DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. Leonardo Marques dos Santos e Dr. José Nunes Barata (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 13 de agosto de 2018, acordam no seguinte:
-
Relatório
A..., S.A., pessoa coletiva número..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... ..., adiante designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 3.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com vista à anulação do indeferimento dos Recursos Hierárquicos interpostos do indeferimento das reclamações graciosas que tiveram por objeto as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2015..., no montante de € 34.623,71, referente ao período 14/10, e n.º 2015..., no valor de € 60.357,84, relativa ao período 14/12, e de juros moratórios n.º 2015..., de € 126,77, abrangendo o pedido anulatório estes atos tributários. A Requerente peticiona ainda a restituição das quantias pagas, acrescidas dos montantes de crédito de imposto corrigidos e respetivos juros indemnizatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega os seguintes vícios, de ordem formal e material:
-
Violação das regras do ónus da prova: segundo a Requerente, a AT não provou os pressupostos das liquidações, como se lhe impunha de acordo com o artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”), nem desenvolveu os atos necessários à descoberta verdade material, violando princípios basilares do procedimento tributário (artigos 58.º e 55.º da LGT). Em caso de incerteza, seria aplicável o disposto no artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), conducente, de igual modo, à anulação das liquidações;
-
As divergências detetadas pela AT entre as declarações periódicas e os ficheiros SAF-T (PT) derivaram de erros do sistema informático da Requerente, que comunicava documentos internos como se fossem faturas, e, em consequência, originaram valores duplicados de faturação naqueles ficheiros. No entanto, esses erros não tiveram reflexo na contabilidade, nem nas declarações periódicas, pelo que o IVA liquidado nestas e refletido na contabilidade é o correto, não tendo ocorrido qualquer ocultação de vendas;
-
A retificação dos ficheiros SAF-T (PT) levada a efeito pela Requerente foi morosa, tendo sido concluída em março de 2018, altura em que aquela solicitou à AT a submissão dos novos ficheiros retificados, cujos valores coincidem com os reportados nas declarações periódicas, com ligeira diferença de 1%, sendo o IVA nestas liquidado superior;
-
Relativamente aos procedimentos das notas de crédito, não existe qualquer imposto em falta, pelo que o reporte das operações ativas pelo valor líquido das notas de crédito consubstancia apenas uma irregularidade declarativa;
-
O procedimento de liquidação de IVA com base no diário das vendas foi efetuado com base no Ofício-Circulado n.º 102697, de 4 de junho de 1991, cuja revogação somente se verificou com o Ofício-Circulado n.º 30196, de 5 de dezembro de 2017. Assim, à data, esse procedimento não só era permitido, como do mesmo não resultava falta ou atraso na liquidação do IVA devido, mas, pelo contrário, a antecipação do imposto relativamente à fatura a emitir com o check-out do cliente (momento em que a Requerente dá por concluída a prestação do serviço);
-
Os atos de liquidação enfermam de falta de fundamentação, por não mencionarem as disposições legais que suportam as correções de imposto, nos termos do artigo 77.º da LGT.
A Requerente juntou 21 (vinte e um) documentos e requereu prova testemunhal.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 6 de junho de 2018.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 24 de julho de 2018, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo oposto recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 13 de agosto de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
Em 1 de outubro de 2018, a Requerida apresentou a sua resposta, pugnando pela improcedência e consequente absolvição do pedido, com a manutenção na ordem jurídica dos atos impugnados.
Para tanto, a Requerida salienta que, apesar de a Requerente ter sido convidada a apresentar declarações periódicas de substituição e a prestar os esclarecimentos necessários à justificação das divergências apuradas, esta teve dificuldades em o fazer, incluindo em sede de direito de audição, não sendo as explicações dadas cabais, nem inequívocas, pelo que, considerando a insuficiência dos elementos probatórios disponibilizados pela Requerente, os procedimentos inspetivos evoluíram e deram origem às liquidações adicionais com base nos ficheiros SAF-T.
Segundo a Requerida, o corolário lógico das justificações da Requerente implicaria necessariamente a submissão de novos ficheiros SAF-T, com a correção dos valores constantes das faturas comunicadas à AT pelo portal e-fatura, considerando, porém, que a substituição dos ficheiros não serve de elemento probatório da real faturação da Requerente registada na contabilidade, que, em seu entender, permanece desconhecida.
Sustenta ainda a Requerida que os Serviços de Inspeção Tributária realizaram as diligências necessárias à descoberta da verdade material, em observância do artigo 58.º da LGT, não tendo a AT de se substituir ao sujeito passivo na realização da prova que, nos termos da lei, a ele compete efetuar. Considera que os factos só devem ser considerados provados quando forem determinados com uma certeza absoluta. Invoca os artigos 29.º, n.º 1, alínea g) e 44.º do Código do IVA, que dispõe no sentido de os sujeitos passivos, para além da obrigação do pagamento do imposto, deverem dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto.
A Requerida considera que a liquidação do IVA com base no diário de vendas deixou de estar prevista a partir de janeiro de 2013, com a revogação genérica das instruções administrativas anteriores efetuada pelo n.º 19 do Ofício Circulado n.º 30136, de 19 de novembro de 2012.
No tocante à alegada falta de fundamentação, sustenta que a Requerente apreendeu as razões que subjazem às liquidações o que permitiu que as impugnasse, tendo recorrido ao mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT.
A Requerida solicitou a dispensa de prova testemunhal, indicando, ad cautelem, uma testemunha e, em 9 de outubro de 2018, procedeu à junção do processo administrativo (“PA”).
Notificada, em 16 de outubro de 2018, para exercício do contraditório relativamente à dispensa de prova testemunhal, a Requerente manifestou que a inquirição da testemunha por si arrolada se revelava essencial e juntou adicionalmente 21 documentos.
Por despacho de 16 de novembro de 2018, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas.
Em 5 de dezembro de 2018, realizou-se a referida reunião, na qual foi ouvida a testemunha da Requerente, B..., e prescindida a testemunha arrolada pela AT. Foi indeferido pelo Tribunal Arbitral o pedido da Requerida de desentranhamento dos ficheiros SAF-T retificados e juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), relativos aos períodos de junho de 2013 a setembro de 2014. O Tribunal solicitou informação adicional sobre as iniciativas de re-submissão dos ficheiros SAF-T pela Requerente junto da AT, que aquela apresentou em 10 de dezembro de 2018.
No exercício do contraditório, a AT pronunciou-se no sentido de que a submissão dos novos ficheiros SAF-T, que anulam a diferença de valores inicialmente detetada pela AT, foi conseguida através da anulação de faturas em massa e que a Requerente não demonstra porque foram anuladas as faturas e em que consistiram essas anulações, tornando-se imprescindível a realização de diligências instrutórias adicionais, designadamente prova pericial.
Por seu turno, a Requerente juntou documento comprovativo das iterações por via eletrónica entre o sujeito passivo e a AT com referência à submissão dos ficheiros SAF-T retificados e veio reiterar que a AT fundou unicamente as liquidações de IVA na informação constante desses ficheiros SAF-T e nunca cuidou de analisar a contabilidade e as faturas emitidas no âmbito do procedimento inspetivo, contabilidade que sempre esteve correta, dado que, conforme referiu, o erro se verificava tão-só naqueles ficheiros. Acrescenta que a AT validou a substituição dos novos ficheiros SAF-T e aceitou a sua submissão, ao contrário do que afirma a Requerida, pelo que não existem motivos para realizar uma peritagem aos ficheiros SAF-T.
O Tribunal Arbitral notificou as partes para alegações escritas sucessivas, com fixação do prazo de 10 dias, e indeferiu a prova pericial em despacho fundamentado.
