Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 583/2018-T
Data da decisão: 2019-04-15  IRS  
Valor do pedido: € 7.955,08
Tema: IRS - Mais Valias não residentes; art. 43º, nº2 do CIRS; incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no art. 63.º do TFUE.
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Decisão Arbitral

 

RELATÓRIO

A -PARTES

A... com o NIF ... residente na ..., ..., República Checa, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA (que sucedeu à Direcção-Geral dos Impostos, por meio do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro) doravante designada por Requerida ou AT.

No dia 22-11-2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 04-02-2019, conforme consta da respetiva ata.

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como arbitro Paulo Ferreira Alves, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.

Em 14-01-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Deste modo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 04-02-2019.

Ambas as partes concordaram com a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

B – PEDIDO   

  1. O ora Requerente, peticiona a declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2017, n.º 2018..., no valor parcial de 7.955,08 €.

 

C – CAUSA DE PEDIR

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, já descrito no ponto 1 desta decisão, em síntese, o seguinte:
    1.  O Requerente é cidadão português e tem residência fiscal na república Checa.
    2. Em 2017, o Requerente obteve em Portugal mais-valias relativas a imóvel adquirido em Fevereiro de 2003, através de escritura pública de compra e venda.
    3. Em 11-05-2018, o Requerente apresentou a declaração de  rendimentos Modelo 3 de IRS, acompanhada pelo anexo G -  categoria G, sob o título "MAIS-VALIAS E OUTROS INCREMENTOS  PATRIMONIAIS", tendo ali sido unicamente declarado a alternação  onerosa do imóvel.
    4. Defende, que  na quantificação da mais-valia tributária, a AT considerou a mais-valia por inteiro, sem consideração do regime de exclusão de tributação de 50% do previsto no artigo 43º, n. o 2 do Código do IRS, de onde resulta que, a AT, aplica o preceituado no n.º  2 do artigo 430º do código do IRS unicamente a sujeitos passivos residentes em Portugal e tributa a totalidade das mais-valias resultantes da oneração de bens reais sobre imóveis a não residentes em Portugal, mas residentes noutro Estado-Membro da União  Europeia.
    5. Entende o Requerente que a inclusão pela AT, no rendimento coletável da totalidade das mais-valias resultantes da alienação do direito real sobre o imóvel, enferma de erro de Direito, uma vez que apenas deveria ter sido considerado 50° % do respetivo valor, por aplicação do previsto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, numa interpretação deste normativo em conformidade com o direito comunitário.
    6. Ou seja, a inaplicabilidade do citado n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS aos residentes de outro Estado-Membro da União Europeia, consubstancia uma violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (correspondente ao artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia) em virtude do seu efeito discriminatório.
    7. Entende o Requerente, que foi a Autoridade Tributaria que, perante a sua declaração de IRS, lhe liquidou o imposto que considerou devido, à taxa prevista para os não residentes e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50 % desse valor, ignorando assim a jurisprudência comunitária e a do Supremo Tribunal Administrativo que a acolheu, verificando-se por conseguinte, uma ilegalidade parcial do ato tributário em análise.

 

