Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 33/2018-T
Data da decisão: 2019-04-15  IRC  
Valor do pedido: € 42.606,41
Tema: IRC - Dedutibilidade de custos. Art.º 23.º do CIRC
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

  1. A A..., LDA., doravante designada por “Requerente”, com o número de identificação fiscal ..., e com domicílio fiscal em ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”), com o objetivo de obter a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRC, n.º 2017..., do ato de estorno da liquidação de IRC n.º 2015..., e dos atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2017... e 2017..., no valor total de € 47 056,46, todos referentes ao período de tributação do ano de 2014.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD em 26 de Janeiro de 2018 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

  1. Atento o disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, que de imediato aceitou o encargo. As Partes foram notificadas da designação do árbitro. A Requerida não manifestou qualquer oposição, porém, a Requerente, através de requerimento de recusa apresentado em 16.03.2018, veio se opor à designação do signatário como árbitro alegando que “à data dos factos dos autos, o exercício de 2014, era funcionário da Autoridade Tributária e Aduaneira, onde exercia o cargo de Diretor de Finanças Adjunto na Direção de Finanças de Lisboa (…)”. O signatário, na qualidade de árbitro designado, apresentou resposta e nas alegações, em síntese, refere que “(…) apenas deixei de exercer funções nos serviços da Autoridade Tributária em 31 de Janeiro de 2015 (…) e é absolutamente falso o argumento de que eu à data dos factos (2014) exercia o cargo de Diretor de Finanças Adjunto na Direção de Finanças de Lisboa, dado que eu exerci sim esse cargo mas no período de 10 de Janeiro de 2003 a 31 de Março de 2010”.

O requerimento apresentado pela Requerente e a resposta apresentada pelo árbitro designado foram apreciados e, através de despacho de 27 de Março de 2018, o Exm.º Presidente do Conselho Deontológico do CAAD decidiu pela manifesta improcedência do pedido de recusa formulado pela A..., LDA., relativamente à designação do signatário como árbitro no presente processo arbitral.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação que lhe foi dada pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 16 de Abril de 2018.

 

  1. Em 24 de Abril de 2018 foi notificada a Exm.ª Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT.

 

  1. Em 28 de Maio de 2018, a requerida apresentou a sua resposta e, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT, remeteu para ser junto aos autos o processo administrativo. Na sua resposta, a Requerida invoca a incompetência do tribunal arbitral (exceção dilatória) e advoga a dispensa da produção de prova testemunhal.

 

  1. Em 07 de Junho de 2018, a Requerente apresentou um requerimento a manifestar-se contra a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida na sua resposta, sobre a qual o Tribunal adiante se pronunciará, tendo ainda a Requerente, no referido requerimento, destacado o carácter imprescindível da prova testemunhal e das declarações de parte requeridas no pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

  1. Em 14 de Junho de 2018, considerando que ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e tendo em conta que a exceção suscitada podia ser conhecida na decisão arbitral, e considerando a dimensão da prova já produzida e a natureza das questões a decidir, o tribunal arbitral proferiu despacho no qual estabeleceu o percurso processual seguinte:

 

  1. Dispensar a produção de prova testemunhal e das declarações de parte;
  2. Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT;
  3. Determinar que, salvaguardado o período de férias judiciais (art.º 17.º-A do RJAT), o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar pelas Partes no prazo simultâneo de 20 dias, conforme previsto no art.º 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no artigo 91.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicáveis por força do disposto nos normativos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT;
  4. Determinar que, no prazo definido na alínea anterior, as Partes enviassem ao CAAD os respetivos articulados em formado editável (Word);
  5. Fixar o dia 15 de Outubro de 2018 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
  1. Em face das ocorrências, entretanto, verificadas no processo, mas, designadamente, pela evolução normativa verificada nos preceitos legais que regulam a matéria controvertida (reforma introduzida no Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro), o tribunal entendeu desenvolver aturado estudo da matéria objeto do presente processo arbitral, pelo que, nos termos do artigo 21.º do RJAT, foram proferidos despachos de prorrogação do prazo de prolação da decisão arbitral, os quais estão inscritos no histórico do processo arbitral constante do sistema aplicacional do CAAD.

 

  1. Em 24 de Julho de 2018, a Requerente comunicou ao Exm.ª Presidente do CAAD a interposição de impugnação do despacho arbitral de 14 de Julho de 2018, na parte em que decide “dispensar a produção de prova testemunhal e das declarações de parte”. A Requerente interpôs a impugnação do despacho arbitral apelando ao artigo 27.º do RJAT, com a inerente aplicação do regime subsidiário aplicável ao recurso de apelação, por força dos normativos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do Código de Processo Civil (CPC), que na perspetiva da Requerente, por força dos normativos do artigo 29.º do RJAT, são aplicáveis à sua impugnação deduzida contra o despacho arbitral. Em 04 de Setembro de 2018, a Requerente informou o tribunal arbitral que havia procedido à entrega da impugnação no Tribunal Central Administrativo do Sul, à qual foi atribuído o número de processo 83/18.7BCLSB.

