Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Dr. Jesuíno Alcântara Martins e Dr. Jorge Carita, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-01-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., UNIPESSOAL, LDA., com o número de identificação de pessoa coletiva ... e com domicílio fiscal na ..., ...–..., ...-... Lisboa, doravante designada como “Requerente”, veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pede «a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRC relativa ao período de 2013, datada de 29 de Novembro de 2017, da qual resultou imposto a entregar ao Estado no montante de € 109 623,27, acrescido de juros compensatórios no montante de € 12 881,26, conforme nota de acerto de contas de 4 de Dezembro de 2017, e da liquidação adicional de IRC relativa ao período de 2014, datada de 27 de Novembro de 2017, da qual resultou imposto a entregar ao Estado no montante de € 58 093,24, acrescido de juros compensatórios no montante de € 2 177,83, conforme nota de acerto de contas de 29 de Novembro de 2017».
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-11-2018.
Os árbitros comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 04-01-2019 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-01-2019.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido.
Por despacho de 27-02-2019 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
A) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que declarou início de actividade para efeitos fiscais em 30-01-2003, com CAE nº 47784 – Comércio a Retalho de Outros Produtos Novos em Estabelecimento Especializado Não Especificado, e encontra-se enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal;
B) Em 22-05-2014, a Requerente submeteu a declaração Modelo 22 nº 3247-C2313-20, referente ao período de 2013, da qual resultou um reembolso no valor de € 122.740,29 conforme liquidação nº 2014...;
C) Em 28-04-2015, a Requerente entregou a declaração Modelo 22 nº ..., referente ao período de 2014, da qual resultou um reembolso no valor de € 30.060,52, conforme liquidação nº 2015...;
D) A coberto da Ordem de Serviço nº OI2017... de 04.10.2017, foi efectuada uma acção inspectiva interna ao período 2013 e, em resultado, foram propostas correcções aritméticas ao lucro tributável declarado em IRC no montante de € 334.342,47;
E) Na sequência da correcção supra descrita, o lucro tributável declarado pela Requerente, no montante de € 1.511.911,41 alterou-se para € 1.846.253,88 tendo sido emitida a liquidação de IRC nº 2017..., materializada pela nota de demonstração de acerto de contas nº 2017..., referente ao período de 2013, no valor de € 109.623,27;
F) Foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária relativo ao exercício de 2013, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável
III.1.1. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC)
III.1.1. Gastos e Perdas com Abates de Ativos Fixos Tangíveis não dedutíveis - artigo 38.º (atual 31.ºB) do CIRC
Na sequência da ação inspetiva interna com o n º 012017..., incidente sobre o IRC e IVA do exercício de 2014, de que o sujeito passivo foi alvo, verificou-se que a conta 68733 - Gastos e Perdas em Investimentos não Financeiros - Abates de Ativos Fixos Tangíveis apresentava um saldo final devedor de €214 147,78, não dedutível fiscalmente por estarem em causa abates de ativos fixos tangíveis de lojas relativamente aos quais o sujeito passivo não tinha observado o disposto no artigo 31,º B n.º 3 do CIRC (não comunicou os abates aos Serviços de Finanças competentes, nem dispunha de auto de abate). Tendo declarado na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2013 entregue que a conta 687 apresenta um saldo de €334.342,00, foi emitida a presente ordem inspetiva visando averiguar se nessa conta estão contabilizados abates de ativos fixos tangíveis não dedutíveis nos termos da norma do CIRC citada (artigo 38." n º 3 do CIRC à data).
Assim, o sujeito passivo foi notificado através do Ofício nº ... de 13-10-2017 desta Direção de Finanças para remeter em relação a esse exercício o Balancete Geral Analítico Antes e Apôs Apuramento de Resultados, o extraio da subconta da conta 687 - Gastos e Perdas em Investimentos não Financeiros referente a Abates de Ativos Fixos Tangíveis e cópia dos documentos de suporte aos registos contabilísticos nessa subconta. (Cfr. Anexo 1 pág. 1)
Na sequência da análise aos elementos solicitados ao sujeito passivo, verifica-se através do Balancete Geral Analítico e extrato de conta enviados via mail que a subconta 68733 - Abates - De Ativos Fixos Tangíveis apresenta registos contabilísticos que totalizam €334.342,47 (saldo final a 31-12-2013).
O sujeito passivo enviou ainda os documentos internos com os lançamentos contabilísticos efetuados na conta 68733, referentes ao abate dos bens tangíveis de vinte e nove lojas. Genericamente, verifica-se que os registos contabilísticos efetuados consistiram no débito na conta 68733 por contrapartida da conta 433xx - Equipamento Básico do valor de aquisição registado nesta última conta, e débito na conta 438xx - Depreciações Acumuladas por contrapartida da conta 68733 do montante das depreciações acumuladas à data do abate (registos contabilísticos datados de 30-06-2013 e 31-12-2013) (Cfr. Anexo 1 pág. 3 a 102).
No quadro seguinte apresentam-se os valores totais contabilizados a débito e crédito da conta 68733 por loja referentes aos abates de ativos fixos tangíveis:
Nos termos do n.º 3 do artigo 38.º (atual 31.º B) do CIRC, sempre que se verifique o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização de ativos não correntes, deve observar-se o disposto nas alíneas a), b) e c) desse número, ou seja deve ser elaborado auto de abate assinado por duas testemunhas relatando os factos que motivaram a desvalorização excecional, contendo relação discriminativa dos ativos em causa, e comunicado ao serviço de finanças do local da existência física dos ativos pelo menos 15 dias antes, o local, data e hora do abate físico, conforme transcrição do CIRC da norma citada:
Artigo 38.º Desvalorizações excepcionais
(...)
