DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., S.A., portadora do número de identificação de pessoa coletiva..., com sede na ..., n.º..., em Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado e juros compensatórios, respeitantes ao período de 2012, no montante global de € 5.190.229,97, e, a título subsidiário, a anulação das liquidações na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas mas não chegaram a ser efetivamente pagas, requerendo ainda a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra esses actos de liquidação e a indemnização por prestação de garantia indevida.
2. Fundamenta o pedido nos seguintes termos:
2.1. Em contratos celebrados com os seus clientes em que oferece condições promocionais é estabelecida a obrigação de permanecerem contratualmente vinculados à Requerente durante um período temporal mínimo, que tem por finalidade permitir recuperar os custos de investimento no equipamento indispensável à prestação do serviço, bem como os custos de activação do serviço e de angariação de clientes, e que determina, em caso de incumprimento, o pagamento de uma indemnização que corresponde ao valor da mensalidade acordada multiplicado pelo número de meses em falta para completar o período de vigência mínimo do contrato.
2.2. Nas faturas que emite aos seus clientes a Requerente não sujeita a IVA o débito dos montantes devidos a título de indemnização, por incumprimento do período de fidelização, o que determinou, na sequência de um procedimento de inspeção externo com referência ao ano de 2012, que os serviços de inspeção tributária tivessem efectuado uma correção de IVA no montante global de € 4.752.315,32 por falta de liquidação de imposto.
2.3. No entanto, as indemnizações recebidas pela Requerente ao abrigo dos contratos de prestação de serviços celebrados com os seus antigos clientes não configuram uma operação tributável para efeitos de IVA, por inexistir uma qualquer prestação de serviços onerosa, nos termos e para os efeitos do Código do IVA, visto que se trata de contrapartidas que visam ressarcir o operador pelo dano sofrido com a resolução antecipada contrato e que poderá caracterizar-se como uma cláusula penal que tem uma função sancionatória ou compulsória sobre o devedor em ordem à execução do contrato.
2.4. O IVA é um imposto geral sobre o consumo que visa tributar as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas a título oneroso e, nesse sentido, a inexistência de um ato de consumo (independentemente de haver algum nexo entre duas prestações realizadas no âmbito de uma relação sinalagmática) conduz ao afastamento da operação do âmbito de incidência do imposto, na medida em que não traduz a realização de um serviço que confira uma vantagem susceptível de ser considerada como um elemento constitutivo do custo da actividade de outra pessoa na cadeia comercial.
2.5. Por outro lado, não obstante o artigo 16.º, n.º 6, alínea a), do Código do IVA dispor que apenas são excluídas do valor tributável “as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial das obrigações”, é entendimento unânime que todas as demais indemnizações que não configurem a contraprestação de uma qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços não devem ser tributadas em IVA.
2.6. A título subsidiário, há ainda a considerar que em relação ao débito do montante de indemnizações decorrentes do incumprimento do período de fidelização, que ascendeu a € 20.662.216,75, apenas cerca de 10% dessa importância veio a ser efetivamente paga, pelo que as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios devem ser anuladas na proporção correspondente ao montante das indemnizações que tendo sido faturadas não chegaram a ser cobradas.
3. A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a indemnização por incumprimento do período de fidelização corresponde ao total dos rendimentos que a operadora iria auferir caso o contrato vigorasse até ao seu termo e visam compensar rendimentos cessantes que decorrem das obrigações contratualmente assumidas no âmbito de contratos de prestações de serviços, pelo que representam uma contraprestação de operações tributáveis em IVA.
3.1. Sublinha a esse propósito, que, em virtude da natureza e vocação generalista do imposto, a conceptualização das operações tributáveis (transmissões de bens, prestações de serviços ou operações que lhe possam ser assimiladas) é efectuada com recurso a definições de âmbito alargado, devendo o imposto sobre o valor acrescentado ser cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo.
3.2. Nos casos em que a indemnização tem subjacente uma contrapartida em razão da qual uma determinada entidade obtém ganhos económicos não pode afastar-se a sujeição a IVA, não relevando apurar qual a qualificação civilística das quantias facturadas aos clientes em consequência da rescisão antecipada dos contratos de prestação de serviços.
3.3. Assim, somente o pagamento de uma indemnização num contexto não sinalagmático, sem qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação relativa ao exercício de uma actividade económica, deverá ser considerada como excluída da sujeição a tributação em sede de IVA.
3.4. Concluindo que uma prestação devida por ocasião da rescisão antecipada de um contrato de prestação de serviços deverá ter um enquadramento idêntico ao regime do contrato principal, na medida em que visa obter receitas que são sucedâneas da contrapartida contratualmente prevista para a prestação de serviços originária.
3.5. Quanto ao pedido subsidiário, a Administração Tributária recorda que, no âmbito do sistema comum do IVA, o facto gerador do imposto entende-se como aquele mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto e só quando o sujeito passivo tivesse procedido à liquidação do imposto é que poderia exercer o direito à regularização relativamente a créditos não cobráveis nos termos do artigo 78.º do Código do IVA.
3.6. Como questão prévia, a Administração Tributária requereu a suspensão da instância arbitral até decisão final do TJUE no reenvio prejudicial suscitado no processo arbitral n.º 282/2016-T em que colocam questões de idêntica natureza e que é tramitado pelo processo C- 295/17.
4. No seguimento do processo, por despacho de 9 de março de 2017, foi determinada a suspensão da instância até à decisão a proferir pelo TJUE no reenvio prejudicial requerido no Processo n.º 282/2016-T.
5. Na sequência da decisão proferida no âmbito do reenvio prejudicial foi ordenada a cessação da suspensão, por despacho de 16 de janeiro de 2019, e notificada a Requerente para dizer se mantém interesse na prova testemunhal arrolada no pedido e, em caso afirmativo, indicar os pontos de facto sobre que deve incidir.
6. Em resposta, a Requerente solicitou a substituição das diligências de prova pelo aproveitamento extraprocessual da prova produzida por testemunhas ouvidas no âmbito dos processos arbitrais n.º 589/2017-T e 107/2018-T, que foi deferido por despacho de 15 de fevereiro de 2019.
7. Em alegações, a Requerente pronunciou-se sobre os resultados probatórios resultantes dos elementos do processo e da prova testemunhal produzida e, no mais, concluiu, em síntese, nos seguintes termos:
7.1. Não se verifica a dupla condição de que o TJUE em sede de reenvio faz depender a sujeição a IVA das indemnizações: a correspondência entre o montante que o sujeito passivo teria recebido a título de remuneração dos serviços que se comprometeu a prestar se o cliente não tivesse resolvido o contrato e o montante que é cobrado a esse antigo cliente a título de indemnização pela rescisão do contrato antes de findo o período mínimo de vigência; e, por outro lado, a exigência de que a resolução antecipada do contrato não altere a realidade económica da relação entre o sujeito passivo e o seu cliente.
7.2. Subsidiariamente, caso se venha a decidir pela sujeição a IVA das indemnizações faturadas pela Requerente aos seus antigos clientes em resultado do incumprimento do período de fidelização, sempre deverá concluir-se pela ilegalidade das liquidações sindicadas por incidirem sobre todos os montantes faturados, e não apenas sobre os montantes efetivamente cobrados.
7.3. Acresce que não há possibilidade de se impor à Requerente a obrigação ou ónus de proceder à regularização, nos termos dos artigos 78.º, n.ºs 7 e 8, 78.º-A, 78.º-B, do Código do IVA em vista a que a Requerente deva entregar ao Estado o IVA incidente apenas sobre os montantes das indemnizações faturadas e recebidas dos seus antigos clientes.
7.4. Além de que o imposto alegadamente devido com referência às indemnizações aqui em causa, a debitar pela Requerente aos seus clientes, sempre teria que constituir uma componente do valor debitado, e nunca um elemento a acrescer àquele, pelo que o montante de imposto a entregar ao Estado, com referência aos meses de janeiro a dezembro de 2012, deveria considerar-se incluído no valor já debitado e cobrado aos seus clientes.
7.5. Por fim, sempre deverá o tribunal determinar a anulação das liquidações de juros compensatórios, porquanto, na falta de uma conduta censurável imputável à Requerente, não se mostram verificados os pressupostos previstos no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, para que tais juros possam ser devidos à Requerida.
8. A Autoridade Tributária tomou posição quanto à matéria de facto que deve ser tida como assente e defendeu a aplicação à situação do caso do acórdão proferido pelo TJUE em reenvio prejudicial por se verificarem os respectivos pressupostos factuais. Quanto à pretendida ilegalidade das liquidações que tenham incidido sobre montantes facturados e não cobrados, considerou que a regularização do IVA é da iniciativa do sujeito passivo, de acordo com as regras definidas nos artigos 78.º a 78-º-D do Código do IVA, não cabendo ao tribunal arbitral formular uma apreciação quanto verificação dos requisitos materiais e formais legalmente exigidos para o efeito. Quanto à alegada incorporação do IVA no valor já debitado e cobrado aos clientes, sustenta que, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IVA, o valor que serve de base ao cálculo do imposto devido é o valor total da contraprestação obtida ou a obter do adquirente da prestação de serviços, pelo que o valor tributável não inclui o imposto.
8.1. Conclui, pelo acima exposto, pela improcedência do pedido.
9. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.
10. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
11. As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
12. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11 de dezembro de 2017.
13. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
14. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
15. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.
16. O prazo para a prolação da decisão arbitral, desconsiderado o período em que decorreu a suspensão da instância, termina em 26 de Maio de 2019.
II. Fundamentação
Matéria de facto
17. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes:
A) A A... é uma sociedade anónima, cujo objecto social consiste no estabelecimento, concepção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de comunicações electrónicas, bem como na prestação de serviços de comunicações electrónicas e de transporte e difusão de sinal de telecomunicações.
B) Em sede de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal e é sujeito passivo para efeitos de IVA.
C) No âmbito da sua atividade, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de prestação de serviços de telecomunicações, de acesso à internet, televisão e multimédia.
D) Em determinados contratos é estipulada a obrigação de os clientes permanecerem contratualmente vinculados durante um período temporal mínimo.
E) Esses contratos incluem uma cláusula que, em caso de resolução antecipada do contrato por iniciativa ou causa imputável ao cliente, implica a obrigação de pagamento, a título de indemnização, do número de mensalidades que faltarem para completar o período de vigência mínimo.
F) O período de fidelização tem por finalidade primordialmente promover o cumprimento dos contratos e recuperar os custos suportados com investimentos em equipamentos, activação do serviço e angariação de clientes.
G) Nas situações de incumprimento do período mínimo de vigência, a Requerente emite aos seus clientes faturas nos montantes devidos a título de indemnização sem liquidação de IVA e com a expressa menção “Não sujeito a IVA”.
H) Nessas faturas a Requerente menciona sob o título de Detalhe de Faturação tratar-se de “Indemnização incumprimento contratual – serviço”.
I) Apenas uma reduzida parte dos valores respeitantes aos valores debitados, nas situações de incumprimento, são objeto de pagamento.
J) A Requerente, no momento da emissão das correspondentes faturas, regista os valores respectivos na rubrica contabilística # 282 - Rendimentos a reconhecer, e apenas reconhece estes valores, do ponto de vista contabilístico, como resultados, no momento em que o seu cliente incumpridor efetua o pagamento do valor faturado.
L) A Requerente foi objecto de um procedimento de inspeção externo de âmbito geral, com referência ao ano de 2012, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2014..., de 14 de março de 2014.
M) Na sequência deste procedimento inspectivo, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º ..., de 26 de novembro de 2014, do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, no qual os Serviços de Inspeção Tributária propunham uma correção de IVA no montante global de € 4.752.315,32 por falta de liquidação de imposto nas indemnizações cobradas aos clientes por incumprimento do período de fidelização.
N) A Requerente exerceu o direito de audição relativamente ao projecto de relatório, o que não impediu que fosse mantida a correcção inicialmente proposta.
O) Na sequência, a Requerente foi notificada das liquidações n.ºs 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., relativas a IVA, e das liquidações n.ºs 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015... e 2015..., relativas a juros compensatórios, no montante global de € 5.190.229,97, todas respeitantes ao período de 2012.
P) Não tendo procedido ao pagamento dos atos de liquidação dentro do período voluntário para o efeito, foram instaurados os respetivos processos de execução fiscal.
Q) Em 16 de abril de 2015, a Requerente apresentou junto da Autoridade Tributária, nos termos e com os efeitos do artigo 169.º do CPPT, a garantia bancária n.º..., emitida pelo Banco B..., S.A., no montante de € 6.578.499,83, para efeitos de suspensão dos processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das quantias em dívida.
R) Em 16 de julho de 2015, deduziu reclamação graciosa contra os actos de liquidação.
S) Em 3 de novembro de 2015, foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, relativamente ao qual exerceu o direito de audição.
T) Em 11 de dezembro de 2015, foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa.
U) Em 8 de janeiro de 2016, interpôs recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa anteriormente deduzida.
V) Em 3 de Agosto de 2017, foi notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, datado do dia 1 de agosto anterior, proferido pelo Subdiretor-Geral da Autoridade Tributária, ao abrigo de subdelegação de competências.
X) No Relatório de Inspeção Tributária, cujas conclusões originaram os actos tributários de liquidação impugnado, refere-se em síntese o seguinte: “Conclui-se, assim, que as presentes indemnizações visam compensar rendimentos cessantes e decorrem do cumprimento de obrigações contratualmente assumidas no âmbito de contratos de prestações de serviços, pelo que representam uma contraprestação de operações tributáveis em IVA. Em termos de enquadramento no Código do IVA as indemnizações em crise constituem uma contrapartida por uma prestação de serviços, sujeita e não isenta, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, ocorrendo o facto gerador e consequentemente sendo o imposto devido no momento da emissão da fatura, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, alínea a), sendo o valor tributável o da indemnização, de acordo com o artigo 16.º, n.º 1, sendo aplicável a taxa de 23%, prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea c), todos do Código do IVA.”
18. O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e nos depoimentos prestados nos processos arbitrais n.º 589/2017-T e 107/2018-T.
Matéria de direito
19. A questão que vem colocada a título principal consiste em saber se as indemnizações contratualmente estabelecidas para os casos de incumprimento do período de fidelização acordado entre a Requerente e os seus antigos clientes pode ser entendida como remuneração de uma prestação de serviços efectuada a título oneroso para efeito de sujeição a IVA.
20. Para justificar a não sujeição a imposto, a Requerente alega, em resumo, que as indemnizações visam ressarcir o operador pelo dano suportado com a resolução antecipada do contrato, podendo caracterizar-se como uma cláusula penal, enão se configuram como uma operação tributável para efeitos de IVA por inexistir uma prestação de serviços efetuada a título oneroso que tenha pressuposto um acto de consumo.
21. No processo foi determinada a suspensão da instância até à decisão a proferir pelo TJUE no Processo n.º C-295/17, na sequência do reenvio prejudicial requerido no Processo n.º 282/2016-T - com objeto idêntico ao dos presentes autos -, tendo sido proferido despacho de cessação da suspensão da instância após a prolação do acórdão do Tribunal de Justiça datado de 22 de novembro de 2018.