Ambas as partes apresentaram alegações e mantiveram as posições anteriormente assumidas. A Requerente acrescentou aos argumentos iniciais a violação dos princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva e a“falta de não tributação por métodos indiretos”. Por outro lado, a Requerida invoca adicionalmente que a submissão tardia dos ficheiros SAF-T corrigidos implica, em qualquer caso, que foi a Requerente que deu azo à ação, pelo que sobre esta recai a responsabilidade quanto a custas.
Por despacho de 7 de fevereiro de 2019, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, atento o prolongamento da fase instrutória, tendo sido objeto de prorrogação adicional em 11 de abril de 2019.
-
Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
-
Fundamentação
-
Matéria de Facto
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
-
A A..., S.A., é uma sociedade de direito português com atividade desde 1988 e faz parte integrante do Grupo C..., desenvolvendo, a título principal, a atividade de Hotelaria com Restauração, sob o CAE 55111. No ano 2014, explorava e geria mais de 20 hotéis em Portugal, designadamente sob as marcas D..., E... e F...– cf. informação constante do PA.
-
A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, para efeitos de IVA, e encontra-se permanentemente em situação de crédito de imposto, solicitando de forma regular reembolsos de IVA – cf. informação constante do PA.
-
Nos diversos hotéis da Requerente são prestados serviços de alojamento, de fornecimento de bebidas e refeições, de aluguer de espaços e catering, de estacionamento de veículos automóveis e lavandaria, entre outros – cf. cópias de faturas juntas pela Requerente em requerimento autónomo.
-
Os clientes optam frequentemente por agregar os consumos realizados durante a sua estadia, fazendo o seu pagamento de uma só vez no final, quando realizam a saída – ou seja, quando fazem o check-out – do estabelecimento hoteleiro em causa – cf. cópias das faturas juntas pela Requerente em requerimento autónomo e depoimento da testemunha.
-
Nesses casos, o procedimento da Requerente à data dos factos observava o disposto no Ofício-Circulado n.º 102697, de 4 de junho de 1991, segundo o qual, nos casos em que os consumos fossem efetuados em diversos dias e a fatura só fosse emitida, e o correspondente pagamento efetuado, no final da estadia, as operações podiam ser consideradas e o respetivo IVA liquidado numa base diária, ou seja, com a efetivação do consumo (com base no diário de vendas) e não com referência à data da fatura, o que representava uma antecipação da liquidação deste imposto face ao que resultaria da consideração da data da fatura. Este método era utilizado por diversas entidades que operavam no setor hoteleiro em Portugal – cf. depoimento da testemunha.
-
Ainda relativamente aos consumos realizados em diversos dias, mas faturados de uma só vez no final da estadia, em concreto aqueles respeitantes a bebidas e refeições (“food and beverage”), a Requerente, no momento dos consumos, emitia um documento interno no sistema de faturação certificado de que dispunha, designado VR. Mais tarde, quando o cliente pagava e fazia o check-out era-lhe emitida e entregue uma fatura de todos os consumos, processada pelo outro sistema de faturação certificada usado pelo front-office da Requerente (sistema FOLS) – cf. documento 20 junto com o ppa, faturas juntas pela Requerente em requerimento autónomo e depoimento da testemunha.
-
Os documentos internos emitidos quando os consumos de bebidas e refeições eram realizados não eram disponibilizados aos clientes, aos quais apenas era facultada a fatura final de front-office gerada no sistema FOLS – cf. depoimento da testemunha.
-
Relativamente à situação específica dos pequenos-almoços incluídos no valor do alojamento e que não eram, por essa razão, objeto de faturação autonomizada, o seu consumo dava também lugar a um documento interno – cf. depoimento da testemunha.
-
Até setembro de 2014, quer as faturas emitidas pelo sistema de front-office (no FOLS), quer os documentos internos do VR eram comunicados através do SAF-T de faturação para a AT, sendo as duas tipologias de documentos consideradas, nesse âmbito, como faturas emitidas – cf. depoimento da testemunha.
-
No entanto, os fornecimentos e valores constantes dos documentos internos do VR (que titulavam transferências internas) estavam replicados nas faturas finais de front-office emitidas aos clientes no sistema FOLS, pelo que representavam, nessa medida, uma duplicação relativamente aos mesmos serviços prestados e valores, de base tributável e de IVA, debitados – cf. documento 20 junto com o ppa e depoimento da testemunha.
-
Na contabilidade da Requerente e, em consequência, nas declarações periódicas de IVA, não se registou esta duplicação, pelo que foram consideradas corretamente (e apenas) as operações reportadas nas faturas finais de front-office e os respetivos valores de base tributável e de IVA – cf. depoimento da testemunha.
-
Em 23 de dezembro de 2014, a Requerente foi notificada pela Direção de Serviços de Cobrança de IVA da AT, para efeitos de exercício de Audição Prévia no prazo de 15 dias (artigo 60.º da LGT), de que nos períodos de julho e de agosto de 2014 existiam divergências, em concreto que “o valor de IVA liquidado nas faturas é superior ao valor de IVA declarado na Declaração Periódica do período” – cf. documentos 4 e 5 juntos com o ppa e constantes do PA.
-
Em fevereiro de 2015, foi a Requerente notificada:
-
Da demonstração de liquidação de IVA n.º 2015..., datada de 4 de fevereiro de 2015, que resultou no valor de IVA a pagar de € 34.623,71, referente ao período de outubro de 2014, com data limite de pagamento fixada em 6 de abril de 2015 – cf. documento 1 junto com o ppa e constante do PA;
-
Da demonstração de liquidação de IVA n.º 2015..., datada de 10 de fevereiro de 2015, que resultou no valor de IVA a pagar de € 60.357,84, referente ao período de dezembro de 2014, com data limite de pagamento fixada em 23 de abril de 2015 – cf. documento 2 junto com o ppa e constante do PA; e
-
Da demonstração de liquidação de juros moratórios n.º 2015..., datada de 10 de fevereiro de 2015, que resultou no valor de juros a pagar de € 126,77, referente ao período de dezembro de 2014, com data limite de pagamento fixada em 23 de abril de 2015 – cf. documento 3 junto com o ppa e constante do PA.
-
A liquidação supra referida relativa ao período de outubro de 2014 (de € 34.623,72) foi a repercussão da correção de IVA, no valor de € 111.438,25, que a AT considerou em falta para os períodos de julho e de agosto de 2014[1], que resultaram nas demonstrações de liquidação de IVA n.º 2015..., n.º 2015..., respetivamente, e no recálculo pela AT das declarações periódicas seguintes. Em concreto, foi gerado imposto a pagar em relação ao mês de outubro, no referido valor de € 34.623,72, vertido na liquidação adicional n.º 2015..., derivado do diferencial de IVA corrigido pela AT, não absorvido pelo crédito de IVA de € 76.814,74 reportado pela Requerente na declaração de outubro – cf. documentos 1 (out), 6 (jul) e 7 (ago) juntos com o ppa e constantes do PA.
-
A liquidação relativa ao período de dezembro (de € 60.357,84), deriva do recálculo das declarações periódicas anteriores e da própria declaração de dezembro – cf. documentos 1 a 7 juntos com o ppa e constantes do PA.
-
Nos valores corrigidos pela AT nos períodos em análise, constata-se uma diferença de € 545,56 entre as correções efetuadas pela AT nas declarações periódicas de IVA e as notificações das divergências à Requerente, para a qual não existe qualquer justificação – cf. documentos 1 a 7 juntos com o ppa e constantes do PA.
-
A AT, previamente à correção do valor do IVA liquidado e à emissão das liquidações adicionais de IVA, referentes ao segundo semestre de 2014, aqui impugnadas, não procedeu à análise das faturas emitidas pela Requerente nesse período, nem à sua contabilidade referindo a posteriori que “dada a especificidade e dimensão da entidade, em que destacamos o numero de ficheiros SAFT remetidos mensalmente, que ultrapassa os 50, bem como o numero de documentos emitidos mensalmente que rondam, uma média de 80 mil documentos mensais, a analise seria de uma elevada complexidade exigindo instrumentos específicos e profundo conhecimento na área da auditoria informática.” – cf. informação da AT de 2016 constante do PA.