Assim, na notificação efetuada ao sujeito passivo através do Ofício n.º ... de 13-10-2017 foi solicitado «cópia do(s) auto(s) de abate e da(s) respetiva(s) comunicação(ões) ao(s) serviço(s) de finanças da área do local dos bens a abater, a que se referem as alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 38.º (atual 31.º B) do CIRC» , tendo o sujeito passivo respondido via mail que não possuíam tais documentos (Cfr Anexo 1 pág. 2)
Deste modo, atendendo a que o sujeito passivo contabilizou um total de €334.342,47 de gastos no exercício de 2013 na conta 68733, respeitante ao valor líquido contabilístico de ativos fixos tangíveis abatidos das lojas identificadas no quadro anterior, não tendo observado os requisitos constantes do n.º 3 do artigo 38.º (atual 31.º B) do CIRC, ou seja não dispondo de auto de abate nem tendo efetuado a necessária comunicação do local, hora e motivo dos abates aos Serviços de Finanças competentes, esse gasto não pode ser aceite fiscalmente Propõe-se assim uma correção à matéria coletável de 2013 no montante de €334.342,47.
G) Na sequência da inspecção relativa ao exercício de 2013 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2017..., datada de 20-11-2017;
H) A Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação referida, relativa ao exercício de 2013, que foi indeferida por despacho notificado à Requerente em 08-08-2018;
I) A decisão da reclamação graciosa remete para a fundamentação de uma informação, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
IV - APRECIAÇÃO DO PEDIDO
16.0 sujeito passivo foi notificado através do ofício nº ... de 13-10-2017 desta Direção de Finanças para remeter o Balancete Geral Analítico Antes e Após Apuramento de Resultados, o extrato da subconta 68733 - Gastos e Perdas em Investimentos não Financeiros referentes a Abates de ativos Fixos Tangíveis e cópia dos documentos de suporte aos registos contabilísticos nessa subconta. (cfr. anexo l do procedimento de inspeção)
17. Na sequência da análise aos elementos solicitados ao sujeito passivo, verificou-se através dos mapas enviados e extraio de conta que, os registos contabilísticos relativamente a abates de ativos fixos tangíveis, totalizavam o montante de € 334.342,47.
18. Nos termos do nº 3 do artigo 38º (atual 31º-B) do CIRC, sempre que se verifique o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização de ativos não correntes, deve observar-se o disposto nas alíneas a), b) e c) desse número, ou seja, deve ser elaborado auto de abate assinado por duas testemunhas relatando os factos que motivaram a desvalorização excecional, contendo relação discriminativa dos ativos em causa, e comunicado ao serviço de finanças do local da existência física dos ativos pelo menos 15 dias antes, o local, a data e hora do abate físico.
19. Assim, na notificação efetuada ao sujeito passivo atrás referida, foi solicitado cópia do(s) auto(s) de abate e da(s) respetiva(s) comunicação(ões) aos serviço de finanças da área do local dos bens a abater, a que se referem as alíneas a), b) e c) do nº 3 do artigo 38º (atual 31º-B) do CIRC, tendo o sujeito passivo respondido via email que não possuía tais documentos.
20. Deste modo, atendendo a que o sujeito passivo considerou como gastos o montante de € 334.342,47 e não tendo observado os requisitos constantes do nº 3 do artigo 38º (atual 31º-B) do CIRC, ou seja, não dispondo de auto de abate nem tendo efetuado a necessária comunicação do local, hora e motivo dos abates aos serviços de finanças competentes, esse gasto não pode ser aceite fiscalmente.
21. Muito embora a ora reclamante venha esclarecer os motivos dos abates aos ativos fixos, estes só serão aceites fiscalmente desde que seja comprovado o abate físico através do respetivo auto, o que no caso em apreço, não aconteceu.
22. Face ao exposto, recaía sobre a reclamante o ónus da prova, nos termos e para os efeitos do nº 3 do artigo 38º (atual 31º-B) do IRC, prova que não produziu (cfr artigo 74º da LGT), quer em sede de procedimento inspetivo, quer aquando da apresentação da presente reclamação graciosa.
23. Relativamente aos elementos do ativo sujeitos a deperecimento cujos custos unitários não ultrapassem € 1.000,00, e que a ora reclamante alega que poderia ter sido aplicado o disposto no artigo 33º do CIRC, ou seja, poderia ter deduzido como gastos, na totalidade, o valor de aquisição de alguns destes ativos, no respetivo ano de aquisição, cumpre informar o seguinte.
24. De acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 19º do decreto-lei nº 25/2009 de 14/09, estes elementos de reduzido valor, sujeitos a deperecimento, podem ser totalmente depreciados ou amortizados num só período de tributação, verifica-se no entanto, no nº 3 do mesmo artigo, que estes ativos considerados no nº 1, devem constar dos mapas das depreciações e amortizações pelo seu valor global, numa linha própria, com a designação "Elementos de custo unitário inferior a € 1.000,00, cujo período máximo de vida útil se considera, para efeitos fiscais de um ano."