 

  1. O tribunal arbitral, atento o regime especial de recurso estabelecido no RJAT, decidiu não reagir de imediato a este requerimento da Requerente, resguardando a sua pronúncia sobre a impugnação interposta para o momento da prolação da decisão arbitral, razão pela qual também não se pronunciou em relação aos sucessivos requerimentos da Requerente (17.10.2018, 20.12.2018 e 27.02.2018) a invocar a suspensão do processo arbitral, o que fará, então, neste momento, que corresponde à prolação da decisão arbitral.

 

  1. O RJAT, aprovado através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, foi desenhado ao abrigo da autorização legislativa concedida ao Governo através do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, tendo o legislador estabelecido o objeto, o sentido e a extensão da autorização legislativa, pelo que nos normativos desta fixou o alcance do regime de recurso a estabelecer no RJAT, designadamente preestabeleceu que a admissão de recurso no processo arbitral deveria observar, designadamente:

 

  1. A consagração, como regra, da irrecorribilidade da sentença proferida pelo tribunal arbitral, prevendo a possibilidade de recurso, para o Tribunal Constitucional, apenas nos casos e na parte em que a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada;

 

  1. A definição do regime de anulação da sentença arbitral com fundamento, designadamente, na não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão e na falta de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas ou na pronúncia de questões que não devessem ser apreciadas pelo tribunal arbitral.

O legislador do RJAT estabeleceu o regime de recuso em estrita observância das limitações estalecidas pela autorização legislativa, sendo inequívoco que foi vontade do legislador estabelecer um regime extremamente fechado e restritivo, apenas admitindo recurso da decisão final do processo arbitral, quer esta aprecie ou não o mérito do pedido de pronúncia arbitral, ficando, assim, vedado qualquer tipo de recurso de atos interlocutórios, ainda que se pronunciem sobre aspetos substantivos, ou atos de trâmite. No processo arbitral, nos termos dos artigos 25.º e 27.º do RJAT, só é admissível recurso da decisão arbitral, o mesmo é dizer da decisão que põe termo ao processo arbitral, e nos exatos termos estabelecidos naqueles normativos, sem prejuízo do recorrente invocar no recurso da decisão final qualquer nulidade ou ilegalidade praticada ao longo do percurso do processo arbitral.

Nesta medida, não pode a Requerente, invocando a aplicação subsidiária dos normativos do CPPT e do CPC, em matéria de recurso, pretender interpor uma impugnação de um despacho do tribunal arbitral, não sento este mais do que um ato de trâmite e interlocutório ou preparatório da decisão arbitral. Por outro lado, importa enunciar que, atento os princípios processuais estabelecidos no artigo 16.º do RJAT, e de acordo com as regras da experiência e da livre convicção dos árbitros, o tribunal é livre na apreciação dos factos e na determinação das diligências de produção de prova. Acresce ainda sublinhar que, no trâmite processual, o tribunal garantiu a igualdade das partes não existindo qualquer violação do princípio do contraditório, porquanto, foi dado às Partes oportunidade para formular a defesa dos seus legítimos interesses, tendo aquelas procedido à produção de alegações nos termos em que entenderam pertinentes. Assim, em face do regime especial de recurso estabelecido no RJAT, o tribunal arbitral considera não admissível a impugnação apresentada pela Requerente não estando, em consequência, o processo arbitral suspenso, sendo, assim, tempo de proferir a decisão arbitral.

 

  1. Considerando que o termo do prazo de pagamento voluntário do imposto liquidado e dos juros compensatórios foi fixado para 10 de Novembro de 2017, à luz do normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo e, de acordo com os preceitos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n,º 112-A/2011, de 22 de Março, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e estão representadas nos termos da lei.

 

  1. O processo arbitral não enferma de nulidades, mas a Requerida na sua resposta suscitou a incompetência material do tribunal arbitral, pelo que constituído esta uma exceção dilatória, a qual, nos termos do artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, obsta ao conhecimento do mérito do pedido de pronúncia arbitral, importa conhecer e apreciar da procedência ou não da exceção invocada pela Requerida.