-
Em 16 de março de 2015, a Requerente requereu a fundamentação de facto e de direito da demonstração de liquidação de IVA referente ao período de outubro de 2014, ao abrigo do artigo 37.º do CPPT – cf. documento 13 junto com o ppa e constante do PA.
-
Em resposta ao requerimento da Requerente, foram comunicados os fundamentos que, de seguida, se transcrevem:
“[…]
Relativamente a este assunto, informa-se o seguinte:
-
Para 1407 e 1408, o SP foi notificado para exercer o direito de audição prévia, sobre o projeto de liquidação adicional de IVA a emitir.
Desta notificação consta a fundamentação em que a sua emissão assenta de que faz parte a sua forma de cálculo.
-
Nos períodos acima indicados foi inserido no campo 41 do DC 108, de forma automática, o montante resultante da diferença entre os valores mencionados na notificação para audição prévia;
Como o crédito apurado nesses períodos suportava as correções efetuadas, não houve lugar à emissão de liquidação adicional, tendo havido a redução, por igual montante, do valor do ER disponível para os períodos de imposto seguintes.
Deste modo, em 1408, verificou-se uma redução acumulada de ER no montante de € 111 438,25, que se repercutiu nos períodos seguintes.
-
Assim, em 1410, apenas foi considerado no campo 61 o valor de € 184 233,14, resultando para o campo 94 o valor de € 1 165 376,29 (contra € 1 276 814,74 apurados pelo SP), valor que foi considerado na totalidade para efeitos de reembolso, muito embora já tivesse sido pago o valor solicitado.
-
O valor de € 76 814,74 que o SP tinha considerado como ER para 1411, deixou de estar disponível e, pela diferença ainda em falta para € 111 438,25, foi emitida uma liquidação adicional de € 34 623,71.
-
A notificação desta liquidação adicional foi feita através de dois documentos, que se encontram em anexo, a saber:
-
Demonstração da liquidação de IVA, que é fundamentada através da disponibilização dos valores da DP que foram aceites, para efeitos de comparação com os que o SP considerou no preenchimento da mesma DP, na qual se verifica, designadamente, o valor dos campos 61, 94 e 95, bem como do valor a reembolsar;
-
Demonstração de acerto de contas, que explica a diferença entre o valor do RB pago e o valor de crédito disponível, justificando-se, assim, o valor da liquidação adicional.
-
À semelhança do que já sucede para os DC do tipo 105, aguarda-se, para breve, a implementação da emissão automática de notificações a enviar ao SP, quando se verifique corte de ER face ao processamento de DC 108.
Para este caso, foi solicitado à área informática que procedesse à emissão das notificações referentes a 1407 e 1408, aguardando-se a sua expedição para o SECIN. […]” – cf. documento 13 junto com o ppa e constante do PA.
-
Idêntico requerimento foi submetido para a demonstração de liquidação de IVA referente ao período de dezembro de 2014, relativamente ao qual a Requerente recebeu a mesma fundamentação – cf. documentos constantes do PA.
-
Em 23 de abril de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento dos valores das demonstrações de liquidação de IVA (€ 34.623,71, € 60.357,84 e € 126,77) apesar de não concordar com as mesmas – cf. documentos constantes do PA.
-
A Requerente apresentou Reclamações Graciosas para cada um dos períodos em causa – cf. documentos 9 e 10 juntos com o ppa e constantes do PA.
-
Em dezembro de 2015, a Requerente foi notificada dos projetos de indeferimento das Reclamações Graciosas que se converteram em definitivo, por despacho datado de 30 de dezembro desse ano – cf. documentos 11 e 12 juntos com o ppa e constantes do PA.
-
Como fundamento do indeferimento das Reclamações Graciosas a AT refere o seguinte:
“[…]
Da apreciação do pedido
-
Da consulta ao sistema informático, verifica-se que foram detetadas divergências entre o valor comunicado através do sistema “E-fatura” e o valor comunicado na Declaração Periódica (DP) de IVA, relativamente aos períodos de 201407 e 201408.
-
Nos períodos em causa, a AT corrigiu o valor do IVA a favor do Estado, tendo apurado um menor valor de crédito a reportar para os períodos seguintes. Essa diminuição do crédito levou a que no período de 201410 fosse corrigido o valor inscrito no campo 61 – “Excesso a reportar do período anterior”, originando a liquidação adicional ora reclamada.
-
Assim, o que aqui importa analisar são as divergências verificadas nos períodos 201407 e 201408, relativamente às quais a reclamante apresenta justificações genéricas sobre o modo de contabilização e apuramento do IVA devido, sem que concretize e justifique, objetivamente, os valores divergentes.
-
Considerando que os sujeitos passivos têm o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização dos direitos que pretendem valer, para que a AT possa decidir, compete à reclamante apresentar os documentos suscetíveis de convencer da veracidade dos factos.
-
Assim dispõe o n.º 1 do artigo 74.º da LGT, ao abrigo do qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
-
Decorre, também, do n.º 1 do artigo 342 do Código Civil (CC) que «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».
-
Ora, o ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, que se traduz para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando não logra realizar essa prova.
-
No caso em apreço a reclamante refere na pi que «…regista, conforme melhor detalhado nos Direitos de Audição anexos remetendo-se para a respetiva análise, situações diversas que, fruto da sua atividade e sem lesar o Estado (atenta a liquidação de IVA em montante anterior à faturação) geram inevitavelmente divergências pela não coincidência em determinadas prestações de serviços entre o momento da liquidação e o momento da faturação.»
-
Sobre esta matéria, apreciando os Direitos de Audição anexos à pi (Doc.s 6 e 7), verifica-se que são, de facto, apresentados alguns exemplos de factos que ocorrem e que fazem com que a reclamante entregue o IVA ao Estado num determinado mês, embora a fatura só venha a ser emitida no mês seguinte.
-
Porém, não junta quaisquer elementos contabilísticos que permitam corroborar os factos alegados e que permitam validar que o valor da divergência relativamente a cada um dos períodos corresponde a IVA que efetivamente foi já entregue ao Estado no(s) período(s) anterior(es).
-
Ademais, refere a reclamante nos respetivos Direitos de Audição que «…protesta juntar informação adicional destinada a suportar o seu entendimento» sem que a mesma tenha sido anexada à pi.
-
Atenta a falta de prova do alegado, terá que se concluir pela insuficiência dos meios de prova, uma vez que os mesmos, por si só, não permitem validar que o imposto em falta nos períodos 201407 e 201408 já foi entregue ao Estado em períodos anteriores e, por esse motivo, não se mostra agora devida a liquidação adicional de IVA relativa ao período de 201410.
-
Por fim, no que se refere à falta de fundamentação, invocada pela reclamante, determina o nº 2 do arº 77º da LGT, que a fundamentação dos atos tributários, pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
-
Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, principalmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Autoridade Tributária a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua reação contenciosa.
-
Tal objetivo, foi atingido pela Autoridade Tributária, pois da leitura dos Direitos de Audição apresentados pela reclamante decorre que esta apreendeu de uma forma clara e objetiva, qual o motivo subjacente às divergências detetadas.
-
Por outro lado, após notificação da liquidação adicional em crise, a reclamante lançou mão da prorrogativa prevista no art.º 37º do CPPT e solicitou a fundamentação alegadamente em falta, verificando-se, uma vez mais, através da pi, que a mesma percebeu as razões que conduziram ao apuramento do imposto em falta.