25. Quanto ao que a ora reclamante alega que deveria ter sido contemplado na análise inspetiva, refira-se que no procedimento inspetivo apenas tem de se verificar, se o que o sujeito passivo declara ao estado obedece às normas fiscais.
26. Ora se o sujeito passivo não declarou como gasto os referidos elementos que considera serem de reduzido valor, nem tão pouco juntou elementos que comprovem o preceituado no artigo 33º do CIRC e no artigo nº 19º do decreto-lei nº 25/2009, não podia a inspeção considerar este aspeto na análise inspetiva.
27. Posto isto, julga-se não estarem reunidas as condições para que possa ser atendida a pretensão da reclamante.
V - PROPOSTA DE DECISÃO
28. Pelo exposto, propõe-se o indeferimento da presente reclamação com os fundamentos acima indicados.
J) Relativamente ao exercício de 2014, foi também levado a cabo um procedimento inspectivo interno, a OI2017..., do qual resultaram propostas de correcções aritméticas ao lucro tributável declarado em IRC no montante de € 214.147,78;
K) Deste modo, o lucro tributável declarado pela Requerente, no montante de € 1.338.646,32 alterou-se para € 1.552.794,10 tendo sido emitida a liquidação de IRC nº 2017..., materializada pela nota de demonstração de acerto de contas nº 2017..., relativa ao período de 2014, no valor de € 58.093,24;
L) Foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária relativo ao exercício de 2014, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas ã Matéria Tributável
III.1. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC)
III.1.1. Gastos e Perdas com Abates de Ativos Fixos Tangíveis não dedutíveis - artigo 31.º B do CIRC
No âmbito do Acompanhamento Permanente ao sujeito passivo, em resultado da análise das declarações de rendimentos modelo 22 de IRC e de informação empresarial simplificada entregues referentes a 2014, foi o mesmo notificado através do Oficio n.º ... de 31-05-2017 desta Direção de Finanças para remeter em relação a esse exercício designadamente o Balancete Geral Analítico, o Relatório e Contas e o extrato das subcontas da conta 687 - Gastos e Perdas em Investimentos não Financeiros e cópia de um documento de maior valor contabilizado em cada uma dessas subcontas.
Na sequência da análise aos elementos solicitados ao sujeito passivo, verificou-se através do Balancete Geral Analítico e extrato de conta enviados via mail que a subconta 68733 - Abates - De Ativos Fixos Tangíveis apresentava registos contabilísticos num total de €214.147,78 (saldo final a 31-12-2014).
O sujeito passivo enviou ainda os documentos internos com os lançamentos contabilísticos efetuados na conta 68733, referentes ao abate dos bens tangíveis de dez lojas, e bem ainda a listagem dos bens objeto de abate contendo os respetivos "Valor de Aquisição" e "Depreciações Acumuladas" em relação às lojas n.º 484, 483 e 360. Genericamente, verifica-se que os registos contabilísticos efetuados consistiram no débito na conta 68733 por contrapartida da conta 433xx - Equipamento Básico do valor de aquisição registado nesta última conta, e débito na conta 438xx - Depreciações Acumuladas por contrapartida da conta 68733 do montante das depreciações acumuladas à data do abate (registos contabilísticos datados de 30-06-2014 e 31-12-2014). (Cfr. Anexo 1)
No quadro seguinte apresentam-se os valores totais contabilizados a débito e crédito da conta 68733 por loia referentes aos abates de ativos fixos tangíveis (discriminado no Anexo 2):
Nos termos do n.º 3 do artigo 31.º B do CIRC, sempre que se verifique o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou à inutilização de ativos não correntes, deve observar-se o disposto nas alíneas a), b) e c) desse número, ou seja deve ser elaborado auto de abate assinado por duas testemunhas relatando os factos que motivaram a desvalorização excecional, contendo relação discriminativa dos ativos em causa, e comunicado ao serviço de finanças do local da existência física dos ativos pelo menos 15 dias antes, o loca), data e hora do abate físico, conforme transcrição do CIRC da norma citada:
Artigo 31-B
Perdas por imparidade em ativos não correntes
(...)
Assim, solicitou-se ao sujeito passivo via mail relativamente aos abates das lojas n.º 484 e 1562 (doe. n.º... e ... contabilizados na conta 68733), cópia do auto de abate e a comunicação ao Serviço de Finanças a que se referem as alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 31º - B do CIRC. (Cfr. Anexo 3).
O sujeito passivo respondeu não possuir auto de abate nem comunicação ao Serviço de Finanças dessas lojas, tendo-se confirmado posteriormente via telefónica que o sujeito passivo também não dispunha de auto de abate nos termos definidos nas alíneas a) e b) do n º 3 do artigo 31.º B do CIRC, nem tinha efetuado a comunicação ao Serviço de Finanças prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 31.º B do CIRC em relação aos abates das restantes lojas.
