

Alicerçando-se a decisão arbitral na recusa de aplicação de norma, por inconstitucionalidade, não se verifica o pressuposto necessário à condenação de juros indemnizatórios.

 

6. DECISÃO

 

Nestes termos decide-se:

i)  julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de Imposto do Selo n.º 2018 ... e de juros compensatórios e, em consequência, condenar a Requerida a restituir o montante de imposto indevidamente pago pela Requerente;

ii) absolver a AT do pagamento de juros indemnizatórios.

 

7. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 35 728,63 euros, nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

8. CUSTAS

Custas a suportar pela Requerida, no montante de 1836 euros, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Atenta a recusa de aplicação de norma constante de ato legislativo, notifique-se o Ministério Público, representando pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos do art. 280.º, n.º 3 da CRP.

 

Notifique.

Lisboa, 6 de maio de 2019

 

O árbitro,

 

(Francisco Nicolau Domingos)