Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 385/2018-T
Data da decisão: 2019-04-03  IRC  
Valor do pedido: € 82.034,82
Tema: IRC – SGPS. Artigo 23.º do Código do IRC. Artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Encargos financeiros. Prestações suplementares e prestações acessórias.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dra. Sofia Ricardo Borges (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

1. No dia 14 de agosto de 2018, a sociedade comercial A... SGPS, S. A., NIPC..., com sede na ..., Espinho (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação:

- da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., que teve por objeto a liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao ano de 2013, a respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e a correspetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., da qual resultou um montante total a pagar de € 74.225,10;

- da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao ano de 2013, da respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e da correspetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., da qual resultou um montante total a pagar de € 74.225,10.

A Requerente juntou 16 (dezasseis) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outros meios de prova. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

No essencial, a Requerente alega vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação, nuclearmente, das normas constantes dos artigos 23.º do CIRC e 32.º, n.º 2, do EBF e a consequente anulabilidade da decisão de indeferimento da sobredita reclamação graciosa e dos referidos atos tributários.

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente aduziu, essencialmente, as seguintes razões de facto e de direito:

A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades, tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, sendo que, enquanto acionista, realizou em algumas das sociedades por si participadas, nos termos previstos nos respetivos pactos sociais, entradas a título de prestações acessórias, em dinheiro, sem juros e sem prazo de reembolso.

Concretamente, a Requerente fez à sociedade sua participada “B..., S. A.”, na sequência de deliberações da Assembleia Geral, ao longo dos anos, prestações acessórias que ascenderam ao montante total de € 7.500.000,00.

Em julho de 2011, essa mesma sociedade, por deliberação da Assembleia Geral, restituiu à Requerente a quantia de € 6.000.000,00, tendo as prestações acessórias ficado reduzidas ao montante de € 1.500.000,00 (a restituição observou o disposto no artigo 213.º do CSC e, após a mesma, a situação líquida da sociedade não ficou inferior à soma do capital e da reserva legal).

Por outro lado, a Requerente fez às sociedades suas participadas “C...” e “D..., S. A.”, na sequência de deliberações da Assembleia Geral, ao longo dos anos, prestações acessórias que, por efeito da fusão por incorporação, ocorrida em 2010, atingiram, em termos consolidados, o montante global total de € 12.900.000,00 na sociedade incorporante, a “D..., S. A.”.

Em julho de 2011, a sociedade “D..., S. A.”, por deliberação da Assembleia Geral, restituiu à Requerente a quantia de € 10.000.000,00, ficando as prestações acessórias reduzidas ao montante de € 2.900.000,00 (a restituição observou o disposto no artigo 213.º do CSC e, após a mesma, a situação líquida da sociedade não ficou inferior à soma do capital e da reserva legal).

Ademais, a Requerente fez à sociedade sua participada “E..., S. A.”, na sequência de deliberações da Assembleia Geral, ao longo dos anos, prestações acessórias que atingiram o montante total de € 2.000.000,00.

Essa mesma sociedade não efetuou a restituição, total ou parcial, das prestações acessórias realizadas pela Requerente.

Ainda, a Requerente fez à sociedade sua participada “F..., S. A.”, na sequência de deliberações da Assembleia Geral, ao longo dos anos, prestações acessórias que ascenderam ao montante total de € 500.000,00. 

 A sociedade “F..., S. A.” não efetuou a restituição, total ou parcial, das prestações acessórias realizadas pela Requerente.

A Requerente foi alvo de uma ação inspetiva externa, tendo como âmbito o IRC do exercício de 2013, em consequência da qual a AT corrigiu o resultado fiscal apurado pela Requerente na sua declaração Modelo 22 e consequentemente na declaração consolidada do Grupo, desconsiderando para efeitos fiscais parte dos encargos financeiros suportados no exercício, no montante total de € 265.661,55, sendo: a quantia de € 221.108,95, ao abrigo do disposto no artigo 23.° do CIRC, com o fundamento na não indispensabilidade à produção dos rendimentos ou à manutenção da fonte produtora e a quantia de € 44.552,60 com fundamento no n.° 2 do artigo 32.° do EBF.

Os encargos financeiros não aceites para efeitos fiscais respeitam aos empréstimos contratados para financiar as prestações acessórias realizadas às sociedades “B... S.A.” e “D..., S.A.”, sendo que os encargos suportados com os empréstimos contratados para financiar as prestações acessórias realizadas às sociedades “F..., S. A.” e “E..., S. A.”, foram aceites para efeitos fiscais.

Deste modo, a Requerente conclui que foi a restituição das prestações acessórias que fundamentou o diferente tratamento fiscal que a AT deu aos encargos financeiros imputados aos financiamentos gratuitos efetuados pela Requerente às sociedades participadas a título de prestações acessórias; com efeito, se as prestações acessórias realizadas pela Requerente às sociedades participadas seguem o regime legal das prestações suplementares e não geraram quaisquer influxos, o tratamento desigual por parte da AT foi determinado pela deliberação da restituição, por parte das sociedades “B... S.A.” e “D..., S.A.”, de parte das prestações acessórias de que foram beneficiárias.  

Não obstante ser essencialmente igual, o regime das prestações acessórias efetuadas pela Requerente a todas as sociedades suas participadas, a AT entendeu tratar de modo desigual as prestações acessórias de capital realizadas às sociedades “B... S.A.” e “D..., S.A.”; por isso, segundo a Requerente, a AT violou o princípio constitucional da igualdade o que constitui um vício invalidante do ato tributário. A Requerente acrescenta que sendo pacífico que as prestações acessórias com o regime das prestações suplementares são componentes do capital próprio da entidade beneficiária e a sua restituição, verificados que sejam os pressupostos de que depende, não afeta a sua qualificação jurídico-tributária e sendo que a deliberação de restituição não afeta a qualificação jurídica das prestações acessórias como partes do capital próprio, o tratamento desigual aplicado às prestações acessórias efetuadas às sociedades “B... S.A.” e “D..., S.A.” é ilegal por violação, entre outros, dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da boa fé e da igualdade.  

Noutra ordem de considerações, a Requerente propugna que in casu devem ser aceites como custo fiscal, nos termos do artigo 23.º do CIRC, para efeitos de apuramento do lucro tributável, os encargos financeiros suportados com os financiamentos onerosos utilizados para a realização de prestações acessórias gratuitas que seguem o regime jurídico das prestações suplementares.

A este propósito, a Requerente começa por dizer que os custos ou perdas da empresa constituem os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora da empresa em causa. Assim, segundo a Requerente, a noção de atividade económica ou de interesse social revela-se o traço determinante na admissibilidade dos gastos, quando aferida pelo artigo 23.º do CIRC; sendo que se a AT duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus da prova de que tal operação se insere no respetivo escopo societário.

            Acrescenta a Requerente que a SGPS no exercício da sua atividade própria, administra e toma decisões referentes a um ativo financeiro, que decorre da participação que detém, o que confere às suas decisões, enquanto participante, o qualificativo de uma atividade própria, inerente ao seu escopo social: a gestão de tal participação; tal gestão pode envolver operações de financiamento que fazem parte da atividade da sociedade participante, sendo que a sociedade participada não é um ente estranho à atividade e interesses da participante.

            Assim, conclui a Requerente, os encargos financeiros incorridos com capitais obtidos e posteriormente aportados à sociedade participada, são no interesse da participante, numa consequência direta da sua atividade de gestão de um ativo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento.   

            Ademais, a Requerente preconiza que da letra do n.º 2 do artigo 32.º do EBF resulta que não concorrem para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com financiamentos utilizados para a aquisição das participações sociais, pelo que, os encargos financeiros suportados com empréstimos contraídos para o desenvolvimento da sua atividade, incluindo para financiar outras componentes de capitais próprios das sociedades participadas e empréstimos efetuados a título de suprimentos ou outros, constituem encargo fiscal que deve ser considerado para determinação do lucro tributável do respetivo período.

            Ainda quanto a essa norma do EBF, a Requerente alega que é pressuposto da respetiva aplicação a prova de que as partes de capital detidas pela SGPS foram adquiridas com recurso a capitais alheios, o que não foi o caso dos autos. Com efeito, diz a Requerente que não recorreu a financiamentos remunerados para adquirir partes de capital por si detidas, pelo que não suportou quaisquer encargos com a sua aquisição; por isso, não há lugar à aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, ou seja, em 2013, não suportou encargos financeiros que não devam ser considerados como custos fiscais.

            Acresce que a aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, só tem lugar quando as participações sociais foram adquiridas com recurso a financiamento externo; ora, se o financiamento é através do capital social ou do crédito dos sócios, não há lugar a essa aplicação. 

 

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 17 de agosto de 2018.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 1 de outubro de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 22 de outubro de 2018.

 

3. No dia 26 de novembro de 2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:

Segundo a AT, os financiamentos não remunerados efetuados pela Requerente às participadas, sob a forma de prestações acessórias, no ano de 2013, não seguem a figura das prestações suplementares porquanto em períodos anteriores assistiu-se à restituição de alguns valores, não sendo esta restituição em anos anteriores matéria controvertida.

Relativamente à dedutibilidade de encargos com financiamentos não remunerados (prestações acessórias que não seguem a figura das prestações suplementares),a AT sustenta que o seu enquadramento jurídico-tributário, para efeitos da dedutibilidade fiscal prevista no artigo 23.º do CIRC, não pode ignorar que as sociedades participadas têm personalidade jurídica própria e que, independentemente do RETGS, os encargos em causa não são imputáveis à sociedade dominante para efeitos de cálculo do seu lucro tributável. Assim apesar de a Requerente ser uma SGPS, o seu interesse no financiamento é sempre um interesse indireto, até porque o seu objeto social não compreende a concessão de financiamento às participadas, realidade económica que não pode ser confundida com a atividade de gestão de participações sociais.

Acresce que, no que respeitante ao artigo 23.º do CIRC, a indispensabilidade entre gastos e rendimentos afere-se num sentido económico, ou seja, os gastos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo e no exercício da sua atividade concreta; alternativamente, conexiona-se com a manutenção da fonte produtora, no sentido d e uma ligação económica entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade e sua atividade.

Relativamente à aquisição de partes de capital pela Requerente, a AT afirma que, no ano de 2013, ascendeu a € 3.000,00, ao qual terá de ser acrescida a importância de € 2.500.000,00, referente a prestações acessórias constituídas junto das sociedades participadas “E..., S. A.” e “F..., S. A.”, em virtude de se ter considerado que estas prestações assumiam a natureza de quase capital; foi isto mesmo que motivou a correção efetuada quanto ao valor dos encargos financeiros fiscalmente não dedutíveis, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

A Requerida não requereu a produção de prova, tendo posteriormente procedido à junção do processo administrativo (doravante, PA) aos autos.

 

4. Em 29 de novembro de 2018, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a fixar prazo para a apresentação de alegações e a determinar, como data limite para a prolação da decisão arbitral, o dia 22 de abril de 2019.

Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.    

***

            II. Saneamento

5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. Fundamentação

III.1. De Facto

§1. Factos Provados

6. Consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), sujeita ao regime jurídico do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, tendo por objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas. [cf. documentos n.ºs 3 e 10 anexos ao pedido de pronúncia arbitral]

b) A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades, tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), nos termos dos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, o qual, em 2013, integrava como sociedades dominadas as seguintes entidades [cf. Relatório de Inspeção Tributária (RIT) constante do PA]:

Designação

NIF

% de participação

E..., S. A.

...

100%

F..., S. A.

...

100%

G..., S. A.

...

100%

B..., S. A.

...

100%

D..., S. A.

...

100%

H..., S. A.

...

100%

 

            c) As participações sociais detidas pela Requerente em 31.12.2012 e em 31.12.2013 eram as seguintes [cf. RIT constante do PA]:

Designação

2012

2013

Var 13/12

G..., S. A.