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
    1. A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal, mas residente num Estado Membro da União Europeia, violar o Direito Comunitário.
    2. Ou seja, entende o Requerente que o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS se aplica aos não residentes em Portugal, mas residentes num Estado Membro da União Europeia.
    3. Defende a Requerente, tendo em conta o teor do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9), cujo teor à data dos factos, era o seguinte:  «9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.» (destaque nosso) 
    4. Por sua vez, o n.º 8 (atual n.º 10) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, à data dos factos, que: «10- Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.» (destaque nosso)
    5. Saliente-se que a Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 é o Orçamento de Estado para 2008.
    6. E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS.
    7. Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.
    8. Consultada a declaração Mod. 3 de IRS entregue em nome do Requerente (relativa ao ano fiscal de 2017), verifica-se que no quadro 8 B do Modelo 3 foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da EU) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
    9. Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9° e 10° do Código do IRS.
    10. Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.
    11. Termina a Requerida, sustentando, que deverá ser proferida decisão que julgue o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida.
  2. E-  FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
  3. Previamente à apreciação das questões submetidas pelas partes, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e posterior decisão, com base na prova documental junta aos autos.
  4. Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
  5. O Requerente é cidadão português e tem residência fiscal na república Checa.
  6. A República Checa é um estado membro da União Europeia e do Espaço Schengen.
  7. O Requerente vendeu através de escritura pública de compra e venda, o imóvel correspondente a uma fração autónoma destinada a habitação, designada por letra "V" e correspondente ao Decimo Piso,  Letra - E, do prédio urbano situado na Rua ..., na  Freguesia do ... em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo  Predial de Lisboa sob o registo n.º ... e inscrito na respetiva  matriz sob o n.º..., da referida freguesia..
  8. Em 11-05-2018, o Requerente apresentou a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, acompanhada pelo anexo G - categoria G, sob o título "MAIS-VALIAS E OUTROS INCREMENTOS PATRIMONIAIS", tendo ali sido unicamente declarado a mais valia resultante da alienação do imóvel.
  9. AT tributou a totalidade das mais-valias obtidas pelo Requerente à taxa de 28%.

F-  FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

G- QUESTÕES DECIDENDAS

  1. Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas as seguintes, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:
  1. A alegada pela Requerente:
    1. declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2017, n.º 2018..., no valor parcial de 7.955,08 €.
    2. Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