A Requerida fundamenta a incompetência do tribunal arbitral no pedido de condenação da AT formulado pela Requerente. Com efeito, na parte final do seu pedido a Requerente enuncia que deve “[s]er a AT condenada à restituição dos correspondentes valores desembolsados pela Requerente, na importância (parcial) de € 42 606,41, acrescida de juros indemnizatórios, vencidos e vincendos, até integral pagamento, ao abrigo do artigo 43.º da LGT”. Ao tribunal compete decidir as questões de facto e de direito que tenham sido invocadas pelas Partes, porém, tem de o fazer em função da sua livre convicção e da aplicação da lei e do direito. Nesta medida, é convicção do tribunal que a restituição dos valores indevidamente pagos, neste caso ou noutro qualquer desta natureza, é o corolário da procedência do pedido quanto à apreciação da legalidade dos atos tributários impugnados e não consequência de uma condenação autónoma e diretamente dirigida a esse fim. Assim, para o tribunal a substância do pedido da Requerente reconduz-se à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de imposto e de juros compensatórios identificados no pedido de pronúncia arbitral. Em face do exposto e, atento os normativos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 4.º do RJAT, o tribunal declara improcedente a exceção invocada pela Requerida, porquanto, é competente para proceder à apreciação da matéria controvertida, passando de seguida à apreciação do mérito do pedido da Requerente.

 

 

I - 1 - CAUSA DE PEDIR

Constituem causa de pedir do pedido de pronúncia arbitral:

 

  1. A alteração do lucro tributável em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referente ao período de tributação do ano de 2014, em virtude da AT, em sede de procedimento de inspeção tributária, ter desconsiderado como gasto fiscal o valor de € 205 969,00 pago pela Requerente à empresa B..., em resultado dos serviços por esta prestados na intermediação da venda de frações do prédio sito na ..., n.º..., em Lisboa.

 

  1. A desconsideração deste valor conduziu à liquidação adicional de IRC do ano de 2014, acrescido dos respetivos juros compensatórios.

 

  1. A Requerente considera que o valor de € 205 969,00 corresponde ao valor dos serviços prestados pela B..., os quais foram relevantes e contribuíram para a obtenção dos rendimentos sujeitos a IRC no ano de 2014.

 

I - 2 DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

2.1  A Requerida considerada que a correção ao lucro tributável do ano de 2014, em sede de IRC, é legal, porquanto o valor de € 205 969,00, à luz dos normativos do artigo 23.º do CIRC não pode ser considerado como gasto fiscal, visto que a Requerida não demonstrou qualquer ligação entre aqueles gastos e a atividade por si desenvolvida, mas também não demonstrou o intuito objetivo que a levou a recorrer àquela entidade e àqueles serviços, de tal forma que não é possível estabelecer uma relação causal e justificada com a atividade da empresa pondo, assim, em causa a dedutibilidade fiscal.

 

I - 3     QUESTÕES DECIDENDAS

Ao tribunal arbitral singular cumpre decidir sobre:

3.1 A consideração ou não como gasto do valor de € 205 969,00 pago pela Requerente à B... a título de prestação de serviços, ao abrigo de um acordo de prestação de serviços, tendo em vista a promoção e marketing dos imóveis passíveis de comercialização, designadamente a promoção internacional pretendida pela Requerente, especialmente no mercado chinês.

3.2 Se existe ou não uma relação causal entre os serviços prestados pela B... e os rendimentos obtidos pela Requerente na venda de algumas frações do prédio sito na ..., n.º..., em Lisboa.

3.3 A legalidade da liquidação de IRC n.º 2017..., no valor de € 42 163,62, do estorno da liquidação de IRC n.º 2015..., no valor de € 1 040,78, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017... e 2017..., respetivamente, no valor de € 86, 22 e de € 3 765,84), o que perfaz o valor global de € 47 056, 46. Este valor foi pago pela Requerente em 06.11.2017.

3.4 Da anulação parcial dos atos tributários acima referidos, porquanto, a Requerente aceita parte da correção feita pela AT ao lucro tributável do ano de 2014.

3.5 Da condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo dos normativos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 61.º do CPPT.

 

II - DO MÉRITO

II -1 - OS FACTOS

II - 1 - 1 FACTOS PROVADOS

 

