DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Nuno Maldonado Sousa árbitro das listas do CAAD designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o tribunal arbitral singular, constituído em 04-09-2018, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.
I. Relatório
1. O A..., titular do NIPC..., associação de direito privado, com sede no ..., ..., ..., ..., requereu a constituição de tribunal arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do regime jurídico da arbitragem em matéria tributária constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), para apreciar a legalidade dos ato tributário de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do ano de 2014, no montante de € 14.798,63, com data limite de pagamento em 18-06-2018.
É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 27-06-2018 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) também em 27-06-2018.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral com árbitro singular o signatário, que manifestou a aceitação do encargo no prazo legal. Em 14-08-2018 as partes foram notificadas desta designação e não manifestaram intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído na citada data de 04-09-2018.
3. Para fundamentar o seu pedido de anulação da liquidação, a Requerente invocou ser associação sem fim lucrativo com um objeto ligado ao interesse público, designadamente o ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais, visando a formação de especialistas e professores em línguas, no âmbito da formação cultural da população da cidade de ... .
A Requerente sustenta que a sua atividade não é apenas ministrar aulas, pois é uma associação que colabora de forma intensa com outras instituições de carácter cultural, desportivo e de solidariedade social, na prossecução dos seus objetivos.
Para prosseguir a sua atividade a Requerente celebrou com a Câmara Municipal de ... (CM...), protocolo de colaboração para esta entidade financiar de modo que considera relevante, a atividade da Requerente. No âmbito desse protocolo recebeu no ano de 2014 subsídio, que totalizou € 75 000,00.
Alega que o protocolo de financiamento visa realizar o direito à educação e à cultura e respetiva democratização, o apoio à superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o apoio ao tecido empresarial ..., dada a sua vocação exportadora, e contribuir para a melhoria qualitativa e quantitativa do emprego. Afirma ainda que não poderia manter o seu nível de intervenção na formação cultural que assegura se não tivesse acesso aos subsídios que anualmente recebe da CM... e que por não ter finalidade lucrativa, consegue fixar preços mínimos.
A Requerente considera que o subsídio recebido da CM... constitui rendimento não sujeito a IRC, nos termos do artigo 54.º, n.º 3 do Código do (CIRC), contendo a liquidação impugnada uma errada qualificação dos rendimentos, designadamente no que respeita aos subsídios destinados a realizar os fins estatutários. Conclui que a liquidação viola o princípio da legalidade tributária, ínsito no art.º 8º da LGT.
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira sustentou nos autos a falta de razão dos fundamentos da Requerente. Afirmou designadamente, que a Requerente é sujeito passivo de IRC que exerce a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola, como o são as prestações de serviços. Alicerça essa conclusão quantificando que no exercício em causa a Requerente prestou serviços no montante total de € 174.513,59, o que representou 71 % dos seus rendimentos e os seus gastos com os trabalhadores dependentes e professores prestadores de serviços representam 79 % do total de gastos no ano. A AT conclui que a Requerente deve ser tributada sobre o lucro apurado e não pelo rendimento global e termina sustentando a legalidade da liquidação e a consequente improcedência do pedido formulado pela Requerente.
5. Em 15-01-2019 realizou-se reunião do tribunal arbitral com as partes e nela foi produzida a prova testemunhal requerida. Foi dada às partes a oportunidade para alegarem por escrito, em prazo sucessivo, o que foi feito por ambas.
II. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em subordinação com as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT e encontra-se em funções, em obediência às normas no artigo 21º, n.º 1 do mesmo diploma.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10º, n.º 1, alínea a), do já referido regime.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo regime e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.
III. Fundamentação
III (a) – Matéria de facto
Com relevância para a decisão, há que considerar os seguintes factos que se assentaram:
A. O A... foi constituído com pessoa coletiva de direito privado sem fins lucrativos, visando fins de utilidade pública. [RI , endereço, 4º e 8º: PA2 , pp. 7-16]
B. Os artigos 3º e 4º dos estatutos da Requerente têm a seguinte redação: [RI, 8º e 11º: PA2, pp. 7-16]
“Artigo 3.º - Objeto
A Associação tem por objeto o ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais visando a formação de especialistas e professores em línguas no âmbito da formação cultural da população da cidade de ..., seu concelho e área de influência.