-
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, referem os n.ºs 1 e 2 do art.º 43.º da LGT, que só haverá lugar ao seu pagamento, quando a administração fiscal for convencida em processo de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou de impugnação judicial de que houve erro imputável aos serviços, de que resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
-
No caso em apreço, não se propondo no presente parecer o deferimento do pedido, não se verifica o direito a juros indemnizatórios.
Conclusão
Do exposto, conclui-se que a reclamante, apesar de onerada com o ónus de prova da veracidade dos factos alegados, não se muniu de meios de prova suficientes que permitissem pôr em causa a correção efetuada pela AT, pelo que será de manter a liquidação de IVA ora reclamada, propondo-se o indeferimento do pedido, por falta de probatório. […]“– cf. documentos 11 e 12 juntos com o ppa complementados com a informação constante do PA.
-
Em 12 de fevereiro de 2016, a Requerente interpôs Recurso Hierárquico das decisões de indeferimento das Reclamações Graciosas. Os Recursos Hierárquicos vieram a ser indeferidos por despacho de 6 de março de 2018, recebidos no dia 7 de março de 2018 – cf. documentos 13 a 16 juntos com o ppa e constantes do PA.
-
A AT fundamenta o indeferimento dos Recursos Hierárquicos nos seguintes termos:
“[…]
3. A liquidação emitida teve por base a divergência entre os montantes do IVA liquidado constante no ficheiro SAF-T e o IVA liquidado mencionado nas declarações periódicas referentes aos períodos de 2014-07 e 2014-08, que posteriormente, após as reliquidações efetuadas, se repercutiu na correção aos valores do campo 61 da declaração periódica de 2014-10 [e de 2014-12].
4. A diferença detetada pelos serviços da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) resultou da constatação de que o valor de IVA liquidado nas faturas e comunicadas pelos ficheiros SAF-T era superior ao valor do IVA declarado nas declarações periódicas, consubstanciando-se na emissão da liquidação adicional, nos termos do art.º 87.º do CIVA (Código do IVA), no montante de € 34.623,71 [e de € 60.357,84, para o período de 2014-12].
5. De referir que, o IVA liquidado inscrito na declaração periódica considerado na comparação com o IVA liquidado nas faturas comunicadas é dado pela seguinte fórmula;
Campo (C)92-C11-C17-C41-[(C97+C98+C99+C100+C101+C102)*(Taxa normal de IVA/100)]
6. Assim, salientamos que os montantes comunicados pelo ficheiro SAF-T, quando comparados com os montantes relevados nas declarações periódicas do IVA abaixo identificadas, evidenciam, de facto, a existência de uma divergência, como podemos verificar
[…]
7. Deste modo, em conformidade com a informação n.º 1379, de 2017-04-19, desta Direção de Serviços averbada com despacho concordante da Diretora de Serviços do IVA, que se dá aqui por integralmente reproduzida, foi solicitada a colaboração dos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) no sentido de se apurar o IVA efetivamente devido nos períodos de 2014-07 e 2014-08, que acabou por influenciar a liquidação adicional de outubro de 2014 [e de dezembro de 2014].
8. Em resposta ao solicitado, a Direção de Finanças do Porto, na sua informação de 2017-12-18, pronunciou-se sobre a questão sub judice, nos termos seguintes (excertos):
«8. (…) dado haver situações de reembolso pendentes, foram as divergências consideradas findas, relativamente aos períodos de 2013.06 até 2014.09 (excetuando os dois períodos a que respeita o Recurso Hierárquico), tendo-se aberto procedimento inspetivo externo, titulado pela DI... .
9. Da ação inspetiva constatou-se, desde logo, que «dada a especificidade e dimensão da entidade, a análise seria de uma elevada complexidade exigindo instrumentos específicos e profundo conhecimento na área da auditoria informática.”
10. Relativamente à alegação, por parte da empresa, de duplicação de faturas e «após diversas diligências e tentativas de análise para testar tais duplicações, apesar de se verificar existir efetivamente duplicação de registo, não foi possível demonstrar cabalmente a alegada duplicação em virtude do sujeito passivo não ter disponibilizado/demonstrado elementos necessários para aferir as mesmas.»
11. Sendo assim, certo que as divergências não resultam, por si só, da alegada aplicação do ofício ... do SIVA de 04-06-1991, mas resultariam nalguns casos, de efetiva duplicação de registo de faturas, não foi, no entanto, possível fazer uma análise conclusiva, devido a dificuldades de variada ordem, nomeadamente devido a limitações que decorreram da dimensão e especificidade do contribuinte, da falta de meios técnicos e de acesso a informações relevantes, por parte da IT, e da dificuldade/morosidade no fornecimento de elementos por parte do sujeito passivo.
12. Em consequência, disso, foi a ação inspetiva externa encerrada em 19-12-2016, tendo sido abertas duas ordens de serviço internas, credenciadas com os números OI2016... e OI2016... e emitidas em 30-12-2016, para os anos de 2013 e 2014.
13. Das conclusões do Projeto de Relatório retira-se que da «apreciação do teor dos direitos de audição prévia para efeitos da justificação das divergências provenientes do tratamentos dos dados enviados para o e-fatura, do relatório elaborado no âmbito da DI..., da INFORMAÇÃO da reclamação contra a liquidação adicional que emergiu da divergência verificada para os períodos 201407 e 201408, em tudo idênticas em matéria de facto e de direito, às ora em apreciação identificadas no item anterior e todos os demais elementos constantes no processo e na base de dados da AT» e considerando «a inequívoca insuficiência dos elementos probatórios disponibilizados pelo contribuinte para permitira validar os montantes insertos nas DP’s apresentadas», foi apresentada a fundamentação que serviu de base às propostas de correção que a seguir se apresentam:
[…]
14. Tais correções foram mantidas no Relatório Final, datado de 04-10-2017, após análise dos fundamentos invocados no exercício do direito de audição, considerando que:
i) «os elementos aduzidos pelo contribuinte no exercício do direito de audição, em que basicamente se limitou a repetir justificações teóricas já consideradas na elaboração do projeto de correções, afastando-se quase por completo da parte pratica concretizadora de justificações invocadas – duplicação de imposto nas faturas constantes no SAFT e que a utilização caduca das regras constantes no OC ..., não lesaram o Estado, nem nos valores apurados nem em termos temporais, que necessariamente teriam que ser apresentadas de forma inequívoca, clara e objetiva;
ii) as justificações exigidas teriam objetivamente como corolário lógico do trabalho desenvolvido a submissão de novos ficheiros SAFT, o que ainda não ocorreu.
afigura-se-nos que, com o exercício do direito de audição, em substância, a A... nada acrescentou de materialmente relevante e novo quanto à questão fundamental, a justificação das divergências, pelo que se afigura serem de manter as correções em sede de IVA inicialmente propostas.»
9. Ora, se atendermos ao estabelecido no n.º 1 do art.º 74.º da LGT, «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.».
10. Ademais, os factos também só devem ser considerados provados quando forem determinados com uma certeza absoluta, razão pela qual a não prestação de prova ou a sua prestação insuficiente não poderá deixar de influenciar o mérito da pretensão.
11. Deste modo, importava que a A... tivesse apresentado elementos hábeis a sustentar a qualificação das divergências mensais e as respetivas relevações contabilísticas.
12. Os quais deveriam, inequivocamente, comprovar a diferença entre o valor do IVA apurado nas vendas/prestações de serviços e o constante nas faturas comunicadas à AT.
13. O que não aconteceu, não obstante ter sido, no âmbito deste procedimento de recurso hierárquico, solicitada a intervenção dos SIT, pelo que somos de opinião não assistir razão à recorrente.
14. No recurso hierárquico não foram apresentados elementos novos ao processo, suscetíveis de alterar a decisão já firmada em sede de reclamação graciosa, a qual lhe foi notificada em 2016-01-14.