  1. A sociedade Requerente (A...) é sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e sujeito passivo misto para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, tendo por atividade o CAE principal 68100, correspondente à Compra e Venda de Bens Imobiliários, e o CAE secundário 41100 – Promoção Imobiliária (desenvolvimento de Projetos e Edifícios).
  2. Na sua atividade a Requerente adquire imóveis e procede à sua reabilitação e remodelação com vista à sua posterior revenda com uma margem de lucro. Daí que os imóveis são registados na contabilidade da Requerente como inventários.
  3. A Requente, em regra, cumpre com normalidade as suas obrigações tributárias, quer as obrigações principais, quer as obrigações acessórias.
  4. No quadro da crise que Portugal conheceu a partir do ano de 2011, e à semelhança do que aconteceu com todas as entidades enquadradas no sector imobiliário, a atividade da Requente nos anos antecedentes a 2014 conheceu uma significativa quebra no volume de negócios realizados.
  5. O imóvel situado na ..., n.º..., em Lisboa, adquirido pela Requerente foi alvo de remodelação e colocado no mercado imobiliário, com 29 apartamentos e 2 lojas para venda, após a obtenção da licença de utilização em 06.05.2011. Porém, em resultado da crise imobiliária, a Requerente apenas conseguiu vender 6 apartamentos no 2.º semestre de 2011, 4 apartamentos no ano de 2012 e 1 apartamento no ano de 2013.
  6. Todo o stock imobiliário estava hipotecado a favor da C..., no valor de € 3 400 000,00, valor que fora utilizado para financiar a aquisição e remodelação do prédio sito na ..., n.º..., em Lisboa.
  7. A crise de mercado e os elevados encargos financeiros que a Requerente tinha de suportar constituíam fonte de elevada preocupação, visto que punham em causa a sua sustentabilidade e viabilidade.
  8. Com a introdução do regime legal dos “Vistos Gold” ou “Golden Visa” a Requerente decidiu encetar contactos com a sociedade B..., com sede em Malta e com escritórios operativos em Lisboa, dado o seu curriculum internacional na prestação de serviços de marketing e prospeção de investidores originários do mercado chinês que pretendiam a obtenção de “Vistos Gold”.
  9. A estrutura da Requerente era insuficiente e destituída de conhecimentos e experiência para abordagem do mercado internacional, daí que optou por recorrer a serviços especializados na promoção de imóveis portugueses junto de potenciais investidores estrangeiros, designadamente oriundos de países asiáticos, com predominância da China.
  10. Para o efeito, em 28 de Novembro de 2013, a Requerente celebrou com a sociedade de direito maltês B..., adiante designada por B..., um acordo de Prestação de Serviços, que esteve na base dos serviços prestados à Requerente, em relação aos quais a B... faturou serviços no valor de € 205 969,00, e cujo pagamento foi realizado através de transferência bancária.
  11. O acordo de prestação de serviços foi reduzido a escrito e nele foram especificados os serviços a prestar pela B... bem como a comissão de serviços a cobrar por esta em relação aos serviços de promoção e marketing do prédio sito na ... junto dos potenciais investidores chineses. O valor a pagar pela Requerente à B... foi estabelecido na percentagem de 14% do potencial valor de comercialização.
  12. Em resultado dos serviços de promoção realizados pela B... visitaram Portugal em 2014 um conjunto de potenciais interessados na aquisição de frações do imóvel da ..., devidamente identificados pela Requerente, e que conduziu à venda de 6 frações do referido prédio a cidadãos chineses.
  13. A B... promovia a divulgação e comercialização do prédio no mercado internacional, designadamente, na China, pelo que, em face da deslocação a Lisboa dos potenciais investidores estrangeiros, a Requerente teve de contratar serviços de mediação imobiliária, compreendendo a visita ao imóvel, a apresentação do mercado imobiliário português, a realização de diligências burocráticas e administrativas, bem como o processo de venda, a entidades sediadas em Portugal, porquanto, não possuía estrutura interna que lhe permitisse desenvolver as referidas atividades. Nesta medida, a Requerente contratou os serviços das mediadoras imobiliárias D... e E..., cujas atividades se restringiram ao mercado nacional e foram complementares das atividades desenvolvidas pela B..., no que se refere às 6 frações vendidas aos investidores chineses.
  14. Às empresas nacionais a Requerente pagou uma comissão de venda no valor de 4%, a qual foi contabilizada como gastos na conta SNCF # 622351 – “Comissões - mercado nacional”. A comissão paga pela Requerente à B... foi contabilizada como gastos na conta SNC # 6221003 – “Outros trabalhos especializados”.
  15. Em resultado da promoção realizada pela B... no mercado asiático a Requerente conseguiu vender a cidadãos chineses imóveis no valor total de € 1 966 500, o que representou um incremento significativo nos rendimentos sujeitos a IRC.
  16. Num propósito de transparência e boa fé, previamente ao pagamento dos serviços prestados, a Requerente submeteu à auscultação da Direção de Serviços do IRC as faturas emitidas pela B... com o propósito de se certificar se as mesmas estavam dotadas com os requisitos legais pertinentes à sua relevação contabilística e consideração do valor dos serviços prestados como gasto fiscal com vista à determinação do lucro tributável. O pedido formulado pela Requerente bem como o esclarecimento prestado pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira constam do presente processo arbitral tendo sido juntos pela Requerente.
  17.  No ano de 2014, os gastos incorridos pela Requerente com os serviços prestados pela B... ascenderam a € 205 969,00, e os serviços prestados pelas mediadoras nacionais (D... e E...) totalizaram o valor de € 76 005,44, todos relativos à comercialização das frações do prédio sito na ..., n.º..., em Lisboa.
  18. No âmbito dos seus poderes de inspeção tributária, no ano de 2017, os serviços de inspeção tributária da AT realizaram um procedimento de inspeção tributária externo ao período de tributação de 2014, de âmbito parcial e com incidência no IRC, IVA e retenções na fonte.
  19. No decurso do procedimento de inspeção tributária a Requerente apresentou os documentos pedidos, prestou os esclarecimentos solicitados, exerceu o direito de audição, bem como reconheceu e regularizou o erro referente à dedução indevida do IVA, no valor de € 47 372,87, tendo apresentado a declaração de substituição, bem como aceitou a correção do valor indevidamente contabilizado como gasto de uma comissão paga à F..., no valor de € 18 204,00, a qual era referente a um contrato de mediação celebrado com outra entidade que era, à data, a legítima proprietária da fração autónoma em causa.
