Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Lobato das Neves e Dr. André Festas da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-12-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ... ..., ..., em Lisboa, (doravante designada como “Requerente”, veio, ao abrigo do disposto na alínea a), do número 1, do artigo 2.º e do número 3, do artigo 24.º ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017..., que se pronunciou no sentido da legalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (“IRC”) número 2016..., respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80 (seis mil, cento e oitenta e três euros e oitenta cêntimos), incluindo juros de mora e juros compensatórios, e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25 (novecentos e sessenta e quatro mil e setenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos), a que corresponde o documento de cobrança n.º 2016... .
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição do montante de € 5.513,70 (cinco mil, quinhentos e treze euros e setenta cêntimos), acrescido do pagamento dos respetivos juros indemnizatórios
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 16-10-2018.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 06-12-2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 27-12-2018.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção da intempestividade e caducidade do direito de acção e defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 08-10-2018 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações e que o processo prosseguisse com resposta à excepção.
A Requerente pronunciou-se sobre a excepção, defendendo a sua improcedência.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre decidir.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
3. A. A Requerente é uma sociedade portuguesa constituída em 1989, cujo objeto social é, para além da gestão e promoção imobiliária, construção, compra, venda, revenda e administração de imóveis, a aquisição de outras sociedades e seu financiamento, assim como a participação em agrupamentos complementares de empresas, consórcios ou outras formas de associação;
4. Em termos de IRC, a Requerente faz parte do grupo em situação de regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), sendo sociedade dominante a B... SGPS, S.A., com o NIF ... (página 2 do Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
5. Por despacho de despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 02-12-2013, foi declarada a caducidade da aplicação do RETGS ao grupo referido, com efeitos a partir de 31-12-2008 (artigo 25.º da Resposta e documento n.º 9 junto pela Requerente);
6. Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, foi anulado o despacho referido na alínea anterior e decidida a manutenção do RETGS, com efeitos a partir de 01-01-2009 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
7. A Requerente foi objecto de acção inspetiva, de âmbito geral, aos exercícios de 2012, 2013 e 2014;
8. Da acção inspetiva à Requerente, respeitante ao exercício de 2012, foi apurado um resultado fiscal corrigido de - € 964.078,25, que corresponde ao resultado fiscal declarado pela Requerente, no montante de - € 1.829.583,07 (valor negativo, devidamente assinalado com o símbolo “-“), menos as correcções propostas à matéria tributável (exercício de 2012) no montante de € 865.504,82;
9. A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2016 ... (documento de cobrança n.º 2016...), respeitante ao exercício de 2012, na qual é indicado: (i) o montante total a pagar de € 6.183,80, incluindo juros de mora e juros compensatórios (correspondente às tributações autónomas), e (ii) o resultado fiscal corrigido de € 964.078,25;
10. A Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação, que teve o n.º ...2017... e foi indeferida por Despacho do Senhor Diretor Adjunto da Direção de Finanças, datado de 31-08-2017 e notificado à Requerente no dia 06-09-2017;
11. A decisão sobre a Reclamação Graciosa manifesta concordância com uma informação, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
V - ALEGAÇÕES DA RECLAMANTE
A reclamante, na sua petição apresenta um documento (cf. fls. 2 a 229 apensas aos presentes autos), que inclui 20 folhas com a discriminação de 197 pontos e 15 documentos em anexo.
Na sua petição alega a reclamante, em síntese, com base nos seguintes fundamentos:
- O montante apurado na liquidação adicional, a título de tributações autónomas, no total de €5.513,70, não é devido, pois já havia sido pago pela B.. S.G.P.S., S.A., no âmbito da liquidação efetuada para efeitos de Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo assim, ilegal, por duplicação de coleta (§4º) a (§31º);
- "(...) ainda que o RETGS cesse ... com efeitos reportados a 2012, a verdade é que a autoliquidação das tributações autónomas ora em análise não deixa de ter sido efetuada, apenas é corrigida em conformidade" (§ 23º);
- "(...) os efeitos da consolidação fiscal estão presentemente em sede de contencioso impugnatório (...)•" (§42º);
- Relativamente ao total da correção de € 865.504,82, tendo por base encargos financeiros não aceites fiscalmente, refere:
- "(...) sendo um dos objetos sociais da reclamante a aquisição de outras sociedades e o seu financiamento, seja a título de suprimento, seja a título de prestações acessórias, é por demais evidente ... que os juros pagos para financiamento das suas participadas se encontra abrangido pelo objeto social, pois a aquisição de outras sociedades visa o lucro (...)." (§ 136º);
- Não deveria ter sido realizada qualquer correção, sendo os encargos financeiros suportados enquadráveis na al. c) do n.º 2 do art.º 23." do Código do IRC;
Juros Indemnizatórios (§ 188º a § 197º)
- Deverá ser reembolsada do montante indevidamente pago e reconhecido o seu direito a juros indemnizatórios, sobre essa quantia, calculados à taxa de 4%.
