DECISÃO ARBITRAL
O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 9 de Janeiro de 2019, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A A... Lda., pessoa colectiva nº..., com sede na Rua..., nº..., no ... (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 26 de Outubro de 2018, ao abrigo do disposto no artigo 4º e do nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente peticiona no pedido arbitral que seja declarada a ilegalidade e anuladas:
1.2.1. “(…) parcialmente as liquidações de IRC nºs 2018 ... e 2018..., ambas de 21 de Junho de 2018, com os seguintes fundamentos:
a) Por erro sobre os pressupostos de direito quanto à sujeição a tributação autónoma dos montantes recebidos pelo Dr. A... em nome e por conta da Requerente em violação do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC;
b) Subsidiariamente, na medida da improcedência do pedido da alínea a) supra, por erro sobre os pressupostos de facto, nomeadamente na quantificação dos valores pendentes de entrega pelo Dr. A..., cifrando-se estes apenas em EUR 17.014,73”.
1.2.2. “(…) parcialmente as liquidações de IRC nº 2018 ... e 2018..., ambas de 21 de Junho de 2018, por erro sobre os pressupostos de direito na medida em que as mesmas desconsideram a aplicação do critério do custo histórico no registo de títulos detidos pela Requerente junto do B..., considerando ao invés terem existido ganhos fiscalmente relevantes por aumento de justo valor dos mesmos”;
1.3. Adicionalmente, na medida da procedência dos pedidos formulados no ponto anterior, peticiona a Requerente que seja determinada “(…) a anulação parcial das correspectivas liquidações de juros compensatórios, no valor de EUR 3.898,82”, se “ordene o reembolso à Requerente do montante de EUR 45.583,72 indevidamente suportado”, se “reconheça a existência de erro imputável aos Serviços da Administração Tributária e, em consequência, a condene no pagamento de juros indemnizatórios, computados sobre os montantes a reembolsar, desde a data do seu pagamento voluntário – 5 de Julho de 2018 – até à emissão das respectivas notas de crédito (…)” e se “condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais”.
1.4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 29 de Outubro de 2018 e notificado, na mesma data, à Requerida.
1.5. Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro, em 18 de Dezembro de 2018, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.6. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 9 de Janeiro de 2019, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.8. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
1.9. Em 8 de Fevereiro de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “(…) inexiste qualquer ilegalidade no comportamento da AT, estando as liquidações impugnadas sustentadas legalmente, pelo que terão de se manter vigentes na ordem jurídica”, pelo que “(…) deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral (….), absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido”.
1.10. Em 11 de Fevereiro de 2019, foram ambas as Partes notificadas de despacho arbitral com o seguinte teor:
“Tendo em consideração:
a) O facto de não ter sido deduzida, na Resposta apresentada em 8 de Fevereiro de 2019, matéria de excepção de que cumpra conhecer;
b) O facto da posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental juntos;
Neste contexto, não se vê utilidade em realizar a reunião prevista no artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).
Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, decidiu este Tribunal Arbitral:
1. Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;
2. Determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias, a contar da notificação do presente despacho;
3. Designar o dia 8 de Março de 2019 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
(…)”.
1.11. No mesmo despacho, o Tribunal Arbitral veio ainda notificar “(…) a Requerida, já anteriormente notificada para o efeito, para apresentar o processo administrativo no prazo suplementar de 5 dias, a contar da notificação do presente despacho (…)” e advertir “(…) a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar em 21 de Fevereiro de 2019).
1.12. Em 12 de Fevereiro de 2019, a Requerida anexou aos autos o respectivo processo administrativo.
1.13. A Requerente apresentou alegações escritas, em 21 de Fevereiro de 2019, no sentido de reiterar o exposto no pedido.
1.14. A Requerida não apresentou, no prazo concedido, alegações escritas.
2. CAUSA DE PEDIR
2.1. A Requerente começa por referir que “o presente Requerimento visa a constituição de Tribunal Arbitral (…), para a apreciação da legalidade das seguintes liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios:
(i) Liquidação adicional n.º 2018..., relativa ao exercício de 2014 e à qual corresponde a compensação n.º 2018..., no montante global de EUR 22.923,90, dos quais EUR 2.446,11 referentes a juros compensatórios e,
(ii) Liquidação adicional n.º 2018..., relativa ao exercício de 2015 e à qual corresponde a compensação n.º 2018..., no montante global de EUR 33.217,08, dos quais EUR 2.412,79 relativos a juros compensatórios e EUR 4.604,94 relativos à devolução do imposto restituído à Requerente a 2 de Agosto de 2016”.
2.2. Prossegue a Requerente referindo que “tais liquidações adicionais de imposto foram emitidas na sequência de uma acção de inspecção externa aos exercícios de 2014 e 2015 da Requerente (…)”, mas “a Requerente não se conforma com as liquidações adicionais de IRC (…) identificadas, reputando-as de ilegais, impondo-se a respectiva anulação pelas razões que (…)” apresenta.
Da alegada existência de Despesas não Documentadas
2.3. Neste âmbito, “(…) a Requerente não concorda quer com a quantificação dos valores recebidos do C..., LDA. que ficaram pendentes de entrega pelo Dr. A... à Requerente, quer com a qualificação de tais valores como despesas não documentadas”.
2.4. Refere a Requerente que “no entender da Administração Tributária permaneceram por entregar EUR 25.993,55 relativamente a 2014 e EUR 43.208,06 relativamente a 2015, perfazendo assim um total de EUR 69.201,61”, sendo que “segundo o (…) entendimento da Requerente não ficou qualquer valor pendente de entrega por referência a 2014, permanecendo apenas por entregar o montante de
EUR 17.014,73, relativo a 2015”.
2.5. Segundo a Requerente, “esta divergência de entendimento relativa à quantificação do montante pendente de restituição prende-se com a qualificação da transferência de EUR 56.000,00, realizada pelo Dr. A... para a conta bancária da Requerente a 31 de Dezembro de 2014, considerando a Administração Tributária que o mesmo configurou um empréstimo do sócio e a Requerente que configurou uma entrega do remanescente dos valores recebidos em 2014 e, quanto ao excesso, uma antecipação por conta de valores que o Dr. A... previsivelmente iria receber pela Requerente em 2015 por serviços a prestar ao C..., LDA.”
2.6. Reconhece a Requerente que “tal como resulta do relatório final de inspecção, a transferência de EUR 56.000,00 encontra-se efectivamente contabilizada (…) na conta 268211 como empréstimo do sócio”, sendo que “(…) tal corresponde a um lapso no registo contabilístico, não tendo a dupla vertente da transferência realizada – de entrega de valores recebidos em 2014 e, no excesso, de antecipação dos valores a receber em 2015 – sido adequadamente reflectida na contabilidade”.
2.7. Prossegue a Requerente referindo que “com efeito, dos EUR 56.000,00 transferidos pelo Dr. A... para a Requerente a 31 de Dezembro de 2014,
EUR 25.993,55 corresponderam à entrega do montante que permanecia em falta relativamente a 2014 e EUR 30.006,45 à antecipação de montantes que o Dr. A... viria a receber em nome e por conta da Requerente em 2015”.