  20. A Requerente não aceita é a desconsideração como gasto fiscal do valor de € 205 969,00 pago à B... e referente aos serviços prestados por esta entidade na promoção e divulgação no mercado internacional (Chinês) das frações do imóvel sito na ..., n.º..., as quais permitiram a venda de 6 frações, sendo que a comercialização destas frações não teria sido possível sem a colaboração e serviços prestados pela B... .
  21. Em resultado do procedimento de inspeção tributária, a AT identificou IVA em falta no valor de € 47 372,87, a cuja regularização a Requerente procedeu, bem como identificou a contabilização de um gasto (valor pago à F...) que não pode ser imputado à Requerente, cuja correção esta não contesta, aceitando proceder ao pagamento do imposto (IRC) devido. A AT desconsiderou como gasto fiscal o valor pago pela Requerente à B... no valor de € 205 969,00, e esta correção a Requerente não aceita porque corresponde a serviços prestados pela B... os quais foram determinantes para a venda de 6 frações do prédio já identificado aos investidores chineses.
  22. Em face das correções efetuadas pela AT no âmbito do procedimento de inspeção tributária, o resultado fiscal teve um incremento no valor de € 176 800,13, tendo alterado de € 2 486,41 para o valor de € 179 286,54, valor que determinou o estorno à liquidação e as liquidação de IRC e de juros compensatórios do ano de 2014, supra identificadas e que constituem o objeto do pedido de pronúncia do presente processo arbitral, sendo que a Requerente não colocou em crise o IRC referente ao valor da comissão pago à F... e indevidamente contabilizado pela requerente como gasto fiscal. Nesta medida, o objeto do pedido de pronúncia arbitral restringe-se à desconsideração do valor pago pela Requerente no valor de € 205 969.00 e subsequentes liquidações de IRC e de juros. Há que sublinhar que o IVA indevidamente deduzido pela Requerente foi regularizado a favor do Estado pelo que o mesmo deve ser considerado como custo fiscal.
  23. A Requerente alega falta de fundamentação e preterição do direito de audição quanto à liquidação dos juros compensatórios. Há que sublinhar que a liquidação de juros compensatórios é o corolário do retardamento da liquidação de imposto e tendo a AT procedido a correções ao lucro tributável do ano de 2014, as quais determinaram a liquidação adicional de IRC, impõe-se, nos termos da lei (artigo 35.º da LGT e artigo 102.º do CIRC), a liquidação de juros compensatório, os quais são liquidados conjuntamente com o imposto e se integram na dívida principal (n.º 8 do art.º 35.º da LGT), pelo que a sua exigibilidade decorre da fundamentação dos atos de liquidação de imposto e a sua evidenciação ou demonstração é realizada na nota demonstrativa da liquidação do imposto (n.º 9 do art.º 35.º da LGT), pelo que, de igual modo, não se verifica qualquer preterição de formalidade em sede de direito de audição atinente à liquidação de juros compensatórios.
  24. A Requerente não concorda com a desconsideração como gasto fiscal do valor de € 205 969,00 pago à B..., porquanto os serviços por esta prestados são reais e efetivos e contribuíram de forma direta para a comercialização do prédio da ..., n.º..., em Lisboa, tendo-se traduzido na venda efetiva de 6 frações autónomas a clientes chineses.
  25. Os serviços prestados pela B... correspondem aos objetivos que foram fixados no “acordo de prestação de serviços” celebrado entre a Requerente e a B..., e têm o respetivo suporte documental no referido acordo e nas faturas emitidas pela prestadora de serviços, tendo os mesmos determinado um incremento superior a 30% dos preços médios de comercialização dos imóveis, pelo que tal atividade concorreu de forma direta para a formação dos rendimentos sujeitos a IRC.
  26. A intervenção da B... e das mediadoras nacionais (D... e E...) é, na perspetiva da Requerente, justificada, porquanto, o espaço de atuação é absolutamente díspar, visto que a atuação da B... teve por objeto a promoção e marketing das frações do imóvel no mercado internacional e a atuação das mediadoras nacionais se cingiu ao mercado nacional e ao complemento em território nacional da atividade desenvolvida pela B... no mercado chinês, tendo sido indispensável receber as pessoas, dar sequência e concretizar as atividades com vista à venda das frações aos clientes chineses.
  27. O procedimento de inspeção tributária ao período de tributação do ano de 2014 teve credenciação na ordem de serviço n.º OI2016..., e foi de âmbito parcial.
  28. No âmbito deste procedimento de inspeção tributária e tendo identificado registos na contabilidade da Requerente, do ano de 2014, na rúbrica de “Trabalhos especializados” verbas cujos documentos de suporte não identificam claramente a natureza dos serviços adquiridos, os serviços de inspeção tributária procederam à notificação da Requerente para esta proceder, relativamente às faturas emitidas pela B..., à identificação da natureza dos serviços prestados por aquela entidade e relacionar aqueles gastos com os rendimentos obtidos e sujeitos a IRC.
  29. Os serviços de inspeção tributária consideraram que não foi apresentado qualquer justificativo da efetividade dos serviços prestados e indicados nas faturas emitidas pela B..., nem foi estabelecida qualquer ligação que permita concluir que aquelas prestações de serviços são referentes à promoção, publicidade ou marketing de qualquer um dos imóveis comercializados pela Requerente.
  30. Os serviços de inspeção Tributária consideraram que em relação a todas as frações vendidas a cidadãos estrangeiros, a Requerente recorreu a duas mediadoras imobiliárias nacionais, tendo ficado por demonstrar a efetividade e adequação dos serviços prestados pela B..., bem como sublinharam não se poder descurar a possibilidade do montante faturado pela B... se encontrar empolado face ao que uma intervenção para efeitos de intermediação imobiliária justificaria para a comercialização das frações do imóvel em causa.
  31. Em face das razões constantes do relatório do procedimento do inspeção tributária, que faz parte integrante da prova documental aduzida no presente processo arbitral, e que foram adequadamente reproduzidos na resposta da Requerida, a AT concluiu que “(…) os gastos relativos à entidade B... são fiscalmente desconsiderados no exercício de 2014, devendo ser acrescidos ao quadro 07 campo 752 da modelo 22, o montante de € 205 969,00. Atendendo ao atrás exposto o resultado fiscal para o ano de 2014 é alterado de € 2 486,41 para € 179 286,54, determinado da seguinte forma:

