Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 202/2014-T
Data da decisão: 2014-10-16  Selo  
Valor do pedido: € 53.582,08
Tema: Terrenos para construção – Verba 28.1 da TGIS
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

(A presente decisão vai proferida de acordo com a ortografia antiga)

 

 

I - RELATÓRIO

 

1. A…, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede social na Av. …, Lisboa, requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo a que correspondem os documentos de cobrança identificados pelos n.ºs …, …, …, … e …, no montante global de € 47 648,75.

 

2. Invocando danos de natureza patrimonial decorrentes da actuação ilegal da Administração Tributária, a Requerente peticiona, ainda, indemnização por garantia indevida, nos termos do artigo 53.º da Lei Geral Tributária, bem como reparação pelos encargos incorridos em meios de defesa, ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual regulado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12.

 

3. Os mencionados actos de liquidação, oportunamente notificados à Requerente, têm como base legal a norma do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, conjugada com a Verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral e artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, reportando-se aos anos de 2012 e 2013 e aos prédios urbanos, da espécie "terreno para construção", inscritos na matriz predial respectiva da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob os artigos U-… e U-..., com o valor patrimonial tributário de € 2 516 103,70 e de € 2 280 660,75, respectivamente.

 

4. A par de outros vícios que imputa aos referidos actos de liquidação, designadamente ausência da fundamentação legalmente exigida e inconstitucionalidade das normas legais em que os mesmos se suportam, a Requerente fundamenta o pedido de anulação alegando, em síntese, que a tributação prevista nos citados preceitos tem como objecto os prédios urbanos "com afectação habitacional", nele se não incluindo os "terrenos para construção" que, por natureza, não revelam tal aptidão.

 

5. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

6. A requerente optou por não designar árbitro.

 

7. Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral singular, tendo comunicado a aceitação do encargo no prazo legal.

 

8. O tribunal foi regularmente constituído, em 16-05-2014, sendo materialmente competente para apreciar e decidir o objecto do processo, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03.

 

10. As partes, devidamente notificadas para o efeito, não requereram a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo o tribunal, em obediência aos princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais, a que se refere o n.º 2 do artigo 29.º do referido regime legal, decidido dispensá-la dado dispor dos elementos de facto necessários para proferir a decisão arbitral.

 

11. Não se suscitam dúvidas quanto à fixação dos factos e está em causa exclusivamente matéria de direito.

 

12. O processo não enferma de vícios que o invalidem nem existem questões prévias a apreciar que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

II – CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

 

13. Considerando que os actos de liquidação em causa, relativos aos mesmos prédios e a factos tributários verificados, respectivamente, em 31-10-2012 e 31-12-2012, se suportam numa mesma base factual e de direito, a Requerente, invocando o princípio da economia processual, optou por pedir a sua apreciação conjunta.

 

14. Verificada a identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos artigos. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à pretendida cumulação de pedidos.

 

III - MATÉRIA DE FACTO

 

15. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas destacam-se os seguintes elementos factuais que se dão por inteiramente provados em face dos documentos que integram o presente processo:

 

15.1. A Requerente é proprietária dos prédios urbanos, da espécie "terreno para construção", inscritos na matriz predial respectiva da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob os artigos … e ….

 

15.2. De acordo com a inscrição matricial, conforme se extrai das respectivas cadernetas prediais (docs. 18 e 19), os referidos prédios, classificados como "terrenos para construção", têm a área total de 741, 5000 e de 774, 4000 metros quadrados, tendo-lhe sido atribuídos, em avaliação realizada em 18-03-2007, os valores patrimoniais tributários de € 2 516 103,500 e de € 2 280 660,75, respectivamente.

 

15.3. Dos elementos referidos se extrai, ainda, que, à data a que se reportam as questionadas liquidações, os terrenos não têm qualquer edifício ou construção erigida sobre o solo.