Nestes termos, solicita a anulação do ato de liquidação de IRC, sendo reembolsada do montante indevidamente pago no total de € 5.513,70, e que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios.
VI - ANÁLISE GLOBAL E PARECER
A reclamante é uma sociedade anónima que está coletada em sede de IRC e de IVA, desde 1989-04-17, pelo exercício da atividade de "Promoção Imobiliária (Desenvolvimento de Projetos em Edifícios) ", CAE 41100 (cf. fls. 292 a 294 em anexo).
Refere a reclamante encontrar-se abrangida pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), nos termos do art.º 69.º do CIRC, em relação ao ano em análise, 2012, sendo o grupo dominado pela sociedade B... S.G.P.S., S.A. (sociedade dominante), atualmente C... (S.G.P.S.), S.A., NIF... . Todavia, consultado o sistema informático da Autoridade Tributária, tal não se confirma (cf. fls. 290-291 e 308-309).
Além de que, de acordo com a Informação n.º 1213/13 da DSIRC, com despacho da Subdiretora Geral datado de 2013-12-02, verifica-se a caducidade do RETGS para o grupo B..., SGPS, SA, com efeitos a 2008-12-31, podendo voltar a optar pelo regime em 2013, solicitando essa opção (cf. fls. 314 a 316 dos autos).
Assim, não assiste razão à reclamante, estando correto o apuramento na liquidação adicional, do total de € 5.513,70, a título de tributações autónomas.
Como já mencionado, no âmbito de uma ação inspetiva ao ano de 2012, elaborada na Direção de Finanças do Porto, foram apuradas correções, no total de € 865.504,82, tendo por base encargos financeiros não aceites fiscalmente.
Refere o Relatório da Inspeção (cf. fl. 274 dos autos):
"(...) a A... está a suportar encargos financeiros decorrentes de empréstimos que se encontram a financiar a atividade das suas associadas sem que a totalidade desses encargos suportados seja repercutida aos efetivos beneficiários dessas verbas.
Assim, serão de desconsiderar fiscalmente os gastos associados ao financiamento que está a ser utilizado por outras empresas, que não a A..., relativamente ao diferencial existente entre os gastos e os rendimentos derivados dos financiamentos obtidos e concedidos. (...)".
Deste modo, foram efetuadas correções, decorrentes da desconsideração da dedutibilidade fiscal de encargos financeiros suportados no interesse de outras empresas suas associadas, conforme apuramento discriminado na tabela seguinte:
Analisada a situação, oferece-se referir o seguinte:
- Considerando que a reclamante vem contestar correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças do Porto, com referência ao período de tributação de 2012 (012015...), solicitámos informação adequada sobre a matéria de facto subjacente ao caso em apreço (cf. fl. 232 em anexo aos autos).
Da resposta obtida (cf. fls. 285 a 288 em anexo aos presentes autos) transcrevem-se fls. 287 e 288:
"(...) A A... veio afirmar que para suprir as carências financeiras das suas participadas efetuou, a estas, empréstimos com o caráter de suprimentos, sendo que a B..., por sua vez, faz o mesmo em relação às carências financeiras da A... .
Não questionamos estas afirmações, aquilo que se questiona é a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros que a A... se encontra a suportar para efetuar esses mesmos suprimentos, uma vez que, contrariamente à A..., a B... debita juros à A... quando lhe efetua suprimentos para suprir as suas carências financeiras, sendo que com essas verbas a A... vai suprir as carências financeiras das suas participadas de forma gratuita, assumindo na sua totalidade os encargos financeiros das verbas que não ficam na sua esfera mas são transferidas para a esfera das suas participadas.
Seja qual for o meio de financiamento utilizado, quer estejamos em face de empréstimos bancários, ou, em presença de empréstimos com o caráter de suprimentos, temos-lhes associados encargos financeiros, previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 23º do Código do IRC, pelo que, há que analisar a dedutibilidade fiscal desses mesmos encargos financeiros, à luz do preceituado no referido artigo, não existindo enquadramento distinto consoante a natureza dos encargos financeiros, ou seja, se eles derivam de empréstimos bancários, ou de suprimentos.