Deste modo, atendendo a que o sujeito passivo contabilizou um total de €214.147,78 de gastos no exercício de 2014 na conta 68733, respeitante ao valor líquido contabilístico de ativos fixos tangíveis abatidos das lojas identificadas no quadro anterior, não tendo observado os requisitos constantes do n.º 3 do artigo 31º B do CIRC, ou seja não dispondo de auto de abate nem tendo efetuado a necessária comunicação do local, hora e motivo dos abates aos Serviços de Finanças competentes, esse gasto não pode ser aceite fiscalmente. Propõe-se assim uma correção à matéria coletável de 2014 no montante de €214.147,78
M) Na sequência da inspecção relativa ao exercício de 2014 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2017..., datada de 20-11-2017;
N) A Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação referida, relativa ao exercício de 2014, que foi indeferida por despacho notificado à Requerente em 08-08-2018;
O) A decisão da reclamação graciosa remete para a fundamentação de uma informação, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
IV - APRECIAÇÃO DO PEDIDO
17. O sujeito passivo foi notificado através do ofício nº ... de 31-05-2017 desta Direção de Finanças para remeter o Balancete Geral Analítico, o Relatório de Contas e o extraio das subcontas da conta 687 - Gastos e Perdas em Investimentos não Financeiros e cópia de um documento de maior valor contabilizado em cada uma dessas subcontas. (cfr. Anexo l do procedimento de inspeção)
18. Na sequência da análise aos elementos solicitados ao sujeito passivo, verificou-se através dos mapas enviados e extrato de conta que, os registos contabilísticos relativamente a abates de ativos fixos tangíveis, totalizavam o montante de € 214.147,78.
19. O sujeito passivo enviou ainda os documentos internos com os lançamentos contabilísticos efetuados na conta 68733, referentes ao abate dos bens tangíveis de dez lojas, e a listagem dos bens objeto de abate contendo os respetivos "valor de aquisição" e "depreciações acumuladas" em relação às lojas nº 484, 483 e 360. (cfr. Anexo l do procedimento de inspeção)
20. Nos termos do nº 3 do artigo 38º (atual 31º-B) do CIRC, sempre que se verifique o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização de ativos não correntes, deve observar-se o disposto nas alíneas a), b) e c) desse número, ou seja, deve ser elaborado auto de abate assinado por duas testemunhas relatando os factos que motivaram a desvalorização excecional, contendo relação discriminativa dos ativos em causa, e comunicado ao serviço de finanças do local da existência física dos ativos pelo menos 15 dias antes, o local, a data e hora do abate físico.
21. Foi solicitado ao sujeito passivo via email, cópia do auto de abate e a comunicação ao Serviço de Finanças, relativamente aos abates das lojas nº 484 e 562 (documentos nºs ... e ... contabilizados na conta 68733). (cfr. Anexo 3 do procedimento de inspeção)
22. O sujeito passivo respondeu não possuir auto de abate nem comunicação ao Serviço de Finanças dessas lojas, tendo-se confirmado posteriormente via telefónica que o sujeito passivo também não dispunha de auto de abate nos termos definidos nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 31º B do CIRC, nem tinha efetuado a comunicação ao Serviço de Finanças prevista na alínea c) do nº 3 do artigo 31º B do CIRC em relação aos abates das restantes lojas.
23. Deste modo, atendendo a que o sujeito passivo considerou como gastos o montante de € 214.147,78 e não tendo observado os requisitos constantes do nº 3 do artigo 38º (atual 31º-B) do CIRC, ou seja, não dispondo de auto de abate nem tendo efetuado a necessária comunicação do local, hora e motivo dos abates aos serviços de finanças competentes, esse gasto não pode ser aceite fiscalmente.
24. Muito embora a ora reclamante venha esclarecer os motivos dos abates aos ativos fixos, estes só serão aceites fiscalmente desde que seja comprovado o abate físico através do respetivo auto, o que no caso em apreço, não aconteceu.
25. Face ao exposto, recaía sobre a reclamante o ónus da prova, nos termos e para os efeitos do nº 3 do artigo 31º-B) do IRC, prova que não produziu (cfr artigo 74º da LGT), quer em sede de procedimento inspetivo, quer aquando da apresentação da presente reclamação graciosa.
26. Posto isto, julga-se não estarem reunidas as condições para que possa ser atendida a pretensão da reclamante.
V - PROPOSTA DE DECISÃO
27. Pelo exposto, propõe-se o indeferimento da presente reclamação com os fundamentos acima indicados.
P) As acções inspetivas foram consideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira como de natureza interna;
Q) No decorrer da acção inspetiva relativa ao exercício de 2013, a Senhora Inspetora Tributária, através de carta, solicitou à Requerente os seguintes elementos:
1 Balancete Analítico Antes e Após Apuramento de Resultados,
2 Extrato da subconta da conta 687 - Gastos e Perdas em Investimentos não Financeiros referente a Abates de Ativos Fixos Tangíveis e cópia dos documentos de suporte aos registos contabilísticos nessa subconta.
3. Cópia do(s) auto(s) de abate e da(s) respetiva(s) comunicação(ões) ao{s) serviço(s) de finanças da área do local dos bens a abater, a que se referem as alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 38 º (atual 31.º - B) do CIRC.
R) No decorrer da acção inspetiva relativa ao exercício de 2014, a Senhora Inspetora Tributária, através de correio electrónico, solicitou à Requerente os seguintes elementos:
1. Balancete Analítico Antes e Após Apuramento de Resultados;
2. Cópia do Relatório de Gestão e do Anexo às Demonstrações Financeiras;
3. Cópia das Atas de Aprovação e Distribuição de Resultados dos períodos findos em 31-12-2014 e 31-12-2013;
4. Relativamente ao valor declarado no campo A5118 da IES de 2014 no Ativo Corrente -Acionistas / Sócios no montante de €49.534.801,18, extraio da respetiva conta SNC, bem como cópia dos cinco documentos de maior valor de suporte aos valores contabilizados nessa conta;
5. Extrato das subcontas da conta 687 - Gastos e Perdas em Investimentos não Financeiros e cópia de um documento de maior valor contabilizado em cada uma dessas subcontas.