15. Nessa conformidade, tendo em conta as instruções sobre o direito de audição veiculadas através do n.º 3 da Circular n.º 13, de 1999-07-08, da Direção de Serviços de Justiça Tributária, e que a A... já foi chamada a exercer o seu direito de audição sobre a situação em apreço, em fases anteriores do processo (n.º 3 do art.º 60.º da LGT), somos de parecer que é de dispensar nova audição.
16. Em face do exposto, propõe-se o indeferimento do presente recurso hierárquico. […]”– documentos 15 e 16 juntos com o ppa e constantes do PA.
-
Atentas as divergências detetadas entre a faturação comunicada por via dos ficheiros SAF-T e as operações reportadas nas declarações periódicas deste imposto, a Requerente, procedeu à retificação dos ficheiros produzidos relativamente aos 2013 e 2014, neste último caso até setembro, tarefa que completou em março de 2018, com o apoio subcontratado de uma software house e de uma empresa de auditoria e consultoria internacional – cf. documento 15 junto com o ppa e depoimento da testemunha.
-
A referida retificação consistiu em identificar todas as faturas duplicadas, i.e., as que correspondiam a meras transferências internas originadas no sistema VR para a conta-corrente dos clientes e que estavam, por erro de programação, a gerar a sua comunicação para o ficheiro SAF-T como sendo faturas e a duplicar o respetivo valor. Estas faturas vieram subsequentemente a passar ao estado de “anuladas” (A) e, de seguida, foram gerados novos ficheiros SAF-T, cujos valores de faturação deixaram de apresentar divergências relativamente aos constantes da contabilidade e das declarações periódicas para os meses/períodos em causa, os quais se mantiveram inalterados – cf. documentos juntos pela Requerente com as trocas de informações e esclarecimentos no “Atendimento e-balcão” e depoimento da testemunha.
-
Em 12 de março de 2018, a Requerente solicitou à AT, por via eletrónica, através do “Atendimento e-balcão”, a substituição dos ficheiros SAF-T para os períodos compreendidos entre junho de 2013 e setembro de 2014, pois para essa substituição era indispensável que os ficheiros anteriormente submetidos fossem removidos, o que apenas poderia ser levado a efeito pela AT – cf. documentos juntos pela Requerente relativos ao “Atendimento e-balcão” e depoimento da testemunha.
-
Após diversos contactos com a AT por via do Atendimento e-balcão e a prestação de explicações por parte da Requerente, a AT informou, por esse meio, em 23 de março de 2018, que “na questão apresentada, verifica-se uma duplicação nos elementos constantes na emissão dos próprios documentos e não na sua comunicação. […] A solução poderá passar pela devida retificação das faturas emitidas e proceder posteriormente à sua comunicação.” – cf. documentos juntos pela Requerente relativos ao “Atendimento e-balcão”.
-
Em 19 de abril de 2018, de novo através do Atendimento e-balcão, a AT informa: “De acordo com o nosso contacto telefónico e face ao vosso último esclarecimento prestado, reiteramos a necessidade da submissão dos novos ficheiros relativos aos documentos indevidamente emitidos, num novo estado – estado anulados (AT). Queiram proceder à submissão dos ficheiros referentes aos períodos que se encontram nas circunstâncias reportadas.” – cf. documentos juntos pela Requerente relativos ao “Atendimento e-balcão”.
-
Nessa sequência, a Requerente submeteu, em 16 de maio de 2018, um ficheiro SAF-T corrigido para a AT poder avaliar da sua integração, tendo após diversos contactos, a AT respondido em 13 de julho de 2018, através do Atendimento e-balcão, no sentido de que tecnicamente não seria possível a aceitação da “informação constante dos ficheiros respeitantes ao ano de 2013”. Quanto ao ano 2014, à semelhança do que havia sido requerido para o ano de 2013, a AT solicitou “a submissão de um ficheiro referente ao primeiro período (JAN 2014) no sentido de avaliar a devida integração e dessa forma vir a permitir posteriormente a submissão dos restantes ficheiros. Oportunamente será dada indicação sobre a possibilidade de submissão dos restantes ficheiros de 2014.” – cf. documentos juntos pela Requerente relativos ao “Atendimento e-balcão”.
-
A Requerente submeteu, em 25 de julho de 2018, dois ficheiros SAF-T reportados a janeiro de 2014, um referente ao sistema FOLS e outro ao sistema VR, tendo ambos sido integrados com sucesso, e solicitou, em 6 de agosto de 2018, autorização à AT para a submissão dos restantes ficheiros SAF-T de faturação para os restantes períodos de 2014 – cf. documentos juntos pela Requerente relativos ao “Atendimento e-balcão”.
-
Em 9 de agosto de 2018, a AT confirmou a submissão dos ficheiros relativos a janeiro de 2014 e autorizou a apresentação dos restantes, nos seguintes moldes: “Confirmamos a submissão dos referidos ficheiros (identificador ... com 841 documentos integrados e 1082 documentos duplicados e identificador ... com 896 documentos integrados e 1831 documentos duplicados). Os documentos integrados correspondem à sua nova situação de anulados permitindo desse modo a sua inclusão com sucesso. Os documentos duplicados não foram novamente integrados uma vez que já haviam sido anteriormente comunicados. Nesse sentido queiram assim submeter os restantes documentos neste novo estado relativamente aos restantes períodos referentes ao ano de 2014.” – cf. documentos juntos pela Requerente relativos ao “Atendimento e-balcão”.
-
Em discordância com as correções de IVA referentes aos períodos de julho e agosto de 2014 e respetivas repercussões geradoras das liquidações adicionais de IVA e de juros moratórios relativas a outubro e dezembro de 2014 supra identificadas, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 5 de junho de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.
Motivação
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos e, sempre que aplicável, no depoimento da testemunha inquirida, B..., funcionária da empresa de consultoria fiscal subcontratada pela Requerente para prestar assistência na retificação e validação dos ficheiros SAF-T de faturação.
O depoimento prestado pela testemunha foi objetivo, consistente e revelou conhecimento detalhado dos factos relatados, designadamente no tocante aos problemas identificados no funcionamento dos sistemas de faturação da Requerente e à ocorrência de duplicação, por erro do programa informático, de emissão de faturas referentes ao fornecimento de refeições e bebidas imputadas à conta corrente dos clientes no sistema certificado VR (que apenas eram debitadas a final via sistema FOLS) em 2013 e 2014 (até setembro).
A testemunha participou no processo de análise dos ficheiros SAF-T de julho de 2013 a agosto de 2014 e na resolução dos problemas dos mesmos, para a eliminação das situações de duplicação e re-submissão dos ficheiros, em articulação com a software house (parte informática), tendo realizado os respetivos testes de validação com suporte numa amostra significativa, determinada em conformidade com os procedimentos de auditoria. Deu nota de ter sido um trabalho extenso e moroso dado o volume de informação em causa que correspondeu, para os anos 2013 e 2014, a 800 ficheiros .xml.
Factos não Provados
Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
-
Do Direito
2.1. Delimitação das Questões a Decidir
Estão em discussão as correções ao IVA liquidado efetuadas com base nos ficheiros SAF-T de faturação comunicados pela Requerente, com referência aos meses de julho e agosto de 2014, os quais apresentavam, à data, divergências relativamente aos valores das operações e do IVA liquidado constantes das declarações periódicas de IVA relativas aos mesmos meses.
São suscitados, neste âmbito, diversos vícios de que cumpre conhecer, exceto na medida em que sejam prejudicados pelo conhecimento de outros:
-
Inexistência de operações tributáveis e falta de comprovação, por parte da AT, dos pressupostos de incidência de IVA, com violação das regras de distribuição do ónus probatório;
-
Exigência de prova diabólica em violação dos princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva;
-
Déficit instrutório do procedimento administrativo, por omissão de diligências necessárias e violação do princípio da descoberta da verdade material;
-
Falta de não tributação por métodos indiretos:
(b) Falta de fundamentação; e
(d) Sanação superveniente das divergências declarativas.