22. No pedido de reenvio prejudicial encontravam-se enunciadas essencialmente as duas seguintes questões: (a) se o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do período de vinculação se a resolução do contrato não tivesse ocorrido, constitui a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso para efeitos de IVA; (b) se são determinantes para a qualificação o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo resultante do incumprimento, o facto de a remuneração recebida pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável no direito nacional como cláusula penal.
23. O acórdão do TJUE proferido, em reenvio, no referido Processo n.º C-295/17 pronunciou-se nos seguintes termos:
A) O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.
B) Não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período, o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.
24. Na sequência dessa pronúncia, no referido Processo n.º 282/2016-T, o tribunal arbitral, por acórdão de 19 de fevereiro de 2019, julgou improcedente o pedido principal de anulação das liquidações e da decisão do recurso hierárquico com base no entendimento, em sintonia com o decidido pelo TJUE, de que deve considerar-se que os referidos montantes recebidos a título de indemnização por incumprimento dos contratos constituem a contraprestação de uma prestação de serviços para efeitos de IVA.
25. Em situação similar, e em aplicação do acórdão do Tribunal de Justiça, tinha já decidido em idêntico sentido o acórdão de 8 de janeiro de 2019, proferido no Processo n.º 596/2017-T.
26. E não há motivo para alterar agora esse entendimento.
27. A jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia, sendo esse o corolário do princípio da supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional (artigo 8.º, n.º 4, da Constituição) e da obrigatoriedade de reenvio prejudicial quando uma questão dessa natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno (artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).
28. No caso, o TJUE, respondendo à primeira questão que lhe foi colocada, sublinhou que “o montante devido por incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato remunera as prestações efetuadas pela A..., quer o cliente exerça quer não o direito de beneficiar dos referidos serviços até ao termo do período mínimo de vinculação ao contrato” (considerando 48) e, assim, “deve considerar-se que o montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato faz parte integrante do preço total pago pela prestação de serviços, dividido em mensalidades, preço esse que se torna imediatamente exigível em caso de incumprimento da obrigação de pagamento” (considerando 50). Vindo a concluir, consequentemente, que “o montante devido por incumprimento do período mínimo de vinculação constitui a contrapartida de uma prestação de serviços individualizável” (considerando 52).
29. Certo é que o TJUE remete para o órgão jurisdicional de reenvio a verificação de que o montante predeterminado no contrato de prestação de serviços de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado (considerando 44), sendo esse o pressuposto de que depende a qualificação da contrapartida pela resolução antecipada do contrato como remuneração de uma prestação de serviços e que evidencia que a resolução antecipada não altera a realidade económica da relação entre a A... e o seu cliente (considerando 51).
30. No entanto, da matéria de facto tida como assente resulta claro que os contratos em causa incluem cláusulas que preveem a obrigação do cliente proceder ao pagamento de um valor correspondente ao da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse o período, em caso de desactivação dos serviços, antes do termo do vínculo contratual acordado, por iniciativa ou causa imputável ao cliente. Não podendo deixar de reconhecer-se, neste contexto, que se verifica a condição de que depende a aplicação no caso concreto da interpretação seguida pelo Tribunal de Justiça no sentido de que o montante devido por incumprimento do período mínimo de vinculação constitui uma contrapartida de uma prestação de serviços.
31. A Requerente alega, no entanto, que a incidência do IVA pressupõe a existência de um acto de consumo e que os clientes não gozam de qualquer vantagem ou benefício, após a resolução do contrato, pelo qual devessem pagar um determinado preço como contrapartida (artigo 185.º), não existindo um qualquer nexo directo entre o pagamento da indemnização e um qualquer serviço hipoteticamente prestado (artigo 235.º).
32. Deverá fazer-se notar, em todo o caso, que a decisão do TJUE responde também a essa questão, ao considerar que “a contraprestação do montante pago pelo cliente à A... é constituída pelo direito do cliente a beneficiar do cumprimento, por essa operadora, das obrigações decorrentes do contrato de prestação de serviços, ainda que o cliente não queira ou não possa exercer esse direito por um motivo que lhe é imputável” (considerando 45). E nessa circunstância – acrescenta-se – a A... coloca o cliente em condições de beneficiar dessa prestação, na aceção da jurisprudência, designadamente no acórdão Air France-KLM, em que se decidiu, quanto à venda de bilhetes de avião que os passageiros não utilizaram e cujo reembolso não conseguiram obter, que a contraprestação do preço pago na assinatura de um contrato de prestação de serviços é constituída pelo direito que o cliente dele extrai de beneficiar do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito.
33. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça concluiu que “o montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato faz parte integrante do preço total pago pela prestação de serviços, dividido em mensalidades, preço esse que se torna imediatamente exigível em caso de incumprimento da obrigação de pagamento” (considerando 50).
34. Não é possível afirmar, por conseguinte, à luz da interpretação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Directiva que foi seguida em reenvio prejudicial que não existe um acto de consumo ou que não existe uma relação sinalagmática entre a indemnização e a prestação de serviços.
35. Com efeito, na acepção do Tribunal de Justiça é o direito à prestação de serviços de telecomunicações durante um certo período de tempo que tem como contrapartida a globalidade das mensalidades que ficam a cargo do cliente, independentemente de haver lugar ao pagamento antecipado por resolução do contrato antes do final do período de fidelização.
36. Não pode deixar de concluir-se, nestes termos, que os montantes recebidos a título de indemnização por incumprimento do período de fidelização constituem contrapartida de uma prestação de serviços para efeitos de IVA, estando nessa medida sujeita a incidência do imposto.
37. A segunda questão analisada no acórdão do TJUE proferido em reenvio prejudicial prende-se com a relevância, para efeito do âmbito de incidência objectiva do imposto, da finalidade que é prosseguida com a previsão contratual de indemnização nos casos de resolução antecipada de contrato e da qualificação jurídica que possa ser atribuída a essa indemnização no direito interno.
38. A esse propósito, o Tribunal de Justiça assinalou que “o conceito de prestações de serviços, na acepção da Directiva IVA, deve ser interpretado independentemente das finalidades e dos resultados das operações em causa” (considerando 60) e, consequentemente, o objectivo que se pretenda atingir de “dissuadir os clientes de não respeitarem o período mínimo de vinculação do contrato não é determinante para a qualificação da remuneração contratual mínima no contrato de prestação de serviços” (considerando 62).
39. Num outro plano, o Tribunal considerou que é indiferente, para efeitos da interpretação das disposições da Directiva IVA, que o montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação “constitua, no direito nacional, uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual ou uma penalidade contratual, ou ainda que seja qualificado de reparação, indemnização ou remuneração” (considerando 68) e, especificamente, entendeu que não é determinante que “o referido montante seja qualificável, no direito nacional, como cláusula penal” (considerando 70).
40. Neste contexto, a alegada circunstância, na situação do caso, de a indemnização ter em vista incentivar o cumprimento do contrato pelos clientes e recuperar, em caso de incumprimento, os custos de investimento, bem como a possível qualificação da indemnização como cláusula penal a que se possa atribuir uma função sancionatória ou compulsória, não tem qualquer relevo, à luz da interpretação formulada pelo Tribunal de Justiça, para descaracterizar o montante devido pelo incumprimento do período de fidelização como remuneração de uma prestação de serviços.
41. Por outro lado, não tem cabimento – nem se encontra demonstrada – a alegação de que imposto se encontrava já incluído no valor debitado e cobrado aos clientes. Com efeito, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 16.º, n.º 1, e n.º 5, alínea a), do Código do IVA, o valor tributável das prestações de serviços é o valor da contraprestação obtida ou a obter do destinatário, nele se não incluindo o próprio imposto sobre o valor acrescentado. O que está em consonância com o disposto no artigo 37.º, n.º 1, onde se declara que “a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da fatura, para efeitos da sua exigência (…) aos destinatários dos serviços”.
42. Ora, se a indemnização por incumprimento do período de fidelização consiste no pagamento nas mensalidades ainda em falta que se encontrem contratualmente previstas pela prestação do serviço, esse é o valor da contraprestação que é tributável em IVA. O que também explica que nas faturas emitidas a título de indemnização conste a menção “não sujeito a IVA” (alínea G) da matéria de facto).
43. Por todo o exposto, o pedido principal formulado pela Requerente, tendo em vista a anulação da decisão do recurso hierárquico e dos actos de liquidação em IVA, mostra-se ser improcedente.
Pedido subsidiário
44. A título subsidiário, a Requerente solicita a anulação parcial dos actos de liquidação na proporção do montante das indemnizações que foram facturadas mas não efectivamente pagas, tendo em consideração que as correcções efectuadas pela Administração Tributária incidem sobre a totalidade das indemnizações devidas por incumprimento do período de fidelização, quando apenas cerca de 10% dessa importância veio a ser objecto de cobrança.
45. O não pagamento de facturas não pode constituir, no entanto, fundamento autónomo de anulação dos actos adicionais de liquidação. O imposto torna-se exigível em caso de obrigação de emissão de factura e a importância do imposto a liquidar deve ser adicionada ao valor da factura para efeitos da exigência aos destinatários dos serviços (artigos 8.º, n.º 1, 29.º, n.º 1, e 37.º, n.º 1, do Código do IVA).
46. Não tendo a Requerente procedido à liquidação do imposto nas facturas emitidas, a correcção oficiosa apenas pode originar a regularização nos termos previstos nos artigos 78.º e 78.º-A a 78.º-D do Código do IVA, a que também se refere o artigo 90.º da Directiva IVA, sendo que, em todo o caso, cabe ao sujeito passivo demonstrar os factos de que depende do preenchimento dos respectivos pressupostos. Havendo de entender-se que a regularização, nessa circunstância, apenas pode ser efectuada em momento ulterior à própria liquidação do imposto.
47. E, de resto, essa eventualidade também foi considerada no acórdão proferido em reenvio prejudicial quando aí se refere: “há que acrescentar, para todos os efeitos úteis (…) que, se for necessário, caberá às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente” (parágrafo 55).
48. Sendo ainda de notar que as “autoridades nacionais competentes” a que o TJUE pretende referir-se são as autoridades tributárias às quais cabe proceder à regularização nos termos das normas de organização fiscal aplicáveis.
49. Por todo o exposto, improcede o pedido subsidiário.
Questões de constitucionalidade
50. Alega ainda a Requerente que os actos impugnados violam o princípio do primado do direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, bem como o princípio da legalidade fiscal (artigo 103.º) e os parâmetros a que deve obedecer atributação do consumo (artigo 104.º, n.º 4).
51. O princípio do primado do direito da União Europeia deve entender-se como uma regra de prevalência das normas emanadas das instituições europeias sobre o direito interno infraconstitucional. No caso, como se deixou exposto, por subsistirem dúvidas sobre a interpretação de disposições da Directiva IVA, foi suscitada a questão perante o TJUE, que, pelo seu acórdão de 28 de novembro de 2018, se pronunciou no sentido de que o montante devido por incumprimento do período mínimo de vinculação constitui uma contrapartida de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso que, como tal, se encontra sujeita a imposto.
52. Devendo concluir-se que os actos tributários são conformes o sentido interpretativo definido pelo Tribunal de Justiça em pronúncia emitida sobre a situação do caso concreto, não é possível afirmar que existe uma violação do primado do direito da União Europeia.
53. Por sua vez, o princípio da legalidade fiscal, na sua acepção material, implica a tipicidade legal, tornando exigível que os elementos essenciais do imposto se encontrem definidos na lei de forma suficientemente determinada (cfr., entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004).
54. O âmbito de incidência objectiva do imposto e o conceito de prestação de serviços encontram-se suficientemente caracterizados no Código do IVA (artigos 1.º e 4.º) e não se vê – nem a Requerente explica – em que termos é que uma interpretação da lei segundo a qual o montante predeterminado para um certo período de vigência do contrato de prestação de serviços é a contrapartida do serviço prestado com referência a esse período pode pôr em causa a determinabilidade do imposto.
55. A Requerente defende, por fim, que fica demonstrada a violação do disposto no artigo 104.º, n.º 4, da Constituição quando se sujeita a tributação em IVA situações que não podem caracterizar-se como “actos de consumo”. No entanto, ao consignar que “[a] tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e de justiça social”, a Constituição está unicamente a definir parâmetros de tributação de consumo que envolvem determinantes económicas e sociais de política fiscal. Nenhum desses parâmetros está em causa quando, por via da interpretação da lei, se entende que o montante predeterminado para um certo período de vigência do contrato de prestação de serviços é equiparado a um acto de consumo para efeito de sujeição a IVA.
56. Nem por essa via se está sequer a fazer incidir o imposto sobre um acto que não devesse ser sujeito a tributação, mas antes a efectuar uma mera qualificação jurídica do conceito de prestação de serviços que não representa qualquer desvalor no plano do direito constitucional.
57. Não se verifica, por conseguinte, nenhuma das invocadas inconstitucionalidades.
Juros compensatórios
58. A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação a qualquer dos actos tributários de liquidação de IVA, alegando que não lhe é imputável uma conduta censurável que permita considerar verificados os pressupostos a que se refere o artigo 35.º, n.º 1, da LGT.
59. Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
60. Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só é exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.
61. E como se decidiu já no Acórdão do TCA-Sul de 11 de outubro de 2011 (Processo n.º 04163/10), “não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a Administração Fiscal e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária”.
62. Parece ser essa a situação do caso.
63. A questão jurídica subjacente à exigência do pagamento do imposto reveste-se de especial complexidade, podendo entender-se que a interpretação feita pelo sujeito passivo apresenta algum grau de plausibilidade, tendo também sido defendida na doutrina. Além de que as dúvidas suscitadas quanto ao sentido interpretativo do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Directiva IVA, quando aplicável ao caso, justificou que tivesse sido requerido o reenvio prejudicial no Processo n.º 282/2016-T e tivesse sido determinada a suspensão da instância no presente processo para aguardar a decisão a proferir pelo TJUE.
64. Neste contexto, não pode atribuir-se o retardamento da liquidação do imposto devido a um comportamento culposo do sujeito passivo, devendo concluir-se que a improcedência do pedido de pronúncia arbitral quanto a essa liquidação adicional não é determinante do reconhecimento do direito a juros compensatórios.
Indemnização por prestação de garantia indevida
65. A Requerente veio ainda requerer o pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, invocando o disposto no artigo 53.º da LGT, tendo para o efeito alegado e demonstrado que procedeu à constituição de garantia bancária para efeito de obter a suspensão dos processos de execução fiscal instaurados para a cobrança coerciva das importâncias em dívida.
66. Sem dúvida que o artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objecto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
67. O artigo 53.º da LGT admite, ainda, que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.
68. Ainda em aplicação do disposto neste último preceito, em caso de procedência parcial do pedido arbitral, a indemnização será devida na proporção do vencimento.
69. Assim sendo, tendo-se constatado a existência de erro imputável à Autoridade Tributária no que se refere à liquidação de juros compensatórios, há lugar à correspondente indemnização pela garantia indevidamente prestada.