Ao contrário do que o sujeito passivo refere, a AT nunca colocou em causa o caráter não oneroso dos empréstimos efetuados, nem muito menos a liberdade de decisão na forma de financiamento das sociedades, apenas questiona a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros que a A... se encontra a suportar para depois, com as verbas obtidas às quais estão associados esses encargos suportados, financiar as suas participadas, ficando ela a suportar os encargos dessas mesmas verbas que são transferidas para outras sociedades e não utilizadas na esfera da própria A...,
A A... alega que a jurisprudência invocada pela AT é respeitante a empréstimos bancários e por conseguinte não aplicável ao caso vertente, uma vez que aqui estamos em presença de suprimentos e não de empréstimos bancários.
No entanto, o que nos encontramos a apreciar, bem como em toda a legislação e jurisprudência mencionada, é a dedutibilidade de encargos financeiros, e não a proveniência de tais encargos, pois, independentemente de eles terem na sua origem suprimentos ou empréstimos bancários, estamos em face de gastos de natureza financeira, enquadráveis na alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC.
Ora, todos os encargos de igual natureza, no caso natureza financeira, terão o mesmo enquadramento legal, sejam eles derivados de empréstimos bancários ou de outro tipo de empréstimos, a questão é a apreciação da sua dedutibilidade fiscal em face do disposto no referido artigo 23.ºdo Código do IRC.
Não vemos, assim, porque não seria de aplicar a jurisprudência invocada, uma vez que toda ela se relaciona com encargos financeiros, contrariamente ao caso da jurisprudência agora invocada pela A..., que vem fazer apelo ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29/02/2006, quando este Acórdão tem na sua génese a apreciação da dedução de encargos com subsídio de alimentação e gastos com refeições.
Aqui, sim, estamos em face de situações que não poderão ser comparáveis, pois o Acórdão agora trazido à coação é relativo à dedutibilidade fiscal de encargos relativos a refeições, quando o caso que estamos a analisar prende-se com a dedutibilidade fiscal de encargos financeiros.
O sujeito passivo vem igualmente invocar uma decisão da Secção Tributária do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) (Decisão proferida no P.º n.º 12/2013-T).
Temos a referir que a decisão agora invocada pelo contribuinte é relativa à realidade de uma sociedade gestora de participações sociais, entidade que tem, como único objeto contratual, a gestão de participações sociais noutras sociedades.
Ora a A... não tem como única atividade a gestão de participações sociais, pelo que estamos em face de realidades distintas que não podem ser avaliadas de igual forma.
Neste acórdão estava em discussão a dedutibilidade fiscal dos encargos suportados por uma SGPS, cuja atividade e exploração radica exclusivamente na gestão das suas participadas e dominadas. O caso em apreço é manifestamente distinto, não se podendo retirar as mesmas consequências de realidades completamente distintas.
Não é pelo simples facto da sociedade abarcar, de forma completamente acessória, no seu CAE a aquisição de quotas ou ações de outras sociedades, financiamento destas, através de suprimentos e ou prestações acessórias, que se pode equiparar a um sociedade gestora de participações sociais que tem como atividade exclusiva a gestão das suas participadas e dominadas.
Há que atender à especialidade das pessoas coletivas. Assim, os gastos previstos no artigo 23º do Código do IRC têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada gasto daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
Conforme jurisprudência anteriormente invocada, o Supremo Tribunal Administrativo já definiu que os gastos elencados no artigo 23º do Código do IRC têm de respeitar à própria sociedade em causa, pois para que uma verba seja considerada gasto daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que com ela mantenha relações especiais, pois, a não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação, tornando-se pressuposto essencial da dedutibilidade fiscal dos gastos a consideração individualizada de cada empresa ou instituição.
Deste modo, é em relação à entidade cujos gastos estão em consideração, tendo em atenção a atividade empresarial que desenvolve, que importa apreciar a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros e não na esfera de qualquer outra entidade com a qual esteja relacionada, ou seja, a conexão de causalidade entre a assunção de encargos financeiros e o desenvolvimento da atividade da sociedade deles devedora.
Consequentemente, não podem ser aceites como dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que manifestamente se comprove que os fundos obtidos são desviados da sua própria exploração para a de outras entidades com a qual está relacionada.