Artigo 4.º - Atividades principais
1 – No âmbito do objeto da Associação, poderão ser desenvolvidas as seguintes atividades:
a) Promover o ensino de línguas estrangeiras;
b) Promover a expansão cultural, nomeadamente da cultura linguística, não só entre os seus associados, como também a entidades externas;
c) Fomentar contactos que deem lugar à expansão da sua atividade a nível local, regional, nacional e internacional;
d) Fomentar a análise crítica de assuntos de interesse geral para os seus associados;
e) Promover e fomentar iniciativas através das suas secções com vista a uma melhor realização dos seus fins;
f) Realizar cursos de reciclagem e workshops;
g) Realizar aulas Abertas e Aulas Conjuntas;
h) Cooperar com instâncias oficiais, governamentais e privadas em particular, emitindo pareceres sobre os assuntos que lhe foram submetidos e fazendo as sugestões e tomando as iniciativas que se afigurem convenientes.
2 – A Associação poderá ainda desenvolver atividades noutros âmbitos relacionados com o objeto principal.
3 – No âmbito da sua ação, esta Associação poderá ainda desenvolver programas em parceria com entidades que tenham interesses comuns.
4 – Visando a prossecução dos seus objetivos a Associação poderá filiar-se noutras instituições, bem como criar polos ou estruturas desconcentradas.”
C. Em 07-032014 a Requerente celebrou com a Câmara Municipal de ...“protocolo de colaboração” que consta no processo administrativo, de folhas 27 a folhas 30, que se considera aqui reproduzido na totalidade, contendo, entre outras disposições, os seguintes considerandos e cláusulas :
Considerando:
- Que a atividade do A... assume-se como de relevante interesse para este Município, porquanto tem vindo a contribuir de forma permanente e significativa para a promoção e difusão das línguas e fundamentalmente no desenvolvimento, formação e integração cultural da população;
- O enquadramento atual e futuro da construção europeia e a importância da capacitação da população europeu a nível linguístico, como essencial de todo o processo, por ser nele que radica a chave do sucesso do maior projeto de integração cultural e social;
- Que é fundamental a formação e qualificação da população, especialmente dos/as mais jovens, através da aprendizagem de Línguas no Ensino Básico, designadamente do Inglês, de modo a aumentar a interação socio-cultural e a competitividade dos/as trabalhadores/as e da economia portuguesa;
- O direito à educação e à cultura, cabendo ao Estado promover a democratização da educação e demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribuindo para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva (art. 73.º n.ºs 1 e 2 da CRP);
- Que é preciso garantir a inclusão e democratização do conhecimento das línguas, quer na juventude quer nas outras camadas da população, e ainda dar resposta e apoio às necessidades do tecido empresarial ..., dada a sua vocação exportadora;
- O teor do ofício enviado pelo A..., pelo qual solicita comparticipação financeira, anexando o Plano de Atividades e Orçamento para 2014;
- Que compete à Camara Municipal no âmbito do apoio a atividades de interesse municipal, apoiar ou comparticipar, pelos meios adequados, de natureza social, cultural, desportiva recreativa ou outra (artigo. 33.º, n.º 1, alínea u) do Anexo I da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro);
(…)
[Cláusula] Primeira - Objecto
Constitui objeto deste Protocolo a forma de concretização do processo de cooperação entre as partes, no respeitante ao apoio para o desenvolvimento das atividades e projetos a prosseguir pelo A... no ano de 2014.
[Cláusula] Segunda - Compromissos — Município de ...
1 - Para concretização do objeto do presente Protocolo, o MUNICÍPIO compromete-se a comparticipar financeiramente o A... até ao montante de 75.000,00 € (setenta e cinco mil euros).
2 - Para além do apoio referido, este Município, compromete-se ainda a, dar todo o apoio logístico, técnico, administrativo ou outro necessário à prossecução dos objetivos.
[Cláusula] Terceira - Compromissos – A...
