DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. A..., S.A., com o NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Porto, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), para impugnação das notas de liquidação emitidas no âmbito de procedimento tributário de liquidação oficiosa de imposto único de circulação (IUC), referentes a IUC de 2014, 2015. 2016, 2017 e 2018, da iniciativa do Serviço de Finanças Porto ..., referente a uma embarcação de recreio de sua propriedade, registada na Região Autónoma da Madeira (MAR), a seguir discriminadas:
- Liquidação n.º 2014..., no valor de €3.162,39, acrescida da liquidação de juros nº..., no valor de €540,99;
- Liquidação n.º 2015..., no valor €3.162,39, acrescida da liquidação de juros nº..., no valor de €413,80;
- Liquidação n.º 2016..., no valor de €3.211,23 acrescida da liquidação de juros nº..., no valor de €292,09;
- Liquidação n.º 2017..., no valor de €3.235,65, acrescida da liquidação de juros nº..., no valor de €164,89; todas datadas de 2018-05-11
- Processo n.º ...2018... – Contraordenação – no valor de €1.131,09;
- Processo n.º ...2018... - IUC 2018,
Tudo o montante global de montante global de 19.141,09.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 15-08-2018, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT em 16-08-2018, nos termos e para os efeitos legalmente previstos. A Requerente optou por não indicar árbitro pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 01-10-2018, a aqui signatária como árbitro do tribunal arbitral a constituir, que comunicou a sua aceitação dentro do prazo aplicável.
3.O tribunal arbitral singular ficou constituído em 22-10-2018. Em 23/10/2018, a requerente apresentou requerimento de ampliação do pedido, de modo a incluir os valores correspondentes às coimas entretanto liquidadas à Requerente. Assim, neste requerimento veio a Requerente retificar um lapso de escrita da sua PI e ampliar o pedido, considerando os processos de contraordenação entretanto instaurados e os respetivos montantes das coimas aplicadas.
4.Em 29-10-2018, foi proferido despacho arbitral, nos termos previstos no artigo 17º do RJAT, para notificação da Requerida AT e fixação do prazo para apresentação de resposta. A Requerida veio juntar aos autos a sua resposta e o respetivo Processo Administrativo (PA), em 03-12-2018, cujo teor se dão por integralmente reproduzidos.
5. Face à posição das partes evidenciadas nos articulados, considerando a ausência de prova testemunhal a inquirir e a natureza da questão controvertida, que se afigura como questão exclusivamente de direito, incluindo a exceção deduzida pela AT, foi proferido despacho arbitral em 23/10/2018 a notificar a Requerida para se pronunciar sobre o requerimento da Requerente e para ambas se pronunciarem sobre a eventual dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.
6. Em 23-01-2019 veio a Requerente pronunciar-se declarando aceitar expressamente a dispensa de reunião e a sua substituição por alegações escritas. A Requerida nada disse, pelo que se extrai a sua concordância. Nessa conformidade, em 08-02-2018 foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, a fixar prazo de 15 dias, igual e sucessivo, para as partes apresentarem as suas alegações. Foi indicada como data para a prolação da decisão arbitral o dia 22/04/2019.
B) DO PEDIDO FORMULADO e DA POSIÇÃO DA REQUERENTE:
7. Em síntese, a Requerente sustenta o seu pedido de anulação das liquidações de IUC acima identificadas, alegando que é proprietária de uma embarcação de recreio designada por “...”, com o número de registo definitivo R-..., de 20 de setembro de 2000, do Registo Internacional de Navios da Madeira – MAR (RINM-MAR), pelo que beneficia de isenção de IUC. No entendimento da Requerente, nos termos do artigo 2.º do CIUC a embarcação de que é titular se encontra sujeita àquele imposto mas, nos termos do artigo 7.º al. d) do DL 165/86 de 26 de junho, conjugado com o artigo 24.º, n.º 2 do DL 96/89 de 28 de março, existe equiparação entre os navios registados no RINM-MAR e as empresas instaladas na Zona Franca da Madeira, atribuindo-se àqueles os mesmos benefícios.
A Requerente invoca a nulidade da notificação para pagamento, por ter sido enviada ao mandatário da Requerente e não para a sede da própria Requerente.