É o que se passa na situação em apreço, uma vez que a A... está a suportar encargos financeiros decorrentes de empréstimos que por sua vez são canalizados para outras empresas, sem que seja debitado qualquer montante pela disponibilização de tais meios financeiros, pelo que são de desconsiderar fiscalmente os gastos associados ao financiamento que está a ser utilizado pelas outras empresas, que não a A... .
Não se encontra aqui em causa a apreciação ou intromissão nas decisões de gestão da empresa, mas sim, a apreciação da dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos, face aos requisitos estabelecidos pelo artigo 23.º do Código do IRC.
Nesta sequência o Supremo Tribunal Administrativo, conforme jurisprudência já enunciada, precisou devidamente que os custos previstos neste artigo têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, pelo que, para que determinada verba seja considerada custo daquela, é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio, ou seja, os gastos têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada gasto daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades, mesmo tratando-se de empresas associadas, como se passa no caso aqui em apreço.
A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais nas suas associadas não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de gastos fiscais, porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
A lei não proíbe que seja a A... a assumir os compromissos em função do grupo de empresas, se assim o entender, consoante as suas opções de gestão, no entanto, a utilidade destas decisões para o grupo, não faz desaparecer o interesse individualizado de cada uma das entidades intervenientes.
A A... vem de igual forma alegar que, a serem efetuadas as correções propostas, ao nível dos gastos de financiamento, estas deveriam igualmente ser produzidas pela AT, em sentido contrário, na esfera da B..., ou seja, a desconsideração dos rendimentos na esfera da sociedade que debita estes encargos à A... .
Ora, não nos cabe, estar a avaliar a situação da B..., pois o procedimento inspetivo levado a efeito é à A... e não à B..., pelo que, não conhecendo a realidade da B..., não poderemos avaliar os rendimentos por esta debitados, contabilizados e declarados, bem como dos encargos que estarão, por sua vez, igualmente associados à obtenção de tais rendimentos, bem como ao desenvolvimento da sua própria atividade.
No que diz respeito ao invocado relativo à contabilização das correções, produzimos o seguinte entendimento:
A fim de avaliar o peso que os empréstimos concedidos representam na totalidade dos empréstimos obtidos, tal não pode ser efetuado através do saldo que existe em determinado momento do exercício, mas sim, pela totalidade das verbas que foram disponibilizadas à A... pela B... e pelas verbas que a A..., por sua vez, foi transferindo ao longo do ano para as suas associadas.
Ou seja, se fossemos proceder a esta análise através dos saldos do final do ano, esta realidade seria completamente distorcida, no limite poderíamos ter uma situação em que a A..., por mera hipótese, ao longo do ano transferia para as suas associadas todas as verbas que obtinha junto da B... e no final do ano as suas associadas devolviam todos esses montantes, ficando, consequentemente o saldo a zero.
Seguindo o entendimento, agora invocado pelo contribuinte, obteríamos que o peso que os empréstimos concedidos representavam nos empréstimos obtidos era nulo, o que se afastaria por completo da realidade existente.
Já no tocante ao ano de 2014, ano em que a A... debitou juros à ..., para efeitos do cálculo dos gastos de financiamento não aceites fiscalmente, estes foram deduzidos aos juros que, por sua vez, a A... suportou nos financiamentos obtidos, na medida em que esses efetivamente originaram rendimentos na esfera da A... .
NOTA - Salientamos o facto de que em ação inspetiva, levada a efeito ao exercício de 2011, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2014..., para o mesmo sujeito, foram igualmente promovidas correções aos gastos de financiamento incorridos naquele exercício, na proporção dos empréstimos que por sua vez concede às suas associadas, num total de 468.922,49€.
Estas correções foram objeto de regularização voluntária por parte da A..., SA, a qual procedeu ao envio da declaração de rendimentos modelo 22 de substituição, do exercício de 2011, acrescendo o montante de 468.922,49€.
Conclusão:
Em face do acima explanado, entendemos que os elementos e ou alegações apresentados em nada alteram a posição inicialmente assumida. (...)."
Conclui-se, pois, que face ao exposto nesta Informação e com a qual concordamos, que não assiste razão à reclamante no que se refere aos argumentos expendidos em defesa da anulação do ato de liquidação.
Deste modo, tendo em consideração o descrito anteriormente e após análise do exposto na Informação da DF do Porto, afigura-se ser de indeferira presente reclamação.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Para além do exposto, convirá ainda analisar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios deduzido, que se apresenta no caso em análise, manifestamente insustentável, porquanto nos termos do art.º 43.º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Ora no caso em análise a existir erro, o mesmo não é imputável aos serviços, mais sim à reclamante.