6. Em relação aos valores declarados no IVA referentes às aquisições intracomunitárias, identificar os respetivos fornecedores intracomunitários (denominação, país, número de identificação fiscal e respetivo valor anual declarado por cada fornecedor).
S) A Requerente foi notificada para exercício do direito de audição em relação aos projectos de relatório das inspecções, mas não o exerceu;
T) Em 06-11-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou se foram renovadas ou encerradas as lojas referidas nos Relatório da Inspecção Tributária nem o que sucedeu aos bens que as integravam.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.
3. Matéria de direito
A Requerente imputa às liquidações impugnadas vícios que designa como preterição de formalidades legais e falta de fundamentação.
No entanto, os fundamentos do pedido de pronúncia arbitral não se reconduzem apenas a vícios desses tipos, como, aliás, entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao pronunciar-se, na sua Resposta, sobre o erro na aplicação do regime legal substantivo.
3.1. Preterição de formalidades legais
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– para um procedimento de inspeção tributária ser considerado interno não só toda a sua atividade terá que ter lugar nos serviços da Administração Tributária, como deverá consistir na análise formal e de coerência dos documentos que lhes tenham sido apresentados pelo sujeito passivo;
– uma inspeção interna é aquela que decorre do cruzamento de dados informáticos ao dispor da Administração Tributária;
– se esta entidade proceder à análise de outros documentos – como foi o caso da aqui requerente – o procedimento terá necessariamente de ser qualificado como externo;
– solicitar por escrito toda a documentação não é materialmente diferente de a recolher junto das instalações do contribuinte, e não deve por isso ter um diferente tratamento legal, consubstanciando, em ambos os casos, atos de inspeção de natureza externa;
– as inspeções aos exercícios de 2013 e 2014 envolveram a verificação de elementos existentes fora dos serviços fiscais, pelo que devem ser consideradas externas;
– foram violados os artigos 46.º, n.º 2, e 49.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT)
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:
– com a redacção actual do artigo 13.º do RCPIT, aplicável a partir de 02-07-2016, foi clarificado «que o procedimento de inspecção interno compreende a análise formal e de coerência de documentos detidos pela AT ou obtidos no âmbito do referido procedimento»;
– à face da redacção actual do artigo 13.º, o que realmente determina a natureza interna ou externa de um procedimento, é o local onde se praticam os actos e não a obtenção de documentos e/ou solicitação de cooperação e esclarecimentos ao sujeito passivo;
– Não tendo sido praticados quaisquer actos inspectivos ou recolhidos e consultados quaisquer elementos probatórios nas instalações da Requerente ou de terceiros, o procedimento não tem, claramente, natureza externa.
É manifesto que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão quanto a esta questão, à face da redacção actual do artigo 13.º do RCPIT, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 36/2016, de 1 de Julho, que estava em vigor em 2017, quando foram realizadas as inspecções em causa.
A redacção inicial do artigo 13.º do RCPIT era a seguinte:
Artigo 13.º
Lugar do procedimento de inspecção
Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.
À face desta redacção inicial, a realização de diligências visando a obtenção de documentos, implicava que a inspecção não fosse considerada interna, pois não se podia considerar realizada «exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos». ( )
No entanto, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 36/2016, de 1 de Julho, aquele artigo 13.º do RCPIT passou a estabelecer o seguinte, na sua alínea a):
Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento; (negrito nosso)
Como se vê pela parte final desta alínea a), a obtenção de documentos no âmbito do procedimento não afasta a classificação da inspecção como interna, desde que «os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência» desses documentos.
Assim, sendo as inspecções consideradas internas, não ocorreu preterição das formalidades legais referidas pela Requerente, previstas nos artigos 46.º, n.º 2, e 49.º, n.º 1, do RCPIT, que apenas são aplicáveis a inspecções classificadas como externas.
3.2. Insuficiência de fundamentação e erro de interpretação das normas aplicáveis
A Requerente defende que os actos impugnados estão insuficientemente fundamentados, alegando o seguinte, em suma:
– as correcções efetuadas limitaram-se a citar a norma legal respetiva sem analisar os fundamentos que levaram ao abate dos ativos;
– no pedido de esclarecimento efetuado pela AT e tal como referido na página 8 do relatório, foram solicitados elementos que supostamente deveriam constar do dossier fiscal, mas não foram solicitados esclarecimentos sobre a natureza e fundamento dos abates;
– os abates aos activos fixos tangíveis que o sujeito passivo efetuou foram motivados por renovação de loja (por necessidade de modernização da mesma); termo do contrato de arrendamento ou da ocupação do espaço, não tendo sido possível ou desejado renová-lo; ou em última instância porque a loja era deficitária e a administração decidiu encerrá-la;
– a acção de inspeção foi classificada de interna e, em consequência disso, a AT não fez a observação que se mostrava necessária para fundamentar as correções;
– no caso de abates derivados de abandono da loja, tal facto é facilmente comprovável pela observação direta do local, o que não foi feito;
– a norma legal constante do ex-artigo 38.º do Código do IRC, não pode ser interpretada como imperativa, mas sim como disciplinadora;
– se o sujeito passivo proceder à destruição de bens do seu ativo, não tem forma de ilidir a presunção da sua transmissão, ou seja, não tem como provar à posteriori.