2.8. “Ora, analisando a contabilidade de um ponto de vista global, facilmente se apura o racional subjacente à errada contabilização desta transferência como empréstimo de sócio: é que os montantes recebidos pelo Dr. A... em nome e por conta da Requerente não eram inscritos numa conta daquele, mas antes inscritos em bancos, como se ingressassem imediatamente na conta bancária da sociedade aquando do respectivo recebimento” sendo, segundo a Requerente, essa a razão pela qual “(…) à transferência de EUR 21.700,00 para a conta bancária da Requerente (…) não correspondeu qualquer registo na contabilidade da Requerente”.
2.9. “Já quanto à transferência de 31 de Dezembro de 2014 de EUR 56.000,00 para a conta bancária da Requerente, uma vez que o montante da mesma excedia (…) o montante pendente de entrega à data, foi necessário proceder ao registo contabilístico da operação, sob pena de o montante inscrito em bancos ser inferior ao saldo da conta bancária da Requerente”.
2.10. Reconhece, neste âmbito, a Requerente que “houve (…) um lapso na contabilização desta transferência, uma vez que o contabilista (…) da Requerente considerou que o tratamento contabilístico a dar à totalidade do montante transferido deveria ser o mesmo por se tratar de uma única transferência bancária quando, na realidade, deveria ter dividido o valor transferido, alocando EUR 25.993,55 à entrega à Requerente do remanescente dos montantes recebidos pelo Dr. A... em 2014 e inscrevendo somente o valor de EUR 30.006,45 como empréstimo do sócio, a compensar contra recebimentos relativos a serviços a prestar em 2015”.
2.11. Assim, reitera a Requerente que “neste contexto, quando confrontado com a intenção do Dr. A... de efectuar uma transferência de EUR 56.000,00 para a conta bancária desta entidade, o contabilista (…) da Requerente preparou um recibo de suprimentos nesse montante e, em coerência com essa decisão, inscreveu a totalidade desse montante na contabilidade como empréstimo de sócio, na conta #268211”.
2.12. Mas, segundo a Requerente, “independentemente do registo contabilístico da transferência bancária em causa, facilmente se infere (…) que a mesma não configurou um empréstimo do Dr. A... à Requerente”, “(…) uma vez que não faria sentido realizar um empréstimo quando existiam ainda montantes pendentes de entrega pelo Dr. A... à Requerente”.
2.13. Ainda neste âmbito, refere a Requerente que “(…) a forma de contabilização de uma operação não pode determinar irreversivelmente o seu tratamento fiscal, cabendo sempre ao contribuinte o direito de demonstrar a existência de um lapso nos seus registos contabilísticos, cuja ocorrência poderá apenas, no limite, afastar a presunção de veracidade das declarações, prevista no artigo 75.º, n.º 1, da LGT” e que, “por outro lado, resulta do princípio do inquisitório, ínsito no artigo 58.º da Lei Geral Tributária, que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (…)”, impondo-se “(…) à Administração Tributária que oriente a sua actuação no sentido de descoberta da verdade material, abstendo-se de emitir liquidações de imposto por razões meramente formais – desde logo, decorrentes da contabilização das operações, quando se demonstre que a mesma não corresponde à realidade”.
2.14. Assim, conclui a Requerente que “independentemente da forma de contabilização desta transferência, certo é que dos EUR 56.000,00 transferidos pelo Dr. A... para a Requerente a 31 de Dezembro de 2014, EUR 25.993,55 corresponderam à entrega do montante que permanecia em falta relativamente a 2014 e EUR 30.006,45 à antecipação de montantes que o Dr. A... viria a receber em nome e por conta da Requerente em 2015” pelo que, “em face do exposto, deveria a Administração Tributária ter considerado como pendente de entrega somente o montante de EUR 17.014,73, conforme (…) se descrimina”:
EXERCÍCIO DE 2014
Montante recebido directamente pelo Dr. A...: EUR 58.575,00
Despesas da Requerente pagas pelo Dr. A...: EUR 10.881,45
Transferência bancária de 02/07/2014: EUR 21.700,00
Transferência bancária de 31/12/2014: EUR 25.993,55
Montante por entregar EUR 0,00
EXERCÍCIO DE 2015
Montante recebido directamente pelo Dr. A...: EUR 58.825,00
Despesas da Requerente pagas pelo Dr. A...: EUR 11.803,82
Transferência bancária de 31/12/2014: EUR 30.006,45
Montante por entregar EUR 17.014,73
2.15. Nestes termos, conclui a Requerente que “(…) o montante por entregar nos exercícios em referência não foi de EUR 69.201,61, como sustentado no Relatório Final de Inspecção, mas tão-somente de EUR 17.014,73”.
2.16. E, não concorda a Requerente com a qualificação dos montantes alegadamente pendentes de entrega como despesas confidenciais, sujeitas à taxa de tributação autónoma de 50%, defendida pela Requerida, porquanto entende a Requerente que “(…) é manifesto que os montantes pendentes de restituição não preenchem o conceito de despesas não documentadas” por se tratarem de montantes pendentes de restituição, “(…) inexistindo base contabilística ou real para tratar o valor pendente de entrega (…) como despesas não documentadas da Requerente”.
2.17. Neste âmbito, conclui a Requerente pela “(…) ilegalidade e consequente anulabilidade (…) das liquidações adicionais de IRC (…) na parte que determinam a sujeição do montante que permaneceu por entregar à taxa de tributação autónoma de 50% (…)”.
Da contabilização da carteira de títulos mantida junto do B...
2.18. “De acordo com o Relatório Final de Inspecção, foi ainda determinada a correcção do lucro tributável da Requerente relativamente à contabilização de uma carteira de títulos do B..., reflectida na contabilidade da Requerente (…) por considerar:
(i) Que deveriam ter sido incluídos no lucro tributável da Requerente alegados ganhos por aumento do justo valor destes activos nos exercícios de 2014;
(ii) Que deveriam ter sido incluídos no lucro tributável da Requerente dividendos distribuídos em 2014 em virtude da titularidade destes activos;
(iii) Que teriam sido indevidamente consideradas em 2015 perdas por imparidade dos activos”.
2.19. Contudo, entende a Requerente que “as correcções propostas pela Administração Tributária relativas a alegados ganhos por aumento de justo valor dos activos financeiros não podem ser acolhidas, porquanto enfermam de um erro quanto à mensuração dos activos financeiros da Requerente (…)”.
2.20. Com efeito, alega a Requerente que sendo “(…) uma microentidade (…)”, enquanto tal “(…) deve organizar a sua contabilidade de acordo com a NC-ME, excepto se optar pela aplicação da NCRF-PE ou das NCRF (…)”, tendo a Requerente, nos exercícios de 2014 e 2015, “(…) optado pela aplicação da NC-ME, devendo, em consequência, organizar a sua contabilidade em conformidade (…)”.
2.21. Ora, “concretamente no que respeita à mensuração dos activos e passivos financeiros, determina a NC-ME (…)” que “(…) uma entidade deve mensurar os seus ativos e passivos financeiros ao custo, entendido como a quantia nominal dos direitos e obrigações contratuais envolvidos. Ativos financeiros relativos a contas a receber e a participações de capital são mensurados ao custo de aquisição, sujeito a ajustamentos subsequentes derivadas de eventuais imparidades”.
2.22. Assim, conclui a Requerente que “(…) tendo (…) optado pela aplicação da NC- ME, a mensuração dos seus activos financeiros deve ser feita ao custo histórico, eventualmente sujeito a ajustamentos derivados de eventuais imparidades, e não ao justo valor”, pelo que “em consequência, não ficou por contabilizar qualquer ganho por aumento de justo valor destes activos, nada havendo que acrescer ao lucro tributável nesta sede”.