12. A Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral para a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa com o n.º ...2017..., bem como, em consequência, para a apreciação da legalidade da liquidação de IRC n.º 2016..., pedindo a condenação da Requerida na anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa identificada com o n.º ...2017..., bem como, em consequência, a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2016 ..., respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80, incluindo juros de mora e juros compensatórios, e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25, que foi objecto do processo arbitral n.º 636/2017-T (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
13. Nesse processo arbitral n.º 636/2017-T foi proferida, em 13-07-2018, decisão em que o Tribunal Arbitral Singular considerou como valor da causa o montante de € 871.688,62 e declarou «incompetente em razão do valor da causa, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 24.º do RJAT» (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
14. Na sequência da supra liquidação adicional, no dia 20-12-2016, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de imposto apurado ao abrigo do Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (“PERES”), no montante de € 5.513,70 (cinco mil, quinhentos e treze euros e setenta cêntimos) (Documento n.º 14, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
15. A B... SGPS, SA, NIF..., sociedade dominante do grupo, apresentou autoliquidação relativa ao grupo respeitante ao exercício de 2012, em que incluiu a tributação autónoma de € 5.513,70 respeitante à Requerente (páginas 310-312, a folhas 160-164, da parte 3 do ficheiro informático e documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
16. Em 15-10-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.2.1. Não se provou qual a forma de notificação da decisão arbitral proferida no processo n.º 636/2017-T, mas não é necessário apurar essa forma para decidir a questão da intempestividade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
2.2.2. No que concerne ao pagamento da tributação autónoma pelo grupo B... SGPS, SA. infere-se das afirmações da Requerente e do facto de a cessação da aplicação do RETGS apenas ter sido decidida em 02-12-2013, após a autoliquidação e pagamento, ocorridos em 31-05-2013, segundo de vê pelos documentos incluídos no documento n.º 5, junto pela Requerente, cuja correspondência à realidade não é questionada, e pela autoliquidação do grupo que consta do processo administrativo (páginas 310-312, a folhas 160-164, da parte 3 do ficheiro informático).
A Autoridade Tributária e Aduaneira não diz que o pagamento não foi efectuado, afirmando, na decisão da reclamação graciosa e no presente processo, que o sistema informático não o confirma e que a aplicação do RETGS terá caducado.
Mas, o certo é que, não tendo sido declarada a caducidade à data em que a autoliquidação deveria ter sido apresentada, ela teria de ser apresentada, como foi a 29-05-2013, como se vê pelo processo administrativo.
Sendo nesta autoliquidação incluído o montante de € 183.156,07 de tributações autónomas (campo 365) é de presumir que nele está incluído o valor da tributação autónoma relativa à Requerente.
2.2.3. Os restantes factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com a o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.
3. Questão da intempestividade da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral (caducidade do direito de acção)
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão da intempestividade da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, efectuada em 15-10-2018, na sequência de uma decisão de incompetência proferida, em 13-07-2018, por Tribunal Arbitral Singular no processo n.º 636/2017-T.
Na decisão arbitral referida, o Tribunal Arbitral Singular declarou-se «incompetente em razão do valor da causa, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 24.º do RJAT».
Neste n.º 3 do artigo 24.º do RJAT estabelece-se se:
3 - Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.
Tendo transitado em julgado a decisão referida, tem de se considerar assente que a Requerente pode utilizar o «disposto no n.º 3 do artigo 24.º do RJAT».
Assim, como resulta do teor literal desta norma, a Requerente podia «suscitar nova pronúncia arbitral» dos actos que foram objecto daquele processo 636/2017-T, e o prazo para o fazer conta-se «a partir da notificação da decisão arbitral».
Trata-se de uma norma especial para esta situação, pelo que o prazo de 90 dias para pedir a constituição de tribunal arbitral, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, conta-se «a partir da notificação da decisão arbitral».
No caso em apreço, tendo a decisão arbitral sido proferida em 13-07-2018 (uma sexta-feira), não pode considerar-se notificada antes de 16-07-2018 ( ).
Por isso, o prazo de 90 dias a contar daquela data terminaria em 14-10-2018, que é Domingo, pelo que o seu termo se considera transferido para 15-10-2018, primeiro dia útil subsequente, nos termos do artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 20.º, n.º 1, do CPPT e no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Assim, tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido apresentado em 15-10-2018, tem de considerar-se tempestivo.