3.174.853,08

3.174.853,08

0,00

B..., S. A.

839.566,65

839.566,65

0,00

E..., S. A.

313.286,88

313.286,88

0,00

F..., S. A.

301.568,90

301.568,90

0,00

D..., S. A.

6.030.000,00

6.030.000,00

0,00

H..., S. A.

3.000.000,00

3.000.000,00

0,00

I..., Lda.

0,00

1.000,00

1.000,00

J..., Lda.

0,00

1.000,00

1.000,00

K..., Lda.

0,00

1.000,00

1.000,00

 

d) As participações sociais detidas pela Requerente nas sociedades “G..., S. A.”, “B..., S. A.”, “F..., S. A.” e “E..., S. A.” foram parcialmente adquiridas, em 2000, como contrapartida da realização do capital subscrito pelos sócios (entradas em espécie). [cf. documento n.º 10 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]

            e) A compra de 50% do capital social da sociedade “B..., S. A.”, efetuada pela Requerente em 2003, foi paga em prestações, por meio dos cheques indicados no documento n.º 16 anexo ao pedido de pronúncia arbitral e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

            f) No período compreendido entre 2004 e 2009, a Requerente adquiriu a sócios outras participações sociais nas sociedades “D..., S. A.”, “C..., S. A.” e “H..., S. A.”, sendo os preços de aquisição registados a crédito na conta POC 255. [cf. documentos n.ºs 11 a 15 anexos ao pedido de pronúncia arbitral]

g) Na prossecução da sua atividade e no âmbito da gestão partilhada de meios financeiros que vigora no aludido grupo de empresas, a Requerente financia as suas participadas sob a forma de empréstimos com características de suprimentos e ainda sob a forma de prestações acessórias efetuadas segundo o regime das prestações suplementares, do seguinte modo [cf. RIT constante do PA]:

  • Suprimentos: ativos registados em subcontas da conta 4113 – Empréstimos Concedidos a Subsidiárias, cujo saldo ascendia a € 6.614.493,01 em 01.01.2013 e a € 6.385.657,88 em 31.12.2013, e em subcontas da conta 4142 – Empréstimos Concedidos a Outras Empresas, cujo saldo se cifrava em € 4.793.788,18 em 01.01.2013 e em € 5.229.238,18 em 31.12.2013;
  • Prestações Acessórias: ativos registados em subcontas da conta 41113 – Participações de Capital – Prestações Acessórias que evidenciam um saldo de € 6.900.000,00 entre 01.01.2013 e 31.12.2013.

h) As preditas prestações acessórias efetuadas pela Requerente em algumas das sociedades participadas, nos termos dos respetivos pactos sociais, constituem ativos não remunerados – dado que sobre as mesmas não foram cobrados quaisquer juros – e sem prazo de reembolso, as quais, por referência ao ano de 2013, se resumem da seguinte forma [cf. RIT constante do PA]:

Rubrica

Conta

Saldo em 01.01.2013

Débitos em 2013

Créditos em 2013

Saldo em 31.12.2013

Prestações acessórias

41113

6.900.000,00

0,00

0,00

6.900.000,00

B..., S. A.

4111302

1.500.000,00

0,00

0,00

1.500.000,00

E..., S. A.

4111303

2.000.000,00

0,00

0,00

2.000.000,00

F..., S. A.

4111304

500.000,00

0,00

0,00

500.000,00

D..., S. A.

4111305

2.900.000,00

0,00

0,00

2.900.000,00

Ativos não remunerados totais

6.900.000,00

0,00

0,00

6.900.000,00

 

            i) A Requerente efetuou à sociedade participada “B..., S. A.”, na sequência das deliberações da Assembleia Geral, tomadas nos termos e com os limites previstos no pacto social, ao longo dos anos, prestações acessórias que atingiram o montante total de € 7.500.000,00. [cf. RIT constante do PA e documento n.º 6 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]

            j) Em 2 de julho de 2011, o Conselho de Administração da sociedade “B..., S. A.” deliberou a restituição de prestações acessórias à Requerente, no valor de € 6.000.000,00, tendo as mesmas ficado reduzidas ao montante de € 1.500.000,00. [cf. RIT constante do PA e documento n.º 6 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]

k) No exercício de 2011, após a aludida restituição de prestações acessórias, o capital próprio da sociedade “B..., S. A.” era de € 5.440.012,20 e a soma do capital social e da reserva legal era de € 780.000,00. [cf. documento n.º 7 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]  

            l) A Requerente efetuou às sociedades participadas “C..., S. A.” e “D..., S. A.”, na sequência das deliberações da Assembleia Geral, tomadas nos termos e com os limites previstos nos respetivos pactos sociais, ao longo dos anos, prestações acessórias que atingiram o montante total de € 12.900.000,00, o qual – por efeito da fusão por incorporação que teve lugar em 2010 e que se consubstanciou na incorporação da “D..., S. A.” na “C..., S. A.”, tendo esta adotado a denominação social da sociedade que incorporou, a “D..., S. A.” – foi consolidado na sociedade “D..., S. A.”. [cf. RIT constante do PA e documento n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]

m) Em 2 de julho de 2011, o Conselho de Administração da sociedade “D..., S. A.” deliberou a restituição de prestações acessórias à Requerente, no valor de € 10.000.000,00, tendo as mesmas ficado reduzidas ao montante de € 2.900.000,00. [cf. RIT constante do PA e documento n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]

n) No exercício de 2011, após a aludida restituição de prestações acessórias, o capital próprio da sociedade “D..., S. A.” era de € 7.047.169,44 e a soma do capital social e da reserva legal era de € 1.115.000,00. [cf. documento n.º 9 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]  

o) A Requerente efetuou à sociedade participada “E..., S. A.”, na sequência das deliberações da Assembleia Geral, tomadas nos termos e com os limites previstos no pacto social, ao longo dos anos, prestações acessórias que atingiram o montante total de € 2.000.000,00. [cf. RIT constante do PA]

p) A sociedade “E..., S. A.” não efetuou a restituição, no todo ou em parte, das ditas prestações acessórias realizadas pela Requerente, sendo que na Assembleia Geral daquela empresa, realizada em 22 de dezembro de 2010, o legal representante da Requerente ali presente declarou “formalmente a vontade da A..., SGPS, S.A. não vir a exigir o reembolso das referidas Prestações Acessórias enquanto a Sociedade se mantiver a operar numa lógica de continuidade dos negócios”. [cf. RIT constante do PA]  

q) A Requerente efetuou à sociedade participada “F..., S. A.”, na sequência das deliberações da Assembleia Geral, tomadas nos termos e com os limites previstos no pacto social, ao longo dos anos, prestações acessórias que atingiram o montante total de € 500.000,00. [cf. RIT constante do PA]

r) A sociedade “F..., S. A.” não efetuou a restituição, no todo ou em parte, das ditas prestações acessórias realizadas pela Requerente, sendo que na Assembleia Geral daquela empresa, realizada em 22 de dezembro de 2010, o legal representante da Requerente ali presente declarou “formalmente a vontade da A..., SGPS, S.A. não vir a exigir o reembolso das referidas Prestações Acessórias enquanto a Sociedade se mantiver a operar numa lógica de continuidade dos negócios”. [cf. RIT constante do PA]  

s) As restituições de prestações acessórias por parte das sociedades participadas da Requerente, “B..., S. A.” e “D..., S. A.”, supra referidas nos factos provados j) e m), foram operadas por encontro de contas com financiamentos remunerados concedidos por essas participadas à Requerente (através da conta de financiamentos concedidos pela Requerente às participadas), tendo tido como contrapartida a liquidação de débitos nos mesmos montantes da Requerente para com essas participadas. [cf. RIT constante do PA]    

t) Relativamente ao exercício de 2013, a Requerente apresentou tempestivamente as declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC, referentes a si e, enquanto sociedade dominante, ao sobredito grupo de sociedades, as quais constam dos documentos n.ºs 4 e 5 anexos ao pedido de pronúncia arbitral e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

u) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2016..., a Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva externa, de âmbito geral, com referência ao período de tributação de 2013, tendo esse procedimento inspetivo sido aberto em resultado de proposta de análise externa da reclamação graciosa da autoliquidação de IRC do exercício de 2013, apresentada pela Requerente, alegando que, para efeitos do apuramento do resultado tributável daquele ano, acresceu no quadro 07 da respetiva declaração de rendimentos Modelo 22, o montante dos encargos financeiros não aceites fiscalmente, conforme disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, que apurou de acordo com a Circular 7/2004, no montante errado de € 842.613,80. [cf. RIT constante do PA]

v) Nessa sequência, foi elaborado o respetivo Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foram propostas as seguintes correções em sede de IRC, com os fundamentos ali vertidos, designadamente os constantes dos respetivos capítulos III.1.2 (Encargos financeiros desconsiderados, relacionados com empréstimos a participadas não remunerados), III.1.3 (A tributação dos encargos financeiros nas SGPS) e III.1.4 (Encargos financeiros não dedutíveis, afetos à aquisição de participações sociais) [cf. PA]:

 

2013

Resultado líquido do exercício

€ 82.674,99

Resultado tributável declarado

(€ 564.141,45)

Correções propostas Cap. III.1.2

€ 221.108,95

Correções propostas Cap. III.1.4

€ 44.552,60

Total das correções propostas

€ 265.661,55

Resultado tributável corrigido

(€ 298.479,90)

 

            w) A Requerente foi notificada, através do ofício n.º ... de 19.04.2017, remetido por correio registado (registo CTT RD ... PT), do predito Projeto de Relatório de Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o direito de audição prévia, o que fez nos termos constantes do Anexo 19 ao RIT e que aqui se dá por inteiramente reproduzido. [cf. RIT constante do PA]

x) A Requerente foi notificada, através do ofício n.º... de 23.05.2017, remetido por correio registado (registo CTT RD ... PT) com aviso de receção, do Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, do qual resultaram as correções em sede de IRC, atinentes ao exercício de 2013, supra enunciadas no facto provado v), com a seguinte fundamentação que aqui reproduzimos nas partes mais significativas [cf. RIT constante do PA]:      

III.1.2 ENCARGOS FINANCEIROS DESCONSIDERADOS, RELACIONADOS COM EMPRÉSTIMOS A PARTICIPADAS NÃO REMUNERADOS

Conforme descrito no capítulo III.1.1 do presente Relatório, a A... SGPS financia várias sociedades em que participa, sem que lhes debite quaisquer gastos associados a esses financiamentos (designadamente juros).

No quadro que se segue identificam-se os financiamentos não remunerados efetuados às participadas, sob a forma de prestações acessórias, no ano de 2013, as quais não seguem a figura das prestações suplementares (porquanto em períodos anteriores se assistiu à restituição de alguns valores). Saliente-se que os saldos destas contas 41113 se mantiveram inalterados durante este exercício económico:

Rubrica

Conta

Saldo em

01-01-2013

Saldo em

31-12-2013

Prestações acessórias

41113

4.400.000,00

4.400.000,00

B..., SA

4111302

1.500.000,00

1.500.000,00

D..., SA

4111305

2.900.000,00

2.900.000,00

Financiamentos não remunerados

4.400.000,00

4.400.000 00

Por sua vez, os empréstimos obtidos, quer junto da banca, quer junto de algumas das participadas, são remunerados, porquanto geraram gastos de financiamento. (…)

DEDUTIBILIDADE FISCAL DOS ENCARGOS FINANCEIROS SUPORTADOS COM FINANCIAMENTOS NÃO REMUNERADOS ÀS PARTICIPADAS

Depois de examinada a contabilidade, bem como os respetivos documentos de suporte, concluiu-se que a A... SGPS, ao efetuar empréstimos, sob a forma de prestações acessórias, às sociedades identificadas nos quadros acima, sem debitar quaisquer juros ou encargos, incorre em gastos financeiros, os quais não estão relacionados com a sua atividade, mas sim com a atividade das sociedades participadas em questão.