– contudo, não foi isto que se passou no caso presente, pois o fecho de uma loja é um facto comprovável à posteriori, sendo possível pela simples observação do mesmo verificar que já não se encontra ocupado pelo sujeito passivo, e, consequentemente, o abandono do espaço implica abate de ativos.
– a inspeção tributária limitou-se a verificar a inexistência de documentos não tendo indagado durante a fase de instrução da ação inspetiva, a razão nem a natureza dos abates;
– na relação dos abates de ativos fixos tangíveis, constante da página 7 do relatório inspetivo, verifica-se a existência de ativos, relativamente aos quais o sujeito passivo poderia ter aplicado o disposto no artigo 33.º do Código do IRC;
– relativamente a elementos do ativo sujeitos a deperecimento cujos custos unitários não ultrapassem € 1.000, é aceite a dedução, no período de tributação do respetivo custo de aquisição ou de produção, exceto quando façam parte integrante de um conjunto de elementos que deva ser depreciado ou amortizado como um todo.
– quer isto dizer que o sujeito passivo poderia ter deduzido como gasto, na totalidade, o valor de aquisição de alguns destes ativos, no respetivo ano de aquisição.
– também este aspeto deveria ter sido contemplado na análise inspetiva;
– estarmos perante uma análise limitada e fundamentação insuficiente;
– sendo deficiente a fundamentação aduzida, tal equivale a falta de fundamentação, o que conduzirá à inevitável anulabilidade dos atos por vício de forma.
Na terminologia administrativa e tributária, o termo «fundamentação» é utilizável com dois sentidos: o de "fundamentação material" e o de "fundamentação formal".
A fundamentação formal "pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão", enquanto a fundamentação material corresponde à "recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do acto praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade". (...) ( )
É com este último sentido que a jurisprudência tem falado em falta de «fundamentação substantiva» ou «fundamentação substancial», que se reconduz a falta de demonstração dos pressupostos substantivos da actuação correctiva da administração tributária. ( )
"O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado». ( )
Apenas a falta de fundamentação formal constituirá vício de forma.
A falta de fundamentação substancial, designadamente por não correspondência à realidade dos pressupostos de facto invocados (a que é equiparável a falta de prova desses pressupostos quando sobre a Administração recai o ónus da prova) ou por erro de direito, consubstanciará vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.
Como se vê pelos fundamentos invocados pela Requerente, não se limita a imputar as decisões impugnadas vício formal de insuficiência de fundamentação, pois inclui alegação sobre erro de aplicação das normas invocadas, em face das razões dos abates, que entende deverem afastar a aplicação do artigo 38.º (actual artigo 31.º-B) do CIRC, por não serem normas imperativas mas sim disciplinadoras (artigos 43.º a 53.º do pedido de pronúncia arbitral) e existirem activos fixos tangíveis a que a Requerente poderia ter aplicado o regime do artigo 33.º do CIRC (artigos 54.º a 57.º do pedido de pronúncia arbitral).
Aliás, foi com este alcance de não estar em causa apenas a falta de fundamentação formal que a Autoridade Tributária e Aduaneira interpretou o pedido de pronúncia arbitral, ao fazer referência cumulativa à «pretensa falta de fundamentação e errada interpretação das normas» (página 10 da resposta).
A Autoridade Tributária e Aduaneira alega o seguinte, em suma:
– a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem uniformemente vindo a entender que a fundamentação do acto é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do acto a decidir daquela maneira e não de outra;
– as razões da decisões da Autoridade Tributária e Aduaneira foram amplamente compreendidas e posteriormente referenciadas e atacadas pela Requerente no seu requerimento de pronúncia arbitral que, de outra forma, não o teria apresentado;
– a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação, cabia à Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respectiva notificação ou emissão da certidão em conformidade.
3.2.1. Questão da insuficiência de fundamentação
A exigência de fundamentação de actos administrativos lesivos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, em que se estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».
Especialmente para a fundamentação dos actos tributários, o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, estabelece que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
«Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato» [artigo 153.º, n.º 2, do CPA de 2015, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( )
No caso em apreço, os relatórios das inspecções permitem perceber perfeitamente as razões que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar as correcções em sede de IRC, que são o não cumprimento dos requisitos que entendeu serem exigidos pelo n.º 3 do artigo 38.º do CIRC, quanto ao exercício de 2013, e pelo n.º 3 do artigo 31.º-B do mesmo Código quanto ao exercício de 2014, designadamente não dispor de auto de abate, nos termos definidos nessas normas e não ter efetuado as comunicações ao Serviço de Finanças aí previstas.
Por outro lado, quanto à questão dos elementos do activo de valor unitário inferior a € 1.000,00, a decisão da reclamação graciosa relativa ao exercício de 2013 também esclarece as razões pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira não atendeu a pretensão da Requerente, designadamente, entender que «o sujeito passivo não declarou como gasto os referidos elementos que considera serem de reduzido valor, nem tão pouco juntou elementos que comprovem o preceituado no artigo 33º do CIRC e no artigo nº 19º do decreto-lei nº 25/2009».
Assim, as liquidações impugnadas não enfermam de vício de falta de fundamentação formal.