– desconsideração de gastos não aceites nos termos do art.º 23.º, pelos montantes de € 205 969,00 (a) e € 18 204,00 (b) [esta correção identificada em b) não foi contestada pela Requerente].

- IVA (gasto fiscalmente aceite em IRC) no montante de € 47 372,87 (c)

Logo (a) + (b) – (c) = 205 969,00 + € 18 204,00 - € 47 372,87 = € 176 800,13

Resultado corrigido = € 2 486,41 + € 176 800,13= € 179 286,54”.

  1. A inspeção tributária considerou que a documentação de suporte aos serviços prestados pela B... não contém os elementos essenciais que permitam identificar de forma clara a natureza dos serviços e não torna exequível aferir da relação daqueles serviços com a atividade da Requerente, pondo em causa, quer a legitimidade, quer a consistência daqueles gastos para garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
  2. A Requerida defende que a Requerente não demonstrou qualquer ligação entre os gastos relativos às faturas emitidas pela B... e a atividade por si desenvolvida, e também não demonstrou o intuito e objetivo que a levou a recorrer àquela entidade e àqueles serviços, de tal forma que não é possível estabelecer uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa, pondo em causa, a dedutibilidade fiscal do valor em causa.

 

 

II-1-2 FACTOS NÃO PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Não há factos essenciais com relevo para apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.

 

 

II - 2 - MATÉRIA DE DIREITO

 

Em ordem a decidir sobre as questões decidendas importa elencar e escalpelizar o direito aplicável.

2.1 O lucro tributável dos sujeitos passivo de IRC com contabilidade organizada é determinado de acordo com os normativos dos artigos 3.º, 17.º e seguintes do Código do IRC, com as correções que nos termos da lei se mostrem devidas, sendo que a sua tributação assenta fundamentalmente no seu rendimento real. Dispõe o artigo 23.º do IRC, na redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, e com vigência jurídica desde 01 de Janeiro do ano de 2014, que para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Por sua vez, o normativo da alínea a) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC estabelece que se consideram abrangidos pelo número 1.º daquele artigo, nomeadamente, os gastos e perdas relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação.