De facto, decorrente desta prática, a A... SGPS vê os seus resultados subtraídos, por força da assunção de gastos financeiros, os quais deveriam ser suportados pelas suas participadas e não pela A... SGPS.

Pelo exposto, nos termos do n.o 1 do artigo 23.0 do CIRC, conclui-se que parte dos gastos financeiros suportados pela A... SGPS são comprovadamente dispensáveis para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto, bem como para a manutenção da sua fonte produtora.

Acresce ainda referir que, pese embora o objeto social da A... SGPS englobe a gestão de participações sociais, facto é que, parte dos encargos financeiros relativos a empréstimos obtidos junto das participadas, bem como da Banca, foram aplicados na atividade económica de outras sociedades, onde os efeitos dessa aplicação de capital se vão verificar (os ganhos resultantes da aplicação das prestações acessórias recebidas sem qualquer encargo vão ser reconhecidos naquelas sociedades e não na A... SGPS).

Ora, pelo exposto se constata que, parte dos gastos de financiamento incorridos pela A... SGPS constituem um encargo dispensável à manutenção da sua fonte produtora, pois, não geraram qualquer influxo direto, mensurável e evidente no exercício da atividade da A... SGPS. (…)

Isto implica o estudo do conceito de "indispensabilidade dos custos" a que alude o artigo 23.0 do CIRC: a questão fulcral será saber se os encargos financeiros cuja dedutibilidade fiscal se controverte têm potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos ou a manutenção da fonte produtora da A... SGPS, tendo-se concluído que parte dos gastos financeiros suportados pela A... SGPS são dispensáveis para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto, bem como para a manutenção da sua fonte produtora: ao efetuar empréstimos (sob a forma de prestações acessórias) às suas participadas sem debitar quaisquer juros ou encargos, incorre em gastos financeiros, os quais não estão relacionados com a sua atividade mas sim com a atividade das sociedades participadas em questão.

Pese embora o objeto social da A... SGPS englobe a gestão de participações sociais, facto é que, parte dos encargos financeiros relativos a empréstimos obtidos foram aplicados na atividade económica de outras sociedades, nas quais os ganhos resultantes da aplicação das prestações acessórias recebidas sem qualquer encargo, vão ser reconhecidos.

Acresce ainda referir que as SGPS são constituídas com o objetivo de intervir na gestão e controlo das suas participadas, exercendo desta forma os direitos sociais inerentes às respetivas participações sociais, de modo a receber os respetivos lucros ou dividendos, bem como os rendimentos resultantes de eventuais alienações daquelas participações sociais.

Também é certo que a alínea c) do n.o 1 do art. 5.0 do Decreto-Lei n.º 495/88 enuncia em primeira mão como princípio geral, a proibição de as SGPS concederem crédito, estabelecendo contudo exceções a esta regra em determinadas condições, permitindo àquelas entidades conceder crédito às sociedades dominadas.

Não obstante ser dada às SGPS a faculdade de poderem conceder crédito a sociedades em que participam, quando incorrem em gastos financeiros, decorrentes de empréstimos obtidos, com o objetivo de serem aplicados na atividade económica daquelas sociedades, nos termos do n.0 1 do art. 23.0 do CIRC, aqueles gastos não concorrem para a formação do resultado tributável, pelo simples facto de não geraram qualquer influxo direto, mensurável e evidente no exercício da sua atividade.

(…)

Sem pretender pôr em causa a livre iniciativa e autonomia privada ou questionar as opções gestionárias tomadas pela estrutura acionista/administração das empresas que integram o Grupo A..., há que ter em conta o correto enquadramento fiscal que deve acompanhar o interesse económico neste tipo de gestão integrada dos fluxos financeiros intra-grupo.

Dito de outro modo, não é esta prática societária que está em causa mas apenas o seu correto enquadramento fiscal no sentido de garantir a imputação direta e conexionada dos gastos com a geração dos respetivos rendimentos sujeitos a IRC ou manutenção da fonte produtora, rejeitando gastos suportados para potenciar ganhos de terceiros, ainda que repercutíveis indiretamente na esfera da contribuinte, neste caso concreto, por via das participações sociais detidas.

Repare-se que, mesmo no âmbito do RETGS aplicável, por opção, aos grupos de sociedades constituídos com base na relação de participação e demais requisitos fixados no artigo 69.º do CIRC, o lucro tributável do grupo é calculado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados de acordo com as regras gerais, por cada uma das sociedades que o integram (cf. artigo 70.0).

Ou seja, apesar do CIRC prever um regime especial de tributação destinado ao fenómeno plurisocietário (grupos de sociedades que embora mantendo a individualidade jurídica são submetidas a uma direção unitária comum), a tributação integrada do respetivo resultado tem por base o apuramento parcelar do resultado respeitante a cada sociedade individualmente considerada, de acordo com as regras gerais que se aplicam a qualquer entidade.

Donde se conclui que esta realidade económica é também reconhecida a nível fiscal, nomeadamente a nível do IRC, contudo, sem conceder no que respeita à individualização dos resultados que respeitam a cada entidade e às especificidades das relações intra-grupo com as inerentes distorções provocadas pela frequente sobreposição dos interesses do Grupo ou dos seus acionistas em relação às posições individuais das sociedades que o integram, e que presidiram à inserção de um conjunto de normas destinadas a neutralizar tais efeitos.

Não há, por conseguinte, um regime grupal para efeitos fiscais no sentido da consideração do Grupo como uma unidade fiscal, nem mesmo privatístico para as sociedades meramente controladas, aplicando-se, por via de regra, o direito comum.

Importa referir que o artigo 23.º do CIRC tem perfeita correspondência com os elementos de base ou dos quais depende o apuramento do resultado tributável em sede deste imposto, dada a sua conformação com os princípios constitucionalmente consagrados e com o modelo de dependência parcial em relação ao normativo contabilístico em vigor. Em primeiro lugar, como a CRP que estabelece, no seu artigo 104.º, n.º 2, que a tributação das empresas deve incidir fundamentalmente sobre o rendimento real. O artigo 4.º, n.º 1 da LGT, que complementa este imperativo constitucional, dispõe que "os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património"

(…)

No âmbito do IRC, o artigo 17.º, n.º 1, vem estabelecer como rendimento o lucro tributável, encarado como “a soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período (...) determinados com base na contabilidade e (...) corrigidos nos termos deste Código" Embora seja ao nível dos gastos que as correções fiscais mais se impõem, sendo o artigo 23.º a concretização do conceito de gastos e dos requisitos da dedutibilidade daqueles, na situação aqui em apreço idênticos argumentos são encontrados nos normativos citados anteriormente para impedir que uma sociedade (A... SGPS), concentre no seu resultado como parcela negativa os encargos financeiros decorrentes da utilização de capitais alheios por parte de outras entidades juridicamente distintas, pelo simples facto de serem por esta SGPS total ou parcialmente detidas e possuírem uma administração comum que assim o determinou.

A contabilidade como suporte à elaboração das demonstrações financeiras apresenta-se como um pilar fundamental donde se obtém toda a informação relativa à real situação económica e desempenho financeiro da entidade.

As demonstrações financeiras interessam a um número significativo de utilizadores para efeito de tomada de decisões, desde investidores, Estado ou qualquer outro utente que se relacione ou tenha interesses na entidade.

Por tal motivo, a sua elaboração deve respeitar o normativo contabilístico em vigor, neste caso as disposições do DL n.º 158/2009, de 13 de julho, nomeadamente, o regime geral do Sistema de Normalização Contabilística englobando, numa primeira linha, a Estrutura Conceptual e o conjunto das NCRF, conforme divulgado na IES. Só a obediência a estas regras e princípios permite nortear a forma como os registos contabilísticos são inscritos, de maneira a serem considerados fiáveis, fidedignos, rigorosos e reais. Por estas razões, a lei consagra a obrigatoriedade de as entidades disporem de contabilidade organizada (cfr. artigo 123.º do CIRC).

(…)

Também no contexto contabilístico os gastos são reconhecidos na demonstração dos resultados com base numa associação direta entre os custos incorridos e a obtenção de rendimentos específicos. Este processo, geralmente referido como o balanceamento dos gastos com réditos, envolve o reconhecimento simultâneo ou combinado de réditos e de gastos que resultem direta e conjuntamente das mesmas transações ou de outros acontecimentos.

Fiscalmente, os gastos só são aceites se devidamente comprovados e indispensáveis à obtenção de rendimentos e manutenção da fonte produtora (artigo 23.º do CIRC), e os rendimentos (noção ampla elencada no artigo 20.º a título exemplificativo) devem ser reconhecidos com base no princípio da realização (artigo 18.º do CIRC). Estão sempre em causa situações concretas e objetivamente verificáveis ou racionalmente expectáveis dentro de cada entidade individual e não conceitos obviamente intrínsecos mas insuscetíveis de representação como a otimização da cadeia de valor ou a necessidade de maximizar sinergias e economias de escala decorrentes de se pertencer a um determinado grupo económico ou derivadas de qualquer outro fator inerente ao contexto. Salienta-se que a contabilidade deve exprimir factos concretos, documentados e passiveis de serem comprovados, não sendo permitida a compensação entre rendimentos e gastos os quais devem ser expressos e relatados separadamente.

Trata-se efetivamente de entidades juridicamente distintas, não podendo ser seletivamente consideradas como tal nuns casos, e noutros como um todo numa lógica de empresa única.

(…)

No que concerne ao apuramento do IRC, é absolutamente indispensável que os fatores que o influenciam digam diretamente respeito à entidade a que se refere: sendo inequívoco que deve ser desconsiderado no apuramento do IRC qualquer fator que não lhe diga respeito ou, que respeite à atividade operacional de sociedades participadas pela SGPS em análise.

O artigo 23.º do CIRC, visando clarificar, no que respeita aos gastos, os pressupostos substantivos de incidência do IRC permite desconsiderar os encargos financeiros suportados com financiamentos obtidos e não aplicados na própria exploração, sem necessidade de recaracterizar as operações efetuadas com tais entidades relacionadas, nomeadamente quanto ao ajustamento de preços ou outras que garantam a dedutibilidade dos encargos na estrita medida da utilização em benefício próprio dos capitais mutuados.

E deste modo fica desde logo eliminada a distorção material do resultado tributável declarado pela A... SGPS associado às transações com as partes relacionadas, sem necessidade de recurso a normas de correção oficiosa como a que consta do artigo 63.º do CIRC — Preços de Transferência.

Na realidade, o que importa reter é que a A... SGPS se endividou ao longo de vários anos junto da Banca e das subsidiárias a um nível superior ao que necessitaria caso não estivesse simultaneamente, ela própria, a financiar algumas das suas participadas sem remuneração. Assim, mostra-se pertinente colocar a seguinte questão: por que não foram as próprias participadas a financiar-se diretamente junto da Banca, caso em que os encargos financeiros decorrentes seriam naturalmente dedutíveis na sua totalidade para efeitos fiscais, na sua esfera individual? Note-se que o argumento de possuir maior capacidade de negociação junto da Banca para obtenção de condições de financiamento mais favoráveis, é válido para ambas as situações — para beneficiar dessa prerrogativa, a A... SGPS não necessitaria de contrair ela própria diretamente o empréstimo, bastaria por exemplo dar o seu aval ou assumir-se como fiadora do mesmo.

(…)

ENQUADRAMENTO LEGAL

Tomando em consideração o disposto no artigo 23.0 do Código do IRC, as correções a propor obedecerão ao seguinte enquadramento legal: diz-nos o seu n.0 1 que "consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”

Dentro deste enquadramento, facilmente se depreende que os financiamentos contraídos pela A... SGPS e utilizados pelas suas participadas a custo zero (numa lógica de tesouraria de grupo), geraram, no ano de 2013, gastos na A... SGPS que não contribuíram para a realização dos rendimentos desta empresa.