Alega, ainda, que o IUC assume natureza de imposto municipal, pelo que às embarcações de recreio registadas no MAR, se aplica, nos termos do DL 192/2003, de 22 de agosto, o regime da Zona Franca da Madeira. Pelo que, sendo o IUC um imposto local, os proprietários das embarcações de recreio de uso particular registadas no MAR estão isentos do seu pagamento, sejam eles residentes em Portugal ou noutro território. Conclui a Requerente que são anuláveis todas as liquidações de imposto e, em consequência peticiona a sua anulação, bem assim como dos respetivos processos de contraordenação fiscal instaurados e as coimas fixadas.
C – DA RESPOSTA DA REQUERIDA
8. A Requerida respondeu sustentando a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral. Começa por invocar a exceção de incompetência do Tribunal arbitral para conhecer da legalidade das coimas aplicadas no âmbito dos processos de contraordenação instaurados. Em síntese, alega a Requerida que, no caso concreto, não se verifica qualquer isenção de IUC dado que a Requerente tem a sua sede n Porto, logo que cumpre o pressuposto de “empresa sediada na Região Autónoma da Madeira. De resto, é seu entendimento que o IUC incide sobre os veículos matriculados ou registados em Portugal, incluindo as “embarcações de recreio de uso particular com potência motriz igual ou superior a 20kw, registados desde 1986”, constituindo a categoria F de veículos, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea f) do Código do IUC. Assim, a embarcação em causa encontra-se sujeita a IUC, por verificação da norma de incidência constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IUC.
Alega, ainda a Requerida que, nos termos do DL n.º 165/86 de 26/06, nomeadamente o seu artigo 7.º, só as empresas instaladas na Zona Franca da Madeira se encontram isentas de IUC, o que não é o caso da Requerente.
Entende, ainda, a Requerida, que nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, constituem sujeitos passivos do imposto, os proprietários dos veículos registados como tal, sendo que, apesar de o n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 22- A/2007, de 29/06, determinar que o IUC é administrado pela atual Autoridade Tributária e Aduaneira, o n.º 1 do artigo 3.º da mesma Lei, a receita do IUC relativa, entre outros, aos veículos da categoria F, é da titularidade do município de residência do sujeito passivo, ou seja, do proprietário da embarcação. Assim, o IUC é um imposto de natureza estadual, constituído o Estado o sujeito ativo da relação jurídico-tributária e apenas a receita reverte a favor do Município.
Conclui, assim, a AT pela improcedência total do pedido arbitral.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
9. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º nº2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
- O processo não padece de vícios que o invalidem.
Cumpre decidir.
III – Decisão da Matéria de facto
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Factos Provados
10. Com interesse para a decisão dos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente, é dona e legítima possuidora da Embarcação de Recreio, com o nome de “...”, com o número de registo definitivo R-..., de 20 de setembro de 2000, do Registo Internacional de Navios da Madeira – MAR (infra designado por RINM-MAR - (Cfr.: Doc. n.º 7, junto à PI e PA junto aos autos);
b) A Requerente tem a sua Embarcação registada no RINM-MAR (Cfr.: Doc. 6 junto à PI);
c) A Requerente tem a sua sede e residência fiscal na ..., n.º..., ..., ...-... Porto, pertencente à área de competência do Serviço de Finanças do Porto-...;
d) Por ofício nº 2018..., de 22-02-2018, a Exma. Sra. Chefe de Finanças Adjunta do SF Porto ..., proferiu o seguinte despacho:
e) A Requerente foi notificada por aquele serviço de finanças das notas de liquidação do Imposto Único de Circulação, referentes aos anos de 2014 a 2017, a saber:
- Liquidação n.º 2014..., no valor de €3.162,39, acrescida da liquidação de juros nº..., no valor de €540,99;
- Liquidação n.º 2015..., no valor €3.162,39, acrescida da liquidação de juros nº ..., no valor de €413,80;
- Liquidação n.º 2016..., no valor de €3.211,23 acrescida da liquidação de juros nº..., no valor de €292,09;
- Liquidação n.º 2017..., no valor de €3.235,65, acrescida da liquidação de juros nº..., no valor de €164,89, todas datadas de 2018-05-11;
f) Após a apresentação do pedido arbitral a Requerente foi ainda notificada das notas de liquidação de coima proveniente da falta de pagamento do IUC referente aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, ou seja, das seguintes notas de liquidação:
- Processo n.º ...2018..., referente à aplicação e liquidação da coima por falta de pagamento de IUC de 2014, no valor de € 1.082,13;
- Processo n.º ...2018..., referente à aplicação e liquidação da coima por falta de pagamento de IUC de 2015, no valor de € 1.082,13;
- Processo n.º ...2018..., referente à aplicação e liquidação da coima por falta de pagamento de IUC de 2016, no valor de € 1.097,66;
- Processo n.º ...2018..., referente à aplicação e liquidação da coima por falta de pagamento de IUC de 2017, no valor de 1.047,19; (Docs. nºs 1 a 4 anexos ao requerimento de ampliação do pedido)
g) Em 07-03-2012 foi emitido parecer pela DRAF – Direção Regional dos Assuntos Fiscais, com o alcance de informação não vinculativa, o qual se pronunciou no sentido da isenção de IUC das embarcações de recreio registadas no MAR.