2.23. Assim, defende a Requerente que “inexiste base legal para o acréscimo ao lucro tributável (…) dos valores de EUR 7.485,91 (2014) e EUR 25.040,25 (2015), sendo ilegais e consequentemente anuláveis (…) as liquidações adicionais de IRC (…) na parte em que consideram estes acréscimos (…)”.
Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios
2.24. Segundo a Requerente, “encontrando-se amplamente demonstrada a ilegalidade parcial das liquidações adicionais de imposto em causa, necessariamente se conclui pela ilegalidade das correspectivas liquidações de juros compensatórios na parte relativa ao imposto liquidado que não se mostra devido (…), as quais deverão ser, igualmente, parcialmente anuladas”.
Do direito a juros indemnizatório
2.25. Neste âmbito, refere a Requerente que, tendo procedido ao pagamento integral dos montantes liquidados e cuja legalidade se discute e “(…) enfermando os actos tributários na origem dos presentes autos do vício de violação de lei, como amplamente ficou demonstrado, assiste à Requerente o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios (…), com fundamento em erro imputável aos Serviços da Administração Tributária”.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. Começa a Requerida por referir que “o Requerente foi objecto de acção inspectiva (…), visando apurar a regularidade das declarações de IRC de 2014 e 2015”, “daí resultando a proposta de correcções ao valor declarado pelo Requerente, plasmada nas notas de liquidação ora impugnadas”.
3.2. Segundo a Requerida, “como resulta dos registos contabilísticos do Requerente, este prestou serviços exclusivamente ao C.. Lda.”, sendo que “os valores facturados ao seu cliente (C... Lda) foram integralmente pagos ao sócio-gerente do Requerente, Dr. A...”.
3.3. Contudo, defende a Requerida que “(…) os registos contabilísticos do Requerente estão (…) errados” porquanto “os serviços inspectivos da AT (…)” apuraram “(…) que existe uma divergência entre recebimentos e posteriores depósitos bancários nas contas tituladas pelo Requerente”.
3.4. Neste âmbito, refere a Requerida que é “(…) disso principal e claro exemplo um depósito efectuado pelo Dr. A..., no valor de 56.000,00 €, não como devolução de qualquer valor auferido em nome da sociedade Requerente, mas como empréstimo do mesmo ao Requerente (…)”, sendo que, dado ter sido assim contabilizado, “(…) o sócio gerente A..., não apenas não mostrava estar a entregar qualquer valor recebido em nome do Requerente, como ficou com a posição jurídica de credor do requerente (de que é sócio gerente)”.
3.5. Refere a Requerida que estranha “(…) com o devido respeito pelos direitos processuais reconhecidos na Lei, como pode o Requerente ensaiar a presente tentativa de validar um procedimento de clara evasão fiscal”.
3.6. Defende a Requerida que “a tributação autónoma tem por fim (…) desincentivar os contribuintes a ocultar o destino das suas despesas e, concomitantemente, impedir que tais despesas não comprovadas sirvam para proceder a uma distribuição de lucros sem a correspondente tributação” entendendo que “o que sucede, in casu, é a comprovação da existência de despesas não documentadas, que despoletaram, de forma necessária e como seria fácil de prever por qualquer contribuinte que não se julgue afastado do cumprimento da Lei, a tributação autónoma ora impugnada”.
3.7. Assim, entende a Requerida que “(…) inexiste qualquer ilegalidade no comportamento da AT, estando as liquidações impugnadas sustentadas legalmente, pelo que terão de se manter vigentes na ordem jurídica”, concluindo que “(…) deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral (…), absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido”.
3.8. A Requerida não apresentou, na Resposta, quaisquer argumentos para rebater a posição da Requerente quanto à correcção efectuada pelos SIT (no RIT) em matéria da contabilização da carteira de títulos mantida junto do B... .
4. SANEADOR
4.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.
4.2. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
4.3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.4. A cumulação de pedidos efectuada pela Requerente é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT.
4.5. Não foram identificadas nulidades no processo.
4.6. Não existem excepções de que cumpra conhecer.
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1. Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC (aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT].
5.2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Dos factos provados
5.3. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Cascais desde 7-11-2000, cuja actividade se enquadra no CAE 86906 “Outras actividades de Saúde Humana, N.E.”.
5.4. No âmbito do seu objecto, a Requerente dedica-se à prestação de serviços médicos na área da cirurgia ocular refractiva.
5.5. Para efeitos fiscais, a Requerente está enquadrada, em sede de IRC, na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Código do IRC, incidindo este imposto sobre o lucro tributável determinado pelo Regime Geral de Tributação e, em sede de IVA, está enquadrado como sujeito passivo de imposto enquadrado no regime normal de isenção.
5.6. Nos exercícios de 2014 e 2015 a Requerente teve como único cliente o C..., Lda., pessoa colectiva nº..., com sede no ..., ..., ..., localizado na Rua ...,
5.7. Os serviços de cirurgia ocular refractiva prestados pela Requerente, em regime de subcontratação, foram todos realizados nas instalações do C..., Lda., e materialmente executados pelo Dr. A... (adiante designado por Dr. A...), médico oftalmologista e sócio-gerente da Requerente.
5.8. Nos exercícios de 2014 e de 2015 foram prestados pela Requerente, ao C..., Lda., serviços médicos no montante total de, respectivamente, EUR 58.575,00 e EUR 58.825,00, num total de EUR 117.400,00.
5.9. De acordo com as condições acordadas, entre a Requerente e o C..., Lda., “(…) nos anos em questão, o sócio gerente recebia os pagamentos em nome e por conta da Sociedade, sendo os cheques passados (…) à ordem do sócio-gerente”.
5.10. O Dr. A... recebeu directamente do C..., Lda. os diversos pagamentos relativos aos serviços identificados nos pontos 5.6. a 5.8., supra.
5.11. Os valores que iam sendo recebidos pelo Dr. A... não eram depositados na conta bancária da Requerente (aberta junto do BANCO D...), ficando em seu poder.
5.12. Não obstante, os valores pagos pelo C..., Lda., relativos aos serviços prestados pela Requerente, nos anos de 2014 e 2015, foram contabilisticamente registados na conta # 121 –D..., como se tais montantes ingressassem de imediato na conta bancária da Requerente aquando do respectivo recebimento, o que não aconteceu.
5.13. Em consequência, não havia nos extractos bancários da conta do D... quaisquer movimentos relativos aos recebimentos pelos serviços prestados pela Requerente, em 2014 e 2015, ao C..., Lda.
5.14. No ano de 2014, dos EUR 58.575,00 recebidos pelo Dr. A... (em nome e por conta da Requerente), EUR 10.881,45 foram por este utilizados para o pagamento de gastos da Requerente relativos à sua actividade.
5.15. Em 2 de Julho de 2014, o Dr. A... procedeu à transferência de
EUR 21.6700,00 para a conta bancária da Requerente.
5.16. Em 31 de Dezembro de 2014, o Dr. A... transferiu para a conta bancária da Requerente o montante de EUR 56.000,00.
5.17. A transferência identificada no ponto anterior foi registada na contabilidade da Requerente na conta #268211 como “empréstimo do sócio”.