CÁLCULO DO VALOR A DESCONSIDERAR COMO GASTO

Desta forma, propõe-se que os gastos financeiros contabilizados na A... SGPS sejam corrigidos no sentido de refletirem, apenas e somente, o custo efetivo do capital por si utilizado. Assim, serão desconsiderados parte dos gastos financeiros por si suportados, os quais respeitam apenas aos financiamentos não remunerados concedidos às suas participadas.

Para o efeito, a metodologia proposta é a seguinte:

1. Calcular o saldo médio de financiamento alheio mensal da empresa (junto da Banca e das participadas) durante o ano de 2013;

2. Apurar os gastos com financiamento mensais suportados no período de tributação em análise;

3. Determinar a taxa do custo efetivo mensal de financiamento alheio da A... SGPS;

4. Calcular o saldo médio de financiamento mensal não remunerado às sociedades participadas;

5. Aplicar a taxa de custo efetivo mensal do capital alheio ao valor do saldo médio de financiamento mensal não remunerado efetuado às referidas sociedades;

6. Desconsiderar como gasto fiscal os valores mensais assim determinados.

(…)

Pelo exposto, deverá ser acrescido ao Resultado Tributável declarado pelo sujeito passivo para o período de tributação de 2013 o montante de €221.108,95, respeitante a gastos financeiros não aceites para efeitos fiscais nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

III.1.3 A TRIBUTAÇÃO DOS ENCARGOS FINANCEIROS NAS SGPS

A Lei n.0 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2003), veio alterar o regime fiscal aplicável às mais-valias e às menos-valias realizadas pelas SGPS consagrado no artigo 32.0 do EBF, dispondo o n.0 2 deste preceito que "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades"

Numa ótica de reforço da competitividade dessas sociedades, esta alteração seguiu a tendência comum à maioria dos países membros da União Europeia, excluindo da tributação as mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas há mais de um ano, e não considerando dedutíveis para efeitos fiscais nem as perdas sofridas em virtude da alienação de partes sociais em idênticas condições, nem os encargos financeiros suportados para a aquisição de ativos da mesma natureza (n.02 do art. 32.0 do EBF),

A desconsideração como gastos dos encargos financeiros para efeitos da determinação do lucro tributável, consagrada no n.0 2 do artigo 32.0 do EBF, consubstancia o princípio geral da indispensabilidade dos gastos, segundo o qual a dedução fiscal dos gastos é condicionada à sua conexão com a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto. Deste princípio resulta que "se determinados CUSTOS estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto, não são fiscalmente dedutíveis”.

Também, no artigo 23.0 do Código do IRC, está vertido este princípio, ao estabelecer-se que se consideram "gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora". Consequentemente, o legislador consagrou no artigo 32.0 do EBF uma solução em que só são desconsiderados fiscalmente como gastos, os encargos financeiros relacionados com a aquisição de participações que beneficiem, relativamente às mais-valias ou menos-valias, do regime especial estatuído no seu n.0 2.

Esta solução permite estabelecer a correlação entre os encargos suportados e os proveitos ou ganhos com os quais estão associados, sendo, portanto, a que melhor se coaduna com a regra básica, em matéria de imputação temporal de gastos, de que para a determinação do lucro devem ser deduzidos aos proveitos realizados num exercício os custos que se tornou necessário suportar para os obter

(…)

Face às dúvidas suscitadas sobre a aplicação daquele regime fiscal aplicável às SGPS e, atenta à extrema dificuldade de utilização de um método de afetação direta ou especifica e à possibilidade de manipulação que o mesmo poderia gerar, a AT propôs a utilização de um método de rateio que veio a ser transmitido através da Circular n.0 7/2004, de 30/03, da Direção de Serviços do IRC, o entendimento da Administração Tributária sobre esta matéria, bem como o método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais.

Esta Circular 7/2004 veio definir uma metodologia para proceder ao ajustamento do lucro tributável, na parte relativa aos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de vir a beneficiar do regime especial estabelecido no n.0 2 do artigo 32.º do EBF preconizando a utilização de uma "fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição"

Quanto ao método de afetação dos encargos financeiros associados a cada uma das participações sociais, poder-se-ia optar por uma afetação direta dos encargos com dívida inerente à aquisição das participações sociais ou então pelo método de afetação proporcional estipulado na Circular 7 de 2004, de 30 de Março,

Ora, se a eleição de um método de afetação direta ou específica surge, aparentemente como a solução mais consentânea com a identificação dos encargos financeiros efetivamente suportados com a aquisição das partes sociais, a sua concretização prática é suscetível de apresentar dificuldades insuperáveis.

Pois a aceitar-se a afetação direta, a SGPS teria que ter capacidade para identificar os fundos que canalizou para efeitos da aquisição das participações sociais, em determinado exercício passado, quando, nesse mesmo exercício, simultaneamente, recebeu dividendos das suas participadas, recebeu pagamentos referentes a serviços prestados às mesmas, pagou os seus encargos correntes, alienou ativos e recebeu o correspondente valor de realização (para enumerar apenas alguns dos fluxos financeiros possíveis).

Pelo que qualquer afetação da dívida será, assim, necessariamente, aleatória.

De facto, uma das características da moeda é precisamente a da fungibilidade. Ora, esta característica toma extremamente difícil de implementar qualquer método de afetação direta ou específica, na medida em que poderá ser muito difícil determinar por exemplo, qual a aplicação específica dos capitais obtidos através de um determinado empréstimo.

Aquela Circular 7/2004 da DSIRC, vem assim esclarecer o seguinte:

- O período em que os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como gastos, para efeitos fiscais, "dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.0 2 do artigo 31. 0 do EBF independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para aplicação do regime especial de tributação das mais-valias …” (ponto 6).

- Quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais, dispõe o ponto 7, que "dada a extrema dificuldade de utilização ... de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula, que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente, participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição"

O princípio geral da indispensabilidade dos gastos, disposto no artigo 23.0 do CIRC, estabelece que "Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora" e então, os encargos financeiros que tenham sido suportados com a aquisição de participações sociais não concorrem para a formação do lucro tributável, tratando-se da imputação do encargo ao regime fiscal aplicável ao resultado da operação para a qual foi assumido (partes de capital detidas por período não inferior a 1 ano).

Compete ao sujeito passivo, com referência a cada período de tributação, a determinação do lucro tributável, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efetivo, devendo o sujeito passivo efetuar o acréscimo, tendo por vista desconsiderar, como manda a lei, os encargos suportados com a aquisição das participações sociais.

III.1.4 ENCARGOS FINANCEIROS NÃO DEDUTÍVEIS, AFETOS À AQUSIÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS

No período de tributação de 2013, a A... SGPS incorreu em encargos financeiros, os quais foram considerados como gasto fiscal na respetiva declaração de rendimentos. Conforme explicado no capítulo anterior deste Relatório, o regime fiscal das SGPS vigente no ano de 2013 exclui da tributação os encargos financeiros suportados para a aquisição de participações sociais (n.0 2 do art. 32.0 do EBF).

Compete ao sujeito passivo, com referência a cada período de tributação, a determinação do lucro tributável, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efetivo, devendo efetuar o acréscimo, tendo por vista desconsiderar, como manda a lei, os encargos suportados com a aquisição das participações sociais. Assim, a A... SGPS acresceu, no campo 752 (campo em branco) do quadro 07 da declaração de rendimentos apresentada para o ano de 2013, a importância de €842.613,90 referente a gastos financeiros que considerou fiscalmente não aceites, nos termos do n.º 2 do artigo 32.0 do EBF (…).

(…)

Analisado o Mapa de Cálculo dos Encargos Financeiros Imputáveis à Aquisição de Partes de Capital elaborado pela A... SGPS, verificaram-se as seguintes divergências face aos valores considerados pelo contribuinte:

- o contribuinte considerou como Passivos Remunerados os saldos credores da conta 241 — Estado e Outros Entes Públicos — IRC, o que está incorreto, uma vez que os Passivos Remunerados são unicamente os financiamentos bancários registados na conta 25112 e os empréstimos obtidos junto das participadas, relevados na conta 2541, tal como explicado no capítulo 111.1. 1.2 deste Relatório;

- o contribuinte considerou como Ativos Remunerados os ativos registados na conta 14212 — Outros Instrumentos Financeiros — Obrigações e Títulos de Participação; porém, como ficou demonstrado no capítulo III.1.1.1 deste Relatório, os Ativos Remunerados são apenas os empréstimos concedidos às participadas contabilizados nas contas 4113 e 4142;

- o contribuinte considerou como Partes de Capital o valor de aquisição dos instrumentos financeiros evidenciado na conta 14, quando, na realidade, esta rubrica deverá integrar somente o valor de aquisição das Partes de Capital registadas pelo MEP (aqueles ativos encontram-se relevados através do justo valor) na conta 41111, e ainda os investimentos noutras empresas registados na conta 4141;

- de realçar que, no cálculo do valor de aquisição das Partes de Capital, incluímos a importância das prestações acessórias constituídas junto das participadas E..., SA e F..., SA — que totalizam €2.500.000,00 — em virtude de se ter apurado que estas assumiam uma natureza de "quase capital", conforme descrito no capítulo III.1.1.1 deste Relatório;

- por seu turno, o montante das prestações acessórias considerado na rubrica Outros Ativos foi deduzido daquele valor, tendo sido consideradas, no nosso cálculo, somente aquelas que constituem ativos não remunerados, e que ascendem a €4.400.000,00.

No que concerne aos Gastos Financeiros considerados para efeitos de cálculo dos encargos financeiros afetos a participações sociais, nos termos da Circular 7/2004, importa frisar que foram tidos em conta apenas os Gastos Financeiros corrigidos conforme capítulo III.1.2 deste Relatório, ou seja, os Gastos Financeiros declarados pela A... SGPS deduzidos daqueles que se apurou deverem ser desconsiderados para efeitos fiscais por se encontrarem associados a empréstimos concedidos às suas participadas sem qualquer remuneração, que somam €1.688.387,25 (…)

(…)

Temos então que, dos €1.688.387,25 de Gastos Financeiros Corrigidos, €887.166,50 não são fiscalmente dedutíveis em virtude de se considerarem afetos a participações sociais. Uma vez que a A... SGPS já tinha acrescido no quadro 07 da declaração Modelo 22 relativa a 2013 a importância de €842.613,90, esta foi deduzida ao nosso cálculo, tal como se demonstra:

Descrição

2013

Gastos Financeiros Desconsiderados - artigo 23.0 n.o 1 CIRC

221.108,95

Encargos Financeiros afetos a participações sociais - Circular 7

887.166 50

Montante acrescido no campo 779 do Q07 da Mod. 22

842.613,90

Encargos Financeiros não aceites SGPS - artigo 32.0 n.º 2 EBF

44.552.60

Valor a acrescer ao Resultado Tributável declarado referente a Gastos Financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais

265.661,55

Assim, deverá ser acrescido ao Resultado Tributável do ano de 2013, nos termos do n.º 2 do artigo 32.0 do EBF, o montante de €44.552,60, relativo a encargos financeiros fiscalmente não dedutíveis.

Conclui-se, portanto, que o total de Gastos Financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais no ano de 2013 será de €1.108.275,45, por força do disposto no n.º 1 do artigo 23.0 do CIRC e no n.º 2 do artigo 32.0 do EBF.

Em suma, dos Gastos Financeiros declarados pelo contribuinte no ano de 2013 - €1.909.496,20 consideram-se fiscalmente aceites €801.220,75, conforme se expõe:

Descrição

2013

Gastos Financeiros declarados

1.909.496,20

Gastos Financeiros desconsiderados n.º 1 artigo 23.0 CIRC

221.108,95

Gastos Financeiros não aceites n.º 2 artigo 32.0 EBF

887.166,50

Gastos Financeiros fiscalmente aceites

801.220,75

A desconsideração como custos dos encargos financeiros para efeitos da determinação do lucro tributável consagrada no n.0 2 do artigo 32.0 do EBF consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos gastos segundo o qual a dedução fiscal daqueles é condicionada à sua conexão com a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto e do qual resulta que se determinados gastos estão relacionados com rendimentos não sujeitos a imposto, não são fiscalmente dedutíveis, principio que informa o disposto no artigo 23.0 do Código do IRC.