2.2. Inexistência de Operações Tributáveis e Distribuição do Ónus da Prova
O único fundamento dos atos tributários e, bem assim, o dos atos de segundo grau que sobre aqueles recaíram, todos aqui impugnados, reside na constatação, por parte da AT, de divergências entre, por um lado, o valor das operações e do IVA liquidado nas declarações periódicas deste imposto, relativamente aos períodos de julho e agosto de 2014, e, por outro lado, o valor constante dos ficheiros SAF-T emitidos e comunicados pela Requerente para os mesmos períodos.
Neste âmbito, sendo o valor apresentado nas declarações periódicas de IVA inferior àquele que constava dos ficheiros SAF-T, a AT procedeu à liquidação adicional pela diferença, considerando que o sujeito passivo não logrou fazer prova da justificação que invocou para as referidas divergências, que também tiveram repercussões, por via da redução do crédito de imposto da Requerente, em períodos subsequentes, in casu, em outubro e dezembro de 2014.
Essa justificação prende-se com três tipos de situações, sendo a mais significativa a de duplicação da faturação das bebidas e refeições consumidas nos estabelecimentos hoteleiros da Requerente, que se verificava quando da respetiva transferência interna entre os dois sistemas informáticos usados pela Requerente, nos casos em que os hóspedes ou clientes optavam por pagar os consumos realizados apenas no final da estadia (“transferências”), e a dos pequenos-almoços incluídos no valor do alojamento, em que era emitida uma “pré-faturação”, para efeitos de gestão de stocks. Nestas situações, a Requerente demonstrou nos presentes autos arbitrais que os documentos processados pelo sistema VR, que não deviam ser faturas por não representarem qualquer débito, eram comunicados através do SAF-T de faturação para a AT, como faturas emitidas, não sendo entregues aos clientes, aos quais era emitida uma fatura no final da estadia incluindo os referidos consumos, emitida pelo sistema FOLS (de front-office) e não pelo sistema VR. A fatura emitida pelo sistema FOLS também era reportada no SAF-T.
As outras duas situações que originaram diferenças, embora menos significativas, respeitam à consideração, à data dos factos, nas declarações periódicas de IVA, do valor das operações líquido das notas de crédito, e ao apuramento do IVA liquidado no momento do consumo e não da faturação, ou seja, com base no diário de vendas, ao abrigo do entendimento administrativo constante de Ofício Circulado n.º 102697, dos Serviços do IVA, de 4 de junho de 1991, o qual veio a ser expressa e especificamente revogado pelo Ofício Circulado n.º 30196, de 5 de dezembro de 2017. A primeira configura erro declarativo passível de gerar discrepâncias entre os campos de IVA liquidado e os valores da faturação emitida e comunicada, todavia, desprovido de qualquer impacto no valor do IVA devido, pois o imposto referente às notas de crédito é dedutível, e a segunda representa uma antecipação da liquidação deste imposto, face ao que resultaria da consideração da data da fatura.
Antes de mais, interessa notar que o ficheiro SAT-T de faturação não constitui uma obrigação acessória de apuramento do IVA, nem um facto tributável ou pressuposto de tributação deste imposto. Tributáveis, para efeitos de IVA, são as operações enumeradas de forma taxativa no artigo 1.º, n.º 1 do Código deste imposto, em concreto, as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações de bens e as operações intracomunitárias definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, sendo, ainda devido o IVA que seja incorretamente mencionado em fatura, de acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea c) do mesmo Código.
Deste modo, o ficheiro SAF-T e a informação nele contida não são convocáveis como base ou pressuposto de incidência de IVA. Relembra-se que se trata de um ficheiro normalizado, criado pela Portaria n.º 321-A/2007, de 26 de março, tendo em vista a padronização da informação financeira e fiscal dos sujeitos passivos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), de acordo com uma estrutura de dados pré-definida, abrangendo os sistemas de faturação e de contabilidade, tendo em vista facilitar a análise deste informação pelos serviços de inspeção tributária.
Com o Decreto-lei n.º 198/2012, de 24 de agosto, o legislador veio estabelecer a obrigação de comunicação das faturas emitidas pelos sujeitos passivos, por transmissão eletrónica de dados, através da remessa do ficheiro SAF-T de faturação, enquadrada pelo mencionado diploma no âmbito de “medidas de controlo da emissão de faturas”, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013, nos termos do disposto nos seus artigos 3.º e 11.º.
A criação desta obrigação declarativa adicional teve a finalidade explícita de agilizar os procedimentos de auditoria tributária e de “reforçar o combate à informalidade e à evasão fiscal e para auxiliar os contribuintes a evitar o incumprimento das suas obrigações fiscais”, como resulta do preâmbulo do Decreto-lei n.º 198/2012, acima citado.
Assim, a base declarativa para a liquidação de imposto não foi alterada nem substituída, continuando a ser as declarações periódicas de IVA, conforme preceituado nos artigos 29.º, n.º 1, alínea c) e 41.º do Código do IVA, em observância do que dispõe a Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006 (“Diretiva IVA”), que determina, no artigo 250.º, n.º 1, que “os sujeitos passivos devem apresentar uma declaração de IVA da qual constem todos os dados necessários para o apuramento do montante do imposto exigível e do montante das deduções a efetuar, incluindo, na medida em que tal seja necessário para o apuramento do valor tributável, o montante global das operações relativas a esse imposto e a essas deduções, bem como o montante das operações isentas.”
Conforme assinala a Requerente, o ficheiro SAF-T é uma ferramenta que não constitui o suporte da liquidação do imposto, mas um meio auxiliar na fiscalização da respetiva cobrança, ou seja, na identificação de situações de incumprimento, pelo que a mera ocorrência de divergências não constitui fundamento de uma liquidação de imposto, nem desonera a AT do ónus de comprovar os pressupostos da sua atuação ou, dito de outra forma, de incidência de imposto.
Com efeito, como corolário do princípio da legalidade administrativa e de acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, em concretização do princípio geral consagrado no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, é à AT que cabe demonstrar a verificação dos pressupostos legais legitimadores da sua atuação. Recaindo sobre o contribuinte, nesse caso, a comprovação da veracidade das operações em causa.
Neste sentido, refere Vieira de Andrade: "há de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados estes pressupostos" – “A Justiça Administrativa (Lições)”, 2ª. edição, p. 269. De igual modo, Lima Guerreiro, em anotação ao artigo 74.º da LGT, refere que a AT “está obrigada, porque é ela então que invoca os factos, a provar a existência e quantificação dos factos tributários não declarados” – “Lei Geral Tributária Anotada”, Editora Rei dos Livros, 2001, p.329.
Acresce que as declarações fiscais dos contribuintes, incluindo a contabilidade e respetivos elementos de suporte, beneficiam da presunção de veracidade e de boa fé, tendo, na situação concreta, o IVA sido liquidado e pago em conformidade com as declarações periódicas de IVA, em linha com a contabilidade.
Claro que esta presunção não se verifica quando forem revelados “omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem” o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo – cf. artigo 75.º, n.ºs 1 e 2 da LGT. Contudo, as divergências do ficheiro SAF-T não podem ser valoradas, por si só e desacompanhadas de quaisquer outros elementos, como um indício fundado de que a contabilidade e as declarações fiscais da Requerente não refletem a realidade. Divergências no e-fatura não são sinónimo de incumprimento de normas fiscais por parte dos sujeitos passivos, podendo derivar de diversas fontes, designadamente de problemas informáticos, como alegado pela Requerente e se afigura ter sido notoriamente o caso.