h) Em 12-06-2018 foi enviada notificação ao Advogado Dr. B..., mandatário da Requerente, para se pronunciar em audição prévia sobre o procedimento de liquidação oficiosa de IUC referente ao ano de 2018;
i) A Requerente, através do seu mandatário referido na alínea anterior apresentou resposta ao ofício nº 2017..., de 12-10-2017, enviado pelo Serviço de Finanças do Porto..., no qual expõe e requer seja reconhecida a isenção de IUC da embarcação “...”. (Fls. 55 a 58 do PA).
j) A Requerente apresentou, em 28-05-2018, o presente pedido de pronúncia arbitral.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
11. Não existem outros factos relevantes para a decisão que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS NÃO PROVADOS
12. Cabe ao tribunal selecionar os factos que importam para a decisão da causa e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
13. A convicção sobre a matéria de facto resultou das alegações das partes e respetivo suporte documental junto ao processo. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e os elementos constantes do Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
IV – Decisão da Matéria de Direito
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Quanto à questão da alegada incompetência do Tribunal Arbitral em matéria contraordenacional e coimas
14. Nos presentes autos veio AT alegar a incompetência material do Tribunal arbitral, quanto aos pedidos de anulação das coimas consequentes dos processos de contraordenação instaurados. Esta questão restringe-se à parte do pedido originário e adicional que se refere às coimas aplicadas pelo não pagamento do IUC devido pela Embarcação, com referência aos anos de 2014 a 2018. Alega a AT que, quanto à impugnação efetuada aos processos contraordenacionais e coimas aí aplicadas, por ser evidente a existência das exceções dilatórias de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, e da impropriedade do meio processual. Alega, ainda, que a reação jurídica a uma decisão de aplicação de coima é o recurso previsto no artigo 80º do RGIT, pelo que, “de imediato e expressamente, resulta a impropriedade do meio aqui utilizado para esse pedido, o que configura uma excepção dilatória, nos termos do artigo 577º do CPC, que importa a absolvição da instância, em cumprimento do nº 2 do artigo 576º do mesmo diploma.”
Invoca a este propósito a jurisprudência do processo arbitral nº 111/2013 T, que afirma: “Verifica-se que o regime das infracções fiscais e a matéria contra-ordenacional tributária estão omissos no elenco fechado de matérias passíveis de apreciação pelos tribunais arbitrais, tendo o legislador visivelmente privilegiado a sua vocação (destes tribunais arbitrais) para o julgamento de causas que nos tribunais administrativos e fiscais revestem a forma processual de impugnação judicial (cfr. artigo 101.º, alínea a) da LGT e artigo 97, n.º 1, alíneas a) a f) do CPPT), e nem mesmo todas essas como se extrai da exclusão da Portaria (de vinculação) n.º 112-A/2011, de 22.03, em particular do seu artigo 2.º. Resulta, assim, da leitura das regras atributivas de competência aos tribunais arbitrais, que o pedido de anulação de coima deduzido pela Requerente (…) não se encontra incluído na lista taxativa de pretensões arbitráveis, pelo que este tribunal não pode dele conhecer. À face do exposto, conclui-se pela procedência da excepção suscitada pela Requerida, não podendo este Tribunal Arbitral conhecer (ratione materiae) da questão relativa à invalidade da decisão de aplicação da coima”.
Portanto, do ponto de vista da Requerente, verifica-se a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, exceção prevista na alínea a) do artigo 577º do CPC, que acarreta a consequência da absolvição da Requerida da instância, em obediência ao nº 2 do artigo 576º do CPC. Conclui, quanto aos processos de contraordenação e às coimas aí aplicadas, resulta claro da Lei que deve a Requerida ser absolvida da instância.