Como tal, o legislador consagrou no artigo 32.O do EBF uma solução nos termos da qual apenas são desconsiderados fiscalmente como gastos os encargos financeiros relacionados com a aquisição de partes sociais que beneficiem, relativamente às mais-valias ou menos-valias, do benefício fiscal previsto no n.0 2 do art. 32.O do EBF.

(…)

A utilização do método da imputação da Circular 7/2004 visa precisamente, de acordo com o disposto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, alcançar a tributação mais próxima possível do lucro real, dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital por si detidas.

(…)

 

 
 


Recorde-se que compete ao sujeito passivo, com referência a cada período de tributação, a determinação do lucro tributável, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efetivo, devendo o mesmo efetuar o acréscimo, tendo por vista desconsiderar, como manda a lei, os encargos suportados com a aquisição das participações sociais - ora, a A... SGPS desconsiderou, no ano de 2013, encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais no montante de €842.613,90, em cumprimento do preceituado no n.0 2 do artigo 32.0 do EBF.

 

O sujeito passivo apresentou-nos Mapa de Cálculo dos Encargos Financeiros Imputáveis à Aquisição de Partes de Capital por si elaborado (…) que serviu de base ao cálculo daquele valor acrescido no quadro 07 da sua declaração de rendimentos Modelo 22, a título de encargos financeiros não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.0 do EBF.

Alega agora a A... SGPS (…) que esse acréscimo teria sido indevido, em virtude da aquisição das participações sociais detidas em 2013 ter sido efetuada sem recurso a qualquer financiamento, arguindo ter juntado prova da respetjva aquisição ao exibir as escrituras de constituição e os relatórios das entradas em espécie para a realização do capital (…).

Ora, tal argumento não pode colher, uma vez que, para além das partes de capital adquiridas no ano 2000 mediante entradas em espécie (que se resumem no quadro infra):

a A... SGPS adquiriu, posteriormente (até 2012), as participações sociais que a seguir se elencam, relativamente às quais não justificou as fontes de financiamento utilizadas:

 

Aquisição de partes de capital pela A... SGPS até 2012

 

Participada

Data aquisição

Valor de aquisição

% adquirida

B..., SA

25-03-2003

750.000,00 €

50%

D..., SA

14-12-2004

1.250.000,00 €

50%

C..., SA

06-12-2006

5.000,00 €

10%

D..., SA

29-12-2006

2.000.000,00 €

50%

C..., SA

15-01-2008

2.500.000,00 €

90%

H..., SA

04-06-2009

3.000.000 00 €

100%

Total

9.505.000,00 €

 

Quanto à possibilidade de aplicação do método direto de afetação dos encargos com dívida inerente à aquisição das participações sociais, constata-se que a sua concretização prática apresenta dificuldades insuperáveis que a própria A... SGPS reconhece não conseguir superar/ultrapassar: a A...SGPS teria que ter capacidade para identificar os fundos que canalizou para aquisição das participações sociais em determinado exercício passado, quando, nesse mesmo exercício, simultaneamente, recebeu dividendos das suas participadas, recebeu pagamentos referentes a serviços prestados às mesmas, pagou os seus encargos correntes, alienou ativos e recebeu o correspondente valor de realização (para enumerar apenas alguns dos fluxos financeiros possíveis).

O que o contribuinte não fez, não sendo por isso possível o recurso a tal método, nem tão pouco o afastamento da aplicação da Circular 7/2004; impõe-se referir que não há ilegalidade na aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF na fórmula constante da Circular, dado que qualquer método é bom, desde que respeitada a ratio legis da norma.

Caso contrário, corria-se o risco de aceitar os encargos financeiros ao mesmo tempo que se isentavam as mais-valias resultantes da alienação das participações, o que violaria o princípio da neutralidade fiscal e conduziria, essa sim, a uma solução contra legem.

(…)

Mais, a própria A... SGPS socorreu-se da Circular 7/2004 para determinar os encargos financeiros afetos às partes sociais detidas há mais de um ano, tendo para o efeito, procedido no apuramento do lucro tributável, ao acréscimo de €842.613,90 no quadro 07, linha 779, da declaração de rendimentos Modelo 22.

(…)

Não obstante não se confundirem os conceitos — capital social e prestações suplementares (prestações acessórias assimiladas a prestações suplementares), o que está em causa é a substância de que se revestem aquelas realidades — capital social e prestações suplementares.

Atendendo a que as prestações suplementares ao longo da sua permanência na empresa cumprem uma função de fortalecimento dos capitais permanentes (i.e., do capital social da empresa), e o seu reembolso obedece a determinadas condições, típicas, é, de facto, legítimo concluir que, em substância, as mesmas são partes de capital.

Devendo ser conferido o mesmo tratamento a prestações suplementares e a partes de capital, no âmbito das diversas normas fiscais, porquanto as primeiras se mostram indissociáveis das segundas. Pelo que, no valor das "partes de capital" (a que alude o n.0 2 do art. 32.0 do EBF), se incluem as prestações suplementares, ou, dito de outro modo, os direitos de conteúdo patrimonial decorrentes das prestações suplementares são, sem que se mostre necessário prever a cessão de tais direitos, igualmente transmitidos com a alienação das participações uma vez que estes são decorrentes da própria titularidade dessas participações

(…)

Porém, no caso da A... SGPS, constata-se que as prestações acessórias por ela realizadas, não seguem de todo o regime das prestações suplementares, porquanto, assiste-se à sua restituição por parte das participadas a quem foram efetuadas aquelas prestações acessórias, não se verificando o requisito da permanência. E, neste sentido, será de retirar do quantum do valor de aquisição das partes de capital o valor correspondente às prestações para efeitos de cálculo dos encargos financeiros afetos à aquisição de partes sociais e como tal, considerá-las como "Outros Ativos"

(…)”

y) Sequentemente, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao ano de 2013, da respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2017 ... e da correspetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., da qual resultou um montante total a pagar de € 74.225,10, com data limite de pagamento a 29.09.2017. [cf. documento n.º 1 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]

z) Em 17 de janeiro de 2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos tributários mencionados no facto provado anterior – cujo requerimento inicial aqui se dá por inteiramente reproduzido –, a qual foi autuada sob o n.º ...2018..., no Serviço de Finanças de Espinho, tendo sobre a mesma recaído um projeto de decisão de indeferimento, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, com os fundamentos ali vertidos, designadamente os constantes do respetivo capítulo 2.3 (Parecer). [cf. procedimento de reclamação graciosa constante do PA]       

aa) A Requerente foi notificada, através de ofício datado de 11.04.2018, remetido via CTT, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de..., daquele projeto de decisão e para, querendo, exercer o direito de audição, o que a Requerente não fez. [cf. procedimento de reclamação graciosa constante do PA]       

bb) A Requerente foi notificada, através de ofício datado de 23.05.2018, enviado via CTT, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de..., da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, a qual remeteu para a fundamentação do respetivo projeto, cujo teor se dá como reproduzido e no qual se refere, além do mais, o seguinte [cf. procedimento de reclamação graciosa constante do PA e documento n.º 2 anexo ao pedido de pronúncia arbitral]:

2.3. PARECER

(…)

Matéria de direito

1. Tributação dos encargos financeiros na SGPS

A desconsideração como gastos dos encargos financeiros para efeitos da determinação do lucro tributável, consagrada no n.º 2 do art. 32.º do EBF com a redação dada pela Lei n.º 32-8/2002, de 30 de Dezembro (OE/2013), consubstancia o princípio geral da indispensabilidade dos gastos segundo o qual a dedução fiscal dos gastos é condicionada à sua conexão com a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto. Dispõe o referido artigo (n.º 2 do art. 32.º EBF) que não concorrem para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados em cada exercício relativos à aquisição de partes de capital.

Alega a reclamante que o pressuposto da aplicação do n.º 2 do art. 32.º do EBF é que as partes de capital detidas pela SGPS tenham sido adquiridas com recurso a capitais alheios, o que não foi o caso sub judice, pelo que não há lugar à aplicação do disposto no referido artigo.

No exercício de 2013, a reclamante na Demonstração de Resultados Comparados declarou na rubrica "juros e gastos similares suportados" o montante de €1.886.612,54 e acresceu no Q07 da declaração mod.22 o montante de €842.613,90 referente a encargos não dedutíveis apurados nos termos da Circular 7/2004, tal como consta do Mapa de Cálculo dos Encargos Financeiros Imputáveis à Aquisição de Partes de Capital elaborado pela reclamante e exibido no decurso da ação inspetiva, a fls.88 dos autos. Situação idêntica em anos anteriores.

Relativamente ao acréscimo daqueles encargos no Q07 da mod. 22 do exercício de 2013 a reclamante apresentou reclamação graciosa, nos termos do art. 131.º do CPPT — proc. n.º ...2016... (...) –, tendo a mesma sido indeferida, alegando os mesmos factos, ou seja, não aquisição de quaisquer participações sociais no exercício de 2013 e consequentemente não ter suportado encargos com empréstimos para aquisição das mesmas.

(…)

Quanto à aquisição de partes de capital pela A... SGPS, no ano de 2000 ascendeu a €2.150.000,00 (mediante entradas em espécie); posteriormente até 2012 o montante foi de €9.505.000,00, para as quais não foram justificadas as fontes de financiamento utilizadas; e em 2013, de acordo com os elementos constantes da resposta à notificação efetuada pela IT no decurso da ação inspetiva, €3.000,00, a fls.91 dos autos.

A este montante de aquisições de partes de capital no exercício de 2013 terá de ser acrescido a importância de €2.500.000,00 referente a prestações acessórias constituídas junto das participadas E..., SA e F..., SA em virtude de ter sido considerado que estas prestações assumiam a natureza de "quase capital" Foi precisamente a inclusão deste valor como Partes de Capital e a sua desconsideração na rubrica de Outros Ativos que motivou a correção efetuada pela IT quanto ao valor dos encargos financeiros fiscalmente não dedutíveis, nos termos do n.º 2 do art. 32.º do EBF, face ao declarado e considerado pela reclamante no Q07 da mod. 22.

Como comprovativo das aquisições de partes de capital entre 2004 a 2009 a reclamante anexou à petição cópia de atas relativas à deliberação de aquisições de partes de capital. No entanto, as mesmas não comprovam os meios financeiros utilizados para a sua aquisição.

O que se constata efetivamente, através das demonstrações financeiras, é que no ano de 2013 foram contabilizados encargos financeiros no montante total de €1.886.612,54, e pela reclamante foi considerado e acrescido no Q07 da mod. 22 o valor de €842.603,90 como respeitante a encargos financeiros com a aquisição de participações sociais.

Quanto ao método preconizado pela Circular 7/2004, a mesma preconiza no seu ponto 7 que deverá sempre ser utilizado o método de afetação direta. Só na impossibilidade ou dificuldade de utilização do mesmo é que se deverá avançar para o método alternativo preconizado na própria Circular.

Ora, a própria A... SGPS socorreu-se da metodologia preconizada na Circular 7/2004 para determinar os encargos financeiros afetos à aquisição de participações sociais.

Quanto à sua legalidade, no estrito cumprimento do art. 55.º do CPPT e 68.º-A da LGT, encontrando-se a referida Circular ainda em vigor é aplicação obrigatória para a AT

2. Dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com financiamentos não remunerados às participadas

Quanto à distinção entre prestações suplementares e acessórias a mesma não é relevante para a situação em concreto, porquanto as caraterísticas essenciais de tais prestações, cfr. arts. 209.º e 210.º do CSC, não se encontram controvertidas — foram prestações em dinheiro e sem vencerem juros – dado que no caso em concreto não foi pela diferente qualificação num ou noutro regime que tal desconsideração de custos teve lugar, mas sim, pelo facto dos gastos de financiamento incorridos pela A... SGPS (decorrentes dos empréstimos obtidos sem debitar juros) não gerarem quaisquer influxos diretos mensuráveis e evidentes no exercício da sua atividade, constituindo os mesmos encargos dispensáveis à manutenção da fonte produtora, nos termos do art. 23.º do CIRC.