Importa ainda contextualizar que a extração da informação dos sistemas informáticos das empresas, de acordo com a estrutura de dados do SAF-T, requereu desenvolvimentos informáticos, por vezes morosos e dispendiosos, pelo que nos primeiros anos de vigência desta obrigação, de inevitável adaptação dos sujeitos passivos, as frequentes situações de divergências não poderiam ser liminar e razoavelmente interpretadas como incumprimento de obrigações prestativas.
Neste contexto, cabia à AT recolher indícios de que as operações constantes da contabilidade da Requerente e reportadas nas suas declarações de IVA não correspondiam à realidade, designadamente, e como é usual, através da análise da contabilidade da Requerente, das faturas emitidas e do rastreamento dos fluxos financeiros associados e eventualmente através de algum cruzamento de informação. As divergências identificadas pelo SAF-T não prescindem, como acima se referiu, da comprovação dos pressupostos de incidência tributária ou, ao menos de indícios fundados “consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade” de que as operações declaradas não correspondem, por déficit, à realidade[2].
A possibilidade de desconsideração administrativa dos elementos declarados pelos contribuintes, nomeadamente quanto à verificação de transações comerciais e das respetivas bases tributáveis, decorre de um juízo de valoração prévia acerca da congruência e suficiência dos elementos declarados.
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), a AT tem de provar factualidade “suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova” – veja-se, a título de exemplo, o Acórdão proferido no processo n.º 01424/05.2BEVIS 0292/18, de 27 de fevereiro de 2019.
A AT parte do pressuposto, não suportado, de que a atividade operacional da Requerente equivale à faturação comunicada no ficheiro SAF-T e não à espelhada na sua contabilidade ou nas declarações periódicas de IVA. Como fundamento das correções de IVA controvertidas a AT limitou-se a invocar divergências constatadas nos ficheiros SAF-T, não tendo identificado qualquer outra dissonância, e deu prevalência à informação constante destes ficheiros sobre a das declarações periódicas de IVA, quando são estas últimas a base de apuramento e de declaração do imposto devido, de acordo com o Código do IVA e a Diretiva IVA, como acima mencionado.
Nestes termos, a AT não satisfez o ónus da prova que sobre si impendia de identificar e comprovar indícios fundados de operações sobre as quais incidisse IVA não declarado pela Requerente, nem sequer desencadeou uma ação inspetiva (externa), previamente à emissão dos atos de liquidação, para análise dos elementos daquela.
Não foram identificadas quaisquer divergências para além das submetidas pela própria Requerente via SAF-T, pelo que a AT não logrou abalar a presunção de que beneficiam as declarações de IVA (e, reforce-se, também a contabilidade) da Requerente, cujo apuramento do IVA liquidado não pode ser substituído pelo ficheiro SAF-T, por falta de suporte legal.
À face do exposto, assiste razão à Requerente, devendo as liquidações de IVA impugnadas e os atos que as confirmaram ser anulados por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos.
2.3. Déficit Instrutório do Procedimento – Omissão de Diligências Necessárias – Princípio da Verdade Material
A Requerente invoca que foi objeto de duas ações inspetivas aos exercícios de 2013 e 2014 incidentes apenas sobre IVA, de natureza interna, e que a AT ao não ter posteriormente iniciado um procedimento inspetivo externo “aniquilou e autossabotou ilegalmente qualquer possibilidade de oficiosamente aceder e investigar os elementos e documentos de suporte da atividade da Requerente”. Conclui que a AT violou o princípio do inquisitório, pois não realizou, como devia, as diligências necessárias à descoberta da verdade material, violando também o princípio da imparcialidade que determina a ponderação de todos os interesses relevantes (cf. artigos 55.º e 58.º da LGT e 9.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
Antes de mais, importa salientar que as ações inspetivas internas a que a Requerente se refere são todas posteriores à data das correções de IVA impugnadas, cujas liquidações datam de 4 e 10 de fevereiro de 2015, e foram empreendidas no âmbito dos procedimentos de segundo grau (reclamação graciosa seguida de recurso hierárquico). Assim, a irregularidade ou invalidade de tais procedimentos não é suscetível de afetar os atos de liquidação que os antecedem, mas apenas as decisões de segundo grau, de indeferimento das reclamações graciosas ou dos recursos hierárquicos deduzidos contra aqueles atos.
Reitera-se o anteriormente referido, de que a AT não só não logrou provar quaisquer indícios fundados suscetíveis de abalar a presunção de veracidade das declarações de IVA da Requerente, como nem sequer encetou diligências inspetivas concretas na esfera desta que lhe permitisse aceder a esses elementos. Inferiu, sem para tanto ter suporte legal, que as divergências do SAF-T correspondiam a operações passíveis de liquidação de IVA, emitindo as consequentes liquidações adicionais.
Acresce referir que a AT, nas inspeções de IVA que tardiamente (no segundo semestre de 2015 e em 2016) realizou à Requerente relativamente os anos 2013 e 2014, após a emissão dos atos de liquidação, afirma não ter recursos para realizar a fiscalização, pois, dada a especificidade e dimensão da Requerente, a análise seria de uma elevada complexidade exigindo instrumentos específicos e o conhecimento na área da auditoria informática, e conclui que, consequentemente, a Requerente tem o ónus da prova, como se a falta de recursos da AT pudesse ter uma relação de causa-efeito relativamente à repartição desse ónus da prova.
Por um lado, a AT acusa a Requerente de não ter apresentado em tempo oportuno as justificações devidas, nem ter substituído prontamente os ficheiros SAF-T, corolário lógico dessas justificações. No entanto, ela própria reconhece a especificidade e dimensão da Requerente e usa esse argumento para considerar impossível (por falta de recursos) a realização de um procedimento inspetivo, descartando, sem delongas, os tradicionais meios de fiscalização à escrita dos contribuintes, que não se encontram dependentes de auditorias informáticas.
Com efeito, em sede de apreciação das reclamações graciosas, a AT, apesar de reconhecer “existir efetivamente uma duplicação de registo”, conforme alegado pela Requerente, conclui que “não foi possível demonstrar cabalmente a alegada duplicação” o que ficou a dever-se, nas suas palavras: “a dificuldades de variada ordem, nomeadamente devido a limitações que decorreram da dimensão e especificidade do contribuinte, da falta de meios técnicos e de acesso a informações relevantes, por parte da IT, e da dificuldade/morosidade no fornecimento de elementos por parte do sujeito passivo.”
Neste quadro, afigura-se que a conduta da AT se revela desconforme ao princípio do inquisitório, não tendo esta empreendido “as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material”, o que constitui vício de violação de lei de que padecem os atos tributários em crise e os atos confirmativos destes, ao abrigo dos artigos 55.º e 58.º da LGT, pelo que também por esta razão devem ser anulados.
Esta vício constata-se quanto aos atos tributários, que não foram precedidos de quaisquer diligências inspetivas junto do contribuinte, e também quanto aos procedimentos de segundo grau, nos termos supra expostos.
2.4. Falta de Fundamentação
A Requerente invoca ainda que os atos tributários padecem de falta de fundamentação, por não indicarem as razões de facto e de direito que lhes subjazem, designadamente as normas do Código do IVA em que se sustentam, violando o disposto no artigo 77.º da LGT, 152.º, n.º 1, alínea a) do CPA e 268.º, n.º 3 da CRP. Sustenta que o dever de fundamentação comporta a obrigação de dar a conhecer ao sujeito passivo o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu, o que, em seu entender não se verificou no caso concreto.
Neste âmbito, interessa salientar que o dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa.
Segundo a jurisprudência do STA, para que a fundamentação de um ato administrativo ou tributário se considere suficiente não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, “bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se fundamentado o ato quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível por um destinatário normal colocado na posição em que se encontra o seu real destinatário” – Acórdão proferido no processo n.º 1051/09, de 17 de novembro de 2010.