15. Confrontada com a alegada exceção de incompetência material do tribunal arbitral a Requerente em resposta e nas suas alegações escritas esclarece o seguinte:
“A Requerente intentou a presente ação peticionando que sejam declaradas ilegais as liquidações de IUC referentes aos anos de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018 e, em consequência, todas as contraordenações daí emergentes.
(…) Por sua vez, o n.º 1 artigo 2.º do citado Diploma Legal estatui que o Tribunal Arbitral tem competência para: a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.
(…) Acresce que, o n.º 1 do artigo 3.º do RJAT prevê a situação de cumulação de pedidos, como se fez nestes autos, sendo que o pedido deduzido nestes autos é a declaração de ilegalidade do tributo liquidado, o IUC, referente aos anos de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018. (sublinhado nosso)
Ora, a declaração de ilegalidade de liquidação de tributos tem consequências, tais como a ilegalidade de todos os atos praticados pela administração pública em virtude daqueles da liquidação ilegal.
Na realidade, as contraordenações só foram aplicadas à Requerente por via da liquidação ilegal de tributos, pois se não fosse essa liquidação ilegal, a Requerente nunca teria IUC para pagar no Continente e, como tal, não estaria em falta no pagamento do mesmo (cfr. artigo 114.º do RGIT).
Posto isto, a Requerente somente requereu ao Tribunal Arbitral que extraísse consequências da declaração de ilegalidade do imposto liquidado.” (sublinhado nosso)
Conclui que o Tribunal deve julgar improcedente a exceção de incompetência absoluta invocada pela Requerente, com as demais consequências legais.
16. Face ao supra exposto, e apesar do que vem alegado pela Requerente, não resta dúvida que, face ao teor do pedido arbitral e dos requerimentos de ampliação do pedido deduzidos pela Requerente, o objeto do presente processo arbitral, tal qual foi definido pela própria Requerente, abrange matéria contraordenacional e valores de coimas, as quais estão por Lei subtraídas à competência deste tribunal arbitral.
Porém, usando a própria expressão da Requerente, o que esta verdadeiramente pretende é a anulação das liquidações de IUC, referentes aos anos de 2014 a 2018, pelo que, caso este pedido venha a proceder, por consequência, terão de ser anulados todos os atos subsequentes, ou seja, todos aqueles que tenham origem nas liquidações de imposto que venham a ser anuladas por este tribunal.
17. Ainda assim, não pode este Tribunal deixar de proceder à sua apreciação, não só por ter sido invocada pela AT, mas também porque se trata de uma exceção de conhecimento oficioso. A determinação do âmbito de competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento (oficioso) precede o de qualquer outra matéria, como bem se extrai do disposto nos artigos 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 96.º e 98.º do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a), c) e e) do RJAT).
18. A este propósito sufragamos a jurisprudência vertida no processo arbitral nº 111/2013-T, ao qual se adere integralmente. Neste acórdão firmou-se a seguinte jurisprudência: “O âmbito da jurisdição arbitral tributária, gizada como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, está delimitado pelo disposto no mencionado artigo 2.º do RJAT, sob a epígrafe «Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável”. A referida norma enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, competindo a estes tribunais a apreciação (apenas) das seguintes pretensões:
«a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
c)Revogada (pelo artigo 160.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012).»
Verifica-se que o regime das infracções fiscais e a matéria contra-ordenacional tributária estão omissos no elenco fechado de matérias passíveis de apreciação pelos tribunais arbitrais, tendo o legislador visivelmente privilegiado a sua vocação (destes tribunais arbitrais) para o julgamento de causas que nos tribunais administrativos e fiscais revestem a forma processual de impugnação judicial (cfr. artigo 101.º, alínea a) da LGT e artigo 97, n.º 1, alíneas a) a f) do CPPT), e nem mesmo todas essas como se extrai da exclusão da Portaria (de vinculação) n.º 112-A/2011, de 22.03, em particular do seu artigo 2.º. Salienta-se que a própria previsão inicial constante da Lei de Autorização Legislativa referente à acção para o reconhecimento de um direito não chegou a ter consagração expressa no RJAT, de pendor mais restritivo.”
19. Face ao exposto resulta inevitável a procedência da invocada exceção de incompetência quanto ao pedido deduzido pela Requerente no que toca à anulação das coimas resultantes dos processos contraordenacionais mencionados nos autos, não podendo este Tribunal Arbitral conhecer “ratione materiae” da questão relativa à invalidade das decisões de aplicação de coimas.