5.18. No ano de 2015, dos EUR 58.825,00 recebidos pelo Dr. A... (em nome e por conta da Requerente), EUR 11.803,82 foram utilizados por este no pagamento de gastos da Requerente relativos à sua actividade.
5.19. Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs OI2017... e OI2017..., foi instaurada acção de inspecção externa, aos exercícios de 2014 e 2015, cujo âmbito inicial foi em sede de IVA e retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), posteriormente alargado para incluir também o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), “(…) na sequência dos factos verificados no decurso dos atos inspetivos, para verificação das variações patrimoniais permutativas em ativos da sociedade, inscritas na declaração (…) IES submetida entre 2013 e 2015”.
5.20. Os actos inspectivos tiveram início no dia 31 de Maio de 2017.
5.21. No âmbito da referida acção de inspecção, a Requerente foi notificada a 21 de Fevereiro de 2018 para prestar esclarecimentos e apresentar elementos, os quais foram prestados em 23 de Fevereiro de 2018, através do seu contabilista certificado.
5.22. A Requerente foi notificada do Ofício..., de 2 de Maio de 2018, relativo ao Projecto de Relatório da Inspecção Tributária (RIT), nos termos do qual lhe foi comunicado o projecto de correcções a efectuar à matéria tributável de IRC, no montante de EUR 32.526,16 (por referência a 2014) e EUR 40.382,22 (por referência a 2015), com fundamento em:
5.22.1. Alegadas irregularidades na contabilização de uma carteira de títulos mantida junto do B... e de dividendos atribuídos aos sócios no exercício de 2014 e,
5.22.2. Sujeição à taxa de tributação autónoma de 50% de alegadas despesas não documentadas da Requerente respeitantes a (i) levantamentos da conta bancária da Requerente não reflectidos na contabilidade, no montante global de EUR 1.440,00 e (ii) alegadas discrepâncias entre o montante dos recebimentos relativos aos serviços prestados ao C..., Lda., registados na contabilidade da Requerente e os respectivos extractos bancários.
5.23. Pelo mesmo Ofício foi a Requerente notificada para exercer o seu direito de audição prévia, no prazo de 15 dias, tendo a Requerente exercido o mesmo por escrito, recepcionado pelos SIT em 18 de Maio de 2018 (Entrada nº 2018...), nos termos do qual se manifestou apenas quanto à correcção proposta relativa à sujeição à taxa de tributação autónoma de 50% de alegadas discrepâncias entre o montante dos recebimentos relativos aos serviços prestados, em 2014 e 2015, ao C..., Lda., registados na contabilidade da Requerente e os respectivos extractos bancários, discordando da quantificação da diferença entre os recebimentos correspondentes a serviços prestados e os montantes depositados na conta bancária da Requerente, bem como discordando da qualificação de tal montante como correspondendo a despesas não documentadas.
5.24. A Requerente reconheceu expressamente na exposição de audição prévia a existência de imprecisões nos seus registos contabilísticos, nomeadamente no que se refere ao modo como foi contabilizada a transferência de EUR 56.000,00 efectuada, em 2014, pelo Dr. A... para a conta bancária da Requerente.
5.25. Na sequência de notificação para o efeito, o Dr. A... compareceu, no dia 31 de Maio de 2018, nas instalações do C..., Lda., para prestar declarações relativas aos pagamentos dos serviços por si prestados, nos anos de 2014 e 2015, à organização da contabilidade da Requerente e às relações patrimoniais entre a Requerente e os sócios.
5.26. A Requerente foi notificada, em 15 de Junho de 2018, do Ofício nº..., de 18 de Junho de 2018, relativo ao RIT Final, tendo a Administração Tributária alterado o Projecto de RIT (previamente notificado) na sequência de um lapso por si identificado referente à soma das parcelas do valor pendente de entrega pelo Dr. A... à Requerente:
5.26.1. No que se refere ao ano de 2014, os SIT corrigiram o referido montante de EUR 26.115,44 para EUR 25.993,55 e;
5.26.2. No que se refere ao ano de 2015, os SIT corrigiram o referido montante de EUR 45.583,53 para EUR 43.208,08.
5.27. No restante, foi mantido na versão final do RIT o restante teor do Projecto de RIT.
5.28. Na sequência do RIT Final foram emitidas as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios nºs 2018 ... e 2018 ..., datadas de 21 de Junho de 2018, relativas aos anos 2014 e 2015, as quais determinaram o pagamento pela Requerente dos montantes de, respectivamente, EUR 22.923,90 e EUR 33.217,08.
5.29. A data limite para pagamento das liquidações adicionais de IRC e juros identificadas no ponto anterior era o dia 3 de Agosto de 2018.
5.30. A Requerente, em 5 de Julho de 2018, procedeu ao pagamento dos montantes liquidados, no valor total de EUR 56.140,98, os quais correspondem a
EUR 51.282,08 relativos a imposto e a EUR 4.855,90 relativos a juros compensatórios.
5.31. No pedido arbitral a Requerente impugna parcialmente as liquidações de IRC e de juros compensatórios identificadas no ponto 5.28., supra, ascendendo o montante total impugnado a EUR 45.583,72 (EUR 41.684,90, a título de IRC e EUR 3.898,82, a título de juros compensatórios).
5.32. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
Motivação quanto à matéria de facto
5.33. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos, por ambas as Partes, aos autos, bem como na análise do processo administrativo remetido pela Requerida.
Dos factos não provados
5.34. Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. MATÉRIA DE DIREITO
6.1. Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões a decidir.
6.2. No processo arbitral em análise, a Requerente considera que parte significativa do montante liquidado a título de IRC (EUR 41.684,90) é ilegal, na medida em que resulta:
(i) Da errónea qualificação como despesas não documentadas dos montantes pendentes de entrega pelo Dr. A... à Requerente;
(ii) Da errónea quantificação dos montantes pendentes de entrega pelo Dr. A... à Requerente, os quais se cifram em EUR 17.014,73 e não em EUR 69.201,61;
(iii) Da errónea quantificação pela Requerida, dos ganhos relativos a uma carteira de títulos detida pela Requerente junto do B..., cuja correcção efectuada determinou o acréscimo ao lucro tributável da Requerente dos valores de EUR 7.485,91 (2014) e EUR 25.040,25 (2015), por ter sido considerado, pela Requerida, que não foram correctamente contabilizados, pela Requerente, ganhos por aumento de justo valor relativos à referida carteira de títulos.
6.3. “Ou seja, das correcções determinadas pela Administração Tributária, a Requerente aceita apenas as seguintes (correspondentes a um valor de IRC de EUR 9.597,19):
(i) Sujeição a tributação autónoma à taxa de 50% do montante de
EUR 1.440,00, relativo a levantamentos da conta bancária da Requerente não reflectidos na contabilidade;
(ii) Tributação de dividendos no valor de EUR 24.394,22;
(iv) Tributação de uma perda por redução do justo valor indevidamente considerada na contabilidade, no montante de EUR 15.985,07”.