3.2.2. Questão do erro de interpretação das normas aplicáveis
A Requerente defende que as correções efectuadas enfermam de erro de interpretação das normas aplicáveis, designadamente o artigo 38.º do CIRC, na redacção resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho (vigente em 2013), e do correspondente artigo 31.º-B do mesmo Código, na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, vigente a partir do exercício de 2014.
Nos n.ºs 1 dos artigos referidos admite-se a aceitação como gastos fiscais das perdas por imparidade em activos não correntes «provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, designadamente, desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excepcionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal».
Definindo o «contexto legal» a que se referem estas normas, no n.º 3 do referido artigo 38.º
3 – Quando os factos que determinaram as desvalorizações excepcionais dos bens e o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização ocorram no mesmo período de tributação, o valor líquido fiscal dos bens, corrigido de eventuais valores recuperáveis, pode ser aceite como gasto do período, desde que:
a) Seja comprovado o abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização dos bens, através do respectivo auto, assinado por duas testemunhas, e identificados e comprovados os factos que originaram as desvalorizações excepcionais;
b) O auto seja acompanhado de relação discriminativa dos elementos em causa, contendo, relativamente a cada bem, a descrição, o ano e o custo de aquisição, bem como o valor líquido contabilístico e o valor líquido fiscal;
c) Seja comunicado ao serviço de finanças da área do local onde aqueles bens se encontrem, com a antecedência mínima de 15 dias, o local, a data e a hora do abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização e o total do valor líquido fiscal dos mesmos.
A redacção do n.º 3 do artigo 31.º-B é essencialmente idêntica, com diferenças apenas a nível da terminologia utilizada e decorrentes do novo acordo ortográfico observado na sua redacção.
3 - Quando os factos que determinaram as desvalorizações excecionais dos ativos e o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização ocorram no mesmo período de tributação, o valor líquido fiscal dos ativos, corrigido de eventuais valores recuperáveis, pode ser aceite como gasto do período, desde que:
a) Seja comprovado o abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização dos ativos, através do respetivo auto, assinado por duas testemunhas, e identificados e comprovados os factos que originaram as desvalorizações excecionais;
b) O auto seja acompanhado de relação discriminativa dos elementos em causa, contendo, relativamente a cada ativo, a descrição, o ano e o custo de aquisição, bem como o valor líquido contabilístico e o valor líquido fiscal;
c) Seja comunicado ao serviço de finanças da área do local onde aqueles ativos se encontrem, com a antecedência mínima de 15 dias, o local, a data e a hora do abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização e o total do valor líquido fiscal dos mesmos;
A Requerente defende, em suma:
– os abates aos ativos fixos tangíveis que o sujeito passivo efetuou centram-se nos seguintes motivos:
• renovação de loja (por necessidade de modernização da mesma);
• termo do contrato de arrendamento ou da ocupação do espaço, não tendo sido possível ou desejado renová-lo; ou
• em última instância porque a loja era deficitária e a administração decidiu encerrá-la;
– que estes requisitos não são imperativos, tratando-se de uma norma meramente disciplinadora, tendo por justificação a circunstância de que «se o sujeito passivo proceder à destruição de bens do seu ativo, não tem forma de ilidir a presunção da sua transmissão, ou seja, não tem como provar à posteriori»;
– não foi isto que se passou no caso presente, pois o fecho de uma loja é um facto comprovável a posteriori, sendo possível pela simples observação do mesmo verificar que já não se encontra ocupado pelo sujeito passivo, e, consequentemente, o abandono do espaço implica abate de ativos;
– na relação dos abates de ativos fixos tangíveis, constante da página 7 do relatório inspetivo, verifica-se a existência de ativos, relativamente aos quais o sujeito passivo poderia ter aplicado o disposto no artigo 33.º do Código do IRC.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, o seguinte:
– ao contabilizar aqueles montantes como gastos, impende sobre a Requerente, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus de demonstrar que aquelas quantias são fiscalmente aceites e dedutíveis, até porque a documentação requerida deveria constar do dossier fiscal (n.º 6 do art. 38.º do CIRC);
– a Requerente não elaborou a documentação exigida nem procedeu à comunicação necessária;
– ademais, nunca a Requerente – no procedimento inspectivo, no qual não exerceu o direito de audição, no processo de reclamação graciosa ou nos presentes autos fez qualquer tipo de prova do efectivo abate físico dos bens em causa;
– e mesmo os motivos apontados não se afiguram idóneos e/ou suficientes para comprovar a necessidade de abate daquelas quantidades de activos;
– a eventual renovação de uma loja (susceptível de prova mediante exibição de facturas de obras, por exemplo) não obriga necessariamente ao abate de todos os activos;
– de igual modo, o termo do contrato de arrendamento de uma loja (passível de prova através da apresentação do contrato) também não acarreta imperiosamente o abate da totalidade dos activos;
– relativamente aos elementos do activo sujeitos a deperecimento cujos custos unitários não ultrapassem € 1.000,00, e que a Requerente alega que poderia ter sido aplicado o disposto no artigo 33º do CIRC, sempre se dirá que, de acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 19º do DL 25/2009 de 14.09, estes elementos de reduzido valor, sujeitos a deperecimento, podem ser totalmente depreciados ou amortizados num só período de tributação;
– no entanto, no n.º 3 do mesmo artigo, que estes activos considerados no nº 1, devem constar dos mapas das depreciações e amortizações pelo seu valor global, numa linha própria, com a designação “Elementos de custo unitário inferior a € 1.000,00, cujo período máximo de vida útil se considera, para efeitos fiscais de um ano.”;
– se o sujeito passivo não declarou como gasto os referidos elementos que considera serem de reduzido valor, nem tão pouco juntou elementos que comprovem o preceituado no artigo 33.º do CIRC e no artigo n.º 19.º do DL 25/2009, não podiam os serviços de inspecção considerar este aspecto na análise efectuada no procedimento.