Dito isto, importa referir que, como bem salienta a Requerente, se as liquidações de IUC impugnadas vierem a ser anuladas, a consequência dessa anulação sempre determinaria a anulação de todos os atos subsequentes. Importa, pois, decidir a questão de fundo, ou seja, a da invocada ilegalidade das liquidações em discussão nos presentes autos.
B) Da Falta de notificação da liquidação de IUC referente ao ano de 2018
20. Mas a Requerente invoca, ainda, a questão da nulidade da notificação da liquidação de IUC referente ao ano de 2018. Vejamos se tem razão.
É jurisprudência pacífica e unívoca, a notificação não é um fim em si mesma, mas um meio de levar um ato ao conhecimento de alguém. A este propósito, como bem alega a Requerida, entre outros, o acórdão do TCA Sul, datado de 2/10/2012, proferido no processo nº 05673/12, determinou que:
“1. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação; No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.)”.
21. Ora, a Requerente demonstra ter perfeito conhecimento do teor da notificação, como resulta pormenorizadamente do artigo 6º do pedido de pronúncia arbitral. Por outro lado, resulta do probatório supra fixado que, no âmbito do procedimento de liquidação oficiosa levado a cabo pelo Serviço de Finanças, foram diversas as notificações dirigidas através do mandatário constituído nos autos, o que se afigura prática corrente. Pelo que, a falta de notificação agora invocada não se afigura compatível com a tramitação do próprio processo. De resto, a Requerente revela ter perfeito conhecimento do teor da mesma.
Ao que acresce que no ofício 2018..., de 22-02-2018, o Serviço de Finanças refere que as liquidações se encontram disponíveis no sistema, podendo a Requerente, querendo, extrair as mesmas para proceder ao seu pagamento ou, naturalmente, exercer os respetivos meios de defesa.
22. Como bem refere Jorge Lopes de Sousa, “em relação às notificações dos impostos periódicos mencionados no n.º 4 do art. 38.º do CPPT, “embora (...) se atribua a designação de “notificações”(...), não se trata de atos com a natureza das notificações previstas no art. 36.º do CPPT, pois não têm subjacentes qualquer decisão procedimental da Administração Tributária, qualquer ato em matéria tributária, antes são emitidas mecanicamente pelos serviços”. (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 6.a edição, Vol. I, pag. 376);
Assim, a notificação remetida à Requerente, mais não é do que o documento de cobrança respetivo.
Pelo que, improcede a invocada falta de notificação das liquidação de IUC, referente ao ano de 2018, invocada pela Requerente.
Chegados aqui, resta, por fim, tratar da questão central dos presentes autos, ou seja, da isenção de IUC, nos termos em que vem invocada pela Requerente.
C) Da ilegalidade das liquidações de IUC impugnadas nos presentes autos
23. Posto isto, importa agora conhecer do pedido referente à ilegalidade das liquidações de IUC, devidas pela Embarcação “...”, referentes aos anos de 2014 a 2018. Nesta sede, a questão controvertida assenta, exclusivamente, em saber se a Embarcação de recreio, propriedade da Requerente, registada no MAR, se encontra ou não isenta de IUC.
Assim, cumpre decidir agora a questão da isenção de IUC, nos termos alegados pela Requerente.
24. Em conformidade com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea f) do Código do IUC, o imposto incide sobre as embarcações de recreio de uso particular com potência motriz igual ou superior a 20kW, registados desde 1986 ou matriculados em território português.
Acrescenta, ainda, o nº 4 do mesmo artigo que “entende-se por uso particular o uso de uma embarcação ou de uma aeronave pelo seu proprietário (…)”.
No que respeita à incidência subjetiva dispõe o artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, os sujeitos passivos do imposto são “as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.”
25. Por sua vez, quanto à competência para a administração do imposto, dispõe o artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho que “a competência relativa à administração do imposto sobre veículos, abreviadamente designado por ISV e do imposto único de circulação, abreviadamente designado por IUC, cabe à Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e à Direção-Geral dos Impostos, respetivamente.”
Com relevância para a decisão dos presentes autos dispõe, ainda, o artigo 3.º, n.º 1 da supra referida Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, que “é da titularidade do município de residência do sujeito passivo ou equiparado a receita gerada pelo IUC incidente sobre os veículos da categoria A, E, F e G, bem como 70% da componente relativa à cilindrada incidente sobre os veículos da categoria B, salvo se essa receita for incidente sobre veículos objeto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, caso em que deve ser afeta ao município de residência do respetivo utilizador”.