6.4. Em consequência, a Requerente peticiona no pedido arbitral que seja declarada a ilegalidade e, em consequência, sejam parcialmente anuladas as liquidações de IRC nº 2018 ... e 2018..., de 21 de Junho de 2018, que quantifica em EUR 41.684,90:
6.4.1. Por erro sobre os pressupostos de direito quanto à sujeição a tributação autónoma dos montantes recebidos pelo Dr. A... em nome e por conta da Requerente;
6.4.2. Por erro sobre os pressupostos de facto relativos à quantificação dos valores pendentes de entrega pelo Dr. A... à Requerente;
6.4.3. Por erro sobre os pressupostos de direito na medida em que tal liquidações desconsideraram a aplicação do critério do custo histórico no registo de títulos detidos pela Requerente junto do B..., tendo considerado existirem ganhos fiscalmente relevantes por aumento do justo valor dos mesmos.
6.5. Em consequência do peticionado (descrito no ponto anterior), a Requerente solicita ainda que seja determinada a anulação parcial das respectivas liquidações de juros compensatórios (que quantifica em EUR 3.898,82) e seja ordenado o respectivo reembolso do total das quantias de que se requer a anulação (EUR 45.583,72).
6.6. Mas, face ao vertido no pedido arbitral e nas alegações, assistirá razão à Requerente quanto ao peticionado? Ou pelo contrário, teve razão a Requerida quanto efectuou as correcções que deram origem às liquidações de IRC e de juros que aqui se impugnam?
6.7. Neste âmbito, cumpre analisar ambas as posições de modo a aferir os elementos, de facto e de direito, invocados para sustentar a ilegalidade das liquidações objecto deste processo arbitral, os quais se centram:
6.7.1. Na interpretação a dar às “despesas não documentadas” para efeitos de tributação autónoma de modo a determinar se os factos subjacentes se subsumem na categoria de despesas não documentadas;
6.7.2. Caso essa interpretação seja no sentido de subsumir os factos na categoria de despesas não documentadas, aferir se o valor quantificado pela Requerida como passível de ser assim enquadrado está ou não correcto;
6.7.3. Decidir se é ou não aplicável a regra do justo valor na mensuração dos activos financeiros detidos, em 2014 e 2015, pela Requerente.
6.8. Preliminarmente à análise a efectuar no que diz respeito à interpretação a dar às despesas não documentadas, é forçoso referir alguns considerandos relativos a disposições que terão de ser recordadas e observadas, neste âmbito, para efeitos de IRC.
6.9. Em termos gerais, de acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 3º do Código do IRC, este imposto incide sobre “o lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.
6.10 De acordo com o nº 2 do mesmo artigo, “para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código” sendo que, nos termos do nº 4, “para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”.
6.11. Em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 16º do Código do IRC, “a matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do sujeito passivo, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal”.
6.12. Ora, de acordo com o disposto no artigo 17º, nº 1 do Código do IRC, “o lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código” (sublinhado nosso).
6.13. Nos termos do seu nº 3, é referido que “de modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes” (sublinhado nosso).
6.14. Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 123º, nº 1 do Código do IRC, “as sociedades comerciais (…) que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português (…), são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável”, sendo que nos termos do disposto no nº 2, alínea a) do referido artigo 123º do Código do IRC, “na execução da contabilidade (…) todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário”, sendo que de acordo com a alínea b), “as operações devem ser registadas cronologicamente (…)” (sublinhado nosso).
6.15. Adicionalmente, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 63º-C da LGT, “os sujeitos passivos de IRC (…) estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida” (sublinhado nosso).
6.16. O artigo 104º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) refere que as empresas devem ser tributadas fundamentalmente pelo rendimento real, sendo que o apuramento do lucro por métodos contabilísticos está longe de traduzir o lucro exacto de uma empresa, mas é considerado pelo legislador o meio mais adequado para a determinação da distribuição dos encargos tributários.
6.17. Assim, ainda que o direito fiscal parta da contabilidade para determinação do valor de imposto a pagar, o lucro contabilístico não é necessariamente o mesmo que o lucro fiscal ou tributável, sobretudo porque este último é o resultado da aplicação das regras “impostas” pelo legislador fiscal no sentido de, sobretudo, serem desconsiderados determinados gastos, já que quanto maior a aceitação de gastos, menor será o lucro e, em consequência, menor a tributação.
6.18. Porém, nem sempre é fácil detectar quais os gastos que podem ter sido feitos com objetivos de evasão fiscal e, nesta esteira, os artigos 23º e 23º-A do Código do IRC estabelecem quais os gastos que podem ou não ser aceites na determinação do lucro tributável, ou seja, aqueles que contribuem (ou não) para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
6.19. Com efeito, no artigo 23º, nº 1 do Código do IRC, refere-se que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” sendo que, nos termos do seu nº 2, se exemplificam alguns tipos de gastos ou perdas dedutíveis e, nos termos do seu nº 3 e 4, é referido que “os gastos dedutíveis (…) devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito” e “no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo (…) deve conter, pelo menos (…)” os elementos que aí se identificam (sublinhado nosso).
6.20. Já o artigo 23º-A do Código do IRC refere que “não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação” elencando-os e aqui se destacando “(…) as tributações autónomas (…)” e as “despesas não documentadas”.
6.21. Ou seja, os custos ou perdas de uma empresa constituem os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa.
6.22. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, devendo os respectivos montantes serem adicionados ao resultado contabilístico para efeitos de apuramento do resultado fiscal.
6.23. Mas o que deve entender-se por despesa não documentada?
Das despesas não documentadas – natureza e regime
6.24. A noção do que se deve entender por despesas não documentadas, face à evolução normativa do Código do IRC, tem tido um sentido e alcance que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem vindo a firmar, enquanto conceito positivamente não determinado.
6.25. Neste âmbito, devem considerar-se como despesas não documentadas as que não especificam a sua natureza, origem ou finalidade, sendo, por essência, indocumentadas, assim não apresentando qualquer documento de suporte que as justifique.
6.26. Ou seja, por despesas não documentadas entendem-se aquelas que não apresentam ou não têm por base qualquer documento justificativo ou de suporte para efectuar o respectivo pagamento.
6.27. Já por despesa ou encargos não devidamente documentados entendem-se aquelas que têm suporte documental, o qual não se encontra na sua forma devida e exigida pela lei.
6.28. A apreciação da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa deve ser feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC, isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo.
6.29. Assim, em conformidade com Acórdão do TCAS de 07/02/2012 (processo nº 04690/11), “despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação” (sublinhado nosso).
6.30. E, neste âmbito refere ainda o citado Acórdão que “(…) pode-se defender que o preceito em análise (…) constitui um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não pode ser dispensada (…)”.
6.31. Por outras palavras, a não dedutibilidade das despesas não documentadas é a consequência lógica da tributação do rendimento real, a qual por seu turno assenta e depende da contabilidade organizada (a tributação do rendimento real assenta e depende do cumprimento das obrigações contabilísticas): os proveitos e os gastos são os que comprovadamente forem realizados.
6.32. Em sede de IRC, qualquer das despesas referidas nos pontos anteriores (despesas não documentadas e despesas não devidamente documentadas) acarretam, como vimos, para o contribuinte, a consequência da não dedutibilidade, para efeitos fiscais, do gasto associado no que diz respeito à determinação do lucro tributável, mas as despesas não documentadas são ainda sujeitas a tributação autónoma.