(…)

A indispensabilidade entre gastos e rendimentos afere-se num sentido económico: os gastos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta.

A AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa.

O gasto imprescindível equivale a todo o gasto contraído em ordem à obtenção de proveitos e que represente um decaimento económico para a empresa.

O art. 23.º do CIRC íntima não apenas uma conexão causal adequada entre o custo e o proveito (em termos económicos), mas conexiona-se também alternativamente (como indica o vocábulo "ou") com a manutenção da fonte produtora — no sentido de uma ligação económica entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade e sua atividade.

A dedutibilidade fiscal dos juros suportados depende, assim, de um juízo quanto à sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (n.º 1 do artigo 23.º do CIRC), explicitando mesmo na alínea c) desse n.º 1 que esses juros de capitais alheios são aplicados na exploração.

(…)

Pela IT foi considerado que os financiamentos concedidos a entidades juridicamente independentes, sob a forma de prestações acessórias junto das participadas B..., SA e D..., SA, constituem um encargo dispensável à manutenção da fonte produtora, pois, não geraram qualquer influxo direto, mensurável e evidente no exercício da atividade da A... SGPS mas sim nas sociedades participadas.

Alega a reclamante que "os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da atividade de uma SGPS", cujo objeto contratual, nos termos do art. 1.º do DL n.º 495/88, de 30 de Dezembro, é a “gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas".

(…)

Para uma melhor compreensão da situação factual, convém realçar que a reclamante constitui uma sociedade dominante de um grupo de sociedades, todas elas sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), em que a matéria coletável global do grupo é determinada pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao mesmo (cf. arts. 69.º e 70.º do CIRC).

Até ao momento do apuramento do lucro tributável pela sociedade dominante, nesse grupo de empresas localizadas no perímetro de consolidação, quer nas suas relações com terceiros, quer no cumprimento do objeto social de cada uma delas, tudo se passa como constituindo cada uma dessas sociedades uma pessoa jurídica distinta e diversa de cada uma das outras não sendo nesta vertente afetada pela relação de domínio existente em relação à sociedade dominante.

(…)

No contexto contabilístico os gastos são reconhecidos com base numa associação direta entre os custos incorridos e a obtenção de rendimentos específicos, o designado balanceamento dos gastos com o rédito. Fiscalmente os gastos só são aceites se devidamente comprovados e indispensáveis à obtenção de rendimentos ou manutenção da fonte produtora (art. 23.º do CIRC como já foi referido).

(…)

Encontrando-se as sociedades dominadas enquadradas no regime geral de tributação em IRC ficam, assim, sujeitas às regras de apuramento da matéria coletável dos arts. 15.º e seguintes do CIRC, designadamente no que à qualificação dos custos tange, prevista no art. 23.º do mesmo diploma legal, e na relação de causalidade entre certo custo e a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, ainda que tal causalidade não tenha de ser do tipo condition sine qua non ou de resultados concretos obtidos com esse custo.

(…)

Ora, não obstante fazer parte do âmbito da atividade da reclamante a gestão de participações em outras sociedades, não se encontram aqui em causa essas participações em si mesmas, mas sim os seus acessórios, ou seja, os encargos financeiros relativos a empréstimos bancários contraídos e que foram aplicados nessas sociedades, diretamente para o prosseguimento normal das suas atividades e que é onde, desde logo, diretamente, se produzirão os seus efeitos (suscetibilidade de gerarem lucros) numa relação causal ou de dependência.

Pelo exposto, e conforme foi demonstrado, tratando-se de facto de financiamentos concedidos a entidades juridicamente independentes, as prestações acessórias constituídas junto das participadas B..., SA e D..., SA, em nada são indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora da reclamante, pelo que, os gastos financeiros incorridos pela A... SGPS associados ao financiamento efetuado às participadas (juros suportados e não debitados) não serão aceites como custo fiscal na sociedade dominante mas sim nas dominadas nos termos do art. 23.º do CIRC devendo, assim, manter-se a correção efetuada pela IT e objeto da presente petição

cc) Em 14 de agosto de 2018, foi apresentado o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

*

§2. Factos não Provados

7. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultou provado qual a forma de financiamento/pagamento das aquisições de participações sociais efetuadas pela Requerente no período compreendido entre 2004 e 2009, supra referidas no facto provado f), nem que a Requerente tenha suportado encargos financeiros, em 2013, para adquirir alguma das participações sociais por si detidas.

*

§3. Motivação da Matéria de Facto

8. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

*

III.2. De Direito

 

§1. Delimitação do Objeto

9. As questões de mérito que, nuclearmente, são submetidas à apreciação deste Tribunal são as seguintes:

  1. Os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações acessórias sujeitas ao regime de prestações suplementares a participadas, são ou não indispensáveis para a formação do lucro tributável da Requerente, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC?
  2. As prestações acessórias sujeitas ao regime de prestações suplementares a participadas, são ou não qualificáveis como “partes de capital” e, nessa medida, os respetivos encargos financeiros suportados pela Requerente concorrem ou não para a formação do seu lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)?

As posições das partes quanto a estas questões já foram acima enunciadas sendo que, quanto à posição da AT, importa ter presente a fundamentação das correções que a AT efetuou ao IRC do exercício de 2013, subjacentes aos atos de liquidação (imposto e juros compensatórios) impugnados, vertida no RIT (cf. facto provado v)) e que, no essencial, foi reiterada na fundamentação da decisão de indeferimento da aludida reclamação graciosa (cf. facto provado bb)).

 

§2. Do Mérito

 

§2.1. O Enquadramento Legal

 

A. Normas Tributárias

10. Na perspetiva jurídico-tributária, importa atender às seguintes normas que se afiguram cruciais para o enquadramento da situação sub judice, conforme as respetivas redações vigentes à data dos factos em causa nos autos:

Código do IRC

Artigo 23.º

Gastos

            1. Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

            (…)

  1. De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)

 

Estatuto dos Benefícios Fiscais

Artigo 32.º

Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS)

            (…)

            2. As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

            (…)

 

B. Código das Sociedades Comerciais

11. Atento o recorte factual do caso concreto, importa convocar as seguintes normas deste compêndio legal:

Artigo 209.º

Obrigações de prestações acessórias

            1. O contrato de sociedade pode impor a todos ou a alguns sócios a obrigação de efectuarem prestações além das entradas, desde que fixe os elementos essenciais desta obrigação e especifique se as prestações devem ser efectuadas onerosa ou gratuitamente. Quando o conteúdo da obrigação corresponder ao de um contrato típico, aplica-se a regulamentação legal própria desse tipo de contrato.

            (…)

 

Artigo 210.º

Obrigações de prestações suplementares

            1. Se o contrato de sociedade assim o permitir, podem os sócios deliberar que lhes sejam exigidas prestações suplementares.

            2. As prestações suplementares têm sempre dinheiro por objecto.

            3. O contrato de sociedade que permita prestações suplementares fixará:

            a) O montante global das prestações suplementares;

            b) Os sócios que ficam obrigados a efectuar tais prestações;

            c) O critério de repartição das prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados.

            4. A menção referida na alínea a) do número anterior é sempre essencial; faltando a menção referida na alínea b), todos os sócios são obrigados a efectuar prestações suplementares; faltando a menção referida na alínea c), a obrigação de cada sócio é proporcional à sua quota de capital.

5. As prestações suplementares não vencem juros.

 

Artigo 213.º

Restituição das prestações suplementares

            1. As prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal e o respectivo sócio já tenha liberado a sua quota.

            2. A restituição das prestações suplementares depende de deliberação dos sócios.

            (…) 

 

Artigo 287.º

Obrigação de prestações acessórias

1. O contrato de sociedade pode impor a todos ou a alguns accionistas a obrigação de efectuarem prestações além das entradas, desde que fixe os elementos essenciais desta obrigação e especifique se as prestações devem ser efectuadas onerosa ou gratuitamente. Quando o conteúdo da obrigação corresponder ao de um contrato típico, aplicar-se-á a regulamentação legal própria desse contrato.

2. Se as prestações estipuladas não forem pecuniárias, o direito da sociedade é intransmissível.

3. No caso de se convencionar a onerosidade, a contraprestação pode ser paga independentemente da existência de lucros do exercício, mas não pode exceder o valor da prestação respectiva.

4. Salvo disposição contratual em contrário, a falta de cumprimento das obrigações acessórias não afecta a situação do sócio como tal.

5. As obrigações acessórias extinguem-se com a dissolução da sociedade.

 

C. Regime Jurídico das SGPS

12. O conceito de sociedade holding é genericamente utilizado para aludir quer a sociedades que se limitam a gerir de forma passiva carteiras de títulos, numa lógica de repartição de risco, quer a sociedades que detêm participações de controlo e que intervêm ativamente na gestão das suas participadas, prestando-lhes ou não serviços remunerados.

É habitual distinguir, entre outras modalidades, entre a holding pura e a holding mista e entre a holding financeira e a holding de direção. No primeiro caso, o critério distintivo reside no caráter exclusivo do seu objeto social, sendo que a holding pura se dedica unicamente à detenção de participações sociais e a holding mista tem igualmente por objeto atividades de natureza comercial e industrial. No segundo caso, o critério diferenciador reside no fim a que se destina a gestão das participações sociais, sendo que a holding de direção visa, mais do que a mera detenção de participações sociais, o enquadramento e direção das sociedades participadas, enquanto que a holding financeira está vocacionada apenas para a rentabilização do investimento concentrado nas participações. 

No tangente às SGPS, encontramos o respetivo regime jurídico definido no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro – sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 378/98, de 27 de novembro e pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro –, o qual estatui no seu artigo 1.º que as SGPS “têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas” (n.º 1), sendo que “a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante” (n.º 2), considerando-se “que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano” (n.º 3).

Nos termos do artigo 4.º do mesmo diploma legal, às SGPS é permitida “a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação” (n.º 1), devendo aquela prestação de serviços “ser objecto de contrato escrito, no qual deve ser identificada a correspondente remuneração” (nº 2).   

Nesta conformidade, é usual a qualificação da SGPS como uma holding pura – na justa medida em que está limitada quanto ao seu objeto social, nos termos acima referidos, o que a impede de desenvolver diretamente atividades económicas de natureza comercial, industrial ou outra que não as mencionadas prestações de serviços – e como uma holding de direção – uma vez que a sua atividade vai para além da mera aquisição, detenção e alienação de participações sociais, podendo, complementarmente à sua atividade principal, prestar, em determinadas circunstâncias, serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que possua participações ou com as quais tenha celebrado contratos de subordinação.

Como decorre do artigo 5.º do citado regime jurídico, é vedado às SGPS conceder crédito, excepto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte” (n.º 1, alínea c)); o n.º 2 do mesmo artigo estatui que [p]ara efeitos da alínea c) do número anterior, a concessão de crédito pela SGPS a sociedades em que detenham participações aí mencionadas, mas que não sejam por ela dominadas, só será permitida até ao montante do valor da participação constante do último balanço aprovado, salvo se o crédito for concedido através de contratos de suprimento”.

 

§2.2. O Caso Concreto: Subsunção Normativa

 

  1. Da Indispensabilidade dos Encargos Financeiros Suportados com as Prestações Acessórias a Participadas, para a Formação do Lucro Tributável da Requerente – Artigo 23.º do Código do IRC

13. O artigo 23.º do Código do IRC estabelece o princípio geral atinente à dedutibilidade fiscal dos custos suportados pelas entidades sujeitas a este imposto, sendo esta uma matéria onde surgem frequentemente divergências entre os contribuintes e a AT.