70. Por outro lado, não sendo imediatamente quantificáveis os prejuízos decorrentes de prestação de garantia, por falta de alegação e prova dos encargos suportados, apenas poderão ser ressarcidos em incidente de liquidação a deduzir autonomamente (neste sentido, o acórdão do tribunal arbitral de 12 de fevereiro de 2018, Processo n.º 369/2017-T).
III. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) julgar improcedente o pedido arbitral quanto aos actos tributários de liquidação de IVA;
b) julgar procedente o pedido arbitral na parte referente aos juros compensatórios e anular, consequentemente, os correspondentes actos de liquidação;
c) condenar a Autoridade Tributária no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida no que se refere aos juros compensatórios, que é relegada para execução de sentença.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 5.190.229,97, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 65.178,00, que fica a cargo da Requerente e da Requerida na proporção do decaimento.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de abril de 2019.
O Presidente do Tribunal Arbitral
(Carlos Fernandes Cadilha)
A Árbitro Vogal
(Clotilde Celorico Palma – com declaração de voto em anexo)
O Árbitro Vogal
(Miguel Patrício)
Voto de Vencida
A signatária apresenta o seu voto de vencida no que se reporta às conclusões constantes das alíneas a) e b) do dispositivo final do Acórdão, com base nos seguintes fundamentos de facto e de direito, expendidos em termos similares no Processo n.º 282/2016-T, de 18 de Fevereiro de 2019, relativo a situação idêntica sobre a mesma entidade.
1. Nota prévia
Não podemos concordar com vários aspectos da Decisão Arbitral tal como é lavrada pelos ilustres colegas. Desde os factos dados como provados, à adequação de certas afirmações de facto tecidas e à apreciação da matéria de direito.
Desde logo, toda a Decisão é suportada no Acórdão do TJUE de 22 de Novembro de 2017 proferido no Processo n.º C-295/17.
Afirmam os ilustres colegas Árbitros na presente Decisão Arbitral que “24. Na sequência dessa pronúncia, no referido Processo n.º 282/2016-T, o tribunal arbitral, por acórdão de 19 de fevereiro de 2019, julgou improcedente o pedido principal de anulação das liquidações e da decisão do recurso hierárquico com base no entendimento, em sintonia com o decidido pelo TJUE, de que deve considerar-se que os referidos montantes recebidos a título de indemnização por incumprimento dos contratos constituem a contraprestação de uma prestação de serviços para efeitos de IVA.”
Ora, importa esclarecer que, como começámos por salientar, na aludida Decisão a signatária apresentou voto de vencida em termos similares aos ora expendidos.
Mais, em nosso entendimento interessa desde logo denotar que a presente Decisão Arbitral é omissa quanto a factos não provados relevantes para os devidos efeitos.
Neste contexto, não poderemos anuir quanto ao elenco dos factos dados como provados no presente caso, devendo a nosso ver, dar-se como igualmente provados os seguintes factos determinantes para a Decisão:
(i) “O montante devido pelo (antigo) cliente da Requerente em caso de incumprimento do período de fidelização não corresponde necessariamente ao montante que a Requerente teria recebido caso esse período de fidelização não fosse cumprido, nomeadamente por via da utilização de serviços não contemplados no valor da mensalidade-base contratada e/ou pela manutenção do contrato após o período de fidelização”;
(ii) “A resolução antecipada do contrato por parte do cliente ou por motivo a este imputável altera a realidade económica da relação que havia sido estabelecida entre a Requerente e o seu (antigo) cliente.”
Com efeito, resulta provado que a Requerente, ao iniciar uma relação comercial com um determinado cliente, tem a expectativa de lhe poder prestar, além dos serviços incluídos na mensalidade base, outros serviços também contratados (e.g. volumes de tráfego de internet superiores aos contratados, tráfego internacional, chamadas de valor acrescentado, tráfego nacional não incluído no pacote de serviços contratado, canais premium, etc.), sujeitos a preços distintos previamente comunicados ao cliente e que extravasam o valor da mensalidade base previamente acordada (cfr. facto alegado no artigo 28.º da p.i. e provado através dos depoimentos das testemunhas inquiridas no Processo n.º 589/2017-T, cujo aproveitamento da prova foi deferido por este Tribunal Arbitral através do despacho datado de 15.02.2019, C..., assinalado na acta de inquirição de testemunhas de 05.04.2018, gravado em registo áudio, contador 0:02:52.4, 0:04:12.0, 0:30:15.2, 0:31:46.3, 0:32:48.8, 0:34:12.0, 0:37:40.9, 0:59:12.6, 1:02:35.0, 1:12:43.6, 1:13:29.4, e D..., assinalado na acta de inquirição de testemunhas de 05.04.2018, gravado em registo áudio, contador 0:06:20.6, 0:14:14.2).
Ficou igualmente provado que mais de 80% dos clientes da Requerente têm consumos extra que implicam o pagamento de facturas mensais que excedem a importância correspondente à mensalidade-base (cfr. depoimento da testemunha C... inquirida no Processo n.º 107/2018-T, assinalado na acta de inquirição de testemunhas de 16.01.2019, gravado em registo áudio, contador 0:06:09.5, 0:10:37.4 e 0:11:49.7, cujo aproveitamento da prova foi deferido por este Tribunal Arbitral através do despacho datado de 15.02.2019).
Também ficou provado que os serviços não incluídos na mensalidade-base são serviços incluídos no contrato de prestação de serviços que os clientes têm direito a usufruir e que a Requerente está, no âmbito daquele contrato, obrigada a prestar (cfr. depoimento da testemunha C... inquirida no Processo n.º 107/2018-T, assinalado na acta de inquirição de testemunhas de 16.01.2019, gravado em registo áudio, contador 0:16:41.9, 0:17:40.2, 0:18:35.4 e 0:19:46.2, cujo aproveitamento da prova foi deferido por este Tribunal Arbitral através do despacho datado de 15.02.2019).
Interessa sobretudo salientar que, em nosso entendimento, ficou provado que os valores facturados pela Requerente aos seus clientes no decurso da vigência do contrato são bastante superiores aos valores das mensalidades-base que são usadas como referência para efeitos de cálculo da indemnização que é devida pela cessação antecipada do contrato por iniciativa do cliente ou por causa a este imputável (cfr. decorre da leitura conjunta dos factos alegados nos artigos 28.º e 34.º da p.i. e provado através dos depoimentos das testemunhas inquiridas no Processo n.º 589/2017-T, cujo aproveitamento da prova foi deferido por este Tribunal Arbitral através do despacho datado de 15.02.2019, C..., assinalado na acta de inquirição de testemunhas de 05.04.2018, gravado em registo áudio, contador 0:30:15.2, 0:32:48.8, 0:34:12.0, e D..., assinalado na acta de inquirição de testemunhas de 05.04.2018, gravado em registo áudio, contador 0:06:20.6, e ainda do depoimento da testemunha C..., inquirida no Processo n.º 107/2018-T, assinalado na ata de inquirição de testemunhas de 16.01.2019, gravado em registo áudio, contador 0:08:20.5 e 0:19:19.5, cujo aproveitamento da prova foi igualmente deferido por este Tribunal Arbitral através do despacho datado de15.02.2019).
Sendo que ficou provado que a Requerente não recebe os mesmos montantes nas situações em que o contrato cessa antecipadamente (durante a vigência do período de fidelização) por iniciativa do cliente (ou por causa a este imputável), face às situações em que o contrato se mantém em vigor (cfr. depoimento da testemunha C... inquirida no Processo n.º 107/2018-T, assinalado na acta de inquirição de testemunhas de 16.01.2019, gravado em registo áudio, contador 0:08:55.9, cujo aproveitamento da prova foi deferido por este Tribunal Arbitral através do despacho datado de 15.02.2019).
Por outro lado, é certo que, como se afirma no ponto 27 da presente Decisão, “ A jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia, sendo esse o corolário do princípio da supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional (artigo 8.º, n.º 4, da Constituição) e da obrigatoriedade de reenvio prejudicial quando uma questão dessa natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno (artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).”
Contudo, deve salientar-se que, como iremos salientar infra, um reenvio para o TJUE é uma realidade muito distinta de um recurso, situação à qual muitas vezes se pretende fazer reconduzir tal instituto.
2. Delimitação e pressupostos de tributação da matéria de facto em análise
Vejamos qual o cerne da matéria que por ora nos ocupa. Importa em especial, no caso em apreço, analisar se os pagamentos das quantias em apreço por denúncia antecipada ora em causa podem ser qualificados como uma “contraprestação” relativa a uma prestação de serviços efectuada pela A... aos seus clientes. Isto é, se existe ou não na situação em causa um acto de consumo para que a operação possa, como tal, ser objecto de tributação em IVA.
Na situação em causa, os montantes implicam o pagamento de quantias estipuladas tendo por referência os valores das mensalidades em falta dentro do período de fidelização, facto propício a induzir a confusões no tocante à delimitação de uma indemnização não tributável para efeitos de IVA.
As conclusões da presente Decisão Arbitral estribam-se no aludido Acórdão do TJUE.
Ora, interessa a priori ter presente que, como se prevê e deu como facto provado pelo Tribunal Arbitral no caso do Processo n.º 282/2016-T, aquando do reenvio e o TJUE menciona na sua decisão, “em caso de desativação dos produtos e serviços nele previstos antes do termo do período mínimo convencionado de vinculação ao contrato, a pedido dos clientes ou por um motivo que lhes seja imputável, a A..., S.A. tem direito a uma indemnização correspondente ao montante da mensalidade acordada multiplicado pela diferença entre a duração do período mínimo de vinculação prevista no contrato e o número de meses em que o serviço foi prestado.”
Por outro lado, importa em especial salientar que, como se deu igualmente por provado e o TJUE referiu, “na sequência da rutura antecipada, pelo cliente, do contrato de prestação de serviços, a A..., S.A. desativa os serviços previstos nesse contrato e remete ao cliente uma fatura com o montante da indemnização previamente determinada no contrato…” .
Interessa, assim, analisar aprofundadamente a situação em apreço, mormente atendendo aos factos em causa.
3. O TJUE e o reenvio prejudicial – Considerações prévias
Neste contexto, há que ter em consideração desde logo qual o papel do TJUE numa situação de reenvio prejudicial. Qual o alcance que correctamente deve ser conferido a um reenvio?
A este respeito, importa recordar, por um lado, que cabe ao juiz nacional definir o quadro regulamentar e factual do litígio que lhe foi submetido (v., neste sentido, Acórdão de 21 de Setembro de 2016, Caso Radgen, Proc. C478/15, n.os 27, 32).
Mas interessa em particular ter em consideração as RECOMENDAÇÕES à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais .
Vejamos então as partes relevantes.
Conforme se elucida, “
1. O reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.
(…)
7. Como referido anteriormente, o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional.
8. Quando se pronuncia sobre a interpretação ou a validade do direito da União, o Tribunal esforça-se ainda por dar uma resposta útil para a solução do litígio no processo principal, mas é ao órgão jurisdicional de reenvio que cabe tirar as consequências concretas dessa resposta, eventualmente afastando a aplicação da regra nacional em questão.”
4. Enquadramento no Direito Civil
4.1 Conceito civilístico de indemnização
Embora, como o TJUE referiu, não seja determinante o enquadramento da situação em causa para efeitos do direito nacional, é um elemento relevante a ter em consideração. Um importante indício da factualidade em causa que, como al, não deve ser desprezado.
Na sua acepção civilística, o conceito de indemnização encontra-se ligado à necessidade de reparação de um determinado prejuízo. Uma indemnização consubstancia a reparação de um prejuízo, em virtude do incumprimento ou do deficiente cumprimento de uma obrigação, da violação de um direito absoluto ou de uma norma que proteja interesses privados. A indemnização pode ainda ser definida como uma obrigação cujo conteúdo redunda no dever de praticar uma actividade destinada a fazer desaparecer um dano .
O Código Civil prevê que o dever de indemnizar poderá resultar quer da violação de deveres contratuais, quer de situações decorrentes de responsabilidade extracontratual, sendo certo que ambos os tipos de responsabilidade configuram modalidades daquela que é uma das mais relevantes fonte de obrigações – a responsabilidade civil.
Genericamente, poder-se-á entender por responsabilidade civil: (i) o conjunto de factos que dão origem à obrigação de indemnizar os danos sofridos por outrem ou, (ii) a obrigação de uma pessoa reparar um dano sofrido a uma outra pessoa, obrigação essa que decorre da própria lei (por contraposição às obrigações que decorrem da vontade das partes), na qual a entidade responsável é devedor e o lesado credor , ou (iii) a situação em que se encontra alguém que, tendo praticado um acto ilícito, é obrigado a indemnizar o lesado dos prejuízos que lhe causou .
A responsabilidade contratual resulta de uma infracção de uma obrigação em sentido técnico, em virtude da qual uma pessoa está obrigada a determinada prestação perante outra . Pressupõe, como a própria designação indica, a violação de obrigações estipuladas em contratos ou em negócios jurídicos unilaterais.
As normas aplicáveis à responsabilidade civil contratual encontram-se previstas nos artigos 798.º e seguintes do Código Civil.
Por sua vez, a responsabilidade extracontratual decorre da infracção de um dever geral, na maior parte dos casos correspondendo a direitos absolutos e consequentes deveres universais de abstenção para a comunidade, nos casos em que tal violação origina danos a outrem.
Trata-se, de um modo geral, de uma responsabilidade por actos ilícitos, embora a lei civil compreenda ainda a responsabilidade por actos lícitos e pelo risco.
Quer no caso da responsabilidade contratual quer no da extracontratual, relativamente à obrigação de indemnizar, aplica-se o disposto nos artigos 562.º e ss. do Código Civil.
Entre as modalidades das obrigações, a obrigação de indemnização apresenta-se como uma figura autónoma , prevendo-se o princípio geral consagrado no aludido normativo, de acordo com o qual “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
A obrigação de indemnizar pode derivar de várias situações, tais como:
(i) incumprimento definitivo (cfr. artigo 798.º do Código Civil);
(ii) mora (cfr. artigo 804.º, n.º 1, do Código Civil);
(iii) cumprimento defeituoso (cfr. artigos 799.º, 898.º, 899.º, 908.º, 909.º, 913.º e seguintes e 1218.º e seguintes do Código Civil);
(iv) impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor (cfr. artigo 801.º, n.º 1, do Código Civil);
(v) facto ilícito culposo extracontratual (cfr. artigo 483.º do Código Civil);
(vi) expropriação por utilidade pública ou particular (cfr. artigo 310.º do Código Civil);
(vii) obrigação contratualmente assumida de reparar um dano.
Em qualquer dos casos, o denominador comum da obrigação de indemnização é a remoção ou reparação de um dano ou prejuízo sofrido por outrem.
Isto é, importa sublinhar que o conceito de indemnização assume inequivocamente em termos civilísticos um carácter reparatório.
Uma das diversas classificações dos danos distingue-os entre danos emergentes e lucros cessantes. Os primeiros compreendem a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado, ao passo que os lucros cessantes se reportam aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, isto é, ao acréscimo patrimonial frustrado. O n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil, aplicável ao cálculo da indemnização, determina que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como igualmente os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Neste sentido, o lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou ou, por outras palavras, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho .
Do Código Civil decorre, ainda, a distinção entre danos presentes e futuros, sendo certo que o n.º 2 do referido artigo 564.º determina que “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”. Os danos futuros, por contraposição aos danos presentes, não se encontram verificados no momento em que são considerados, designadamente à data da fixação da indemnização. Os danos futuros são indemnizáveis desde que se verifique a previsibilidade dos mesmos, podendo classificar-se como certos ou eventuais, consoante a respectiva produção se apresente como infalível ou apenas possível.
4.2 Caracterização do contrato e cláusula de permanência mínima
O contrato de prestação de serviços de telecomunicações celebrado entre a A... e os seus clientes configura-se como um contrato de execução continuada ou duradoura. Estes contratos, como não têm habitualmente um prazo de duração fixado, permitem, em regra, a sua denúncia a todo o tempo . Ora, de forma a evitar essa situação, é normal estipular-se em tais contratos um período mínimo de vigência, habitualmente denominado período de fidelização, que no caso concreto importa sublinhar que é, igualmente, a contrapartida pelo acesso a melhores condições contratuais em termos de tarifário ou descontos no equipamento. O período mínimo de permanência consubstancia-se, em geral, numa cláusula aposta num contrato de execução duradoura que determina a obrigação de as partes manterem o contrato inalterado por um certo período de tempo, não o podendo denunciar até ao termo desse período . Consequentemente, o período de fidelização gera uma obrigação de permanência no contrato, através de uma proibição da sua denúncia, que corresponde, desta forma, a uma obrigação contratual assumida pelas partes. Essa obrigação contratual poderia ser tutelada de várias formas: ou considerando a denúncia ineficaz antes do fim do período de fidelização, com a consequência de se manter plenamente vigente o contrato, ou estipulando uma indemnização para a hipótese de incumprimento do período de fidelização, situação que ocorre nos contratos em apreço.
Isto é, neste caso, a cláusula de fidelização é associada a uma cláusula penal, a qual se encontra prevista no artigo 810.° do Código Civil, disposição esta que prescreve que "as partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.”
Em conformidade com as soluções acolhidas no Direito Comparado, distinguem-se dois tipos de cláusulas penais: uma que se destina a estabelecer uma penalização por incumprimento, visando incentivar o devedor a cumprir (a denominada “penalty clause”), outra que visa unicamente liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de incumprimento (a denominada “liquidated damages clause”).
A diferença essencial entre as duas é que a primeira pretende estabelecer uma efectiva penalidade para o comportamento do devedor, que pode não ter relação com o montante dos danos sofridos pelo credor.
A cláusula de fidelização prevista nos contratos celebrados pela A..., corresponde a uma cláusula penal na versão da liquidated damages clause, estipulando assim uma fixação antecipada da indemnização correspondente aos danos a ressarcir, conforme o previsto no artigo 810.º do Código Civil.
Neste tipo de contratos celebrados com operadoras de telecomunicações, bem como, por exemplo, nos contratos celebrados com ginásios ou com operadores do sector energético, é habitual existir esta modalidade de cláusulas que obrigam a uma permanência mínima de forma a poder compensar as entidades dos custos que suportam.
Como notam Conceição Gamito, Frederico Antas e Joana Branco Pires, “…estes períodos de fidelização, contratualmente estabelecidos pelos operadores de comunicações electrónicas, pelos operadores do sector energético ou mesmo pelas empresas que exploram ginásios, justificam-se (i) pelos avultados investimentos iniciais que os operadores têm de realizar para proporcionar aos seus clientes os melhores e mais sofisticados produtos e serviços a preços acessíveis, atractivos e competitivos; (ii) pelos custos de angariação de clientes e de activação dos serviços;(iii) pela oferta de condições contratuais mais vantajosas aos seus clientes, designadamente campanhas promocionais, descontos ou outros benefícios.”
Relativamente aos operadores de comunicações electrónicas, a possibilidade de cobrar um determinado montante a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização está especificamente prevista na Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (LCE) e no Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de Junho.
Em caso de resolução do contrato antes do termo do período de fidelização, verifica-se um incumprimento contratual por violação do período de fidelização, cuja admissibilidade está prevista quer nas regras gerais do Direito Civil, quer na Lei das Comunicações Electrónicas, entretanto objecto de diversas alterações.
Note-se que, até às alterações introduzidas com a Lei 15/2016, de 17 de Junho, o legislador não definiu limites concretos, nem requisitos específicos, no tocante à delimitação da cláusula penal indemnizatória, incumbindo, pois, às partes, como corolário do princípio da liberdade contratual, fixar os montantes devidos em caso de incumprimento. No artigo 48.º, n.º 5, da Lei das Comunicações Electrónicas, apenas se proibia que tais montantes fossem desproporcionais ou excessivamente onerosos e desincentivadores da mudança de prestador de serviço por parte do assinante.
Conforme o previsto na LCE, sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é objecto de contrato que deve obrigatoriamente especificar diversos aspectos.
Como se determina no respectivo artigo 48.º, “2. A informação relativa à duração dos contratos, incluindo as condições da sua renovação e cessação, deve ser clara, perceptível, disponibilizada em suporte duradouro e incluir as seguintes indicações:
a) Eventual período de fidelização, cuja existência depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais;
b)(…);
c) Eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais.”
Note-se que a Autoridade Reguladora Nacional (ARN) pode solicitar às empresas, nos termos do artigo 108.º, que demonstrem o valor conferido à vantagem justificativa do período de fidelização.
Importa em especial denotar que a Lei 15/2016 introduziu os n.ºs 11 e 12 ao artigo 48.º da LCE, que determinam o seguinte:
“11 - Durante o período de fidelização, os encargos para o assinante, decorrentes da resolução do contrato por sua iniciativa, não podem ultrapassar os custos que o fornecedor teve com a instalação da operação, sendo proibida a cobrança de qualquer contrapartida a título indemnizatório ou compensatório.
12 - Os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização, por iniciativa do assinante, devem ser proporcionais à vantagem que lhe foi conferida e como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, não podendo em consequência corresponder automaticamente à soma do valor das prestações vincendas à data da cessação.”
Isto é, a partir da introdução destes dois números à LCE, torna-se absolutamente claro, se dúvidas houvesse, que os montantes pagos por rescisão antecipada do contrato durante o período de fidelização correspondem a um intuito meramente ressarcitório dos custos que o operador teve com a instalação da operação e não a uma contraprestação de quaisquer serviços, pelo que se proíbe a cobrança de qualquer outra quantia a título de indemnização ou compensação, estipulando-se que devem ser proporcionais à vantagem conferida.
Importa assim ter presente que, quer antes da referida alteração quer após tal alteração, estão em causa situações relacionadas com a compensação de danos.
Assim, somos de entendimento que estamos sempre – quer antes quer após a alteração da norma - perante uma compensação pelas condições especiais atribuídas ao cliente, uma verdadeira cláusula penal e não face a uma qualquer contraprestação de uma prestação de serviços inexistindo um acto de consumo que atribua à operação natureza tributável em IVA, como iremos compreender mais facilmente da análise da jurisprudência neste contexto. Por outro lado, importa ter presente que a Decisão do TJUE a propósito do reenvio, não pode ser tida como uma solução para o caso, apenas se limitando a tentar fornecer uma solução devolvendo aos Tribunais nacionais, como é de direito, tal tarefa.
Como vimos, o TJUE, no seu Acórdão de 22 de Novembro de 2018, no Proc. C- 295/17, veio concluir que “Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara: 1) O artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.
2) Não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período, o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.”
Uma leitura precipitada das conclusões vindas de citar levaria a concluir pela existência no caso concreto de uma prestação de serviços tributável em IVA, mas não é isso que se verifica, importando analisar aprofundadamente e com rigor a matéria factual em causa bem como proceder a uma análise igualmente aprofundada e rigorosa da jurisprudência do TJUE, nomeadamente do Caso KLM invocado pelo TJUE como decisivo neste contexto.
Estamos, em nosso entendimento, perante uma mera compensação não tributável em IVA, não existe qualquer acto de consumo, pelo que concordamos inteiramente com o Parecer do Professor Doutor Joachim Englisch, consultor da Comissão Europeia para a Reforma do IVA, bem como com a análise ao Acórdão A..., S.A. do TJUE levado a cabo por Juan Calvo Vérgez, Professor Titular (acreditado para Catedrático) de Derecho Financiero y Tributario na Universidad de Extremadura, conforme iremos referir infra .
Vejamos então o que acabámos de afirmar, encetando a tarefa de que o TJUE nos incumbiu como instância de decisão nacional que dispõe na sua plenitude dos factos. Vamos subsumir tais factos ao direito, tal como é interpretado pela jurisprudência do TJUE sobre a matéria.
5. As operações tributáveis em IVA
O IVA, dadas as suas características de imposto geral sobre o consumo definidas a nível da União Europeia, incide, tendencialmente, sobre todo o acto de consumo, incidindo em todas as fases do circuito económico, apenas no valor acrescentado gerado em cada uma.
As suas regras de incidência pressupõem, regra geral, o exercício de uma actividade económica enquanto tal, na qualidade de sujeito passivo.
Em conformidade com a Directiva IVA, este imposto abrange duas categorias essenciais de factos susceptíveis de tributação: as “entregas de bens” e as “prestações de serviços”.
Estas operações estão sujeitas a IVA quando forem efectuadas no território de um país por quem exerça de modo independente actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços e desempenhem profissões liberais ou equiparadas.
A incidência do IVA é assim definida, quanto às transacções internas, pela prática de “operações tributáveis”, que são as “entregas de bens” e as “prestações de serviços”, por sujeitos passivos agindo como tais. Só a conjunção dos elementos objectivo e subjectivo da incidência qualifica estas operações como tributáveis.
O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), na esteira da então Sexta Directiva, recortou o conceito de actividade económica, distinguindo, para o efeito, actividades de produção, comércio ou prestações de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres (alínea a) do n.º 1 do respectivo artigo 2.º). Por outro lado, considera como sujeitos passivos do imposto todos aqueles que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, prossigam essas actividades, bem como os que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real de IRS e de IRC.
Como operações tributáveis em sede deste imposto encontramos as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as operações intracomunitárias. À excepção das prestações de serviços, todas as operações tributáveis se encontram definidas positivamente.
Conforme nota Xavier de Basto , de acordo com a Sexta Directiva, “Uma atribuição patrimonial, qualquer que seja, terá, em princípio, subjacente uma prestação de serviço, se não for contrapartida de uma entrega de bens, mesmo que tal prestação de serviços haja de qualificar-se (como faz a administração francesa) de inominada (inomée), por ser desconhecido ou de difícil identificação o seu conteúdo. Há que, todavia, ter o cuidado de não levar longe demais o significado e as implicações da renúncia da directiva em definir, de modo positivo, as prestações de serviços e em identificar o seu conteúdo. Parece ser necessário que, de qualquer modo, exista um serviço. Uma atribuição patrimonial feita por um sujeito passivo não pode ser considerada, sem mais, como contrapartida de um serviço.”
Isto é, é importante reter desde logo que para que se esteja perante uma prestação de serviços para efeitos de IVA é necessário que haja efectivamente a prestação de um serviço subjacente que, nomeadamente, represente o exercício de uma actividade económica, isto é, que haja efectivamente um acto de consumo. Caso contrário, será inaceitável a tributação de uma operação em sede deste imposto, invocando-se a natureza negativa do conceito de prestação de serviços.
De acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia e em conformidade com as características básicas deste tributo, o conceito de actividade económica para efeitos de IVA é, antes de mais, um conceito amplo e tal facto deverá reflectir-se na interpretação dos elementos que o compõem.
Ou seja, deverá aferir-se casuisticamente se existe ou não um acto de consumo, uma operação com substância económica que possamos tributar a título de prestação de serviços.
5.1 As prestações de serviços
O conceito de prestação de serviços para efeitos de IVA é definido de forma residual no artigo 24.º, n.º1, da Directiva IVA.
Em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, do CIVA, são qualificadas como prestações de serviços todas as operações realizadas a título oneroso que não se qualificam como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
Quando se refere que as prestações de serviços, para efeitos de IVA, decorrem de um conceito residual de operações tributáveis, isso significa apenas que a lei (comunitária ou nacional) não pode assentar numa tipicidade fechada, devendo abdicar de uma técnica de enumeração. Não significa que tenha abandonado qualquer preocupação de juridicidade na construção do conceito, mormente prescindindo de verificar se as operações que caem sob a alçada do conceito fiscal de “prestação de serviços” respondem ou não a certas características estruturais deste conceito.
Isto é, é importante reter que, para que se esteja perante uma prestação de serviços para efeitos de IVA, é necessário que haja efectivamente a prestação de um serviço subjacente que, nomeadamente, represente o exercício de uma actividade económica. Caso contrário, será inaceitável a tributação de uma operação em sede deste imposto invocando-se a natureza negativa do conceito de prestação de serviços.
Em suma, a operação em causa tem que ter substância económica para que possamos tributá-la em IVA. Temos que estar perante o exercício de uma actividade económica.
Há que verificar se as operações em análise respondem ou não a características de natureza jurídica, genéricas ou específicas, que permitem delimitar com maior precisão os contornos do conceito de prestação de serviços como operação sob a qual o IVA incide.
São genéricas as que são comuns às restantes operações tributárias internas. São específicas as que apenas dizem respeito às prestações de serviços.
Quanto às características específicas, uma prestação de serviços é sempre, do ponto de vista jurídico, um contrato bilateral e, em princípio, para efeitos de IVA, oneroso. Significa isto que, como iremos verificar, tal como preconiza o TJUE, para que se possa falar de uma prestação de serviços a título oneroso (e, como tal, tributável) deve “existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário”. Ou, noutra formulação, significa que esta noção há-de pressupor “a existência de um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido”.
Decorre daqui que não existe prestação de serviços tributável em IVA se não existir bilateralidade ou sinalagma (prestação e contraprestação) ou se houver mera correspectividade indirecta.
Ou, de novo, como diz o TJUE, como iremos ver mais adiante, não estão preenchidas as condições de uma prestação de serviços efectuada a título oneroso, se não existir “contrapartida que tenha valor subjectivo e nexo directo com o serviço prestado”.
Isto é, deve salientar-se em especial que, um juízo quanto ao preenchimento do conceito de prestação de serviços, nesta acepção residual, e, bem assim, quanto à incidência de imposto, dependerá também da verificação do carácter oneroso da operação e da existência de um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido.
Os referidos aspectos – carácter oneroso e nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido – assumem um papel determinante na análise da natureza deste imposto, conforme tem vindo a ser referido pela jurisprudência do TJUE, e na definição dos limites do carácter residual do conceito de prestação de serviços para efeitos de IVA, designadamente no que diz respeito ao enquadramento aplicável às indemnizações.