26. Assim, face ao que vem exposto, resulta que a titularidade da receita do IUC é do município de residência do sujeito passivo e não do município ou região onde a embarcação se encontra registada. Neste ponto a lei é muito clara e não deixa margem para dúvida.
Recorde-se a este propósito a jurisprudência vertida na decisão arbitral proferida no processo nº 665/2017-T, à qual se adere sem reserva a este propósito:
“Neste sentido, ainda, o artigo 14.º, alínea c) da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro de 2013, que estabelece o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, sob a epígrafe “receitas municipais” dispõe que “[c]onstituem receitas dos municípios: c) A parcela do produto do imposto único de circulação que caiba aos municípios, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho”.
5.7. Em todo o caso, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, “[o] regime fiscal aplicável às entidades referidas no artigo 8º é o previsto na legislação relativa à zona franca da Madeira”, acrescentando o número 2 do mesmo artigo que o “regime referido no número anterior aplica-se também aos navios registados no MAR”.
5.8. Nos termos do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho “[a]s empresas instaladas na zona franca da Madeira gozam dos seguintes benefícios fiscais: Isenção de taxas e impostos locais;”
5.9. Ora, sem prejuízo de o artigo 3.º, n.º 1, alínea b) da LGT distinguir entre tributos “estaduais, regionais e locais”, o referido diploma não apresenta um critério distintivo que permita identificar cada um dos três.”
Desta feita, a doutrina tem vindo a trabalhar os referidos conceitos sem que, contudo, seja unânime quanto ao critério que permite distinguir, em particular, um imposto estadual de um imposto local. Os critérios mais frequentemente apontados pela doutrina são o critério da administração do tributo e o critério da titularidade da receita.
Neste sentido, SUZANA TAVARES DA SILVA refere que “[e]sta distinção radica na titularidade activa da relação jurídica fiscal e através dela pretende-se destacar que nem toda a receita dos impostos é destinada aos «cofres gerais do Estado». Com efeito a par dos impostos estaduais, aqueles cuja titularidade do crédito do imposto pertence ao Estado, sobressaem, a jusante do Estado, os impostos regionais e municipais, e a montante deste, os impostos europeus e internacionais.
A doutrina não é unânime quanto ao recorte a dar a esta classificação. Alguns autores sublinham que o facto de as operações de lançamento, liquidação e cobrança dos impostos serem efectuadas pelos serviços da Administração Fiscal (ex. art. 113.º do CIMI), não obstante a titularidade municipal da respectiva receita (ex. art. 1.º do CIMI), não é suficiente para que se possa falar em imposto municipal, o que só poderá acontecer quando os municípios optarem por promover a respectiva liquidação e cobrança nos termos do disposto no art. 13.º/2 da Lei das Finanças Locais (Casalta Nabais: 2012, pp. 78). Já outros autores atentam apenas no sujeito activo da relação do imposto, independentemente de quem procede à respectiva gestão, tendendo assim a classificar o imposto como municipal, desde que a lei estabeleça uma entidade diferente do Estado como o sujeito activo da respectiva relação de imposto.” (SUZANA TAVARES DA SILVA, Direito Fiscal – Teoria Geral, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013, p. 43).
Certo é que, também a legislação Portuguesa parece apresentar alguma flutuação quanto aos critérios utilizados.
5.14. Veja-se, por exemplo, que enquanto o Decreto Legislativo Regional n.º 27/2008/M, de 3 de Julho, que “[a]prova a adaptação orgânica e funcional da legislação fiscal nacional à Região Autónoma da Madeira” apenas qualifica como “Impostos locais” o Imposto Municipal sobre Imóveis e o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (veja-se Secção II do referido Decreto Legislativo Regional), o Orçamento do Estado inclui o IUC no capítulo dos impostos locais (cf. Orçamento do Estado para 2019, aprovado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro).(…)
27. Retornando ao caso dos presentes autos, verifica-se que, mais do que qualificar um imposto como local ou estadual, importa ter bem presente os termos em que a alegada isenção se encontra prevista na lei. Ora, a isenção não foi estabelecida para impostos locais em abstrato, exigindo, outrossim, uma ligação a uma determinada receita da qual se é titular. E, no caso concreto, o titular da receita é o município de residência do sujeito passivo, i.e., o município de Ovar, e não o município ou região onde a embarcação se encontra registada, pelo que o Requerente não poderá beneficiar da isenção.