Sem prejuízo de se reconhecer que a fundamentação dos atos tributários vertentes é demasiado sucinta e sem a referência adequada às normas legais de incidência, designadamente do Código do IVA, tais deficiências não se afiguram de molde a impedir ou comprometer a apreensão das razões de facto e de direito que motivaram a atuação da AT, incluindo os respetivos pressupostos (ainda que errados), e que a Requerente compreendeu perfeitamente o seu sentido e alcance. Com efeito, na notificação para exercício do direito de audição prévia é patente estar em causa a divergência entre o valor de IVA liquidado nas faturas comunicado via SAF-T pela Requerente (superior) e o valor de IVA reportado na Declaração Periódica do período e que a AT entendeu ser essa divergência suscetível de alicerçar a correspondente liquidação do imposto.
Improcede, pelas razões expostas, o vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.
Questão distinta é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados os pressupostos de tributação nela retratados e que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato” (cf. Acórdão do STA, processo n.º 1690/13, de 23 de abril de 2014). Neste caso, não se trata de aferir o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, por erro nos pressupostos, que foi acima apreciada no sentido preconizado pela Requerente.
2.5. Submissão Superveniente dos Ficheiros SAF-T Retificados
A Requerente, na sequência do trabalho desenvolvido de correção dos erros que estiveram na origem das duplicações de faturação reportadas no ficheiro SAF-T, e que envolveu diversas entidades subcontratadas para o efeito, identificou as faturas duplicadas comunicadas nos períodos de julho e agosto de 2014, procedendo à sua anulação, extraiu novos ficheiros retificados e solicitou à AT autorização para a sua re-submissão, expurgados dos erros iniciais, ou seja, refletindo a real faturação para os períodos em causa, correspondente à constante das Declarações Periódicas, que se mantiveram inalteradas.
O processo de substituição dos ficheiros SAF-T junto da AT foi iniciado pela Requerente em março de 2018, tendo sido concretizado em agosto do mesmo ano, após diversas comunicações entre a AT e a Requerente. A participação da AT na substituição dos ficheiros revelou-se imprescindível, porquanto, ao contrário de outras obrigações declarativas, a substituição dos ficheiros SAF-T é complexa e não pode ser realizada por mera iniciativa do contribuinte, como esclarece a informação constante do portal das finanças que infra se transcreve parcialmente, pois depende da remoção dos ficheiros iniciais que apenas a AT pode efetivar (http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/faturas/Pages/faqs-00262.aspx):
Não existe uma forma automática para efetuar a substituição do SAFT. O procedimento passa por pedir a anulação de um ficheiro já entregue e pela posterior submissão de um ficheiro novo. A forma e conteúdo do pedido são detalhados na segunda parte desta FAQ.
A simples remessa de um ficheiro para o mesmo período não resulta na substituição do ficheiro já entregue para esse período.
Necessidade de substituição de ficheiro
Antes de fazer um pedido de anulação de ficheiro, já submetido, para proceder à entrega de novo ficheiro, deve verificar se a solução para o problema passa mesmo pela substituição do ficheiro. Descrevem-se algumas situações que podem ocorrer e que não são resolvidas com a substituição do ficheiro (sugere-se também a consulta da FAQ: “Como são processados os ficheiros SAFT”):
[…]
Faturas anuladas após entrega do SAFT
É possível comunicar faturas que, após comunicação (envio do SAFT ou comunicação por WebService), passaram para o estado anulado (A).
Para o efeito, deverá comunicar as mesmas faturas com o novo estado.
Caso as faturas sejam exatamente iguais às já existentes na AT, diferindo unicamente no estado, este será alterado em conformidade.
Note-se que o ficheiro pode conter as restantes faturas, que serão consideradas “duplicadas” (ver faq “Como são processados os ficheiros SAFT”) e por tal não são integradas novamente.
[…]
Então, quando é que será necessário substituir o ficheiro?
Justifica-se a substituição, quando os elementos constantes do e-fatura divirjam do documento originalmente emitido. Normalmente, essa divergência deve-se a erros na construção do ficheiro SAFT.
Os ficheiros submetidos devem refletir sempre a informação dos documentos emitidos (especialmente nos campos que são recolhidos no e-fatura).
Como se processa a substituição?
Nesta data, a solução para a questão colocada passa por solicitar à AT, através de um pedido efetuado no novo serviço de atendimento eletrónico “e-balcão”, a anulação do ficheiro submetido, autenticando-se com a senha de acesso e selecionando a opção e-balcão > Atendimento e-balcão > Registar Nova Questão, preenchendo os campos da seguinte forma: […]”.
Em 9 de agosto de 2018, a AT confirmou a submissão dos ficheiros enviados como “piloto” relativos a janeiro de 2014 e autorizou a apresentação dos restantes, o que foi concretizado pela Requerente.
Nestes termos, desapareceram as divergências declarativas, sendo a faturação comunicada nos ficheiros SAF-T equivalente àquela espelhada nas declarações periódicas de IVA de julho e agosto de 2014, resultando eliminada a única razão que motivou as liquidações de IVA por parte da AT. Assim, mesmo que não procedessem os vícios de violação de lei acima apreciados (e procedem), as liquidações deveriam ser anuladas por cumprimento superveniente da obrigação acessória (retificada).
2.6. Sobre os Juros Indemnizatórios
Quando está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária, tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais Tributários[3] têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos em processo de impugnação judicial, incluindo portanto as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.
O direito a juros indemnizatórios depende de um conjunto de pressupostos constitutivos. Deste logo, é imprescindível que a Requerente tenha previamente procedido ao pagamento do imposto e dos juros relativamente aos quais reclama a devolução.
Na situação vertente, a Requerente comprovou o pagamento integral dos atos de liquidação. Acresce ter ficado demonstrado que os atos tributários padecem de erros de facto e de direito que são imputáveis à AT que não poderia ter procedido à liquidação de IVA fundada na mera comparação dos ficheiros SAF-T com as declarações periódicas de IVA.
Deste modo, procede o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia de € 171.796,28, contados nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
* * *
Em Síntese
À face do exposto, os atos tributários de liquidação de IVA e de juros moratórios de que a Requerente foi alvo, relativos aos períodos de outubro e dezembro de 2014, por divergências entre o SAF-T e as declarações periódicas de IVA constatadas com referência aos meses de julho e agosto de 2014, são anuláveis por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, em conformidade com o disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), com correspondência no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
Inválidas são também as decisões de indeferimento das Reclamações Graciosas e dos Recursos Hierárquicos que recaíram sobre esses atos e que os confirmaram.
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, designadamente as referentes à aplicação do artigo 100.º do CPPT, à prova diabólica, à violação dos princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva e à falta de tributação por métodos indiretos.
-
Decisão
Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros moratórios supra identificados, e bem assim dos atos confirmativos destes, com as legais consequências, nomeadamente:
-
A restituição à Requerente das importâncias indevidamente arrecadadas, de € 171.796,28; e
-
O pagamento de juros indemnizatórios devidos sobre essa quantia contados até ao processamento da respetiva nota de crédito, calculados nos termos do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
* * *
Fixa-se ao processo o valor de € 171.796,28, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Custas no montante de € 3.672,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Lisboa, 16 de abril de 2019
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Leonardo Marques dos Santos
José Nunes Barata
[1] Em julho de 2014, a AT desconsiderou o valor do campo 61 (€ 568,16) e acresceu ao campo 41 o valor de € 49.233,99. Em agosto de 2014, a AT ajustou o campo 61 em decorrência das alterações da declaração de julho e acresceu ao campo 41 o valor de € 61.636,00.
[2] Veja-se a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), designadamente os seguintes Acórdãos: de 14 de fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 509/09.0BELRA; de 06-12-2018, proferido no processo n.º 754/07.3BELSB; e de 07-06-2018, proferido no processo n.º 813/11.8 BELRA (09855/16).
[3] Vejam-se, a título de exemplo, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 14/2012-T e 303/2015-T.