Pelo exposto, improcede a excepção da intempestividade (caducidade do direito de acção) invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Matéria de direito
4.1. Questão duplicação de colecta de tributação autónoma
A Requerente questiona no presente processo a liquidação de tributação autónoma no valor de € 5.513,70, defendendo que já foi paga no âmbito do RETGS, pela sociedade dominante do grupo em que se inseria, B... SGPS, SA..
Como resulta da matéria de facto, deve considerar-se provado que esse pagamento foi efectuado.
A Requerente invoca que ocorreu duplicação de colecta.
De harmonia com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, do CPPT ocorre duplicação de colecta «quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo».
No caso em apreço, estando paga a quantia referida, em 31-05-2013, no âmbito da autoliquidação efectuada pela B... SGPS, SA., conclui-se que se verificam os pressupostos da duplicação de colecta, pois, ao liquidar-se a mesma tributação autónoma à Requerente, exige-se de diferente pessoa um tributo de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
Assim, verificando-se todos os requisitos previstos no artigo 205.º, n.º 1, do CPPT, e não sendo alegado sequer que se esteja perante uma situação prevista no n.º 2 do mesmo artigo ( ), tem de se concluir que a liquidação impugnada enferma de vício de duplicação de colecta, que justifica a sua anulação na parte correspondente, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.
A liquidação de juros compensatórios, incluída na liquidação impugnada, ficou sem efeito, na sequência do pagamento efectuado pela Requerente no âmbito do Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (“PERES”), pelo que apenas se justifica a anulação da tributação autónoma.
4.2. Questão dedutibilidade dos gastos referentes a financiamentos remunerados
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção à matéria tributável da Requerente por ter suportado gastos de financiamento no exercício de 2012 (empréstimos remunerados efectuados pela B... SGPS, S.A. à Requerente) e nesse exercício ter efectuado empréstimos sem juros a empresas suas participadas.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que na proporção do montante de tais empréstimos às participadas da Requerente (no montante de € 15.524.903,41) em relação ao total dos financiamentos que geraram encargos financeiros (€ 29.354.107,41), os juros debitados pela B... à Requerente não são dedutíveis para efeito de determinação da matéria tributável, por não satisfazerem os requisitos exigidos pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.
Na tese adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, «os gastos previstos no artigo 23º do Código do IRC têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada gasto daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades».
4.2.1. Conceito de indispensabilidade de gastos
Nos termos do artigo 23.º do Código do IRC (na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, vigente em 2012), «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora». ( )
O conceito de indispensabilidade tem sido repetidamente apreciado pela jurisprudência arbitral, designadamente no que concerne ao reforço do investimento por uma sociedade nas suas participadas, pelo que se vai adoptar em linhas gerais essa jurisprudência, designadamente a fundamentação do acórdão de 13-02-2015, proferido no processo n.º 585/2014-T.
«A noção legal de indispensabilidade recorta-se (...) sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.» (…) «A indispensabilidade subsume-se a todo e qualquer acto realizado no interesse da empresa (…) A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro”.
«Indispensabilidade não significa, pois, um nexo de causalidade obrigatória com rendimentos/proveitos, nem que, a posteriori, se devem verificar ou comprovar necessariamente efeitos económicos lucrativos decorrentes de tais gastos. Desde que os gastos resultem de actos de gestão que, com base na informação conhecida aquando da sua execução, pudessem ter como objectivo a obtenção esperada de rendimentos ou a manutenção da fonte produtora (física, intangível, financeira ou outra) tal deverá conduzir à aceitação da sua dedutibilidade».
Refere-se no acórdão proferido no processo n.º 585/2014-T o seguinte:
«A indispensabilidade surge como um factor determinante para a admissibilidade dos custos. A sua delimitação é, pois, fundamental para se aferir se os encargos foram contraídos no interesse da sociedade participante.
É que não se deve excluir sempre a possibilidade de dedução de custos de investimento de sociedades nas suas participadas.
O conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC deve corresponder aos custos incorridos no interesse da empresa, aos gastos suportados no âmbito das actividades abrangidas pelo seu fim estatutário, no caso de uma sociedade.
Não é, assim, necessária uma ligação aos proveitos, um obrigatório nexo de causalidade entre despesas e proveitos. Por outro lado, não relevam para aquele efeito os juízos da Administração Tributária sobre o acerto das decisões de gestão, bastando que as mesmas sejam tomadas no âmbito do interesse da empresa.