J            MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Deste modo, atendendo às posições das partes, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade (parcial) do ato de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2017, n.º 2018..., no valor parcial de 7.955,08€.
  2. A questão de fundo consiste em saber se a norma estabelecida pela legislação nacional no artigo 42.º do CIRS, consagra uma diferenciação entre residentes e não residentes, em concreto, se a base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a qual corresponde ao artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.
  3. O Requerente, sustenta sobre esta questão, que a inclusão pela AT, no rendimento coletável da totalidade das mais-valias resultantes da alienação do direito real sobre o imóvel, enferma de erro de direito, uma vez que apenas deveria ter sido considerado 50° % do respetivo valor, por aplicação do previsto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, consubstanciando assim uma violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (correspondente ao artigo 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia) em virtude do seu efeito discriminatório.
  4. A Requerida, por sua vez alega, que o quadro legal, bem como a obrigação declarativa, em vigor já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, pelo que o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.
  5. A questão centra-se, assim, em saber se tal diferenciação prevista pelo legislador nacional é ou não conforme com o direito comunitário, máxime com a liberdade de circulação de capitais e com o princípio da não discriminação, previsto nos artigos 63º e 18º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
  6. Sobre tal questão, existe profusa jurisprudência proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelo Tribunal Arbitral do CAAD, no sentido de que o artigo 72º nº 2 do CIRS, é discriminatório, ao limitar a incidência do imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal e excluir dessa limitação as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro, violando assim a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63º do TFUE.
  7. Com efeito, existem dois momentos a considerar quanto ao disposto no artigo 72.º do CIRS, o antes e o depois das alterações trazidas pelo Orçamento de Estado de 2008 pela mão da Lei n.º 67-A/2007.
  8. Sobre a legislação em vigor à data dos fatos, relevamos os artigos 43.º n.º 1 e 2, e o artigo 72.º n.º1 aliena a) e n.º 9º e 10.º.
  9. Consagra o artigo 43.º n.º 1 e 2.º o seguinte: 1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. 2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.
  10. Sobre o artigo 72.º n.º1 alínea a) e n.º 9 e 10, consagra o seguinte: 1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %: a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado; (…) 9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. 10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
  11. Sobre as alterações da Lei n.º 67-A/2007, em essência manteve a tributação das mais-valias pela taxa especial, aditando o n.º 7.º e 8.º, o atual n.º 9º e 10º (resultantes da alteração pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro).
  12. A norma do artigo 43º nº 2 do CIRS foi alvo de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em data anterior àquelas alterações da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.
  13. Sendo que é unanime na jurisprudência, conforme se irá aprofundar, que as alterações da Lei n.º 67-A/2007 não vieram eliminar o efeito discriminatório, mantendo-se assim a violação das normas comunitárias.
  14. O processo n.º C- 443/06, de 11 de outubro, do Tribunal de Justiça da União Europeia, conhecido por Acórdão Hollmann, embora anterior a Lei n.º 67-A/2007, versou sobre esta questão, onde decidiu que “O artigo 56.° CE [atual artigo 63.º, do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”.
  15. Nesse mesmo sentido, a jurisprudência nacional decidiu sobre a questão, antes e após as alterações da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, respetivamente nos acórdãos do STA de 16 de Janeiro de 2008, no processo número 439/06; de 22 de Março de 2011, no processo número 1031/10; de 30 de Abril de2013, no processo número 1374/12 e, mais recentemente, processo número 1172/14 de 03 Fevereiro de 2016, todos in www.dgsi.pt.
  16. A  acompanhar a jurisprudência do TJUE e do STA, há abundante jurisprudência arbitral proferida pelo CAAD, em particular, as decisões proferidas nos processos números: 45/2012-T; 127/2012-T; 748/2015-T; 89/2017-T; 370/2018-T; 617/2017-T; 520/2017-T; 399/2017-T; 89/2017-T; 478/2015-T; 96/2015-T, todos in www.caad.pt, decisões no sentido de a norma ser discriminatória, inclusive após as alterações da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.
  17. A questão submetida a apreciação nos presentes autos é idêntica à questão sobre a qual já se pronunciaram os indicados arestos, os quais foram, ademais, proferidos no âmbito da mesma legislação, pelo que não vislumbramos qualquer razão para não seguir essa jurisprudência que, de forma, cremos, unânime, tem sido seguida, e com a qual concordamos e subscrevemos na íntegra.
  18. Aderindo por inteiro à jurisprudência, quanto aos não residentes em Portugal, conforme rescreve o artigo 72º nº 1 do CIRS, onde o legislador nacional prevê, que, para os residentes em Portugal, as mais-valias são apenas consideradas em 50% do seu valor, ao passo que para os não residentes em Portugal as mais-valias são consideradas na sua totalidade.  
  19. O regime diferenciado da tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por não residentes em território português, estabelece uma discriminação incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais, princípio fundamental da União Europeia, não obstante as alterações introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, traduzidas no aditamento dos atuais n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS.
  20. Considerou então o TJUE, no Acórdão Hollmann, que “embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário” e que o tratamento discriminatório dos não residentes assentava no facto de que “enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% [28% em 2017] sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formuladas pelo Governo português, a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%”. (48% em 2017, acrescida da taxa adicional de solidariedade, de 2,5% ou de 5%).
  21. Conforme decidido pelo TJUE no acórdão Gielen, proferido em 18/03/2010, “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, sendo que “essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
  22. Também o Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado de modo idêntico, ao referir, nomeadamente, que “I - As disposições do Tratado CE, que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. II - É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43 do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional.” – cfr. o Acórdão proferido no processo n.º 01172/14, em 3 de fevereiro de 2016.
  23. Pese embora neste acórdão estivesse em causa não a violação do artigo 63º do TFUE mas do artigo 49º do TFUE, entendemos ser inteiramente aplicável à hipótese agora em apreciação, a conclusão alcançada por aquele tribunal de que o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a ser discriminatório.
  24. Ficou provado nos autos que, na liquidação impugnada, a AT tributou a totalidade das mais-valias obtidas pelos Requerentes, à taxa de 28%.
  25. Como se refere, entre outras, nas decisões arbitrais nº 45/2012-T e n.º 127/2012-T, considerando o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, deparamo-nos com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Resta saber se a opção de equiparação, introduzida no sistema tributário português, após a prolação do Acórdão Hollmann, constante dos n.ºs 8 a 10 do artigo 72.º do Código do IRS, vigentes à data do facto tributário, permite afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a sujeitos passivos residentes.
  26. É certo que, posteriormente ao acórdão proferido pelo TJUE em 11/10/2007, processo número C-443/06, conhecido por acórdão Hollmann, o legislador nacional, com o objetivo de adequar o sistema tributário nacional à decisão proferida neste acórdão, introduziu, através da Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro, a possibilidade de os residentes noutro Estado membro da União Europeia optarem, relativamente aos rendimentos referidos nos números 1 e 2 do artigo 72º do CIRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
  27. Sobre esta alteração legislativa, já se pronunciou igualmente a jurisprudência, concretamente a decisão arbitral proferida no processo n.º 748/2015-T, à qual se adere, “Desde logo, há que registar que a solução introduzida pelo legislador para contornar a discriminação contida na supra mencionada norma nacional, fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes. A isto acresce um outro reparo que resulta da complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao princípio da territorialidade previsto artigo 15º do CIRS, às condições de pessoalização do imposto e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro estado membro, no estado atual do direito comunitário.”. (…) “Alega a AT que a solução adotada no artigo 72.º, n.ºs 8 a 10 bastante, porquanto também para os residentes em território português, estes rendimentos estão sujeitos ao englobamento. Ora, tal argumento não parece adequado porquanto não leva em linha de conta todas as outras condições de tributação inerentes ao funcionamento de um imposto com as características do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e evidencia uma intenção de tributação em função dos rendimentos auferidos no outro país (quando englobados) bem sabendo que se trata de realidades incomparáveis, facilmente falseadas por toda uma realidade de base que escapa à soberania fiscal do estado português.”.
  28. Pelo que, muito embora o legislador nacional tenha consagrado a possibilidade de o sujeito passivo não residente optar pela tributação aplicável aos residentes, a verdade é que tal não retira o efeito discriminatório essencial da diferenciação de regimes prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes, que é assim violadora dos artigos 63º e 18º do TFUE.
  29. Em face do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no artigo 8º número 4 da Constituição da República Portuguesa, a jurisprudência do TJUE, em sede de direito comunitário, vincula os tribunais nacionais, pelo que não pode este tribunal decidir de forma diferente da já decidida, no âmbito da mesma questão de direito e da mesma legislação, pelo TJUE.
  30. Nestes termos, dúvidas não restam de que a liquidação impugnada, na parte que considera como base de tributação das mais-valias realizadas pelo Requerente mais de 50% do seu valor, carece de fundamento legal, concluindo-se pela incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, com o artigo 63.º, do TFUE, o que determina a ilegalidade das liquidações ora impugnadas, e como procedente o pedido de pronúncia arbitral.

I - QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

  1. Na sentença a proferir deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
  2. Em face da solução dada à questão relativa aos pressupostos da tributação do rendimento do Requerente pelo regime aplicável aos não residentes, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral.

 

L - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

  1. Peticiona, ainda, o Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Perante o exposto, a liquidação do IRS, na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que o Requerente cumpriu o seu dever de declaração e foi por aquela cometido e não poderia a mesma desconhecer entendimento diferente.
  3. O artigo 43º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe ‘pagamento indevido da prestação tributária’, tem como pressuposto a intenção de compensar o sujeito passivo pela privação da quantia que pagou indevidamente.
  4. O artigo 43º da Lei Geral Tributária n.º 2 – “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
  5. Na verdade, estando demonstrado que o requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem o Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses a serem contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.
  6. Pelo exposto, dá-se provimento ao pedido do Requerente.

 

            M - DECISÃO

Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2017, n.º 2018..., no valor parcial de 7.955,08€ (sete mil novecentos e cinquenta e cinco euros e oito cêntimos), por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.

Condenar a Requerida a restituir ao Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga no montante de 7.955,08€, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativos ao período, a contar desde o pagamento do imposto nos termos dos n.ºs 2.º a 5.º do art.º 61.º do CPPT à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral e efetivo reembolso.

 

Fixa-se o valor do processo em € 7.955,08 do valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 612,00 € (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

 

Notifique.

Lisboa, 15 de Abril de 2019

O Árbitro

Dr. Paulo Ferreira Alves