 

15.4. Na determinação do valor patrimonial dos terrenos em causa foram considerados, entre outros elementos relevantes, um coeficiente de afectação correspondente à utilização habitacional dos prédios a construir, em conformidade com o disposto no artigo 45.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

 

15.5. Atendendo ao valor patrimonial tributário definitivamente apurado e ao coeficiente de afectação considerado na avaliação dos terrenos, entendeu a Administração Tributária e Aduaneira (AT) estarem verificados os pressupostos de incidência do imposto do selo previsto na Verba 28 da respectiva Tabela, operando as correspondentes liquidações.

 

15.6. Oportunamente notificadas à ora Requerente, optou esta por não efectuar o respectivo pagamento, reagindo contra as referidas liquidações pela via graciosa, alegando a sua ilegalidade com o fundamento de se não mostram reunidos os pressupostos da incidência tributária a que as mesmas se reportam.

 

15.7. Não tendo obtido, pelos meios graciosos utilizados, o reconhecimento da ilegalidade e consequente anulação daquelas liquidações, a Requerente, tempestivamente, deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral. 

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

16. Considerada a matéria de facto relevante para a decisão, que aqui se dá inteiramente provada em face dos documentos juntos aos autos, e não contestada, verifica-se que no presente processo está em causa, tão-somente, a interpretação da norma da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10.

 

17. Mais precisamente, trata-se de saber se um terreno destinado a construção urbana, no qual se não encontra erigida qualquer construção, integra, ou não, o conceito de "afectação habitacional" a que se refere a citada norma.

 

18. É, pois, em torno da interpretação da referida disposição que divergem a Requerente e a Administração Tributária e Aduaneira (AT), conforme, em síntese, a seguir se assinala.

 

Posição da Requerente

 

19. A norma de incidência (Verba 28.1, da TGIS) introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, não abrange os terrenos para construção, apenas se contendo no seu âmbito os prédios urbanos com afectação habitacional.

 

20. Um terreno para construção não é nem pode ser considerado um prédio edificado, ou sequer uma construção, mas tão-somente um terreno que poderá, eventualmente, no futuro, servir de implantação a uma edificação ou construção. Não sendo um prédio habitacional, não se vislumbra como possa ele ter uma afectação desse tipo.

 

21. Citando diversas decisões da já constante jurisprudência arbitral, sustenta a Requerente, entre outras considerações, que "Um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal."

 

22. E conclui que a AT, ao liquidar o imposto em causa, por considerar que os terrenos para construção correspondem a prédios já edificados ou construídos, os únicos susceptíveis de afectação habitacional, incorreu em erro na aplicação do direito.

 

23. A par do referido vício que imputa às questionadas liquidações, a Requerente assinala outros, designadamente, a carência de fundamentação e inconstitucionalidade da lei em que se fundamentam, tudo conduzindo, em conclusão, à sua anulabilidade por erro nos pressupostos de direito.

 

Posição da Requerida (AT)

 

24. Em resposta ao alegado pela Requerente, sustenta a Requerida (AT) que "o prédio sobre o qual recaem as liquidações, tem a natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos por consubstanciarem correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/12."

 

25. Depois de referir, nos seus aspectos essenciais, as alterações introduzidas ao Código e Tabela Geral do Imposto do Selo pela referida Lei, diz a Requerida que "Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS de acordo com o previsto no artigo 67.º, n.º 2 do CIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10."

 

26. Reportando-se aos conceitos de prédio e de terreno para construção vertidos nos artigos 2.º e 6.º do Código do IMI, aplicáveis, por remissão expressa do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo a este tributo, considera a Requerida que "a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação."

 

27. Considera, assim, a Requerida que, "o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral a avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41.º do CIMI."

 

28. Reportando-se à literalidade da norma da Verba 28 da TGIS, salienta a Requerida que " o legislador não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção "afectação habitacional". Expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI."

 

29. Por outro lado, acentua a Requerida, "para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações:

 

a. Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9.º do Código Civil, ex vi art. 11° da Lei Geral Tributária (LGT).

 

b. O art. 67.º, n.º 2, do CIS, manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI.