O Tribunal Central Administrativo Sul, no proc. n.º 06754/13 CT- 2º Juízo de 16.10.2014 aponta para a seguinte solução “É entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr. Ac. S.T.A. -2ª.Secção, de 21.04.2010, rec. n.º 774/09; Ac. S.T.A. -2ª.Secção, de 13.02.2008, rec. n.º 798/07; Ac. T.C.A. Sul -2ª Secção, de 17.11.2009, proc.3253/09).
Ora, um «activo é um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros» - ponto 49 (a) da Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística homologada pelo despacho publicado no Aviso n.º 15 652/2009, Diário da República, II Série, de 7 de setembro.
Assim, a “atividade” de uma empresa não se esgota no conjunto de operações produtivas ou operacionais. “Atividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras. Tanto será atividade a gestão de um ativo físico, como a de um intangível, como a de um ativo não corrente detido para venda, como a de um ativo financeiro.
A atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.
Nos casos de investimento de uma sociedade numa sua participada, o financiamento provindo da participante será feito no interesse desta caso sirva para que daí decorra uma expetativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes
A dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto dos financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro).
O facto de decisões tomadas na esfera da participante influenciarem o património da participada não quer dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros. Elas são tomadas a partir do interesse da participante em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento na participada.
A participada usa fundos que lhe são aportados, mas esse aporte de fundos é feito no interesse da participante, ou seja, no contexto de atos normais de gestão que se podem englobar no seu escopo ou propósito lucrativo.
Nas situações em que a participante detém a totalidade do capital da participada e, por isso, detém total possibilidade de intervir na gestão da participada e assegurar que o investimento é utilizado no seu interesse, o investimento na participada reconduz-se a gestão da participação e consubstancia exercício indireto pela participante da atividade económica que a participada leva a cabo, cujos reflexos positivos ou negativos se acabam por repercutir totalmente na esfera jurídica da participante através da valorização ou desvalorização da sua participação, pelo que os encargos necessários para assegurar o investimento potenciador da obtenção de futuros benefícios enquadram-se no conceito de indispensabilidade económica, com o referido sentido de despesas integralmente efetuadas no interesse da empresa.»
É também neste sentido a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelo acórdão do Pleno de 27-06-2018, proferido no processo n.º 01402/17, tirado por unanimidade, em que se entendeu que
«O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados».
No caso em apreço, está-se perante financiamento gratuito pela Requerente às suas participadas através de prestações suplementares, questão que foi objecto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-02-2018, proferido no processo n.º 0473/13, em que se sumariou:
V - Ao decidir efectuar participações acessórias de capital a algumas das empresas participadas sem delas receber quaisquer juros e, para fazer esses financiamentos contraiu empréstimos onerosos junto de instituições financeiras, os encargos financeiros suportados por estes empréstimos estão conexionados com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa participante que contraiu os empréstimos e pagou os encargos financeiros correspondentes.
VI - A gestão de participações sociais ocorre pela influência que os direitos de voto que a A’……… detenha na sociedade participada, a exercer em assembleia geral, influenciando as decisões de gestão da participada, pela aquisição de mais acções da sociedade participada, pela deliberação de aumento do seu capital social com o inerente incremento da capacidade de investimento, ou pelo reforço do capital próprio da participada, aumento das disponibilidades de tesouraria, entre outros. Sendo certo que a A’……….é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, a decisão de efectuar a prestação suplementar é exercício da sua actividade empresarial de gestão de participações sociais. VII - Não é, ao nível da realização da prestação suplementar – por definição do sócio para com a sociedade – uma actividade de gestão da participada. O acto de gestão aqui em causa não é um acto de gestão da empresa participada, que se limita a sofrer na sua esfera jurídica as respectivas consequências.
Na fundamentação deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, refere-se ainda:
Pese embora as prestações acessórias terem sido concedidas pela A’………. para que as sociedades participadas adquirissem participações financeiras noutras sociedades – para este efeito, é irrelevante o fim a que se destinava esse capital na sociedade participada- os juros suportados pela primeira para obter financiamento externo, posteriormente entregue à participada, foi feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de activo financeiros – acções da participada - que é, pelo menos potencialmente produtora de rendimento para a participante, indirectamente através do êxito/fracasso que venha a decorrer das aquisições de participações sociais que a participada haja efectuado com esse dinheiro. Na verdade, trata-se de um acto de gestão intrinsecamente idêntico a um outro em que a A’………. contraísse um empréstimo para comprar uma máquina para a sua actividade industrial e de que estivesse a suportar os juros inerentes.