6.33. Nesta matéria, recorde-se que com a entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1989, do novo Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88 de 30 de Novembro, as despesas confidenciais (ou não documentadas) apenas não eram aceites como custos ou perdas ( em conformidade com o disposto na alínea h), do nº 1, do artigo 41º daquele Código), sendo que, de acordo com o disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho (revogado pela Lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro – artigo 7º, nº 11, porquanto o regime foi incluído no Código do IRC), “as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas (…) por sujeitos passivos de IRC (…) são tributadas autonomamente em (…) IRC (…) a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC” (sublinhado nosso).
6.34. Ou seja, com a inclusão deste tipo de despesas nas disposições do Código do IRC, as mesmas passaram a ser tributadas autonomamente à taxa de 10%.
6.35. Em resultado das sucessivas alterações ao Código do IRC, a tributação autónoma das despesas não documentadas foi sendo aumentada, sendo que se faz, em termos gerais, desde a entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2008 (Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, mediante a aplicação da taxa de 50% (de acordo com o disposto no artigo 88º, nº 1, do Código do IRC), “(…) sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A”.
6.36. No que diz respeito ao facto gerador do imposto, em matéria de tributação autónoma, pode afirmar-se que é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo que se esgota no acto de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos actos de realização de despesa considerados, se venha a efectuar no fim de um determinado período tributário).
6.37. Mas o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro porquanto essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.
6.38. A norma que consagra a tributação autónoma poderá, assim, aproximar-se da natureza das cláusulas específicas anti-abuso, funcionando de uma forma rígida, tendo como vantagem uma aplicação, mais ou menos, automática e dispensando a Autoridade Tributária de um esforço de indagação.
6.39. Num sentido simplista, poder-se-á dizer que a criação da tributação autónoma visava desencorajar abusos em vários tipos de despesas, que pela sua natureza, poderiam ser da esfera pessoal e não empresarial porquanto “esta forma de tributação foi justificada pela dificuldade em se distinguir entre o carácter privado e a natureza empresarial de certas despesas, e existirem determinadas formas de rendimento que não eram tributadas na pessoa dos seus beneficiários (ou porque estes não eram conhecidos ou porque o rendimento não era determinável com rigor)”.
6.40 É hoje indiscutível o entendimento, na jurisprudência e na doutrina, de que a “ratio” da tributação autónoma reside na sujeição a tributação de determinadas despesas que, ainda que concorram para a formação do lucro tributável da empresa, não decorram, de forma clara, da sua actividade normal ou que, mesmo decorrendo, possam ser de uso não exclusivo no desempenho dessa mesma actividade.
6.41. Como ensina Casalta Nabais, “a imposição de tributações autónomas explica-se (…) pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social”.
6.42. Assim sendo, com este tipo de tributação o legislador teve em vista, por um lado, incentivar os sujeitos passivos a deixarem de incorrer em gastos que afectassem negativamente a receita fiscal (de IRC) suscetíveis de desvio para consumo privado e, por outro lado, evitar que os gastos suportados a este título revestissem uma forma de rendimento para os colaboradores que não se encontraria sujeita nem a IRS, nem a contribuições para a Segurança Social.
6.43. Mas poderá então considerar-se a tributação autónoma como imposto sobre a despesa?
6.44. A tributação autónoma tem como fundamento a presunção da existência de rendimento que deixou de ser tributado, não só em sede de IRC como de IRS.
6.45. Com efeito, o normativo da tributação autónoma está construído sobre a base de uma presunção, porquanto se presume que há, nessas despesas, rendimento que deixou de ser tributado, considerando-as com meios aptos para formas de fuga ao imposto.
6.46. Nas despesas que não são dedutíveis (como é o caso das despesas não documentadas), a tributação autónoma tem também subjacente a ideias de que essas despesas podem não ser indispensáveis para a manutenção da fonte produtora, não sendo por isso suportadas pela empresa no interesse da organização.
6.47. Assim, poder-se-á afirmar que a tributação autónoma se justifica por ser um mecanismo de combate à evasão fiscal, porquanto há assim uma maior eficácia e até eficiência na cobrança de receitas através da sujeição de determinadas despesas a esse tipo de tributação.
6.48. Não obstante, a existência da TA não deverá fundamentar-se unicamente na necessidade de arrecadação de receita (ainda que esse fim seja também alcançado) e, por essa razão, cada taxa prevista não deve ser fixada tendo em vista a arrecadação de receita mas atendendo aos objetivos de cada tributação autónoma concretamente prevista.
Da interpretação a dar ao conceito de despesas não documentadas
6.49. É jurisprudência assente do STA que despesas não documentadas são “despesas relativamente às quais não existe prova documental, e tratar-se-á de despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afetam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o” (sublinhado nosso).
6.50. Assim, é importante salientar que embora a lei fiscal não aceite como despesas dedutíveis aquelas relativamente às quais não existe prova documental (o que é inerente ao próprio conceito de tributação do rendimento real), sabemos que há despesas não documentadas porque a contabilidade reflete uma diminuição do resultado líquido.
6.51. Com efeito, “[a] apreciação da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC. Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa” (sublinhado nosso).
6.52. Recorde-se que a despesa confidencial era também uma despesa não documentada, e por isso, no que diz respeito à divisão entre ambas (entretanto eliminada no texto da lei), era e é duvidoso que a distinção entre as duas figuras tenha tido alguma relevância no nosso regime fiscal enquanto existiu [entre a vigência do Decreto- Lei nº 192/90 de 9 de Junho e da Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2008)].
6.53. Com efeito, a Lei do OE para 2008 deu nova redação ao artigo 88º do Código do IRC, eliminando a referência a despesas confidenciais, passando a referir-se apenas às “despesas não documentadas” (as quais são tributadas, desde então, autonomamente à taxa de 50%), sendo que tal alteração veio colocar a nossa legislação em linha com as recomendações da OCDE, que censuram qualquer tipo de reconhecimento das despesas confidenciais, incluindo a da legislação contabilística.
6.54. Por outro lado, ficou também claro que aquela diferenciação não tinha qualquer alcance prático pois, por um lado, o regime de tributação era o mesmo e, por outro, as despesas confidenciais são, por natureza, não documentadas.
6.55. Assim, a evolução do regime fiscal aplicável às despesas confidenciais ou não documentadas demonstra uma finalidade penalizadora, podendo defender-se que, como vimos, o regime de tributação autónoma pode prosseguir essa finalidade, através da tributação de rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica do beneficiário dos mesmos (configurando uma espécie de responsabilidade tributária a título principal e independentemente de os rendimentos serem ou não declarados na esfera jurídica dos beneficiários).
6.56. O facto de a ausência ou insuficiência da prova documental (que é exigida para efeitos fiscais), levar à não dedutibilidade e tributação autónoma das referidas despesas significa que a mesma também não seria aceite pois quem recebia a quantia subjacente à mesma era desconhecido para efeitos fiscais (independentemente de procedimentos de averiguação pela administração fiscal).
6.57. Não admira pois que, perante a equivalência das duas situações, quer porque os factos são semelhantes (ausência de documentação quanto a elementos essenciais para a tributação do rendimento real, isto é, segundo a contabilidade organizada), quer porque as consequências são idênticas (não dedutibilidade das despesas acrescida de tributação autónoma), a nossa lei tenha eliminado (18 anos depois) a autonomização das duas figuras e tenha optado pela categoria das “despesas não documentadas”.