Como referimos, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, uma prestação de serviços tributável só é efectuada a título oneroso se existir entre o prestador de um serviço individualizável e o respectivo beneficiário, uma relação jurídica no âmbito da qual sejam transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador a contraprestação efectiva do serviço prestado ao beneficiário no contexto desta relação jurídica . Em primeiro lugar, é necessário que o sujeito passivo pratique um acto específico - ou se abstenha de praticar um acto ou tolere um acto (artigo 25.º, alínea b), da Directiva IVA) - que possa ser qualificado a título de serviço prestado em benefício de um destinatário individualizável. Em segundo lugar, o serviço prestado deve relacionar-se directamente com a obrigação de pagamento. O pagamento a efectuar deve reflectir o valor que as partes atribuíram a um serviço prestado pelo sujeito passivo.
No que se reporta ao primeiro requisito, importa interpretar o conceito de “fornecimento” de “um serviço” à luz do objectivo e dos princípios que subjazem ao sistema comum do IVA na UE. Como o TJUE tem vindo a salientar, uma transacção não se configura como uma prestação de serviços tributável em IVA se não proporciona qualquer benefício a um consumidor identificável (ou a outro sujeito passivo na cadeia comercial. A existência de uma relação recíproca entre pagamento e prestação que permita classificar o pagamento como “contraprestação” por um serviço só se verifica se existir uma remuneração e o respectivo montante se basear no valor do benefício consumível proporcionado pelo sujeito passivo a um destinatário identificável.
Nestes termos, no caso em apreço importa em especial apurar se o pagamento das quantias por denúncia antecipada é efectuado em troca de um benefício distinto consumível que a A... se comprometeu a disponibilizar aos assinantes. Se assim se viesse a concluir, estaríamos perante uma prestação de serviços tributável em IVA. Caso contrário, se o pagamento consubstanciar meramente uma penalização destinada a compensar uma perda financeira decorrente da resolução prematura do contrato com o assinante, precisamente porque a A... já não irá prestar nenhum serviço ao assinante como contraprestação, não existe uma prestação de serviços tributável em sede deste imposto . Ora é esta precisamente a situação que se verifica no caso concreto. Com efeito, conforme se constata no Processo, assim que existe incumprimento do período de fidelização cessa a prestação de qualquer serviços por parte da A... não se podendo falar na existência de uma acto de consumo quer para efeitos correntes quer muito menos para efeitos deste tributo..
Vejamos com maior detalhe os aspectos vindos de enunciar.
Relativamente ao conceito de contraprestação, de acordo com a jurisprudência do TJUE, referimos que este conceito se encontra em estreita conexão com o carácter oneroso das operações sujeitas a imposto.
Para este efeito, dever-se-ão considerar como contraprestações todos os benefícios susceptíveis de avaliação pecuniária e de apreciação subjectiva.
Para que haja tributação em sede de IVA, deverá existir uma contraprestação que se assuma como a remuneração de um serviço que haja sido prestado . A referida contraprestação, imprescindível à sujeição a este imposto, deverá integrar-se numa relação jurídica da qual decorrem prestações recíprocas .
A existência das referidas prestações recíprocas corresponde também à necessidade de prossecução de uma actividade económica, sendo certo que esta não se basta com a existência de qualquer transacção que envolva “movimentação de valores”, implicando também, para este efeito de determinação da contraprestação, que as partes envolvidas tenham consciência ou tenham acordado o que cada uma espera da outra.
Vejamos, então, qual o alcance dos referidos conceitos de onerosidade e nexo directo.
5.2 Onerosidade e contraprestações recíprocas
Sem prejuízo da existência de regras que determinam a equiparação de determinadas operações gratuitas a operações tributadas, o carácter oneroso é parte integrante dos pressupostos de incidência deste imposto.
No que tange ao alcance do referido conceito de onerosidade, existem relevantes decisões do TJUE.
No Caso Apple and Pear Development Council , estava em análise uma situação de uma organização que tinha por missão fazer publicidade, acções de promoção e melhorar a qualidade das maçãs e peras produzidas em Inglaterra e no País de Gales.
Neste âmbito, o TJUE considerou que as contribuições obrigatórias impostas aos produtores não constituíam, neste caso, qualquer contraprestação, na medida em que não tinham qualquer nexo directo com as vantagens auferidas pelos produtores individuais. Tal conclusão – de ausência de nexo directo entre o contravalor recebido e o serviço prestado –, foi sustentada no entendimento de acordo com o qual os produtores individuais de maçãs e de peras apenas beneficiavam de vantagens na medida em que as retiravam indirectamente das que eram atribuídas, de modo geral, ao conjunto do sector.
Ou seja, desta decisão decorre a necessidade de existência de uma (qualquer) relação entre as vantagens decorrentes dos (alegados) serviços prestados e os montantes pagos .
Já no Caso Kennemer Golf & Country Club, o TJUE entendeu que as quotizações anuais pagas por membros de uma associação desportiva são susceptíveis de constituir a contrapartida pelos serviços que esta presta, mesmo quando os membros não utilizam regularmente as instalações da associação, tendo concluído pela existência de um nexo directo entre as quotizações e os serviços prestados.
Este entendimento assentou no facto de, nesse caso, as prestações da associação serem constituídas pela disponibilização aos membros das instalações desportivas e das vantagens a elas inerentes (com carácter permanente), e não por prestações pontuais efectuadas a pedido destes.
Relativamente ao que se deve entender por existência do já referido nexo directo entre a contraprestação e o serviço, outras decisões do TJUE assumiram um papel relevante.
A este propósito, no Caso Tolsma, o TJUE debruça-se sobre a questão de saber se uma actividade que consiste na interpretação de música na via pública poderá considerar-se uma prestação de serviços efectuada a título oneroso, quando não se exige qualquer remuneração, recebendo-se, contudo, uma contribuição .
Entendeu o TJUE, neste âmbito, que só deverá haver uma prestação de serviços tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida. Refere assim o TJUE que uma prestação de serviços só deverá considerar-se efectuada a título oneroso, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário.
O TJUE considerou, neste caso, que o facto de um músico tocar em público, com vista a obter dinheiro, e de receber efectivamente certas quantias nesta ocasião, é irrelevante para qualificar a actividade em causa como uma prestação de serviços efectuada a título oneroso.
Resulta também desta decisão a necessidade – para que se conclua pela existência de uma actividade económica – das partes terem consciência das contraprestações recíprocas a que se encontram obrigadas.
Como salientou o TJUE no Caso FCE Bank , resulta da jurisprudência comunitária que uma prestação de serviços só é tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica em cuja vigência são trocadas prestações e contraprestações, recordando a denominada “jurisprudência das prestações recíprocas . Em conformidade com a jurisprudência das prestações recíprocas, como temos vindo a salientar, uma operação só é tributável se houver um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido, um sinalagma individualizável, isto é, se houver uma relação jurídica determinável entre prestador e beneficiário.
Resulta também da jurisprudência do TJUE que um juízo de delimitação negativa de incidência de IVA exige ainda uma análise que concluía pela existência, ou não, de um acto de consumo. Neste âmbito, o TJUE já teve oportunidade de se pronunciar em situações de pagamentos de quantias tendo em vista abandonar a produção de alimentos, tendo concluído que tais compromissos não trouxeram à Comunidade, nem às autoridades nacionais, benefícios susceptíveis de permitir considerá-los consumidores de um serviço, concluindo que não existiu nestes casos qualquer prestação de serviços, na acepção do artigo 6.º, n.º 1, da então Sexta Directiva.
Nestes casos, não obstante, reconhecer a existência de um nexo directo entre o montante recebido e a obrigação assumida pelo produtor, afastou a sujeição a imposto, tendo por base o entendimento de acordo com o qual não existiu qualquer acto de consumo.
Ora, há indemnizações que, apesar de à primeira vista parecerem susceptíveis de serem enquadradas no conceito residual de prestação de serviços, não poderão consubstanciar qualquer operação tributável, nomeadamente uma prestação de serviços, quando não se constate a existência de um nexo directo entre um serviço prestado e o contravalor recebido, tal como sucede na situação controvertida, não existindo qualquer acto de consumo.
6.Valor tributável das operações
O valor tributável das operações é o valor sobre o qual vai incidir o imposto, tendo regras especiais para efeitos do IVA.
Regra geral, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do CIVA, o valor tributável será o valor da contraprestação obtida ou a obter pelo alienante ou pelo prestador de serviços. Neste montante deverão ser incluídos e excluídos determinados valores, nos termos do disposto nos n.ºs 5 e 6 da citada disposição legal, pelo que o valor tributável e o preço poderão não coincidir.
Assim, são incluídos no valor tributável:
Os impostos, direitos e taxas, com exclusão do IVA;
As despesas acessórias (comissões, embalagens, transporte, seguros, publicidade, etc.);
As subvenções ou subsídios, directamente relacionados com o preço de cada operação;
Por outro lado, são excluídos do valor tributável:
Os juros pelo pagamento diferido do preço;
As indemnizações declaradas judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações;
Os descontos, bónus e abatimentos;
As quantias pagas em nome e por conta do adquirente, registadas pelo contribuinte em contas de terceiros apropriados;
As embalagens que não forem objecto de transacção.
Em conformidade com o entendimento do TJUE, a contraprestação deverá ser real e efectiva, susceptível de avaliação pecuniária e de apreciação subjectiva, devendo incluir-se todos os benefícios obtidos de uma forma directa, independentemente de terem natureza monetária ou consistirem numa transmissão de bens ou numa prestação de serviços .
7.Tratamento das indemnizações em sede de IVA
Como vimos, tipicamente, as indemnizações pretendem ressarcir prejuízos sofridos a um lesado assumindo uma natureza reparatória, razão pela qual o pagamento de tais montantes se encontra, regra geral, fora do âmbito de incidência deste imposto.
A questão da tributação em IVA do pagamento de quantias a título de indemnização é complexa e dá azo a várias incertezas.
Desde logo, o termo indemnização é comummente utilizado fora do seu sentido estritamente jurídico, prestando-se a alguns equívocos, pelo que, para efeitos de um correcto enquadramento em sede de IVA desta matéria, importará distinguir se o pagamento de uma quantia a título de indemnização tem subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços que seja remunerada através de uma contrapartida e, nessa medida, consubstancie uma operação sujeita a este imposto existindo um acto de consumo, ou se tais entregas consubstanciam meras compensações reparatórias, aproximando-se assim do seu sentido jurídico, sendo, como no caso vertente, quantias pagas a título de cláusula penal que, enquanto tal, não devem ser objecto de tributação.
Como vimos, o IVA pretende tributar operações onerosas, isto é, aquelas em que ambas as partes se encontram sujeitas a contraprestações recíprocas, facto que não se verifica no caso concreto.
Vimos que, de acordo com o previsto na alínea c) do n.º6 do artigo 16.º do CIVA, são excluídas do valor tributável das operações aquelas indemnizações que forem declaradas judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações, dado não terem uma relação directa com a prestação. Quais é que serão, então, as indemnizações tributáveis em sede de IVA?
Cumpre a este propósito notar que é apenas em sede de determinação do valor tributável que o Código do IVA faz a única referência expressa às indemnizações.
Por sua vez, importa sobremaneira notar que a Directiva IVA não contém qualquer norma equivalente ao disposto na referida alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA, que exclua do valor tributável as indemnizações declaradas judicialmente .
Importa desde logo salientar que não pode proceder-se a uma interpretação demasiado estrita desta norma, dela se extraindo que apenas as indemnizações em que houve reconhecimento judicial expresso não deverão ser sujeitas a IVA.
A exclusão de tributação deverá resultar da natureza reparatória da indemnização, independentemente do facto de ter sido declarada judicialmente.
A própria AT parece ter admitido, em determinado momento, a desnecessidade desta norma, ao referir que a parte final da alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA seria rigorosamente desnecessária, caso se atendesse à natureza não remuneratória da indemnização .
Assim, o cerne desta questão deverá passar, genericamente, pela diferenciação das indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de um bem ou uma prestação de serviços, dos pagamentos que se consubstanciam em compensações remuneratórias, independentemente de virem a ser (ou não) reconhecidas judicialmente.
Se as situações de pagamento de indemnizações a título de responsabilidade civil extracontratual, regra geral, não suscitam grandes problemas, já noutros casos, relativos a situações de responsabilidade civil contratual, o enquadramento em sede de IVA pode ser problemático.
Assim, como vimos, para efeitos de um correcto enquadramento em sede de IVA das indemnizações, importa distinguir se a entrega de uma quantia a título de indemnização tem subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços que seja remunerada através de uma contrapartida e, nessa medida, consubstancie uma operação sujeita a este imposto, ou se tais entregas consubstanciam meras compensações reparatórias, aproximando-se assim do seu sentido jurídico .
8. Jurisprudência
8.1 Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia
O Tribunal de Justiça abordou por diversas ocasiões a distinção entre uma operação tributável e uma indemnização fora do âmbito de incidência do imposto por incumprimento de um acordo contratual.
Os critérios nos quais se baseiam a qualificação das indemnizações por denúncia antecipada recebidas pela A... deverão assim resultar primeiramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça.
A não sujeição a IVA das cláusulas penais foi confirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no seu Acórdão de 18 de Julho de 2007, proferido no Caso Société Thermale d'Eugénie-les-Bains, sobre sinais pagos em contratos relativos a prestações de serviços sujeitas a IVA e conservados pelo prestador em caso de incumprimento. Este Caso dizia respeito a montantes pagos adiantadamente, a título de sinal, aquando de reservas de estadias efectuadas pelos clientes que ou eram deduzidos do pagamento ulterior das prestações de estadia ou conservadas pela referida sociedade em caso de anulação das reservas pelos clientes .
A Administração Tributária local considerou que os montantes recebidos adiantadamente pela sociedade no acto de reserva das estadias e conservados em caso de anulação da reserva pelos clientes deviam estar sujeitos a IVA, tendo sido solicitado ao TJUE que se pronunciasse sobre a questão de saber se os montantes pagos a título de sinal deveriam consubstanciar a remuneração da prestação de serviços de reserva, estando por isso sujeitos a imposto ou como indemnizações pagas para reparação do prejuízo sofrido em consequência da desistência do cliente, sem ligação directa com qualquer serviço prestado a título oneroso, não estando, por isso, sujeitos a esse mesmo imposto.
O TJUE recordou que resulta de jurisprudência assente que só poderá concluir-se pela incidência de imposto se existir um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido, constituindo os montantes pagos uma contrapartida efectiva de um serviço individualizável fornecido no âmbito de uma relação jurídica em que se trocam prestações recíprocas.
Começou o Tribunal de Justiça por sustentar neste Caso que “as partes contratantes são livres de definir, com respeito pelas disposições imperativas de ordem pública, o conteúdo da sua relação jurídica, incluindo as consequências de uma eventual resolução ou incumprimento das suas obrigações [...] Assim, as partes podem prever, em caso de incumprimento das obrigações do contrato que celebraram, cláusulas relativas a uma indemnização ou penalização de mora, a uma caução ou a um sinal [... incluindo] uma indemnização fixa, dado que o seu pagamento dispensa uma das partes de provar o montante do prejuízo sofrido quando a outra parte não cumpre o estipulado. Esta constatação não é infirmada [...], pelo facto de, na maior parte dos casos, o montante do prejuízo sofrido e o do sinal conservado não coincidir nem pela eventualidade de os quartos libertados pela desistência poderem ser ocupados por novos clientes. Com efeito, tratando-se de uma indemnização fixa, é normal que o montante do referido prejuízo possa ultrapassar o do sinal conservado pela entidade que explora o estabelecimento hoteleiro ou ser inferior a esse montante.”