 

c. A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

 

d. A própria verba 28 TGIS remete para a expressão "prédios com afectação habitacional", apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º1 do art. 6° do CIMI. "

 

30. Das posições expressas pelas partes, acima sumariadas e parcialmente transcritas, decorre estar em causa a apreciação de matéria estritamente jurídica, sendo desnecessária a produção de prova, para além dos elementos documentais juntos ao processo.

 

31. Com efeito, a questão a decidir centra-se, tão-somente, em saber se no âmbito da incidência do imposto do selo a que se refere a Verba 28 da TGIS se contêm, ou não, os terrenos para construção, ou seja, se, para tal efeito, os terrenos que integram esta espécie podem, ou não, ser considerados como "prédios urbanos com afectação habitacional" em função do tipo de edificações que nos mesmos, segundo a respectiva licença camarária, podem vir a ser erigidas.

 

32. Importa, assim, antes de mais, proceder a uma análise da norma de incidência do imposto do selo sobre prédios urbanos "com afectação habitacional", com recurso às normas fiscais relevantes para a definição dos respectivos conceitos legais.

 

Da incidência tributária

 

33. A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo a Verba 28, sujeitando a este tributo os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

 

34. A base tributável é constituída pelo valor patrimonial tributário considerado para efeitos do IMI, sendo aquele tributo anualmente liquidado pela AT relativamente a cada prédio urbano (CIS, art.23.º, n.º7), à taxa de:

- 1%, por prédio urbano com afectação habitacional;

- 7,5%, por prédio, quando os sujeitos passivos, não sendo pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeitos a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

35. Relativamente aos anos de 2012 e de 2013, é aplicável o regime transitório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, com as seguintes especificidades;

 

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

 

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

 

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

 

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

 

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

 

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%;

ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8%;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%.

 

2 - Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba nº 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.

 

36. São sujeitos passivos, e titulares do interesse económico (devedores do imposto), os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos prédios em 31 de Dezembro do ano a que o tributo respeita - relativamente a 2012, de acordo com o regime transitório referido no ponto anterior, esta data é antecipada para 31 de Outubro - conforme decorre do artigo 8.º do CIMI, por remissão expressa dos artigos 3.º, n.º 3, alínea u), e 2.º, n.º4, do CIS.

 

37. No tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, também por remissão expressa dos artigos 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS. Em geral, por remissão do artigo 67.º, n.º2, do mesmo Código, são de aplicação supletiva às matérias não especialmente reguladas, as disposições do CIMI.

 

38. Referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos, importa ter-se presente que o conceito relevante é o que consta do artigo 2.º do CIMI, conforme, aliás, prevê o n.º 6 do artigo 1.º do CIS.

 

39. Apelando a elementos de natureza física, patrimonial e económica, aquele preceito do CIMI define como prédio "toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico..."

 

40. Para efeitos do IMI, os prédios são classificados como rústicos, urbanos ou mistos, sendo esta classificação particularmente relevante quer para efeitos de aplicação das regras de determinação do respectivo valor patrimonial tributário quer para efeitos de aplicação das taxas de tributação.

 

41. Para o efeito, o CIMI estabelece, no seu artigo 3.º, uma definição positiva de prédio rústico, definindo prédio urbano e misto, nos seus artigos 4.º e 5.º em termos meramente residuais: são assim classificados todas aquelas realidades que, integrando o conceito fiscal de prédio, não sejam de classificar como prédios rústicos.

 

42. De acordo com aquele preceito, são prédios rústicos os que, situados fora de um aglomerado urbano, preencham um dos seguintes requisitos:

- Não sejam de classificar como terrenos para construção;

- Estejam afectos, ou tenham como utilização normal, a produção de rendimentos agrícolas, tal como considerados para efeitos de IRS;

- Não tendo afectação agrícola, não se encontrem construídos ou disponham, apenas, de edifícios ou construções meramente acessórias, sem autonomia económica e de reduzido valor.