A este propósito, NUNO SÁ GOMES afirma, dando como exemplo os benefícios fiscais concedidos às Zonas Francas da Madeira e da Ilha de Santa Maria, que: “de harmonia com o âmbito de aplicação territorial dos impostos em que se inscrevem, os benefícios fiscais têm, paralelamente, âmbito nacional, continental, regional ou local.” [1]
28. Posto isto, ponderado o disposto no artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, e a sua interpretação em conformidade com o princípio da uniformização do sistema jurídico tributário nacional, este é o entendimento mais adequado.
Mas, acresce ainda um outro argumento relevante, e que se prende com o sentido e alcance do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.
Com efeito, decorre, desde logo, do preâmbulo do diploma que “o Governo propôs e obteve da Assembleia da República autorização legislativa para rever os benefícios fiscais a conceder às empresas que se instalem nas zonas francas já criadas, o que ora se faz, em conjugação com outros benefícios cuja atribuição visa iguais propósitos. (sublinhado nosso)
(…)
Na concepção do esquema de incentivos agora consagrado teve-se já em consagração o atraso económico de ajuda à instalação de empresas definido em termos compatíveis com o disposto no n.º 3 do artigo 92º do Tratado de Roma e vocacionado para o desenvolvimento regional e para a melhoria das condições de concorrência por parte das empresas que se instalem na zona franca da Madeira (…)” (sublinhados e negritos nossos),
Ora, atendendo ao escopo definido pelo legislador, exposto de forma clara e sem margem para dúvida no excerto supratranscrito, mal se poderia compreender que a isenção de UC abrangesse Embarcações de recreio propriedade de empresas não sediadas na Zona Franca da madeira. E, o certo é que, no caso concreto em apreciação, a Requerente não preenche um dos pressupostos essenciais para poder beneficiar da alegada isenção, já que não se encontra sediada na Região Autónoma da Madeira.
De resto, note-se que o objetivo exposto no referido diploma legal, é claro ao enunciar, no seu artigo 1.º, que para “promoção e captação de investimentos na zona franca da Madeira poderão ser concedidos benefícios fiscais e financeiros de âmbito regional, (…)” (sublinhado nosso)
Também nos termos do artigo 2.º do referido diploma legal “os incentivos a conceder para promover e captar investimentos na zona franca da Madeira serão definidos pelo Governo Regional, tendo em conta, designadamente, o seu contributo para o desenvolvimento económico e social da Região e os recursos de que o Governo Regional possa dispor para o efeito”
29. Por outro lado, o próprio artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, aplica-se às “empresas instaladas na zona franca da Madeira (…)”, o que confirma a territorialidade da isenção e nos leva a concluir, sem necessidade de mais desenvolvimentos, que a Requerente não cumpre este pressuposto legal, pelo que não beneficia da isenção que alega como fundamento do presente pedido arbitral.
30. Por último, de notar que, do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, resulta que o RINM-MAR foi criado tendo em vista a “competição internacional no sector da marinha de comércio” procurando-se “estancar os processos de saída de navios do registo principal para registos de conveniência, assim como atrair alguns novos armadores e navios aos novos registos, oferecendo a estes condições de custos semelhantes às dos registos mais competitivos”, tendo em consideração que a “marinha de comércio, pelo seu carácter verdadeiro e inteiramente internacional, reveste características muito especiais, dado que o essencial da actividade se desenvolve normalmente em águas internacionais ou de países diferentes dos de registo”.
31. Ora, face à declaração de objetivos acima transcrita, não se vê que as Embarcações de recreio tenham possam ser abrangidas pelo escopo da consagrada isenção, exceto se afetas à atividade económica da empresa proprietária, quando esta esteja sediada na Região Autónoma. Acresce que, a limitação da isenção (que não abrange embarcações de recreio da propriedade de residentes no continente) decorre, desde logo, da referência expressa à marinha de comércio e ao exercício desta atividade, bem distinta do uso de embarcações de recreio. A realidade e atividade da marinha de comércio é, conforme decorre do preâmbulo, acima transcrito, dotada de algumas especificidades.