No tocante ao sinal, o Tribunal salientou que "a conservação do sinal em causa no processo principal é (...) a consequência do exercício pelo cliente da faculdade que lhe assiste de resolver o contrato e serve para indemnizar a referida entidade na sequência da desistência. Essa indemnização não constitui a retribuição de uma prestação e não faz parte da matéria colectável do IVA."
Nestes termos, o Tribunal concluiu que os artigos 2.°, n.º 1 e 6.°, n.º1, da Sexta Directiva, “devem ser interpretados no sentido de que os montantes pagos a título de sinal, no âmbito de contratos que têm por objecto a prestação de serviços hoteleiros sujeitos ao imposto sobre o valor acrescentado, devem ser considerados, quando o cliente exerce a faculdade que lhe assiste de resolver o contrato e esses montantes são conservados pela entidade que explora um estabelecimento hoteleiro, como indemnizações fixas de rescisão pagas para reparar o prejuízo sofrido na sequência da desistência do cliente, sem nexo directo com qualquer serviço prestado a título oneroso e, enquanto tais, não sujeitas a esse imposto."
Ora, parece-nos evidente que a mesma doutrina tem que ser aplicada aos casos das cláusulas de fidelização em que a operadora de telecomunicações cobra ao cliente determinada importância pelo facto deste não ter cumprido o período de vigência mínima do contrato a que se tinha comprometido. Efectivamente, conforme salienta Luís Menezes Leitão, "uma vez que envolve uma estipulação da indemnização em caso de incumprimento, o sinal aproxima-se da cláusula penal (art. 810°, nº1), desta se distinguindo apenas pelo facto de pressupor a entrega prévia de uma coisa fungível.”
Note-se em especial, dada a similitude com a situação ora em análise, que no Caso Cantor Fitzgerald o TJUE defendeu que a compensação paga por um inquilino ao senhorio de forma a que este aceitasse uma denúncia antecipada do arrendamento não está sujeita a IVA .
Esta é precisamente situação em que a A... se encontra quando recebe a compensação contratualmente acordada de um assinante que pretende a denúncia antecipada do contrato promocional de telecomunicações.
No seu Acórdão proferido no Caso Air France - KLM and Hop!Brit Air que o TJUE chamou à colação como principal figura jurisprudencial inspiradora do seu arresto no caso concreto de que nos ocupamos , o TJUE veio elucidar de forma detalhada o tratamento das indemnizações versus prestações de serviços em sede deste tributo.
Com efeito, importa aqui mencionar em especial o Caso KLM, no qual, basicamente, o TJUE veio fundamentar a sua proposta de decisão no sentido da existência de uma contraprestação de uma prestação de serviços no caso concreto, isto é, do tal acto de consumo que leva a concluir pela sua tributação .
No Caso Air France-KLM o TJUE decidiu que o IVA é exigível mesmo no caso de o viajante não utilizar o bilhete de avião dado, como concluiu, o serviço ter sido disponibilizado ao utente, isto é ter havido um acto de consume consubstanciado na disponibilização de tal serviço .
A Air France -KLM, que sucedeu à Air France em 2004, é uma sociedade com sede em França, que exerce uma actividade de transporte aéreo. No âmbito dessa actividade, a Air France-KLM efectua serviços de transporte aéreo de passageiros no território francês. Uma vez que esses voos estão sujeitos a IVA, os bilhetes de avião referentes a esses voos são vendidos a preços que incluem esse imposto.
A partir de 1999, a Air France deixou de entregar ao Tesouro o IVA cobrado sobre o preço de venda dos bilhetes emitidos e não utilizados pelos passageiros dos seus voos domésticos. Estavam em causa, por um lado, bilhetes não passíveis de troca e que caducaram devido à não comparência dos passageiros no momento do embarque e, por outro, bilhetes passíveis de troca não utilizados dentro dos respectivos prazos de validade.
Na sequência de uma fiscalização da contabilidade, a Administração Fiscal entendeu que as quantias relativas a esses «bilhetes emitidos e não utilizados» deviam ter sido sujeitas a IVA.
Tendo dúvidas quanto à sujeição a IVA de um título de transporte não utilizado, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:
«1) Devem as disposições dos artigos 2.°, n.° 1, e 10.°, n.° 2, da [Sexta Diretiva e da Sexta Diretiva alterada] ser interpretadas no sentido de que a emissão do bilhete pode ser equiparada à execução efetiva da prestação de transporte e de que os montantes não devolvidos pela companhia aérea, quando o titular do bilhete não tiver utilizado o seu bilhete e este tiver caducado, estão sujeitos [a IVA]?
2) Em caso afirmativo, o imposto cobrado deverá ser entregue ao Tesouro a partir do momento em que é recebido o preço, mesmo que a viagem possa não se realizar por facto imputável ao cliente?»
No Processo apenso C-289/14 estava em causa a mesma realidade.
Resulta da decisão de reenvio no processo C-289/14 que a Brit Air, actual Hop! -Brit Air SAS, efectuou serviços de transporte aéreo de passageiros no âmbito de um contrato de franchising celebrado com a Air France-KLM. Esta última estava encarregada da comercialização e da gestão da venda de bilhetes das linhas exploradas em franchising pela Brit Air.
A Air France-KLM recebia o preço dos bilhetes, entregando-o de seguida à Brit Air por cada passageiro transportado. A título dos bilhetes vendidos mas não utilizados, quer por não comparência do passageiro no momento do embarque quer pela caducidade do bilhete, a Air France-KLM pagava à Brit Air uma compensação anual fixa calculada em percentagem (2%) do volume de negócios anual (com IVA incluído) das linhas exploradas no âmbito do contrato de franchising. A Brit Air não pagou IVA sobre esse montante.
Tendo dúvidas quanto à tributação em sede de IVA de quantias pagas por uma companhia aérea a uma empresa da mesma natureza como contrapartida pela venda de bilhetes de transporte não utilizados, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e suscitar junto do TJUE o mesmo tipo de questões.
Recordando a teoria das contraprestações recíprocas, o TJUE conclui que “25 Resulta destes elementos que uma prestação de serviços, como o transporte aéreo de passageiros, está sujeita a IVA nos casos em que, por um lado, a quantia paga por um passageiro a uma companhia aérea, no âmbito de uma relação jurídica materializada no contrato de transporte, está diretamente relacionada com um serviço individualizável, relativamente ao qual constitui a remuneração, e, por outro, o referido serviço é prestado.
26 A este respeito, o Tribunal de Justiça esclareceu que os serviços cuja prestação corresponde ao cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de transporte aéreo de pessoas são o registo assim como o embarque dos passageiros e o seu acolhimento a bordo do avião no lugar de descolagem estipulado no contrato de transporte em causa, a partida da aeronave à hora prevista, o transporte dos passageiros e das suas bagagens do lugar de partida para o lugar de chegada, o acompanhamento dos passageiros durante o voo e, finalmente, o desembarque, em condições de segurança, no lugar de aterragem e à hora que esse contrato fixa (v. acórdão Rehder, C 204/08, EU:C:2009:439, n.º40).
27 Todavia, a realização dessas prestações só é possível se o passageiro da companhia aérea se apresentar na data e no local de embarque previstos, reservando lhe a referida companhia o direito de delas beneficiar até à hora do embarque nas circunstâncias definidas pelo contrato de transporte celebrado no momento da compra do bilhete.
28 Por conseguinte, a contraprestação do preço pago quando da compra do bilhete é constituída pelo direito que dele retira o passageiro de beneficiar da execução das obrigações decorrentes do contrato de transporte, independentemente do facto de o passageiro exercer esse direito, sendo que a companhia aérea realiza a prestação a partir do momento em que coloca o passageiro em condições de beneficiar dessas prestações.”
Como o TJUE notou, “31 Ora, o conceito de «prestação de serviços», na aceção da Sexta Diretiva e da Sexta Diretiva alterada, deve ser interpretado independentemente dos objetivos e dos resultados das operações em causa, sem que a Administração Fiscal esteja obrigada a proceder à averiguação da intenção do sujeito passivo, atendendo ao seu caráter objetivo (v. acórdão Newey, C 653/11, EU:C:2013:409, n.º 41 e jurisprudência referida).”
Assim, o TJUE concluiu que nos casos em apreço a emissão de bilhetes por uma companhia aérea está sujeita a IVA, nos casos em que os bilhetes emitidos não sejam utilizados pelos passageiros e estes últimos não possam obter o seu reembolso.
No que se reporta à questão de saber se o IVA pago no momento da compra do bilhete de avião pelo passageiro que não o utilizou se torna exigível no momento em que o preço do bilhete é recebido pela companhia aérea ou por um terceiro em seu nome, o TJUE salientou que os requisitos para o efeito podem estar preenchidos na medida em que todos os elementos da futura prestação de transporte já sejam conhecidos e identificados com precisão no momento da compra do bilhete.
Como salientou, “41 O caráter integral e não parcial do pagamento do preço não é suscetível de pôr em causa essa interpretação (v., neste sentido, acórdãos Orfey Balgaria, C 549/11, EU:C:2012:832, n.º 37; Efir, C 19/12, EU:C:2013:148, n.º 39; e despacho Sani treyd, C 153/12, EU:C:2013:201, n.º 32).
42 Em segundo lugar, cabe recordar, conforme resulta dos n.os 27 e seguintes do presente acórdão, que, no caso de não comparência de um passageiro, a companhia aérea que vende um bilhete de transporte cumpre as suas obrigações contratuais a partir do momento em que coloca o passageiro em condições de invocar os seus direitos previstos pelo contrato de transporte.”
Termos em que concluiu que o IVA pago no momento da compra do bilhete de avião pelo passageiro que não utilizou o seu bilhete se torna exigível no momento em que o preço do bilhete é recebido quer pela própria companhia aérea, quer por um terceiro agindo em seu nome e por sua conta, quer ainda por um terceiro que age em nome próprio, mas por conta da companhia aérea.
Ou seja, de acordo com o TJUE o pagamento em apreço configura-se como uma contraprestação de uma prestação de serviços – o direito adquirido a beneficiar de um voo ainda que em última instância o consumidor não faça uso dos bens ou serviços que lhe são disponibilizados, desde que o prestador o tenha efectivamente colocado em posição de obter os respectivos benefícios a dado momento e em conformidade com o acordo contratual. Neste contexto, este Acórdão reproduz uma orientação jurisprudencial anterior do TJUE defendida sobretudo no Caso Kennemer Golf, no contexto do qual o TJUE foi chamado a pronunciar-se relativamente à viabilidade da incidência do IVA sobre comissões por quotização anual a pagar pelos membros de um clube desportivo, independentemente de estes membros usarem efectivamente as instalações do clube.
Mas deve notar-se que neste caso, contrariamente ao que se verifica na situação controvertida, poderá afirmar-se que existe uma prestação de serviços que não foi totalmente utilizada pelo consumidor – proporciona-se o direito de acesso a bens e/ou serviços -, existindo um nexo causal entre tal operação e a contraprestação. Seria o caso que se verificaria se, por exemplo, um cliente da A... pagasse efectivamente os serviços realmente disponibilizados mas não os utilizasse. Ora, na situação em apreço o que se verifica é que não há a prestação de quaisquer serviços, mas sim o pagamento de quantias que visam uma compensação pela atribuição de condições especiais na contraprestação de prestações de serviços que cessam por incumprimento contratual. Não existe qualquer acto de consumo por parte do cliente, que é inviabilizadao pela A... ao cessar a prestação de serviços. São realidades totalmente distintas e que, enquanto tal, merecem tratamento diferente para efeitos deste imposto. No Caso Air France o serviço é em parte prestado e o bilhete de avião emitido. No caso da A... o cliente não está a pagar as mensalidades mas sim, como vimos, o custo de investimento, sendo que o contrato é rescindido não sendo mais prestados quaisquer serviços.
8.2 Jurisprudência nacional
A jurisprudência nacional é consistente no sentido de considerar que o valor pago por uma entidade a outra a título de indemnização [i.e., quando o mesmo não tem um carácter remuneratório de uma prestação de serviços ou transmissão de bens (efetuada no passado ou a realizar no futuro)] não se encontra sujeita a IVA.
Os tribunais nacionais já se pronunciaram diversas vezes sobre o enquadramento em sede de IVA das cláusulas penais indemnizatórias, concluindo que não assumem a natureza de contraprestação pela prestação de um serviço ou por uma transmissão de bens, mas sim de verdadeiras indemnizações devidas a título de incumprimentos contratuais .
O Supremo Tribunal de Justiça (STA), nos seus Acórdãos de 15 de Novembro de 2000, Processo 025244, 2.ª Secção e de 19 de Maio de 2004, Processo 01684/03, 2.ª Secção, concluiu, respectivamente, que não estão sujeitas a IVA as indemnizações recebidas pelo denunciante de um contrato de arrendamento a título de ressarcimento das benfeitorias existentes no prédio arrendado efectuadas por um inquilino, como necessário pressuposto de rescisão amigável de contrato de arrendamento de área comercial.
A este respeito, veja-se o Acórdão, de 16 de Julho de 2009, do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), no âmbito do Processo 8410/2008-7, relativo a uma cláusula penal compensatória cobrada por uma operadora móvel a um cliente, pelo não cumprimento do contrato (semelhante ao caso em análise).
Estava em causa a falta de pagamento, por parte do adquirente, dos serviços móveis que lhe haviam sido prestados, bem como a falta de pagamento da correspondente penalidade pelo facto de os serviços terem sido desactivados antes de decorrido o prazo estabelecido contratualmente.
Relativamente ao incumprimento das obrigações contratuais, o Tribunal concluiu que a cláusula penal compensatória (i.e., a indemnização) não constitui a contraprestação de qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, na medida em que “tal indemnização não se refere a qualquer efetiva prestação de serviços ou transmissão de bens pela autora à ré, mas a uma indemnização à autora pelo não cumprimento do contrato (…)” e que “ a cláusula penal compensatória tem a ver com a indemnização devida pelo não cumprimento da ré e não assume a natureza de qualquer contraprestação de prestação de serviços ou transmissão de bens pela autora à ré (…)”, concluindo-se assim pela sua não sujeição a IVA.
No Acórdão de 5 de Novembro de 2009 do mesmo Tribunal, no âmbito de um processo em que a Vodafone foi parte (Processo 5816/04.6TJLSB.L1-6), relativo a um pedido de pagamento de serviços prestados e não pagos e ainda a um pedido de indemnização considerada devida por incumprimento do contrato de fidelização, o TRL conclui que “A indemnização penal compensatória pelo não cumprimento do contrato não está sujeita a IVA, porque tal indemnização não se refere a qualquer efetiva prestação de serviços ou transmissão de bens pela autora à ré (art.º 1º do CIVA), e porque não assume a natureza de qualquer contraprestação de prestação de serviços ou transmissão de bens pelo prestador de serviços de telecomunicações móveis ao utente (art.º 16º do CIVA).”