É manifesto que a Requerente não deu satisfação aos requisitos formais exigidos pelos n.ºs 3 dos artigos 38.º e 31.º-B referidos para comprovação do abate físico de bens.
Por outro lado, não há qualquer suporte legal para entender que os requisitos exigidos não são imperativos, pois a terminologia utilizada, em que se inclui a expressão «pode ser aceite como gasto do período, desde que...», não é compaginável com a interpretação defendida pela Requerente, de que se trata de normas de natureza disciplinadora. Aliás, as normas de natureza disciplinadoras são dirigidas aos serviços, visando optimizar a sua actuação, e não aos contribuintes.
Assim, o afastamento da aplicação dos requisitos referidos naquelas normas apenas seria viável através de uma interpretação restritiva, sendo isso, que implicitamente a Requerente defende ao dizer que a justificação desses exigências formais está em que «se o sujeito passivo proceder à destruição de bens do seu ativo, não tem forma de ilidir a presunção da sua transmissão, ou seja, não tem como provar à posteriori», mas «não foi isto que se passou no caso presente», pois «o fecho de uma loja é um facto comprovável à posteriori, sendo possível pela simples observação do mesmo verificar que já não se encontra ocupado pelo sujeito passivo, e, consequentemente (...) o abandono do espaço implica abate de ativos».
A razão daquelas exigências formais é a comprovação do abate físico, do desmantelamento, do abandono ou da inutilização dos bens, pelo que será viável uma interpretação restritiva, sempre que seja possível essa comprovação por outras vias.
Na verdade, «o método teleológico tem-se vindo a deslocar cada vez mais para um primeiro plano em relação à interpretação literal. Segundo o princípio de há longa data conhecido: cessante ratione legis, cessat lex ipsa, deve importar mais o fim e a razão de ser que o respectivo sentido literal. A ratio deve impor-se, não apenas dentro dos limites de um teor literal muitas vezes equívoco, mas ainda rompendo as amarras desse teor literal ou restringindo uma fórmula legal com alcance demasiado amplo, Nestes últimos casos fala-se de interpretação extensiva ou restritiva». ( )
No entanto, no caso em apreço, como bem nota a Autoridade Tributária e Aduaneira, nem no procedimento de inspecção nem no presente processo foi feita essa comprovação do abate físico, do desmantelamento, do abandono ou da inutilização dos bens.
Por outro lado, ao contrário do que defende a Requerente, não se pode entender que a renovação de lojas ou o seu encerramento por termo de arrendamento ou decisão da administração (que a Requerente, no artigo 43.º do pedido de pronúncia arbitral, refere terem ocorrido), implique o abate total de activos que as integravam.
Designadamente, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «a renovação de uma loja (susceptível de prova mediante exibição de facturas de obras, por exemplo) não obriga necessariamente ao abate de todos os activos» e «o termo do contrato de arrendamento de uma loja (passível de prova através da apresentação do contrato) também não acarreta imperiosamente o abate da totalidade dos activos».
De qualquer forma, é manifesto que a Requerente não apresentou qualquer prova do abate de bens do activo de valores correspondentes aos que contabilizou nos exercícios de 2013 e 2014, referidos nos relatórios das inspecções tributárias.
Por isso, não há fundamento para afastar a aplicação à situação dos autos das exigências previstas naqueles n.ºs 3 dos artigo 38.º e 31.-B.
3.2.3. Elementos do ativo sujeitos a deperecimento cujos custos unitários não ultrapassem € 1.000
A Requerente defende que «na relação dos abates de ativos fixos tangíveis, constante da página 7 do relatório inspetivo, verifica-se a existência de ativos, relativamente aos quais o sujeito passivo poderia ter aplicado o disposto no artigo 33.º do Código do IRC».
O artigo 33.º do CIRC estabelece o seguinte:
Elementos de reduzido valor
Relativamente a elementos do activo sujeitos a deperecimento cujos custos unitários não ultrapassem € 1.000, é aceite a dedução, no período de tributação do respectivo custo de aquisição ou de produção, excepto quando façam parte integrante de um conjunto de elementos que deva ser depreciado ou amortizado como um todo.
No entanto, como se refere na decisão da reclamação graciosa relativa ao exercício de 2013, esta possibilidade de dedução está sujeita ao regime previsto no artigo 19.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, que estabelece que «os activos depreciados ou amortizados nos termos do n.º 1 devem constar dos mapas das depreciações e amortizações pelo seu valor global, numa linha própria para os elementos adquiridos ou produzidos em cada período de tributação, com a designação «Elementos de custo unitário inferior a (euro) 1000», elementos estes cujo período máximo de vida útil se considera, para efeitos fiscais, de um ano».
No caso em apreço, a Requerente não deu satisfação a este requisito, pelo que não estavam reunidas as condições para aceitação das deduções referidas.
Assim, também quanto a este ponto, não se demonstra o vício invocado pela Requerente.
4. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 182.775,60.
Lisboa, 13-03-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Jesuíno Alcântara Martins)
(Jorge Carita)