 

43. São, ainda, assim classificados os prédios situados dentro de um aglomerado urbano que, por força de disposição legal, não possam ter utilização geradora de rendimentos (caso de espaços verdes, jardins, etc.) ou só possam ser utilizados em actividades agrícolas e tenham efectivamente essa concreta afectação.

 

44. Um prédio que não reúna os requisitos acima referidos é classificado como urbano.

 

45. Pode, pois, concluir-se que, para efeitos de IMI e, no caso, de imposto do selo, um terreno para construção é um prédio urbano, porquanto reúne os requisitos integrantes do conceito de prédio - realidade física, patrimonialidade e valor económico - e, qualquer que seja a afectação ou uso que esteja a ter, no caso de terrenos expectantes, é expressamente excluído do conceito de prédio rústico.

 

46. Referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios:

- "habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços": os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (CIMI, art. 6.º, n.º 2);

- "terrenos para construção", os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos. (CIMI, art. 6.º, n.º 3, redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12);

- "Outros", são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respectivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (CIMI, art. 6.º, n.º 4).

 

47. Na definição do âmbito de incidência prevista na Verba 28 da TGIS, o legislador considera, como elemento relevante de capacidade contributiva, os prédios de elevado valor que, no segmento relativo a sujeitos passivos residentes em território o português, sejam detidos para efeitos habitacionais.

 

48. No entanto, fazendo incidir a tributação sobre prédios urbanos "com afectação habitacional", o legislador não estabelece, no Código do Imposto do Selo, qualquer conceito específico que, para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela Verba 28 para as normas do CIMI.

 

49. Será, pois, na economia deste Código que terá de ser encontrado o sentido daquela expressão, entendimento que, de resto, é partilhado pela Requerente e pela Requerida, embora com diferentes conclusões.

 

50. No que concerne à definição das diferentes espécies de prédios urbanos, o CIMI, conforme acima se referiu, estabelece clara distinção entre prédios "habitacionais" e "terrenos para construção". Os primeiros são classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal. Os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

 

51. Considerada a legislação relativa à construção e edificação urbana, designadamente no que respeita aos diversos tipos de licenciamento, a classificação de um prédio como "habitacional", para efeitos tributários, não apresenta qualquer particularidade: são habitacionais os que, nos termos legais, assim forem classificados.

 

52. Na ausência de licenciamento, releva para a classificação o destino normal do prédio. Também aqui a lei fiscal não oferece qualquer conceito específico. Resulta, porém, quer do conhecimento geral quer da legislação aplicável às edificações urbanas, que o destino a habitação pressupõe a existência de um mínimo de condições que preservem a intimidade pessoal e a privacidade familiar (art. 65.º da CRP).

 

53. O licenciamento, pela entidade competente, ou o uso normal de um prédio, cujo destino seja a habitação referem-se, como não podia deixar de ser, a prédios edificados que reúnam as características exigíveis para como tal serem classificados.

 

54. Um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal.

 

55. Referindo-se, pois, a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com "afectação habitacional", sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

56. A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da Requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos os artigos. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária.

 

57. Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo artigo 6.º do CIMI, tê-lo-ia dito expressamente. Mas não o fez, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código.

 

58. Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento da Requerida no sentido de que o conceito de "afectação habitacional" decorre da norma do artigo 45.º do CIMI.

 

59. Refere-se este artigo às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem, variável entre 15% e 45%, do valor das edificações autorizadas ou previstas.

 

60. Segundo a Requerida, na fixação dos valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno a avaliar são utilizados os coeficientes aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário, designadamente o coeficiente de afectação previsto no artigo 1.º daquele Código.

 

61. Concluindo daí que a consideração de um tal coeficiente, dependente do tipo de utilização prevista para o prédio a edificar no terreno, será determinante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS.

 

62. Suporta-se esta conclusão no pressuposto de que a expressão "prédios com afectação habitacional" apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI.

 

63. Não é possível, porém, acompanhar tal conclusão. Por um lado, porque nada na lei permite concluir que o legislador do imposto do selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, as espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, como já acima se referiu; por outro lado, porque a aplicação de um coeficiente de afectação se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas.