9. Doutrina
9.1 Doutrina administrativa nacional
Neste contexto cumpre desde logo salientar que Teresa Lemos, investigadora do Centro de Estudos Fiscais que integrou a Comissão IVA e procedeu à transposição da Sexta Directiva, referindo-se à parte final da alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA, veio desde logo salientar que “(…) não pode, no entanto, a nosso ver, ser alargado de tal modo que abranja a responsabilidade contratual, quanto não tenha existido nenhum facto tributável (isto é, transmissão ou prestação de serviços). Não só seria levar longe de mais o ilogismo de tributar montantes que não são remuneração (…), como não se coadunaria com o espírito de uma norma que define o valor de “uma operação tributável” de que se supõe a existência prévia.”
A AT tem vindo a entender, por exemplo, no que se refere à tributação das indemnizações, que, no caso de sancionarem “... a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.” Neste contexto, a Administração Fiscal entendeu que, “A indemnização a receber por parte de um comissionista em virtude do incumprimento de um contrato de agência, cujo montante foi acordado entre as partes, a título de comissões não recebidas, quebra de contrato e indemnização de clientela, configura-se como uma obrigação de conteúdo negativo, na medida em que visa compensar os proveitos que deixam de ser obtidos (lucros cessantes), pelo que deverá entender-se o seu pagamento como contraprestação de operação sujeita a imposto (...).
Deste modo, o débito do comissionista ao cliente, relativo a indemnização por quebra do contrato, é passível de tributação…”
Isto é, tendo por base o conceito residual de prestação de serviços acolhido no Código do IVA e a natureza do IVA enquanto imposto incidente sobre o consumo, a Administração Tributária tem adequadamente entendido que este imposto pretende tão-somente tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos que não tenha natureza remuneratória.
Neste sentido, a doutrina administrativa tem vindo a acolher o entendimento segundo o qual se encontram sujeitos a IVA os montantes pagos a título de indemnização que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços e que, como tal, configuram uma contraprestação a obter do adquirente decorrente de uma operação sujeita a imposto.
Referem, ainda, algumas das Informações emitidas pela Administração Tributária, que os montantes pagos a título de indemnização que sancionam a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação – antes se destinam a reparar um dano – não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços .
Neste sentido, a doutrina administrativa já reconheceu adequadamente por diversas ocasiões que as penalidades contratuais por incumprimentos diversos, tendentes a sancionar o incumprimento de uma obrigação contratual ou, em geral, a lesão de qualquer interesse, não são tributáveis em IVA .
Contudo, no que se reporta aos lucros cessantes, o entendimento que tem vindo a ser veiculado pela Administração Tributária parece padecer de algumas contradições.
Por um lado, em Informações mais antigas, refere a Administração Tributária que as indemnizações que têm na sua origem lucros cessantes apenas serão tributadas em sede de IVA quando ligadas a um contrato de prestação de serviços ou à transmissão de bens. Neste sentido, clarificou que não são tributáveis todos os lucros cessantes, mas apenas aqueles que se integrem numa relação fornecedor-cliente, por estarem ligados a uma transmissão de bens ou prestação de serviços . Refere a Administração Tributária que a indemnização a receber, numa situação de cessação de contrato de distribuição, se configura como uma obrigação de conteúdo negativo, na medida em que visa a compensação de proveitos que deixam de ser obtidos (lucros cessantes), pelo que se deverá entender o seu pagamento como a contraprestação de operação sujeita a imposto .
Mas, por outro lado, mais recentemente, parece também entender a Administração Tributária que os lucros cessantes configuram por si só uma operação de carácter negativo, pelo que deverão ser sujeitos a imposto os montantes pagos para compensar a sua ocorrência .
Isto é, o entendimento da Administração Tributária relativamente à tributação em sede de IVA das indemnizações tem sofrido alterações, afastando-se gradualmente da jurisprudência assente do TJUE e do referido entendimento veiculado pela investigadora Teresa Lemos.
Em 1987, através do Ofício-Circulado n.º 14389, de 26 de Fevereiro, os Serviços de Administração do IVA consideraram que uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual, no âmbito de um acidente de viação, não estava sujeita a IVA “na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços”. Neste sentido, reconhecia-se, correctamente, que era preciso “associar” ao pagamento da indemnização uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços para que se pudesse concluir pela incidência de IVA.
Como começámos por salientar, na Informação n.º 524, de 1989, de Teresa Lemos , foi sancionado o entendimento de que uma indemnização por incumprimento de um compromisso de celebração de um contrato, não estava sujeita a IVA, por se tratar de indemnizações por responsabilidade extracontratual que “não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano”.
Mais aí se refere que, não obstante a redacção do artigo 16.º, n.º 6, alínea a), do Código do IVA, “não devem ser tributadas as indemnizações, ainda que decorrentes de responsabilidade contratual, quando nenhuma operação tenha existido.”
Já na Informação n.º 2274, com despacho concordante do Subdirector-Geral do IVA de 13 de Dezembro de 1989, concluiu-se que uma indemnização por atraso na execução de um contrato de fornecimento e por não correspondência do produto fornecido às especificações anunciadas, não estava sujeita a IVA por não ter subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.
Na mesma linha, considerou-se, na Informação n.º 2545, com despacho concordante do Subdirector-Geral do IVA de 11 de Novembro de 1992, que uma indemnização pela destruição de equipamentos ou por danos provocados aos mesmos não estava sujeita a IVA, por não ter subjacente qualquer entrega de bens ou prestação de serviços ao lesado.
É, pois, a mesma Administração Tributária que passou a considerar que as penalidades contratuais por incumprimentos diversos (daí resultando danos emergentes e/ou lucros cessantes) a debitar pelo fornecedor ao cliente, deverão configurar indemnizações sujeitas a IVA por terem subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.
Ora, no referido Parecer de 1989 de Teresa Lemos, apesar de a Administração Tributária reconhecer que a inclusão das indemnizações declaradas judicialmente no artigo 16.º, n.º 6, alínea a), poderia originar uma interpretação “a contrario sensu”, rejeitou expressamente um tal entendimento, por considerar que sempre seria necessária, para efeitos de tributação, a existência de uma operação para efeitos de IVA .
9.2 Demais doutrina
É assente na doutrina e na jurisprudência nacional e comunitária, que as indemnizações apenas serão tributadas quando tenham subjacente uma transmissão de um bem ou uma prestação de serviços. Distintamente, as indemnizações não deverão ser objecto de tributação quando tenham carácter de reparação de perdas e danos, isto é, quando constituam a reparação de um prejuízo e se destinem apenas a penalizar o incumprimento de uma obrigação ou, a título geral, a lesão de qualquer interesse .
Como notam Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, na senda da melhor doutrina administrativa relativamente ao tratamento das indemnizações em sede deste imposto, deverá ter-se em consideração que “...atentas as especificidades do sistema IVA vigente na União Europeia, o qual tem a sua base estruturante na denominada Sexta Directiva do Conselho 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, há que considerar que o desiderato tributário reside apenas em abranger as operações que são remuneradas através de uma contrapartida e não as meras compensações ressarcitórias. Assim, pode concluir-se com segurança que as puras indemnizações não levantam quaisquer implicações ao nível da liquidação de IVA”. Todavia, “... sempre que ocorra a entrega de um bem ou a prestação de um serviço, trata-se de um facto tributário com implicações em sede de IVA, atentos os termos genéricos em que é estabelecida a incidência deste imposto, independentemente da forma e dos termos utilizados pelas partes.
(...)
Apesar das dificuldades que poderão ocorrer, a directriz que deverá orientar o intérprete reside em saber se existe uma contraprestação, directa ou indirecta, imediata ou mediata, actual ou potencial, evidente ou obscura…”
Como os autores defendem a propósito do artigo 16.°, n.º 6, alínea a), do CIVA, "o conceito de indemnização encontra aí uma referência expressa, mas tal indicação não deverá constituir um qualquer sinal de exclusividade, o que teria como consequência a sujeição a IVA das restantes indemnizações. Tal constituiria uma interpretação incorrecta, de um ponto de vista sistemático (atenta a contrariedade aos preceitos iniciais do Código) e frontalmente ofensiva das regras e princípios consagrados na Sexta Directiva.”
No que respeita ao tratamento em especial de determinadas situações, Marta Machado de Almeida, relativamente ao pagamento de montantes previamente acordados contratualmente tendo em vista ressarcir prejuízos causados, vem concluir que, nos casos de rescisões antecipadas, não deve haver incidência de IVA .
Como salientam Marta Machado de Almeida , Conceição Gamito, Frederico Antas e Joana Branco Pires , no caso de pagamentos decorrentes do incumprimento de cláusulas de fidelização, não obstante a possível coincidência de valores entre o valor a ser pago a título de indemnização e a contraprestação que seria paga caso os serviços fossem efectivamente prestados, parece-nos que se trata de uma situação semelhante às rescisões antecipadas, em que existe um montante acordado contratualmente, tendo em vista ressarcir prejuízos causados ao prestador do serviço.
Assim, concluem que o pagamento de tais montantes não deve ser sujeito a IVA, tanto mais que, à semelhança das situações de apropriação de montantes pagos a título de sinal, não existe um nexo directo entre o pagamento efectuado como indemnização e qualquer serviço prestado a título oneroso.
Tal como notam Conceição Gamito, Frederico Antas e Joana Branco Pires, “…não existe um acto de consumo subjacente às indemnizações em apreço e do qual estas constituam contraprestação. Com efeito, constata-se que os clientes não adquirem quaisquer bens ou serviços em troca do pagamento da indemnização. A realidade é precisamente a contrária: é a possibilidade de os operadores económicos continuarem a fornecer os bens e ou serviços aos seus clientes em resultado do incumprimento do período mínimo de fidelização por parte destes que dá origem ao pagamento de uma indemnização.”
Na mesma linha, Ana Rita Machado salienta que "o IVA incide sobre a contrapartida associada a uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços - enquanto expressões directas de uma actividade económica”, sendo o conceito de onerosidade "essencial para definir o âmbito de incidência deste imposto". Pelo contrário, "o pagamento da indemnização constitui um facto não sinalagmático, não havendo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e qualquer outra prestação à qual o lesado se encontrasse adstrito; nascendo ex novo no momento em que é causado o dano. Ora, a entrega de uma indemnização pressupõe, de per si, a ausência de um nexo sinalagmático e, consequentemente, a inexistência de qualquer natureza onerosa.”
Do mesmo modo, a doutrina a nível internacional há muito que considerou que não se incluem no valor tributável das transacções internas as cláusulas penais, dado que as mesmas não têm natureza de contraprestação pela transmissão de bens ou prestação de serviços.
Assim, é de notar que em Espanha está contemplada no Código del Impuesto sobre el Valor Añadido, mais concretamente no respectivo artigo 78.º, n.º3, uma norma exactamente igual à nossa, sendo que, desde logo, a própria doutrina administrativa vem esclarecer que é necessário que exista um acto de consumo adstrito à indemnização para que se possa identificar uma operação tributável em sede deste imposto. Neste sentido veja-se a doutrina da Direccion General de Tributos (DGT) e as orientações publicadas neste contexto .
Em particular, deverá atender-se à Consulta Vinculativa V3166-13, da SG de Impuestos sobre el Consumo de 25 de Outubro de 2012 relativa a uma situação igual à que por ora nos ocupa – “Consulente que há pagado una penalización por incumplimiento del servicio com una companhia telefónica”.
Após considerações sobre o conceito de prestação de serviços e a natureza do imposto bem como sobre a jurisprudência do TJUE relativa a indemnizações, conclui-se o seguinte: “En consecuencia, las cantidades abonadas por la consultante en concepto de indemnización por incumplimiento del contrato al darse de baja como cliente antes de la finalización de su compromisso de permanencia no se incluyen en la base imponible del impuestio dado que, por su naturaleza y función, no constituyen contraprestatión o compensaxción de entregas de bienes o prestaciones de servicios sujetas al mismo.
Efectivamente, los pagos en concepto de indemenización que recibe la companhia de servicios no suponen la realización de ninguna operación sujeta al Impuesto, puesto que no corresponden a ningún acto de consumo; dichos pagos se calculan en función del consumo de los meses en los que se há estado dado de alta en el servicio, sino del tiempo que resta para cumplir el compromisso de permanência.
No procede en tales circunstancias, realizar ningún acto de repercusión tributaria, dada la naturaleza indemnizatória de los pagos en cuestión”
Veja-se ainda, nomeadamente, Clemente Checa Gonzalez e Enrique Abella Poblet .Como salienta este autor ao analisar as decisões da DGT, é entendimento da Administração Fiscal espanhola que, por exemplo, não são tributadas em IVA as quantias pagas por uma empresa a título de indemnizações pela rescisão antecipada de um contrato de comercialização de produtos .
Vejamos o que nos diz Juan Calvo Vérgez, em anotação ao Caso A..., S.A., concluindo de forma clara no nosso sentido quando salienta que , “Ciertamente se ha de reconocer que en el Asunto A..., S.A. objeto de nuestro estudio no existía una prestación de servicios de telecomunicaciones como tal desde el mismo momento en que el cliente canceló el contrato antes del periodo mínimo de permanencia. Sin embargo el Tribunal determina que dado que A..., S.A. permite al cliente que se beneficie de los servicios de telecomunicaciones prestados y es el cliente el que decide no ejercer su derecho a hacerlo durante todo el periodo mínimo de permanencia se entiende que sí existe una prestación de servicios sujeta al Impuesto.
A nuestro juicio, sin embargo, cabría estimar que desde el instante en el que el cliente decide que no quiere seguir recibiendo lo servicios que le estaban prestando no hay una prestación de servicios por parte de A..., S.A. y, en consecuencia, no debería producirse el devengo del IVA. En otras palabras, desde el momento que el cliente rescinde el contrato deja de recibir servicios de telecomunicaciones por parte de A..., S.A. y, por tanto, no habría hecho imponible a efectos del IVA. Y, a pesar de que para poder determinar que una cantidad se encuentra sujeta al Impuesto debe haber una relación entre las partes (y, además, como se ha señalado, debe poder establecerse una conexión entre las cantidades pagadas y las operaciones realizadas), y sin perjuicio de reconocer que en el Asunto A..., S.A. existía dicha relación entre las partes, cabría estimar que no hay operación desde el momento en el que cliente decide desistir de los servicios. Y, como es lógico, si no hay prestación de servicios tampoco debería devengarse IVA.
De cualquier manera a juicio del TJUE el tratamiento correcto del IVA de las cantidades a pagar por cancelación anticipada de contratos debe ser determinado en función de si se considera que la realidad económica del prestador de servicios se ha visto alterada o no. Las cantidades estarán siempre sujetas al IVA cuando la cantidad a compensar es idéntica al precio del servicio como tal, independientemente del objetivo y la función del pago por cancelación estipulado en el contrato, que normalmente será la de disuadir a los clientes de incumplir el periodo mínimo de permanencia y reparar el perjuicio que sufre el proveedor en caso de incumplimiento de dicho periodo.”