2.2  Não obstante a AT continuar a defender a indispensabilidade dos custos e a conexão direta do gasto com o rendimento para a sua consideração na formação do lucro tributável, importa realçar que com referência a todos os gastos e perdas incorridos pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, o legislador abandonou o conceito de indispensabilidade, que integrava a anterior redação do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, e que a jurisprudência e a doutrina já vinham interpretando num sentido amplo afastando a exigência de uma necessária ligação causal entre os gastos e os rendimentos.

2.3  Desde logo, há que referir que a nova redação do artigo 23.º do CIRC, introduzida pela Lei n.º 2/2014, visa implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, pelo que o legislador optou por consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo e por este incorridos ou suportados, assente na ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto, asserção que se retira do relatório final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, datado de 30 de Junho de 2013.

2.4       Nesta linha de raciocínio no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA, proferido no processo n.º 0372/16, datado de 15.11.2017, embora os facos em crise reportassem ao ano de 2009, foi sublinhado que “[n]o entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adotar quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art.º 23.º do CIRC na redação anterior a 2009), está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos. No mesmo entendimento, um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da atividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios”.

2.5     A este propósito destaque-se a posição do professor Rui Morais, referida a páginas 86 e 87, dos seus Apontamento de IRC, Coimbra 2007, em que refere que “ a invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais” Reforça esta ideia dizendo que “a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objetivo da transação, ou seja do business purpose test. Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo (…). Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial (…) o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo parceiros comerciais, etc.) então tal custo não deve ser havido por indispensável”.

2.6  No acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), proferido no processo n.º 74/01.7BTLRS, datado de 14.02.2019, é firmada jurisprudência a estabelecer que “[o] requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a Administração Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respetivo escopo societário. Quanto ao enquadramento no aludido artigo 23.º do CIRC, deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo: a) É entendimento da jurisprudência que a Administração Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjetivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. art.º 23.º, n.º 1, do CIRC), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica; b) Um custo indispensável não tem de ser um custo que diretamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do art.º 23.º do CIRC; c) A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita corretamente organizada (cfr. art.º 75, n,º 1, da LGT), pois, não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado art.º 23.º do CIRC”.

2.7  Por sua vez, a página 215, em “Os limites do planeamento fiscal”, Coimbra 2006, o Professor Saldanha Sanches faz notar que “saber se um certo custo corresponde, ou não à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado (…) de modo a realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a à condição da verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos”.

2.8  Nesta linha de pensamento, há que concluir que a relevância fiscal de um gasto depende unicamente da sua conexão com a atividade da empresa, independentemente do mérito da opção de gestão empresarial que tenha sido seguida na assunção desse encargo, havendo apenas de afastar-se os gastos que tenham sido determinados por outras motivações.

2.9  Ora, os gastos suportados pela Requerente pelos serviços prestados pela B... foram determinados com o objetivo de incrementar a atividade empresarial, designadamente, pelo acréscimo do número de frações comercializadas comparativamente aos anos anteriores, o que inquestionavelmente foi conseguido, para além de se ter verificado um incremento no valor de comercialização e venda de frações comparativamente ao ocorrido nos anos transatos.

2.10 É absolutamente despiciendo para aferir da indispensabilidade do gasto, na perspetiva de que contribuiu para a formação dos rendimentos sujeitos a IRC, a afirmação ou o considerando de que os gastos podem estar empolados, porquanto, conforme se refere no acórdão do STA, proferido no processo n.º 01432/17, datado de 04.04.2018, “a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade”.

2.11 Os gastos suportados pela Requerente assentam num acordo de prestação de serviços e estão devidamente documentados por faturas, pelo que nada permite concluir que não correspondem a serviços efetivos, estando evidenciado, desde o primeiro momento, que os serviços decorreram no mercado internacional, designadamente, no mercado chinês, razão pela qual se deslocaram a Portugal diversas pessoas interessadas na aquisição de frações do imóvel sito na ..., n.º..., em Lisboa, diligências que conduziram à efetiva venda de seis frações do imóvel em causa.

2.12 É, assim, inquestionável que existe um nexo causal entre os serviços prestados pela B... e a atividade empresarial desenvolvida pela Requerente, pelo que, nos termos do artigo 23.º do CIRC, aqueles gastos suportados pela Requerente, no valor de € 205 969,00, reúnem os requisitos legais para serem considerados como gastos fiscais, pelo que, nesta medida, deve o pedido da Requerente ser considerado procedente e, consequentemente, ser anulada, na parte correspondente, a liquidação de IRC referente ao ano de 2014.