Pelo presente Protocolo, o A... compromete-se a:
- Desenvolver, acompanhar e promover as atividades constantes do Plano de atividades;
- Proceder à apresentação dos relatórios de atividades, ou outros documentos que lhe sejam solicitados;
- Comungar com os princípios subjacentes ao presente Protocolo, empenhando-se concertadamente na sua execução e divulgação.
D. A Requerente colabora com as instituições Academia de Música de ... e com a com a Associação de Patinagem de ..., bem como com o Agrupamento de Escolas ..., na Escola Básica e Secundária ... e na Escola Básica ... e com a Delegação de ... [RI, 13º: docs. juntos ao RI]
E. Em 2014 a Requerente recebeu subsídio da Câmara Municipal de..., que totalizou € 75 000,00. [RI, 19º e R-AT , 15º: PA2, pp. 3-6 e prova testemunhal].
F. Em 2014 o total dos rendimentos da Requerente foi de 261.755,17 € [R-AT, 14º: PA1, p. 10]
G. O montante total de prestações de serviços da Requerente em 2014 foi de € 174.513,59. [R-AT 13º: PA1, p. 13]
H. Em 2014 a Requerente teve rendimentos provenientes das quotas dos seus associados de € 347,00. [R-AT 16º: PA1, p. 13]
I. Em julho de 2014 a Requerente foi condenada judicialmente a pagar indemnização a uma trabalhadora no valor de 3.394,85 € e acordou fazê-lo em 7 prestações, a partir de setembro de 2015. [RI, 21º e 22º: PA1, pp. 17-18]
J. No exercício de 2014 a Requerente declarou na sua declaração modelo 22 que estava enquadrada no regime geral de tributação, que não exercia a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola e declarou não ter tido resultado tributável. [R-AT, 34º: PA1, p.11 e segs.]
K. Em 08-03-2018 o Secretário de Estado da Educação reconheceu “para efeitos do disposto no número 9 do artigo 9º do Código do IVA” que a Requerente, desde a sua génese e pelo menos até àquela data, desenvolveu atividade de enriquecimento extracurricular, que funcionou na Escola Básica e Secundária ... e na Escola Básica ... . [R-AT, 34º: PA1, p.28]
L. Em 01-06-2017 a AT efetuou ação inspetiva à Requerente em sede de IRC do exercício de 2014 para verificação da adequação do enquadramento relativamente ao IRC e ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA). [R-AT, 34º: PA1, p.1 segs.]
M. A demonstração de resultados da Requerente, elaborada no relatório de inspeção tributária, tem a seguinte configuração: [R-AT, 34º: PA1, p.1 segs.]
N. A AT no relatório de inspeção tributária enquadrou a Requerente em sede de IRC nos seguintes termos: [R-AT, 17º a 20º: PA1, pp. 15-16]
(…)
O. A AT no relatório de inspeção tributária apurou a matéria coletável da Requerente no exercício de 2014 nos seguintes termos: [R-AT, 37º: PA1, pp. 17-18]
P. A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC com o nº 2018..., com o valor a pagar de 14.798,63 € e da demonstração de acerto de contas com o nº 2018..., também no valor de 14.798,63 € (RI, endereço: liquidação nos autos).
Q. A liquidação contestada envolveu a fixação da matéria coletável de € 58 543,76 relativamente ao ano de 2014. [RI, 1º: PA1, p. 18]
Factos considerados não provados
Não foram considerados como não provados nenhuns factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
O tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (artigo 596.º, n. 1 do CPC, aplicável ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.ºs 6 e 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), à prova documental e à prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.
III (b) – O direito
O objeto do litígio
A questão subjacente a estes autos consiste em saber qual o enquadramento da Requerente em sede de IRC, designadamente se a sua base de incidência é o respetivo lucro ou o rendimento global.
Em segunda linha de análise haverá que apurar qual o tratamento tributário adequado para a indemnização que foi condenada judicialmente a pagar a sua trabalhadora, por sentença de julho de 2014, de € 3.394,85, com pagamento a partir de setembro de 2015.