32. A este propósito, transcreve-se parte da decisão proferida no processo arbitral nº 665/2017-T, já supracitado, à qual se adere inteiramente:
“(…) ainda que se considere aplicável o regime de isenção previsto no RINM-MAR a embarcações de recreio, por força do Decreto-Lei n.º 92/2003, de 22 de agosto, a aplicação do referido regime deve ser feita com particulares cautelas, já que o regime previsto no Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, assegura que o beneficiário da isenção tenha uma representação permanente na Região Autónoma da Madeira.
(…) Na verdade, resulta do artigo 17.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março: “[n]os casos em que se situe fora da Região Autónoma da Madeira o domicílio ou sede das entidades referidas no número anterior e que tenham por objecto a indústria de transporte marítimo ou da marinha de recreio, deverão ser cumpridos os requisitos a que aludem os n.ºs 2 e 3 do artigo 11º.”
Dispõe ainda o artigo 11.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, que “[n]os casos em que a sede social se situe fora da Região Autónoma da Madeira devem aquelas entidades dispor localmente de sucursal, delegação, agência ou qualquer outra forma de representação, dotada de todos os poderes necessários para, perante as autoridades do Estado ou da Região Autónoma da Madeira e perante terceiros, assegurar uma representação plena, com escolha de domicílio particular para o efeito.”
(…)
Destaca-se ainda que a ligação da isenção a uma determinada área territorial sai reforçada pelo próprio artigo 15.º do referido regime que traça essa ligação (entre poder tributário e território): “Os municípios dispõem de poderes tributários relativamente a impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nomeadamente:
(…)
b) Possibilidade de liquidação e cobrança dos impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nos termos a definir por diploma próprio;
c) Possibilidade de cobrança coerciva de impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nos termos a definir por diploma próprio;
d) Concessão de isenções e benefícios fiscais, nos termos do n.º 2 do artigo seguinte;
e) Compensação pela concessão de benefícios fiscais relativos a impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, por parte do Governo, nos termos do n.º 4 do artigo seguinte;
f) Outros poderes previstos em legislação tributária.” (sublinhados e negritos nossos).
(…)
Acresce, nos termos do artigo 16.º, n.º 2 do mesmo regime, que “[a] assembleia municipal, mediante proposta da câmara municipal, aprova regulamento contendo os critérios e condições para o reconhecimento de isenções totais ou parciais, objetivas ou subjetivas, relativamente aos impostos e outros tributos próprios.”.
A própria alínea b) do n.º 8 do artigo 5.º do Código do IUC efetua uma ligação entre isenção e território, referindo que: “[e]stão isentos de 50% do imposto os seguintes veículos: os veículos das categorias C e D que efetuem transporte exclusivamente na área territorial de uma região autónoma.”.
Assim, sem prejuízo de nem o artigo 24.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, nem a alínea d) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, fazerem restrições quanto ao âmbito de aplicação territorial, da leitura conjugada dos referidos Decretos-Leis, bem como do Código do IUC e do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, resulta que não serão isentos impostos locais da titularidade de municípios do continente.”
33. Por tudo o que vem exposto, a resposta à questão de saber se a Embarcação da Requerente está ou não isenta de IUC, só pode ser negativa. Ou seja, considera-se que a isenção prevista no artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, não é aplicável no caso concreto, pois não estamos perante uma empresa sediada na Região Autónoma da Madeira, sendo de manter as liquidações oficiosas de IUC impugnadas nos presentes autos.
Dito de outro modo, a Requerente não cumpre um dos pressupostos legais para a isenção, pelo que tem de improceder o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IUC aqui impugnadas, as quais devem manter-se na ordem jurídica, por não enfermarem de qualquer ilegalidade, nos termos e com os fundamentos supra expostos.
V. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:
-
Considerar procedente a exceção de incompetência do Tribunal arbitral quanto à impugnação das coimas aplicadas;
-
Considerar totalmente improcedente os pedidos deduzidos pela Requerente, mantendo as liquidações de IUC impugnadas;
c) Condenar a Requerente no pagamento das custas arbitrais devidas.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 19.141,09 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. CUSTAS
Nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi 29.º, n.º 1, e) do RJAT, estabelece que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Em face do exposto deve a Requerente ser condenada em custas.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 5º do citado Regulamento, a pagar pela parte vencida.
Notifique.
Lisboa, 20 - 04 - 2019
O Tribunal Arbitral Singular,
(Maria do Rosário Anjos)
[1] Neste sentido, cfr.: NUNO SÁ GOMES, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 165, Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1991, p. 140.