Uma das questões que, neste conspecto, tem suscitado acesa controvérsia consiste em saber se os encargos financeiros incorridos por uma sociedade, mas que estejam diretamente relacionados com a realização de prestações acessórias em favor de uma outra, sua participada, devem ou não ser fiscalmente dedutíveis em sede de apuramento do lucro tributável da sociedade participante.

Como é sabido, muitas das vezes, o reforço do capital das sociedades participadas, a fim de as dotar de maior robustez financeira, é efetuado através da realização de prestações acessórias pelas empresas participantes.    

Até ao exercício de 2013, inclusive, a conformação legal da relação entre gastos e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a imposto (IRC) apelava de forma expressa ao critério da indispensabilidade.

A aplicação do conceito de indispensabilidade como condição delimitativa da dedutibilidade fiscal em IRC suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram dirimidas pela via jurisprudencial e promoveram, conjuntamente com a doutrina, uma maior densificação deste conceito. 

            Como afirmava Saldanha Sanches, é “no referido conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração dos custos empresariais e que repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”, acrescentando que “o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários” – Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 215-216.

            É hoje relativamente consensual que a concretização da cláusula geral da indispensabilidade dos gastos não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos.

Tal noção, como consta da fundamentação do acórdão do STA (pleno) de 15.06.2011, proferido no processo n.º 049/11[1] – tem de ser interpretada como “um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo”.

Deste modo, a “Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”, conforme preconizado pelo acórdão do STA de 29.03.2006, proferido no processo n.º 01236/05.

O que significa, na explicitação do acórdão do STA de 30.11.2011, proferido no processo n.º 0107/11, que “a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa (…). Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa (…). A indispensabilidade não pode, porém, ser aferida à luz de critérios de oportunidade e mérito. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”

Rejeita-se, deste modo, o entendimento de que a indispensabilidade se reconduz à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre gastos e rendimentos (antes, custos e proveitos) – vide acórdãos do STA de 24.09.2014, proferido no processo n.º 0779/12, de 15.11.2017, proferido no processo n.º 0372/16, e de 28.06.2017, proferido no processo n.º 0627/16.

Este último aresto considera “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.

A ligação deve ser, pois, feita entre os gastos e a atividade desenvolvida pelo contribuinte. “«Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.” – Acórdão do STA n.º 627/16, de 28.06.17.[2]

O desenvolvimento da jurisprudência e da doutrina firmou, desta forma, a relação causal genérica do gasto à atividade globalmente considerada (superando o nexo estrito gasto-rendimento) e vincou o afastamento da avaliação, por parte da Administração, do acerto, conveniência ou oportunidade das decisões empresariais e de gestão dos entes corporativos.

            Com a Reforma do IRC suprimiu-se a referência à “indispensabilidade” dos gastos, conforme se transcreve:

Artigo 23.º
Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(…)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)

Mantém-se, no entanto, a conexão necessária entre os gastos e o objetivo de obtenção de rendimentos sujeitos a imposto e o princípio geral inerente de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este incorridos ou suportados.

Segundo o Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – 2013 –[3], a alteração visou confirmar o afastamento da “interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos” e contribuir desta forma para o “decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa”, acolhendo a jurisprudência firmada que sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, de encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, nomeadamente dos sócios. 

 

14. Isto posto. A jurisprudência do STA tem vindo a considerar como fiscalmente irrelevantes, leia-se como não dedutíveis, os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo Grupo, que não sejam debitados às entidades beneficiárias, abrindo uma exceção, quando estejam em causa empréstimos de SGPS às sociedades por si participadas, atendendo ao seu objeto social específico, como assinala o seguinte excerto do acórdão do STA de 28.02.2018, proferido no processo n.º 01206/17 (no mesmo sentido, entre outros, o acórdão do STA de 21.02.2018, proferido no processo n.º 0473/13):

“O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, quando está em causa uma SGPS, serão aceites como custo fiscal os encargos financeiros referentes a crédito obtido para, com ele, a SGPS realizar empréstimos gratuitos às participadas.

O objeto social de gestão de participações sociais significa que uma empresa adquire ou aliena participações sociais de uma outra empresa e exerce atividade comercial, utilizando única e exclusivamente o poder de decisão sobre «a vida da empresa participada» que o valor das ações de que é titular lhe possam conferir. Isto é, se a empresa participada deve adquirir ações de outra sociedade, se deve contrair empréstimos para realizar tais aquisições, a SGPS tem o poder de concordar, votando favoravelmente tais decisões. Isto insere-se no objeto social de uma SGPS.

Como se decidiu no acórdão prolatado em 10.10.2013 no processo n.º 80/2013-T do CAAD[4], em que se tratou idêntica questão, não se pode afirmar que os custos financeiros suportados com a realização de prestação suplementares, sejam dispensáveis à manutenção da fonte produtiva.

A este respeito, (…) parece claro que, estando em causa uma sociedade gestora de participações sociais, cuja actividade, pela própria natureza consiste na valorização das participações sociais por si detidas, a dotação de uma sociedade participada dos capitais próprios, ao permitir que esta melhor e mais eficientemente exerça a respectiva actividade, com o consequente aumento do lucro, é um acto idóneo à manutenção e valorização da fonte produtiva da sociedade gestora.

Aliás, numa situação em que a sociedade gestora, em função da sua posição na praça relativamente ao crédito, seja susceptível de obter crédito em condições mais vantajosas que a sociedade participada, a utilização de crédito obtido pela primeira em benefício da segunda será, manifestamente, uma decisão economicamente fundada, na medida em que os custos globais da operação serão diminuídos.”

Nesta esteira, no acórdão prolatado em 20.11.2016 no processo n.º 264/2016-T do CAAD, quanto a idêntica questão, foi decidido o seguinte:

“De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

A participação numa sociedade considera-se forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Em face do exposto, revela-se claro que a actividade das SGPS – conceito essencial para aferir da indispensabilidade dos gastos por estas incorridos no âmbito da aplicação do artigo 23.º do CIRC – não só engloba a gestão de participações sociais, como é este o seu único objecto contratual.

Ora, a gestão de participações sociais envolverá, naturalmente, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do activo financeiro adquirido, ao financiamento de tal activo e à eventual posterior alienação. Tudo isto se pode subsumir na actividade de uma SGPS.

Assim sendo, o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do activo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.

Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da actividade de uma SGPS. Disso não restam dúvidas face ao disposto na norma, acima mencionada, que regula a sua actividade.

Conclui-se, assim, que, estando esses encargos relacionados com a actividade própria da SGPS, eles preenchem os requisitos em que assenta a interpretação do conceito de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, designadamente na parte do n.º 1 deste artigo, em que se dá relevância aos gastos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora de rendimentos, em que se incluem os encargos de natureza financeira, expressamente referidos na alínea c) do mesmo número.

Na verdade, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 23.º, para ser satisfeito o requisito da indispensabilidade dos gastos, não é necessário que eles sejam necessários para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, bastando que eles sejam necessários para a «manutenção da fonte produtora», conceito em que, relativamente às SGPS, cabem as suas participadas, de cuja actividade advêm proventos para a SGPS.” 

Nesta mesma linha, António Martins sublinha que [a] liberdade de actuação dos órgãos de gestão da sociedade na determinação da estrutura de financiamento não pode ser coarctada por numa avaliação da sua adequação por parte da administração tributária”, pois, se se admitisse que tal pudesse acontecer, equivaleria a “admitir que a liberdade de escolha nas decisões de financiamento empresarial está à mercê dos juízos de valor da administração tributária, podendo ser por esta cerceada.” – “Uma nota sobre o conceito de fonte produtora constante do artigo 23.º do CIRC: sua relação com partes de capital e prestações acessórias”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, Número 2, Verão, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 35 e 27.

Deste modo, uma operação de financiamento de uma sociedade participada é um ato de gestão da sociedade detentora da participação financeira – in casu, uma SGPS –, consubstanciado no reforço do ativo financeiro, e é também realizado no interesse desta com propósito lucrativo.

Como refere Manuel Anselmo Torres, [a] lei proíbe expressamente que as prestações suplementares vençam juros (CSC 210.5). Esta limitação legal traduz a natureza patrimonial das prestações suplementares como capitais próprios da sociedade, os quais apenas podem ser remunerados pelos lucros que a sociedade realize. Muito embora a posição jurídica do sócio prestador não confira um direito a lucros, o reforço dos capitais próprios que a prestação constitui é susceptível em abstracto de aumentar o lucro da empresa e com isso o lucro a que o sócio prestador tem direito em função da sua participação no capital social. A remuneração das prestações suplementares é assim realizada de modo indirecto, através do direito ao dividendo, comungando de toda a incerteza e risco inerentes a qualquer investimento nos capitais próprios da sociedade.” – “Prestações suplementares, seu regime comercial, contabilístico e tributário”, Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, Vol. IV, AA. VV., Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 908.   

À face do exposto, de acordo com a interpretação que se perfilha, a concessão de financiamentos gratuitos a sociedades participadas deve ser considerada como efetuada no âmbito da “atividade produtiva”, interesse social e escopo lucrativo da sociedade participante, designadamente quando, como é o caso, esta é uma SGPS.

Pelo exposto, este fundamento para as correções efetuadas pela AT ao IRC de 2013 da Requerente, relativo à indispensabilidade dos encargos financeiros suportados com as prestações acessórias realizadas segundo o regime das prestações suplementares a participadas, para a formação do lucro tributável da Requerente, deve soçobrar, por radicar em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC. 

 

  1. Da Qualificação das Prestações Acessórias a Participadas como “Partes de Capital” e da Dedutibilidade dos Respetivos Encargos Financeiros suportados pela Requerente – Artigo 32.º, n.º 2, do EBF

15. Resulta da parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS.

No caso concreto, os encargos financeiros em causa foram suportados pela Requerente para efetuar prestações acessórias segundo o regime das prestações suplementares, às suas participadas, pelo que a aplicabilidade desta norma à situação sub judice depende da qualificação destas prestações como partes de capital.

Nesse sentido, para além de devermos ter presentes as supra citadas normas do Código das Sociedades Comerciais, a partir das quais nos é possível recortar os conceitos e as características essenciais das “prestações acessórias” e das “prestações suplementares” importa densificar o conceito de “partes de capital”. A este propósito, há que começar por convocar o artigo 11.º da LGT, nos seus n.ºs 1 – “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que às mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” –, que contém uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil, e 2 – “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo de outro decorrer directamente da lei” –, do qual resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais deverem ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma exceção, que é decorrer diretamente da lei fiscal que o sentido do termo aí utilizado é diferente do que tem noutros ramos do direito.

Dito isto, como afirmam Fernando Carreira Araújo e António Fernandes de Oliveira, [n]ão dispondo o Código do IRC (e o direito fiscal em geral) de um conceito próprio de “capital” e de “partes de capital” (…), a conclusão que se impõe é a de que eles terão o significado técnico de que se revestem no direito societário e da contabilidade: “capital social” e “participações sociais” (vulgo, principalmente, quotas e acções), respectivamente. (…)

Acresce, para além disso, que do próprio Código do IRC se retiram indicações seguras, pela positiva, no sentido de que o conceito de “partes de capital” que utiliza tem exactamente o mesmo significado acolhido nos outros ramos do direito (de onde é originário) (…).

Começando, cronologicamente, por uma das mais antigas utilizações pelo Código do IRC da expressão “partes de capital”, é de salientar que o Decreto-Lei n.º 6/93, de 9 de Janeiro, aditou o (à data) artigo 62.º-B ao Código do IRC, onde se introduziu o regime comunitário de neutralidade fiscal relativo à entrada de activos, tendo para o efeito então usado o conceito de “partes de capital”. Mais especificamente, aí se prescrevia no n.º 1 do citado artigo (…) a regra de que “na determinação ulterior das mais-valias ou menos-valias realizadas respeitantes às partes de capital social recebidas em contrapartida da entrada de activos, estas partes de capital sejam consideradas pelo valor (…)”.