A base de incidência do IRC
O CIRC considera no seu artigo 2º, n.º 1, alínea a), que são sujeitos passivos do IRC, para o que importa na situação dos autos, as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português.
Para este conjunto de sujeitos passivos o CIRC prevê no seu artigo 3º, n.º 1 e n.º 4, dois regimes para determinação da base de incidência do imposto, nos seguintes termos:
Artigo 3.º - Base do imposto
1 — O IRC incide sobre:
a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
b) O rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, das pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que não exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
(…)
4 — Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.
Não parece oferecer dúvidas que as normas do n.º 1 deste artigo preveem duas situações diferentes de incidência de IRC: (i) a incidência sobre o lucro, prevista na alínea a); (ii) a incidência sobre o rendimento global, compreendida na alínea b).
Importa interpretar as normas deste artigo de modo a apurar em que casos é aplicado cada um deles. Crê-se que é justamente neste ponto que divergem as posições da Requerente e da Requerida. A Requerente considera que o critério distintivo é a natureza do fim da entidade em causa, designadamente se tem ou não tem fim lucrativo, sendo aplicado o regime da incidência sobre o rendimento global quando o sujeito passivo tenha por objeto atividade não lucrativa (vejam-se os artigos 4º a 17º do RI). Por seu lado a AT defende que o enquadramento do sujeito passivo numa ou noutra modalidade de base de incidência, depende da origem dos respetivos rendimentos, sendo aplicável o regime do lucro quando estes resultem a título principal, de atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (vejam-se os artigos 11º a 14º da R-AT).
A norma da alínea a) estabelece a incidência sobre o lucro dos sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. Complementarmente, a norma da alínea b) regula no sentido de incidir sobre o rendimento global dos sujeitos passivos que não exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. Parece claro que o critério primário de distinção é o exercício ou o não exercício a título principal, pelo sujeito passivo, de atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
Crê-se que é inequívoco que para determinação da base de incidência do IRC é irrelevante saber qual é a estrutura jurídica da entidade em causa, pois as normas do artigo 3º, n.º 1, aplicam-se indistintamente a sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, a cooperativas, a empresas públicas e às demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português, como resulta da remissão para o artigo 2º, n.º 1, alínea a). Crê-se que é também inequívoco que é indiferente para determinação da base de incidência saber se o sujeito passivo prossegue atividade lucrativa ou se declara que o seu objeto é constituído por fins não lucrativos. O critério é exclusivamente um; há que saber se o sujeito passivo em causa exerce a título principal atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, englobando nestas as prestações de serviços que se possam compreender nas operações económicas de carácter empresarial.
Note-se que a interpretação das normas nos termos expostos, é a que melhor se coaduna com o princípio da prevalência da substância económica, que rege a interpretação da lei fiscal em caso de dúvida. Mais relevante do que saber qual é a finalidade declarada pelo sujeito passivo, é apurar que atividade exerce efetivamente, na perspetiva económica, que é o mesmo que dizer que o que é efetivamente determinante é saber se exerce ou não exerce a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.
Importa ainda perceber qual é o regime aplicável quando o sujeito passivo, no mesmo período de tributação, exerça atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e também atividades com fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social, defesa do meio ambiente ou outros análogos. Nestas situações, em que houve o exercício de atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e também o exercício de outras atividades não compreendidas nestes conceitos, as normas em causa indicam qual é o elemento caracterizador, havendo que apurar qual é a atividade exercida a título principal.
Não resulta diretamente das normas em causa qual é o critério eleito para caracterizar um o outro grupo de atividades como principal, mas o próprio princípio basilar do IRC é suficiente para fazer essa determinação. No capítulo I do CIRC, referente à incidência, o artigo 1º, sob a epígrafe “pressuposto do imposto” regula no sentido de o IRC incidir sobre os rendimentos obtidos. Crê-se que deverá ser este o critério aferidor de ser a título principal ou acessório, que as atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola são exercidas. Sempre que o rendimento obtido através das atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola seja maior do que aquele que é obtido através de outras atividades, serão as primeiras exercidas a título principal.