 

64. Independentemente de na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção deva ou não ser considerado um coeficiente de afectação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

65. Nas condições referidas, a circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.

 

66. Nestes termos, resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afectação habitacional".

 

67. Aliás, neste sentido se tem orientado a constante e uniforme jurisprudência, tanto dos tribunais arbitrais [1] como do Supremo Tribunal Administrativo [2], que aqui se acolhe e reitera.

 

68. É certo que o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, alterou a redacção do n.º1 da Verba 28 da TGIS, passando esta a prever que tributação em causa incide, à taxa de 1% "Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação ..."

 

69. Trata-se, porém, de norma inovadora, aplicável a partir da data de entrada em vigor da referida Lei – 01-01-2014 - não abrangendo, portanto, as situações que constituem objecto do presente processo, em que estão em causa factos tributários ocorridos em momento anterior ao início da sua vigência.

 

70. Só assim não seria se aquela alteração tivesse natureza interpretativa, aplicando-se, então aos factos passados. Mas, se o legislador pretendesse conferir tal natureza à norma alterada não deixaria de o fazer constar do respectivo texto.

 

71. Não só o legislador o não fez, como não se extrai do texto da norma qualquer referência ao seu carácter interpretativo. Pelo contrário, a utilização, no texto da nova redacção, da disjuntiva "ou" exprime, neste contexto, um sentido de alternativa.

 

72. Por outro lado, desconhece-se qualquer controvérsia gerada pela anterior solução de direito, pois que a interpretação possível da norma em causa, na sua anterior redacção, repita-se, tem vindo pacifica e invariavelmente a ser afirmada pela jurisprudência acima referida.

 

73. Na verdade, como refere Baptista Machado ("Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador" … para que a lei nova possa ser interpretativa, de sua natureza, é preciso que haja matéria para interpretação. Se a regra de direito era certa na legislação anterior, ou se a prática jurisprudencial que lhe havia de há muito sido atribuído um determinado sentido, que se mantinha constante e pacífico, a lei nova que venha resolver o respectivo problema jurídico, em termos diferentes, deve ser considerada uma lei inovadora”.

 

74. Assim, considerando a literalidade da lei nova bem como a constante e pacífica jurisprudência conhecida [3], não podemos deixar de concluir que não se está perante uma lei interpretativa, mas perante lei inovadora, aplicável apenas para o futuro.

 

V – INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDA

 

75. A Requerente peticiona ainda indemnização pelos encargos suportados com a prestação de garantias bancárias com vista a obter, nos termos do artigo 169.º do CPPT, a suspensão dos processos de execução fiscal identificados pelos números …, …, …, … e …, relativos à cobrança das dívidas fiscais a que se refere a presente pronúncia arbitral.

 

76. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da Lei Geral Tributária, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

 

77. Conforme decorre do n.º 2 do citado artigo, são indemnizados, sem dependência do referido prazo, todos os prejuízos suportados com a prestação das garantias prestadas para suspender a execução no caso de vencimento total em acção em que se verifique ter havido erro imputável aos serviços na liquidação do tributo [4].

 

78. Todavia, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, o montante da indemnização por garantia indevida está sujeito a um limite máximo equivalente ao montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista no artigo 43.º, n.º 4, daquela lei.

 

79. Por seu lado, estabelece o artigo 171.º do CPPT que "a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência"

 

80. O processo de impugnação judicial, em que se decide sobre a legalidade do acto tributário, constitui, pois, meio processual adequado para formular o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

81. Conforme reiterada jurisprudência arbitral, " O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida."[5]

 

82. No caso em apreço, o erro subjacente aos actos de liquidação de imposto do selo é exclusivamente imputável à Administração Tributária, assistindo à Requerente o direito à peticionada indemnização.