Não se cura aqui de saber se é ou não legítimo do ponto de vista da gestão empresarial tal empréstimo. O direito fiscal não pode desconsiderar um custo porque entende que a respectiva assumpção foi um mau acto de gestão, como também não pode considerar um custo apenas porque entende que foi um bom acto de gestão. O direito fiscal nada tem a ver com a gestão das empresas e relativamente a ela tem de manter apenas uma conduta de neutralidade.
(...)
«a doutrina tem assinalado que com as prestações suplementares há um incremento do valor do investimento financeiro feito pela sócia; Esse activo financeiro, assim reforçado ou aumentado com as prestações, é uma fonte produtora de rendimentos pelo que, em termos de decisão de investimento, o confronto entre um desembolso inicial e os fluxos que o mesmo pode originar é idêntico em investimentos em activos físicos operacionais, na aquisição de uma participação de capital ou noutro tipo de investimento financeiro».
Assim, «se a lógica económica da decisão e as formas de financiamento são idênticas, se, além disso, em todos esses casos se potenciou a obtenção de proveitos, não há razão para que os encargos financeiros sejam dedutíveis nuns casos e o não sejam em outros».
(...)
Não se olvida que a empresa A’………., SA detém participações sociais em várias sociedades que lhe conferem o domínio total nuns casos e noutros um domínio parcial variável entre 0,04% e 99,99% e o seu objecto social abrange actividades imobiliárias e a detenção e gestão de participações sociais, entendida esta como envolvendo operações de financiamento das empresas participadas para melhor gerirem a sua carteira de títulos com vista a reforçarem a sua posição empresarial seja através do aumento do valor de mercado das suas próprias acções, seja evitando a depreciação do seu valor, seja efectuando operações financeiras e comerciais que possam gerar lucros, ou, pelo menos sejam susceptíveis de os gerar.
Quando decidiu efectuar participações acessórias de capital a algumas das empresas participadas sem delas receber quaisquer juros e, para fazer esses financiamentos contraiu empréstimos onerosos junto de instituições financeiras, os encargos financeiros suportados por estes empréstimos na empresa A’………., SA estão conexionados com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa participante que contraiu os empréstimos e pagou os encargos financeiros correspondentes.
A lógica empresarial e de grupo de empresas frequentemente aconselhará que os empréstimos sejam contratualizados pela empresa dominante, tendencialmente aquela que, pela sua dimensão e prestígio, se encontra melhor posicionada para os obter junto das instituições bancárias com condições mais favoráveis. Nada na lei comercial o impede, competindo a análise desse procedimento às próprias empresas do grupo, sem que a Administração Tributária se possa imiscuir em tal opção empresarial, por o direito fiscal não impor comportamento diverso.
Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente inclui no seu objecto social a aquisição de outras sociedades e seu financiamento, pelo que, independentemente da forma que assumem estes financiamentos (no caso, através de prestações suplementares), deve concluir-se que eles se destinam à manutenção da fonte produtora que são as participadas e, por isso, se enquadram no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
«A participada não é um qualquer ente estranho à actividade e interesses da participante. Não há um gasto na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. O gasto com juros incorridos com capitais obtidos e, posteriormente aportados à participada, é feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de um activo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento».
Do exposto decorre que as correcções efectuadas relativas à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2012, parcialmente utilizados para financiar suas participadas, violam o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, o que constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação da correcção efectuada.
5. Restituição de quantia paga relativamente à tributação autónoma e juros indemnizatórios
A Requerente pagou em 20-12-2016 a quantia de € 5.513,70 relativa à tributação autónoma e pede a restituição dessa quantia, acrescida de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga indevidamente acrescida de juros indemnizatórios.
Na sequência da ilegalidade da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 5.513,70, que pagou indevidamente, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
(...)
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
No que concerne aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, foi a Autoridade Tributária e Aduaneira quem efectuou a liquidação impugnada, por sua iniciativa, pelo que as ilegalidades que as afectam lhe são imputáveis.
Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva contados desde 20-12-2016, até integral reembolso, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, do CPPT, e art. 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
6. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em
a) Julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
c) Anular a correcção à matéria tributável da Requerente no montante de € 865.594,82 e os actos que a aplicaram, que são a liquidação de IRC n.º 2016 ... e a decisão da reclamação graciosa n.º ...2017...;
d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a reembolsar a Requerente da quantia de € 5.513,70, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do ponto 5 deste acórdão.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 871.688,62.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 12.240,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 04-03-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(António Lobato das Neves)
(André Festas da Silva