2.13 Quanto à anulação das liquidações de juros compensatórios há que sublinhar que este tipo de juros constituem uma compensação para o credor tributário, com vista a ressarci-lo pelo retardamento da liquidação e entrega nos cofres do Estado do imposto que seja, nos termos da lei, devido. A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista imposto a liquidar decorrente de atos, omissões ou inexatidões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação, no caso, a autoliquidação de IRC realizada pelo sujeito passivo referente ao período de tributação do ano de 2014. O atraso na liquidação ou entrega do imposto quando imputável ao sujeito passivo pressupõe um comportamento culposo, ainda que a título negligente, razão pela qual os juros compensatórios se podem configurar como tendo a natureza de uma cláusula penal legal, assumindo a forma de agravamento “ex lege” ao imposto devido, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de pagamento e regime de cobrança.

2.14 Os juros compensatórios são liquidados conjuntamente com o imposto e integram-se na dívida principal (n.ºs 8 e 9 do art.º 35.º da LGT), e na liquidação dos juros compensatórios devem ser discriminados os valores da dívida de imposto e dos juros, explicando-se com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-se de outras prestações devidas. Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos atos tributários, imposta pelo n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT.

2.15 Compulsadas as notas demonstrativas da liquidação do imposto e dos juros compensatórios supra identificadas verifica-se que estes requisitos legais foram observados pelos serviços da AT, pelo que inexiste qualquer falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, bem como não se verificou qualquer violação do princípio da participação visto que, no âmbito do procedimento de inspeção tributária, a Requerente foi notificada nos termos do artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) e, nos termos da lei, não havia lugar a qualquer outra notificação da Requerente com vista ao exercício do direito de audição conexo com a liquidação dos juros compensatórios.

2.16 Dado que a Requerente relevou indevidamente na sua contabilidade um gasto no valor de € 18 204,00, ação que implicou retardamento da entrega de imposto nos cofres do Estado, mostram-se devidos os juros compensatórios conexos com o imposto devido e relativo à correção realizada pela AT atinente àquele valor, pelo que, nesta parte, o pedido da Requerente não pode ser considerado procedente na totalidade, mas sim e apenas na parte relativa aos juros compensatórios conexos com a liquidação do IRC referente ao valor dos gastos atinentes aos serviços prestados pela B... .

2.17 Nesta conformidade, nos termos do artigo 100.º da LGT, deve a AT proceder à imediata e plena restituição da situação que existiria se não tivessem sido cometidas as ilegalidades que justificam, nos termos decididos pelo tribunal, a procedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

II - 3 - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

3.1  Os juros indemnizatórios são devidos quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (n.º 1 do art.º 43.º da LGT). Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT o direito ao pagamento de juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral.

3.2  O pagamento de juros indemnizatórios pressupõe que o imposto objeto das liquidações colocadas em crise tenha sido pago, o que se confirma em relação à liquidação de IRC e juros compensatórios do ano de 2014, cujo pagamento foi realizado pela Requerente no dia 06 de Novembro de 2017.

3.3  Nesta medida, tendo em consideração a procedência do pedido da Requerente em relação aos gastos no valor de € 205 969,00, referentes às faturas que tutelam os serviços prestados pela B..., e a procedência parcial em matéria de juros compensatórios, porquanto em relação ao IRC decorrente da correção ao lucro tributável no valor de € 18 204,00, nos termos dos normativos do artigo 35.º da LGT e 102.º do CIRC, os juros compensatórios conexos com o imposto relativo a esta última correção se mostram devidos, devem ser pagos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, em relação ao valor do IRC e de juros compensatórios que efetivamente se mostrem indevidos, devendo a liquidação de juros indemnizatórios abranger o segmento temporal decorrido entre o pagamento indevido e a data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

III - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, e tendo o Tribunal formado a sua convicção com base nos factos evidenciados nas provas documentais apresentadas pelas Partes e nas razões

aduzidas, bem como na doutrina e jurisprudência citada em todas as peças do processo arbitral, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral em relação à liquidação de IRC, do ano de 2014, decorrente da desconsideração como gasto fiscal do valor de € 205 969,00, referente aos serviços prestados pela B..., com a consequente e correspondente anulação da liquidação de IRC;
  2. Julgar procedente, parcialmente e na parte que são conexos com a liquidação de IRC anulada nos termos da alínea anterior, a liquidação dos respetivos juros compensatórios;
  3. Que, em resultado da anulação das liquidações de IRC e de juros compensatórios, deve a AT proceder à restituição à Requerente dos valores de imposto e de juros indevidamente pagos;
  4. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT, em relação aos valores de IRC e de juros compensatórios que se mostrem indevidamente pagos.

 

IV - 1 VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 42 606,41 (Quarenta e dois mil seiscentos e seis euros e quarenta e um cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

IV - 2 CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 2 142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de Abril de 2019

 

O Árbitro

 

 

Jesuíno Alcântara Martins