Ou seja, (…) resulta inequívoco que “partes de capital social” e “partes de capital” eram rigorosamente uma e a mesma coisa (…), coincidindo com o conceito de “partes de capital” (vulgo quotas e acções) utilizado no direito das sociedades comercias e pelo direito da contabilidade (…).

Concorrendo exactamente no mesmo sentido – de que partes de capital quer significar tão só e apenas participações sociais – há ainda o (na numeração em vigor desde 2010) artigo 48.º, n.º 4, do Código do IRC: aí se estende o regime do reinvestimento do preço de venda às “partes de capital” (…), incluindo-se, para além da venda, a sua “remição e amortização com redução de capital”, o que desde logo indica que por “partes de capital” se está a entender, exclusivamente, participações sociais (acções ou quotas) dada a natureza do objecto a que podem dizer respeito os fenómenos ou vicissitudes “remição e amortização com redução de capital”.

Que assim é fica ainda mais reforçado quando a seguir, nesta disposição normativa fiscal, se diz, com respeito às “partes de capital” cuja alienação está em causa (…), que “as participações de capital alienadas devem ser detidas por período não inferior a um ano e corresponder a, pelo menos, 10% do capital social da sociedade participada (…). (…)

Ou seja, para o legislador fiscal o conceito de “partes de capital” tem o sentido, unívoco e inequívoco, que desde sempre teve para o comum e vulgar leitor das normas que o utilizam: “partes de capital” é sinónimo de “participações no capital social”, ou seja, é sinónimo de quotas e acções, e não sinónimo de outras realidades como os créditos (ou expectativas de reembolso) originados pela realização de prestações suplementares (e, menos ainda, acessórias).

Foi isso, aliás, e não outra coisa, que esteve na mente do legislador aquando da introdução da norma constante do (à data) n.º 3 do artigo 42.º do Código do IRC, através da Lei do Orçamento de Estado para 2003. (…)

Se dúvidas pudessem ainda assim existir de que historicamente (desde sempre) no âmbito do Código do IRC “partes de capital” são “participações sociais” e nada mais (à semelhança do que sucede para o direito das sociedades e da contabilidade), a alteração ao artigo 42.º, n.º 3, do Código do IRC, operada pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro, tê-las-ia desfeito por completo.

Com efeito, originariamente este n.º 3 do artigo 42.º do Código do IRC (actualmente, desde 2010, artigo 45.º, n.º 3) apenas se referia a “partes de capital”, tendo sio acrescentada a esta previsão legal originária (…) a expressão “outras componentes do capital próprio”, incluindo as (os créditos, ou expectativas de reembolso, resultantes da realização de) “prestações suplementares”). (…)

Ou seja, ainda hoje para o legislador fiscal partes de capital e (créditos pela realização de) prestações suplementares são conceitos distintos, de onde a utilidade em passar a prever também estes últimos no artigo 42.º, n.º 3 (desde 2010, artigo 45.º), do Código do IRC.” – “O Código do IRC e os conceitos de (I) Capital, (II) Partes de Capital, (III) Prestações Suplementares e (IV) Créditos pela Realização de Prestações Suplementares”, Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, Vol. IV, AA. VV., Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 708 a 713. 

No mesmo sentido, Manuel Anselmo Torres afirma que [a]s prestações suplementares não constituem “partes de capital” porquanto não são suscetíveis de transmissão autónoma da participação social a que respeitam (…). Tanto é reconhecido pela própria lei fiscal, ao referir-se às prestações suplementares como “outras componentes do capital próprio” por oposição a “partes de capital” (CIRC 45.3). (…) 

Não se diga que, por a prestação suplementar não vencer qualquer juro (por natureza), não seriam dedutíveis os juros em que os próprios sócios incorressem para financiar o respectivo valor perante terceiros (cf. CIRC 23). Embora não vençam juros, as prestações suplementares são entradas suscetíveis ou potenciadoras de uma outra remuneração, quer através dos lucros distribuídos, quer através de mais-valias futuras. As prestações suplementares poderão igualmente servir para evitar perdas sociais que, a ocorrerem, se traduziriam em perdas fiscais dos sócios. Como tal, os juros incorridos pelo sócio para financiar a realização de prestações suplementares podem configurar um custo indispensável à manutenção da fonte produtora de rendimentos tributáveis da sociedade. (…)

Há (…) que distinguir entre o custo de aquisição de partes de capital que inclua o valor das prestações sociais que lhe são inerentes, e o custo de realização de prestações suplementares realizadas pelo titular das partes de capital que (…) não constituem elas próprias novas partes de capital. A alienação de partes de capital é susceptível de gerar mais-valias ou menos-valias influenciadas pelas prestações suplementares que lhe são inerentes. Mas as prestações suplementares realizadas pelo titular das partes de capital não constituem um custo de aquisição das mesmas, mas apenas um reforço dos capitais próprios da sociedade participada, que deve por isso ser relevado numa conta de investimentos financeiros autónoma.

Pela mesma razão, os gastos de financiamento das prestações suplementares realizadas pelo titular das partes de capital não constituem um encargo financeiro suportado com a sua aquisição, pelo que não estão excluídos do concurso para a formação do lucro tributável designadamente das sociedades gestoras de participações sociais, nos termos do n.º 2 do art. 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.”loc. cit., pp. 916 a 918.     

 

16. Analisando questão similar à que aqui nos ocupa, foi decidido o seguinte no acórdão proferido em 20.11.2016, no processo n.º 264/2016-T do CAAD:

“(…) para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre directamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, vigente no ano de 2011.

Estabelece-se neste n.º 3 do artigo 45.º o seguinte:

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

Utilizam-se nesta norma dois conceitos: o de «partes de capital» e o de «outras componentes do capital próprio».

As «partes de capital» são também «componentes do capital próprio», como se depreende da palavra «outras», mas o alcance de «partes do capital» é necessariamente mais restrito do que o de «capital próprio», que englobará, além das «partes de capital» também «as outras componentes».

Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.

Na verdade, se se entendesse, para este efeito, que as prestações suplementares se integravam no conceito de «partes de capital», é óbvio que a referência a elas se incluiria a seguir a este conceito e não a seguir ao conceito de «capital próprio»: isto é, dir-se-ia «(...) perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, designadamente prestações suplementares, ou outras componentes do capital próprio concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

Aquela referência às prestações suplementares não existia na redacção do artigo 42.º do CIRC da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, só sendo feita na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelo que a alteração legislativa foi efectuada com o intuito de precisar o alcance fiscal dos conceitos utilizados, designadamente o conceito de «partes de capital», mostrando que este, na perspectiva do legislador do CIRC, não abrangia as prestações suplementares.

Tratando-se de uma alteração com alcance esclarecedor, é de presumir reforçadamente que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), e se pretendeu explicitar que as prestações suplementares, para efeitos de IRC, se enquadram entre as «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital».

Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos-valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.

Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redacção daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.

Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, nestes termos:

“em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (acções e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos activos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um ativo (acção ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do activo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos activos tangíveis e financeiros (acções e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais-valias.

E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transacções de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos-valias.”           

Assim, conclui-se que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, (…), ao estabelecer, reportando-se às «partes de capital», que «não concorrem para a formação do lucro tributável» das SGPS os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», não afasta a relevância para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares, pois estas não se enquadram no conceito de «partes de capital», pelo menos para este efeito fiscal.”

No mesmo sentido, no acórdão proferido em 08.06.2018, no processo n.º 23/2018-T do CAAD foi decidido o seguinte:

“O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, na l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].

Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial, que não se reconduzia necessariamente em benefício, que se traduzia, em geral, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava o texto desse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2012 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003, depois de se constatar uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie ou com utilização de capitais próprios), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais.

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).”

Não existindo motivo para nos afastarmos do entendimento adotado nestes arestos, também aqui entendemos – com os fundamentos ali vertidos e que, data venia, fazemos nossos – que nem as prestações suplementares, nem as prestações acessórias que seguem o regime daquelas, constituem partes de capital e que, portanto, a não dedutibilidade de encargos estatuída no artigo 32.º, n.º 2, do EBF apenas se aplica relativamente àqueles que derivarem de financiamentos utilizados para a aquisição de participações sociais.  

 

17. Volvendo ao caso concreto, mirando o probatório, temos que não resultou demonstrado que qualquer das participações sociais detidas pela Requerente tivesse sido adquirida com financiamentos que gerassem encargos no exercício de 2013.

Com efeito, a Requerente afirma – o que não foi impugnado pela AT – que todas as participações sociais foram adquiridas nos termos descritos nos factos provados d), e) e f). É certo que não resultou provada qual a forma de financiamento/pagamento das aquisições de participações sociais efetuadas pela Requerente no período compreendido entre 2004 e 2009, referidas no facto provado f); contudo, como dissemos, também não resultou provado que a aquisição de participações sociais (e, designadamente, das referenciadas) tenha sido efetuada com financiamentos geradores de encargos em 2013.   

No entanto e de qualquer forma, sempre se dirá que basta o facto de a correcção efectuada se ter baseado no método referido no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, não previsto na lei, para ter de se concluir pela ilegalidade da correcção efectuada, à face da mais recente jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, como se pode ver pelos seguintes acórdãos:

– de 08-03-2017, proferido no processo n.º 0227/16: «o ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal»;

– de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15: «o ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal»;

– de 29-11-2017, proferido no processo n.º 01292/16: «estabelecendo um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros, para efeitos de cálculo do lucro tributável, o nº 7 da Circular nº 7/2004, de 30/03, da DSIRC, afronta o princípio da legalidade tributária»;

– de 24-01-2018, proferido no processo n.º 0745/15, e de 31-01-2018, proferido no processo n.º 01157/17: «mostra-se afectado por vício de violação de lei o acto de autoliquidação de IRC efectuado em obediência às instruções constantes no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direção de Serviços do IRC, na medida em que nela se estabelece um método ilegal de afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais».” (cf. acórdão proferido em 08.06.2018, no processo n.º 23/2018-T do CAAD).

  Pelo exposto, falece igualmente o segundo fundamento das correções efetuadas pela AT ao lucro tributável da Requerente, atinente ao exercício de 2013, por decorrer de uma errada interpretação e aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

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18. Nestes termos, conclui-se que as correções efetuadas pela AT ao IRC da Requerente, referente ao exercício de 2013, enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, radicado na errada interpretação e aplicação do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC e do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, o que justifica a anulação dos atos tributários controvertidos, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que os manteve com os mesmos fundamentos (cf. artigo 135.º, n.º 1, do CPA (1991) e artigo 163.º, n.º 1, do CPA (2015), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).  

 

19. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegais e anular, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito:
  1. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., com as legais consequências;
  2. A liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao ano de 2013, a liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e a respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., da qual resultou um montante total a pagar de € 74.225,10, com as legais consequências;
  1. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 82.034,82 (oitenta e dois mil e trinta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o montante das custas é fixado em € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Lisboa, 3 de abril de 2019.

 

Os Árbitros,

 

 

(Carlos Fernandes Cadilha)

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 



[1] A jurisprudência dos tribunais superiores aqui referenciada está acessível em linha através do seguinte endereço: www.dgsi.pt.

[2] O entendimento restritivo da indispensabilidade foi muito criticado pela doutrina, podendo ver-se, a este respeito, Tomás de Castro Tavares, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, Outubro-Dezembro 1999, pp. 131 a 133, e “A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC”, Fisco n.º 101/102, janeiro de 2002, p. 40, e António Moura Portugal, “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, 2004, pp. 243 e ss.. 

[3] Acessível em linha no sítio da Ordem dos Contabilistas Certificados https://www.occ.pt/fotos/editor2/relatorioirc.pdf.

[4] A jurisprudência do CAAD aqui referenciada está acessível em linha através do seguinte endereço: www.caad.org.pt/tributário/decisoes.