A atividade exercida pela Requerente de prestação de serviços de ensino de línguas é uma atividade com características empresariais, como o são os centros de línguas, os centros de explicações ou os colégios privados. Aliás, a Requerente é uma associação de direito privado. Esta atividade da Requerente, que se consubstancia em operações de natureza económica de lecionar cursos de línguas, de certificação de níveis de conhecimentos e de venda de livros de apoio às atividades letivas, constitui prestação de serviços de natureza comercial, industrial ou agrícola, nos termos da norma do artigo 3º, n.º 4 do CIRC.
Consta dos factos assentes (C, D e E) que a Requerente celebrou com a CM..., no âmbito das competências desta de o apoio a atividades de interesse municipal e de apoio a atividades de natureza social, cultural, desportiva recreativa e colabora com as instituições Academia de Música ... e com a com a Associação de Patinagem de ..., bem como com o Agrupamento de Escolas ..., na Escola Básica e Secundária ... e na Escola Básica ... e com a Delegação de ... .
Importa perceber se aquela atividade de prestação de serviços de natureza comercial, industrial ou agrícola é exercida a título principal.
Nos factos assentes apurou-se que a requerente teve o rendimento total de 261.755,17 €, sendo que as vendas e a prestação de serviços foram no valor de € 185.905,62 (174.513,59 + 11.392,03), superando os rendimentos de outras atividades, que se ficaram pelos € 75.849,55.
Há assim que concluir que em 2014 a Requerente exerceu, a título principal, atividade de prestação de serviços de natureza comercial, industrial ou agrícola e o seu lucro deve ser tributado em IRC, nos termos das normas do artigo 3º, n. 1, alínea a) e n.º 4 do CIRC, calculado nos termos deste Código.
Não há, nesta perspetiva, qualquer invalidade na liquidação sob crítica.
A correção dos gastos referentes a indemnização fixada por sentença
Assentou-se que em julho de 2014 a Requerente foi condenada judicialmente a pagar indemnização a uma trabalhadora no valor de 3.394,85 € e que acordou fazê-lo em 7 prestações, a partir de setembro de 2015. A Requerente considerou esse valor nos gastos do exercício de 2014 e contabilizou-o para cálculo da matéria coletável.
A Requerente sustenta que esse valor deve ser considerado em 2014, por se tratar de gasto que no ano a que respeitava (2013) era imprevisível e desconhecido (RI, 21º), invocando a norma do artigo 18º-2 do CIRC. A Requerida defende que o gasto é imputável ao exercício em que é pago, que é o ano de 2015 (R-AT, 36º), respaldando-se na regra do artigo 18º-12 CIRC.
A Requerente tem razão quando afirma que os gastos com o pagamento de indemnização constante da sentença judicial, que emerge de direitos de trabalhador adquiridos no exercício de 2013, não são já imputáveis a esse período de tributação porque na data do encerramento das suas contas daquele ano eram imprevisíveis, como regula a regra do artigo 18º, n.º 2 do CIRC.
Não devendo esses gastos serem reportados ao exercício anterior a que se referem, importa apurar quando devem ser considerados. Os gastos em causa são constituídos por proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2013 de trabalhadora, o que significa que se trata da satisfação de direitos, i.e., de benefícios que resultaram para a empregada da cessação da sua relação laboral. Nos termos da norma do artigo 18º, n.º 12 do CIRC, esses gastos que não foram imputados ao exercício respetivo, devem ser considerados no período de tributação em que as importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição do beneficiário. No caso concreto, nada indica que o pagamento tenha ocorrido em 2014, tanto mais que foi convencionado que esse pagamento só deveria ocorrer a partir de setembro de 2015.
Também não merece crítica, neste aspeto, a correção efetuada pela Requerida.
É assim válida a liquidação efetuada pela AT pelo que improcede na totalidade o pedido formulado nesta instância arbitral.
IV – Decisão
Nos termos expostos o tribunal arbitral decide julgar improcedente o pedido formulado nesta instância.
Condena-se a Requerente no pagamento das custas deste processo, no montante de € 918.00.
V - Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 14 798,63, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI - Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de março de 2019
O Árbitro
(Nuno Maldonado Sousa)