Com efeito, o que está em causa, como notam os autores, é o próprio conceito de acto de consumo e a razão de ser de um imposto como o IVA. Veja-se ainda a este propósito Alan Schenk e Oliver Oldman .
Na verdade, conforme escrevem Giancarlo e Dário Mando, a cláusula penal apenas constitui um meio de liquidação, convencional ou preventiva, do dano . Enquanto tal, não poderá estar incluída no valor tributável das operações sujeitas a IVA, uma vez que não corresponde à contrapartida económica dessas operações.
10. Da não correspondência entre o valor das mensalidades e o montante da indemnização e da alteração da situação económica
Tal como o TJUE decidiu no Caso A..., S.A., “A) O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.”
Ou seja, resulta claro que, ainda que não se entendesse em primeira linha (a nosso ver inadequadamente), que não estamos face a prestações de serviços no sentido da teoria das contraprestações recíprocas, de acordo com o TJUE importaria sempre ao tribunal nacional apurar se o montante em causa relativo ao incumprimento do período de fidelização corresponde ou não ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado.
Ora, tal como resulta claramente da prova produzida, não existe correspondência entre o valor que a Requerente teria recebido se o antigo cliente não tivesse incumprido o período mínimo de fidelização e o valor que facturou a título de indemnização pelo incumprimento do período mínimo de fidelização contratualmente previsto.
Desde logo, o valor da indemnização é calculado com referência aos valores das mensalidades-base que representam, na maioria dos casos, apenas uma parte do preço total dos serviços que são prestados e facturados mensalmente aos clientes.
Por outro lado, é evidente que a resolução antecipada do contrato por parte do cliente ou por motivo a este imputável altera efectivamente a realidade económica existente.
Não pode assim afirmar-se, como os ilustres colegas deste Tribunal Arbitral, que “30. (…) da matéria de facto tida como assente resulta claro que os contratos em causa incluem cláusulas que preveem a obrigação do cliente proceder ao pagamento de um valor correspondente ao da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse o período, em caso de desactivação dos serviços, antes do termo do vínculo contratual acordado, por iniciativa ou causa imputável ao cliente.”, pretendendo com esta conclusão dar por satisfeita a tarefa que o TJUE encarregou este Tribunal Arbitral.
Como vimos, tal como a Requerente alega, o TJUE no Caso A..., S.A. considerou que as indemnizações facturadas aos seus antigos clientes deviam estar sujeitas a IVA se e na medida em que se mostrassem verificados os seguintes pressupostos ou condições:
(i) Por um lado, a Requerente tenha “direito a que lhe seja pago, em caso de incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato, um montante idêntico ao que teria recebido a título de remuneração dos serviços que se comprometeu a prestar se o cliente não tivesse resolvido o seu contrato” (vide § 44 do Acórdão);
(ii) Por outro, “a resolução antecipada do contrato pelo cliente ou por um motivo que lhe é imputável não alter[e] a realidade económica da relação entre a A..., S.A. e o seu cliente” (vide § 51 do Acórdão).
Ora da prova produzida nestes autos resulta que nenhum dos pressupostos elencados pelo TJUE se verifica neste caso.
11. Pedido subsidiário
Como vimos, a título subsidiário a Requerente solicita a anulação parcial dos actos de liquidação na proporção do montante das indemnizações que foram facturadas mas não efectivamente pagas, tendo em consideração que as correcções efectuadas pela Administração Tributária incidem sobre a totalidade das indemnizações devidas por incumprimento do período de fidelização, quando apenas cerca de 10% dessa importância veio a ser objecto de cobrança.
Também nesta sede não concordamos com grande parte da fundamentação expendida pelos ilustres colegas.
Com efeito, como a Requerente salienta, a correcção voluntária proposta à Requerente pela Requerida, por referência ao ano de 2015, corresponde à concretização prática da ideia veiculada pela Advogada Geral Julianne Kokkote, nas conclusões apresentadas em 7 de Junho de 2018, no aludido Proc. C-295/17, de que “o Tribunal de Justiça decidiu várias vezes que a empresa sujeita passiva age «apenas» como cobradora de impostos por conta do Estado (23), porque o IVA é um imposto indireto sobre o consumo, que deve ser suportado pelo consumidor final (24). Consequentemente, o Tribunal de Justiça já por diversas vezes decidiu que «[o valor tributável] do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contra[prestação] efetivamente paga pelo consumidor final, sobre a qual foi calculado o IVA que recai[, a final,] sobre esse consumidor» (25). Caso o consumidor final não pague à empresa, esta também não deve materialmente qualquer IVA”.
A Requerente apenas recebeu o pagamento de uma reduzida parte – € 673.359,63 dos montantes facturados (num total de € 20.662.216,75) aos seus antigos clientes incumpridores a título de indemnizações debitadas nas situações de incumprimento contratual, alegando que não tem agora possibilidades reais de, passados cerca de 7 anos vir a receber qualquer pagamento, seja a título de indemnização anteriormente facturada, seja a título de IVA eventualmente devido.
Alega a Requerente que sempre considerou que, face à ausência de um nexo directo entre a indemnização que era facturada aos antigos clientes e um qualquer acto de consumo de que estes pudessem beneficiar (que inexiste), tais indemnizações não eram sujeitas a IVA e, nesse sentido, nunca tendo liquidado qualquer imposto aos seus antigos clientes, pelo que, nomeadamente os artigos 78.º-A, 78.º-B, do Código do IVA, nunca poderiam ser aplicados, dado assentarem no pressuposto de que nas facturas tidas como de cobrança duvidosa ou incobráveis houve lugar à liquidação de imposto.
Note-se ainda que, por outro lado, de acordo com o Acórdão do TJUE de 7 de Novembro de 2013, Caso Corina Hrisi Tulica, proferido nos Processos apensos C-249/10 e C250/12, entendeu-se que “A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente os seus artigos 73.º e 78.º, deve ser interpretada no sentido de que, quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do imposto sobre o valor acrescentado e o fornecedor do referido bem seja o devedor do imposto sobre o valor acrescentado devido sobre a operação tributada, e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui o imposto sobre o valor acrescentado”.
Pese embora os argumentos invocados e a orientação do TJUE nesse contexto, afigura-se-nos que, pelos motivos expendidos no Proc. 282/2016-T, não poderão igualmente os mesmos ser acolhidos nesta sede.
12. Garantia prestada
Da anulação dos actos de liquidação deverá, nos termos legais, resultar o pagamento de indemnização à Requerente de forma a ressarcir dos custos incorridos com a garantia prestada, acrescida de juros legais calculados sobre esses custos, e contados desde as datas em que tenham sido incorridos até à data em que seja autorizado o levantamento da garantia.
13. Conclusões
Face ao exposto retiramos as seguintes ilações:
1. Atendendo à situação concreta da A..., em que o cliente, caso não cumpra o período contratual mínimo previamente acordado, se obriga a pagar uma quantia para ressarcir os danos sofridos resultantes das especiais vantagens que aufere, importa analisar se tais montantes têm um carácter remuneratório de uma prestação de serviços ou transmissão de bens, de forma a averiguar se existe ou não uma interdependência / correlação entre ambos, isto é, se existe efectivamente um acto de consumo.
2. A cláusula de fidelização prevista nos contratos celebrados pela A... corresponde a uma cláusula penal na versão da liquidated damages clause, estipulando assim uma fixação antecipada do montante correspondente aos danos a ressarcir, conforme o previsto no artigo 810.º do Código Civil.
3. Pretende-se com a inclusão deste tipo de cláusulas que o cliente pague, nos casos em que pretenda deixar de beneficiar dos serviços contratados, um determinado valor que tenha em vista ressarcir os danos decorrentes da frustração das expectativas do prestador de serviços.
4. A A... sofre efectivamente um prejuízo comercial no caso de denúncia prematura do contrato que justifica a necessidade de compensação.
5. Com efeito, as ofertas promocionais subjacentes aos contratos que preveem um período de fidelização mínimo são calculadas de forma a que os custos da vantagem especial, obtida pelo cliente (v.g., o direito a um smartphone a preço reduzido) só possam ser amortizados, com uma margem razoável habitual no sector, se o assinante pagar o preço acordado durante um período de tempo mais longo. Em caso de denúncia antecipada do contrato este cálculo é posto em causa e a A... sofreria uma perda comercial caso não pudesse reclamar um montante por denúncia antecipada.
6. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, apenas são sujeitas a imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços realizadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
7. É acto claro, de acordo com a jurisprudência do TJUE, que “uma prestação de serviços (…) só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário”.
8. Na situação concreta tal reciprocidade não existe, não se podendo falar na existência de um acto de consumo.
9. Atenta a existência de uma cláusula contratual de condições particulares de subscrição do serviço, é claro que se está perante um instrumento contratual cujo objectivo primordial visa a cobertura de prejuízos causados, de modo a ressarcir a A... do investimento efectuado, sem que o cliente possa exigir da parte da empresa qualquer prestação recíproca que vise compensar o montante devido, cessando todo e qualquer serviço.
10. Com efeito, não existe na situação em apreço qualquer acto de consumo passível de tributação em sede deste imposto enquanto tal.
11. Uma indemnização, enquanto mera compensação ressarcitória de um prejuízo/dano, não apresenta um vínculo sinalagmático e, consequentemente, a existência de qualquer natureza onerosa, pelo que se conclui que as quantias debitadas pela A... aos seus clientes por incumprimento do período de fidelização não são sujeitas a IVA não existindo qualquer acto de consumo.
12. Os montantes cobrados por incumprimento dos contratos de fidelização auferidas pela A... no âmbito dos contratos de prestação de serviços em análise não se encontram sujeitos a IVA, atenta a inexistência de uma contraprestação ou remuneração de uma transmissão de bens ou de uma prestação de serviços, na medida em que o que se pretende é atribuir uma compensação pelos danos causados na esfera da A... em consequência da renúncia do contrato por parte do cliente durante o período mínimo de permanência (i.e., período de fidelização).
13. O pagamento de tais montantes não está directamente relacionado com a prestação dos serviços de telecomunicações prestados pela A..., como é exigido segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça para o qualificar como remuneração por uma prestação de serviços tributável, não sendo a situação em causa comparável com a do Caso KLM, nem na realidade contratual nem na comercial: os serviços de telecomunicações que já foram recebidos pelos assinantes também já foram totalmente pagos através de tarifas cobradas ao assinante durante o período em que os serviços de telecomunicações ainda lhe eram prestados pela A... .
14. Assim, com base nos acordos contratuais e na sua implementação efectiva, deixa de haver espaço para considerar que poderia existir uma relação recíproca entre o pagamento das quantias por denúncia antecipada e o fornecimento anterior de serviços de telecomunicações já pagos.
15. Após a resolução do contrato a A... não disponibiliza, de todo, qualquer benefício ao assinante em virtude do qual o pagamento por denúncia antecipada pudesse constituir uma “verdadeira remuneração” conforme exigido pelo TJUE.
16. Sempre que se verifica a rescisão do contrato por parte de um cliente, os serviços prestados pela A... são desactivados, pelo que a prestação de serviços contratualizada deixa de existir.
17. De facto, as quantias recebidas por denúncia antecipada pela A... são comparáveis ao pagamento indemnizatório que o Tribunal de Justiça referiu no Caso Cantor Fitzgerald.
18. Como a jurisprudência e a doutrina sucessivamente têm vindo a concluir, os montantes que apenas visam ressarcir um dano, não tendo subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços tributáveis em IVA, não podem ser objecto de tributação em sede deste imposto, não existindo nenhum acto de consumo.
19. O facto de a indemnização em causa ser calculada por referência aos montantes que a A... deixa de receber/facturar ao seu cliente, não implica que esteja a remunerar uma transmissão de bens ou prestação de serviços.
20. Não há, pois, um valor de contraprestação recebido de um adquirente (de um serviço prestado ou de um bem transmitido) ou de um terceiro, mas sim o ressarcimento de um custo suportado inicialmente pela A... tendo em vista uma prestação de serviços que acaba por não ocorrer.
21. Como a introdução dos n.ºs 11 e 12 ao artigo 48.º da Lei das Comunicações Electrónicas, torna-se absolutamente claro, se dúvidas houvesse, que os montantes pagos por rescisão antecipada do contrato durante o período de fidelização correspondem a um intuito meramente ressarcitório dos custos que o operador teve com a instalação da operação e não a uma contraprestação de quaisquer serviços, pelo que se proíbe a cobrança de qualquer outra quantia a título de indemnização ou compensação, estipulando-se que devem ser proporcionais à vantagem conferida.
22. O que o legislador veio trazer de novo com a presente alteração foi a proibição de qualquer outra compensação para além da relativa aos “custos que o fornecedor teve com a instalação da operação”.
23. Distintamente do entendimento defendido pela AT, os montantes debitados a título de rescisão antecipada por violação do período de fidelização não são a contraprestação de qualquer prestação de serviço ou transmissão de bens realizada pela A... aos seus clientes, não existindo qualquer vínculo sinalagmático entre o pagamento desse montante e uma qualquer prestação de serviços, tratando-se antes de uma quantia ressarcitória dos danos causados pelo cliente por vantagens especiais que lhe foram conferidas e simultaneamente de uma sanção.
24. Ainda que não se entendesse, em primeira linha, não estarmos face a prestações de serviços no sentido da teoria das contraprestações recíprocas, importaria sempre de acordo com o TJUE, ao tribunal nacional apurar se o montante em causa relativo ao incumprimento do período de fidelização corresponde ou não ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado.
25. Ora, tal como resulta claramente da prova produzida, não existe correspondência entre o valor que a Requerente teria recebido se o antigo cliente não tivesse incumprido o período mínimo de fidelização e o valor que facturou a título de indemnização pelo incumprimento do período mínimo de fidelização contratualmente previsto e, por outro lado, a resolução antecipada do contrato pelo cliente ou por um motivo que lhe é imputável altera a realidade económica da relação entre a A... e o seu cliente, pelo que igualmente por esta via se teria de concluir não estarmos perante contraprestações de prestações de serviços no sentido da jurisprudência das contraprestações recíprocas.
26. Da anulação dos actos de liquidação deverá, nos termos legais, resultar o pagamento de indemnização à Requerente de forma a ressarcir dos custos incorridos com a garantia prestada, acrescida de juros legais calculados sobre esses custos, e contados desde as datas em que tenham sido incorridos até à data em que seja autorizado o levantamento da garantia.
Termos em que, face ao exposto, analisados os factos e subsumidos ao Direito como o Tribunal nacional deve fazer face a uma situação de reenvio prejudicial, configurando-se uma decisão do TJUE como uma mera tentativa de solução para o caso (neste caso inadequada), concluímos que os valores pagos à A... pelos clientes por incumprimento de cláusulas de fidelização não estão sujeitos a IVA, porquanto não representam uma contraprestação ou remuneração de uma prestação de serviços para efeitos deste imposto não existindo um acto de consumo.
Pelo que deverá o Tribunal:
a) Julgar procedente o pedido principal de anulação total das liquidações e da decisão do recurso hierárquico que as manteve;
b) Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida.
Lisboa, 15 de Abril de 2019
A Árbitro Vogal
(Clotilde Celorico Palma)