6.58. Com efeito, na lógica da tributação do rendimento real e inerentes obrigações contabilísticas, as despesas não documentadas absorveram a figura da despesa confidencial, sendo que a autonomização das duas categorias de despesas não documentadas na lei (mesmo que durante muito tempo com consequências idênticas) tem razões históricas porquanto foi a evolução histórica do nosso regime fiscal aplicável às despesas confidenciais que explica que tenhamos chegado à tributação autónoma de despesas não documentadas, podendo questionar se essa evolução do regime jurídico não demonstra uma finalidade penalizadora, a par de uma razão estritamente fiscal relacionada com a não dedutibilidade dessas despesas.
6.59. Ora, tal finalidade tem vindo a ser, expressamente, referida pelo STA e pelo Tribunal Constitucional (AC nº 18/2011), nos termos do qual, para o Tribunal Constitucional, o regime tem uma finalidade “penalizadora” e de “desmotivar práticas” que podem “envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal”.
6.60. Assim, continua o Tribunal Constitucional no mesmo Acórdão, “(…) estamos perante despesas que são incluídas na contabilidade da empresa, e podem ter sido relevantes para a formação do rendimento, mas não estão documentadas e não podem ser consideradas como custos, e que, por isso, são penalizadas com uma tributação de 50%. A lógica fiscal do regime assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública, por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transacções efectuadas, ou se foram declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto”.
6.61. Assim, a tributação autónoma também recai sobre encargos que correspondem ao núcleo do conceito de rendimento real, rendimento líquido e cumprimento de obrigações contabilísticas, sendo que as tributações autónomas pretendem desincentivar a dedução de despesas que afetam a receita fiscal.
6.62. E de acordo com o entendimento do Conselheiro Vítor Gomes “[e]mbora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC (…) estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal (…). A manifestação de riqueza sobre que vai incidir essa parcela da tributação (o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar) é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito (…)”.
6.63. No Acórdão nº 310/12, de 20 de Junho (Relator Conselheiro João Cura Mariano), o Tribunal Constitucional veio reformular a doutrina do Acórdão nº 18/11, acima referido no ponto 6.59., aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes e do Acórdão do STA nº 830/11, aqui também já citados.
Conclusões
6.64. Face ao acima exposto, podemos considerar que a tributação autónoma atinge a despesa do sujeito passivo (contribuinte) e não o seu rendimento sendo que, ao fazer isto, o legislador está a abdicar da regra de tributação do rendimento acréscimo e do rendimento líquido.
6.65. Se a não dedutibilidade das despesas não documentadas é inerente à tributação do rendimento líquido, já a tributação autónoma de tais despesas não observa essa regra e tem finalidades diversas da tributação do rendimento acréscimo.
6.66. Admite-se que, a par da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do STA, a tributação autónoma tem finalidades sancionatórias e anti-abuso porquanto a tributação autónoma é a consequência de uma violação de um dever (o dever de que as despesas estejam documentadas segundo as regras exigidas no Código do IRC) e tem uma finalidade de repreensão (e não exclusivamente de arrecadação de receita).
6.67. Assim, a tributação autónoma de despesas não documentadas na esfera jurídica de quem nelas incorre é, na perspectiva deste sujeito passivo, uma tributação da despesa e não do rendimento, com uma finalidade penalizadora, de anti-abuso, implicando até uma responsabilidade tributária, porquanto se pretende atingir os rendimentos auferidos pelo beneficiário, através da tributação autónoma (neste caso, o princípio da proporcionalidade exigiria aqui também a possibilidade de demonstrar que o beneficiário declarou tais rendimentos).
6.68. Aqui chegados, cabe decidir se no presente caso estamos perante “despesas não documentadas” como entendeu a Requerida ou se tal interpretação não faz qualquer sentido, como defende a Requerente, para efeitos de aplicação do regime de tributação autónoma.
6.69. Vimos ser jurisprudência assente que despesas não documentadas são despesas relativamente às quais não existe prova documental, e tratar-se-á de despesas suportadas pelo sujeito passivo que, em termos contabilísticos, afetam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o.
6.70. No caso em análise, são factos assentes que a Requerente reconheceu expressamente a existência de um conjunto de deficiências e irregularidade nos seus registos contabilísticos “(…) que não deixam de exigir um redobrado esforço de análise (…)”.
6.71. É também facto assente que os valores pagos pelo C..., Lda., pelos serviços prestados pela Requerente, em 2014 e 2015, não foram depositados na sua conta bancária (D...), à medida que foram recebidos, tendo este procedimento gerado divergências entre os montantes evidenciados nos extractos bancários apresentados pela Requerente aos SIT e os registos contabilísticos efectuados na conta #121 (D...) porquanto tais valores haviam sido registados nesta conta.
6.72. Em consequência do procedimento adoptado, não houve qualquer alteração do resultado líquido de cada um dos exercícios (2014 e 2015), pois nestes foram devidamente reflectidos os valores associados com as prestações de serviços efectuadas ao C..., Lda. (registadas a crédito na conta #72113).
6.73. A indevida movimentação da conta #121, com o registo dos pagamentos do C..., Lda., que não foram depositados não afectou Resultados dado que aquela conta se trata de uma conta do Activo.
6.74. Por outro lado, apesar do carácter sancionatório implícito na caracterização da tributação autónoma, não se verificaram aqui todos os requisitos para que os factos descritos fossem subsumíveis no conceito de despesa não documentada e, assim, fosse possível aos SIT entender que tais factos “(…) consubstanciam saídas de verbas da esfera da sociedade, sem qualquer suporte que comprove o destinatário efetivo e o fim que lhes foi dado”.
6.75. Na verdade, no âmbito das explicações solicitadas durante o procedimento inspectivo, ficaram os SIT a saber que os pagamentos do C..., Lda., nos anos em questão, foram efectuados ao sócio gerente, que os recebia em nome e por conta da Requerente (vide ponto 5.9., supra) e que os utilizava para pagar despesas desta (vide ponto 5.14., supra), tendo efectuado, em 2014, duas transferências bancárias a favor da Requerente, no montante de EUR 21.6700,00 e EUR 56.000,00 (vide pontos 5.15. e 5.16., supra), ainda que esta última transferência tenha sido “indevidamente” registada na conta #268211 como empréstimo de sócio.
6.76. Assim, tendo em consideração o esforço da Requerente em tentar clarificar as irregularidades detectadas, entende este Tribunal Arbitral que os montantes pendentes de entrega pelo Dr. A..., apurados pelos SIT, que deram origem à qualificação de tais montantes como despesas não documentadas, não se enquadram, por conseguinte, no conceito de despesa não documentada, conforme acima detalhadamente exposto, pelo que não poderão tais montantes ser sujeitos a tributação autónoma.
6.77. E tanto assim é que, embora os SIT tenham efectuado correcções em matéria de consideração das alegadas despesas não documentadas para efeitos de tributação autónoma, à taxa de 50%, não as consideraram como custos não indispensáveis à formação do rendimento, conforme determina a caracterizam legal, porquanto não estamos perante despesas não documentadas nem estas concorreram como gastos para a formação do lucro tributável, diminuindo-o e causando prejuízo para a Fazenda.
6.78. Tudo ponderado, no caso em análise, as irregularidades identificadas na contabilidade da Requerente face aos montantes evidenciados nos extractos bancários não podem ser consideradas como despesas não documentadas, nos termos acima expostos, sendo negativa a resposta a dar à questão enunciada no ponto 6.7.1., supra.