 

83. Não obstante a Requerente indicar, na petição inicial, que os custos suportados com a prestação das garantias em causa ascendiam, então, a € 1 993,63 vindo, posteriormente, a corrigir este montante para € 3 688,17 em consequência de custos adicionais a elas associados, não dispõe este Tribunal de elementos que permitam fixar o exacto valor da indemnização peticionada.

 

84. Com efeito, o valor da indemnização devida ao abrigo das citadas normas deve ser calculado com base nos custos efectivamente suportados com as garantias prestadas desde a data em que foram constituídas até ao dia em que forem libertadas, com o limite máximo previsto no artigo 53.º, n.º 3, da LGT.

 

85. Nestes termos, estando este Tribunal impossibilitado de quantificar os exactos custos das garantias prestadas, bem como de apurar aquele limite máximo, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão (artigos 609.º do C.P.Civil e 565.º do C.Civil).

 

VI – INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS

 

86. A acrescer à indemnização por garantia indevida, a Requerente, ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, peticiona a condenação da AT ao pagamento de uma indemnização relativa a custos suportados com a apresentação de meios de defesa contra as liquidações questionadas.

 

87. Trata-se, porém, de matéria da qual, por extravasar o âmbito de competência deste Tribunal, tal como definida no artigo 2.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, se não toma conhecimento.

 

VII – QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

 

88. Tendo-se concluído que os actos de liquidação de imposto do selo, que constituem objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, enfermam de vício de violação de lei que impõe a sua anulação, fica prejudicado, por inutilidade, o conhecimento das demais questões relativas à legalidade daqueles actos (C.P.Civil, art. 130.º).

 

VIII - DECISÃO

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações de imposto do selo impugnadas;

 

b) Condenar a Requerida (AT) no pagamento de uma indemnização pelos custos suportados com a prestação e manutenção, pela Requerente, das garantias indevidas, a liquidar em execução de sentença, sempre tendo como limite máximo o previsto no n.º 3 do artigo 53.º da LGT.

 

c) Não tomar conhecimento do pedido de indemnização formulado ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 47 648,75, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a),do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 2 142,00, integralmente a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 16 de Outubro de 2014,

O árbitro,

Álvaro Caneira.



[1]  Vd. Decisões Arbitrais de 18.9.2013,Proc. 49/2013-T, de 2.10.2013, Proc. 53/2013-T, de 9.10.2013, Proc. 48/2013-T, de 18.10.2013, Proc. 42/2013-T, de 12.12.2013, Proc. 144/2013, de 1.11.2013, Proc. 75/2013-T, de 3.2.2014, Proc. 231/2013, de 10.2.2014, Proc. 158/2013-T, de 7.3.2014, Proc, 180/2013, de 20.3.2014, Proc. 189/2013-T, de 21.4.2014, Proc. 215/2013-T, de 22.4.2014, Proc. 310/2013-T, de 30.4.2014, Proc. 288/2013-T, e de 9.5.2014, Proc. 191/2013. 

[2]  Vd. STA, Acs. de 9.4.2014, Procs. 01870/13 e 048/14, de 23.4.2014, Procs. 0270/14, 0271/14, 0272/14, de 11.5.2014, Proc. 055/14, de 14.5.2014, Procs. 01871/13, 0317/14, 046/14 e 0274/14, de 28.5.2014, Proc. 0395/14 e 0396/14 e de 2.7.2014, Proc. 0467/14.

[3]  Vd. STA, Acs. de 9.4.2014, Procs. 01870/13 e 048/14, de 23.4.2014, Procs. 0270/14 e 0271/14, de 11.5.2014, Proc. 055/14, de 14.5.2014, Procs. 01871/13, 0317/14, 046/14 e 0274/14, de 28.5.2014, Proc. 0395/14 e 0396/14 e de 2.7.2014, Proc. 0467/14.

[4]  O conceito de erro imputável aos serviços é esclarecido no n.º 2 do art. 43.º da LGT, a propósito dos juros indemnizatórios.

[5]  Vd. entre outras, Decisões Arbitrais de 14.5.2013, Proc. 1/2013 e de 2.4.2014, Proc. 224/2013-T