6.79. Assim, concorda este Tribunal Arbitral com a Requerente quando no pedido refere que “(…) é inaceitável a qualificação jurídica dada (….) à situação em questão, inexistindo base (…) para tratar o valor pendente de entrega pelo Dr. A... como despesas não documentadas da Requerente”, sendo por isso ilegais e em consequência anuláveis as liquidações adicionais de IRC objecto do pedido na parte em que determinam a sujeição do montante que permaneceu por entregar à taxa de tributação autónoma e, bem assim, as liquidações de juros compensatórios incidentes sobre as liquidações de IRC na parte agora anuladas.
6.80. Em consequência, fica prejudicada a análise da (in)correcção do valor quantificado pela Requerida como passível de ser assim enquadrado como despesa não documentada (vide ponto 6.7.2., supra).
Da contabilização da carteira de Títulos mantida junto do B...
6.81. Neste âmbito, vem a Requerente impugnar as correcções efectuadas pelos SIT, no âmbito do RIT, quer no exercício de 2014 (EUR 7.485,91), quer no exercício de 2015 (EUR 25.040,26), relativamente à não contabilização pela Requerente do ganho por aumento de justo valor resultante da valorização anual da carteira de títulos detida pela Requerente no B... a 31-12-2013, valorizada em EUR 536.661,44.
6.82. Com efeito, os SIT no âmbito da inspecção efectuada aos exercícios de 2014 e de 2015, identificaram uma correcção relativa à alegada necessidade de reconhecimento contabilístico da valorização de portfolio detido pela Requerente, desde 2013, tendo em consideração o disposto no artigo 18º, nº 9, alínea a) do Código do IRC, nos termos do qual “os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, sendo instrumento de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital igual ou superior a 5% do respectivo capital social”.
6.83 Nestes termos, referem os SIT no RIT que “(…) contabilística e fiscalmente, estes ajustamentos, resultantes da aplicação do justo valor, são considerados ganhos por aumentos de justo valor ou perdas por redução do justo valor no exercício em que tal se verifique. Assim, no exercício de 2014, para além da falta de registo no ativo da sociedade, ficou por contabilizar o ganho por aumento de justo valor resultante da valorização anual, no montante de € 7.485,91 (…)” sendo que em 2015, segundo entenderam os SIT, “(…) ficou por contabilizaram o ganho por aumento de justo valor resultante da valorização do portfolio, no valor de € 25.040,26”.
6.84. Apesar desta correcção já ter sido incluída, como proposta, no projecto de RIT, a Requerente não se pronunciou sobre esta matéria no direito de audição que exerceu por escrito (vide ponto 5.23., supra) mas veio impugnar as referidas correcções em sede de pedido arbitral, referindo para o efeito que as mesmas “(…) não podem ser acolhidas, porquanto enfermam de um erro quanto à mensuração dos activos financeiros da Requerente (…)” dado que sendo esta “(…) uma microentidade (…)”, de acordo com o “(…) artigo 9.º-D do mesmo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho (…) as entidades a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º devem aplicar a Norma Contabilística para Microentidades (NC-ME), compreendida no SNC”, sem prejuízo de aquelas entidades (Microentidade) poderem “(…) optar pela aplicação das Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) ou da NCRF-PE, devendo tal opção ser identificada na declaração a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas”, ou seja, na sua Declaração IES.
6.85. E, neste âmbito, refere a Requerente no pedido que “(…) analisando as Declarações IES (…) dos exercícios de 2014 e 2015, nomeadamente o respectivo Anexo A, verifica-se ter a Requerente optado pela aplicação da NC-ME, devendo, em consequência, organizar a sua contabilidade em conformidade (…)”.
6.86. Ora, dado que no que respeita à mensuração dos activos e passivos financeiros, determina a NC-ME que “uma entidade deve mensurar os seus ativos e passivos financeiros ao custo, entendido como a quantia nominal dos direitos e obrigações contratuais envolvidos. Ativos financeiros relativos a contas a receber e a participações de capital são mensurados ao custo de aquisição, sujeito a ajustamentos subsequentes derivadas de eventuais imparidades”, “(…) tendo a Requerente optado pela aplicação da NC- ME, a mensuração dos seus activos financeiros deve ser feita ao custo histórico, eventualmente sujeito a ajustamentos derivados de eventuais imparidades, e não ao justo valor”.
6.87. Em consequência, defende a Requerente no pedido arbitral que não ficou por contabilizar qualquer ganho por aumento de justo valor de activos, nada havendo que acrescer ao lucro tributável nesta matéria concluindo que “(…) inexiste base legal para o acréscimo ao lucro tributável da Requerente dos valores de EUR 7.485,91 (2014) e EUR 25.040,25 (2015), sendo ilegais e consequentemente anuláveis, nos termos do artigo 163º do CPA, as liquidações adicionais de IRC nº 2018... e 2018... na parte em que consideram estes acréscimos (…)”.
6.88. A Requerida, na Resposta apresentada, não se pronunciou sobre esta questão.
6.89. Cumpre analisar a qual das Partes assiste razão.
6.90. Até 2009, por força da 4ª Directiva Comunitária, quer o artigo 262º do Código das Sociedades Comerciais, quer o POC-89, estabeleciam obrigações contabilísticas simplificadas para entidades de menor dimensão sendo que este tipo de entidades, ainda que sujeitas a todas as regras previstas no Plano Oficial de Contas (POC), tinham a facilidade de optar por modelos sintéticos de demonstrações financeiras (Balanço, Demonstração de Resultados e Anexo).
6.91. No âmbito do processo de harmonização contabilística internacional, assistiu-se a uma reforma no sistema contabilístico português, no sentido de acolher, com as devidas adaptações, o normativo contabilístico do International Accounting Standards Board (IASB).
6.92. Neste contexto, a 13 de Julho de 2009 foi publicado o Decreto-Lei nº 158/2009, que aprovou o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), sistema que visou a substituição do POC e demais legislação complementar e entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2010.
6.93. O SNC corresponde a um modelo baseado nas normas IASB adoptadas na União Europeia (EU), por força do Regulamento nº 1606/2002, de 19 de Julho), garantindo a compatibilidades com as Directivas Contabilísticas Comunitárias, sendo por isso criadas as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF), num total de 28.
6.94. Com a Revogação do POC pelo SNC, houve o cuidado de manter a simplificação ao nível do relato financeiro, para as entidades de menor dimensão.
6.95. Com efeito, dado que o SNC é um modelo que atende às diferentes necessidade de relato financeiro, foi criada uma Norma Contabilística e de Relato Financeiro para as Pequenas Entidades (NCRF-PE), com necessidades de relato mais reduzidas, onde são tratadas, com as devidas adaptações, algumas matérias das NCRF.
6.96. Nestes termos, no artigo 9º do Decreto-Lei 158/2009, de 13 de Julho (alterado pela Lei nº 20/2010, de 23 de Agosto), estabelecem-se as condições para que entidades com pequena dimensão possam optar por não aplicar o conjunto total das 28 NCRF, mas apenas a NCRF-PE publicada através o Aviso nº 15654/2009.
6.97. A NCRF-PE, que tinha como objectivo facilitar a interpretação e aplicação das normas num único documento, podia ser aplicada por entidades que não ultrapassem os limites previstos no nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 158/2009 (alterado pela Lei nº 20/2010):
Total do balanço – EUR 1.500.000;
Volume de negócios líquido – EUR 3.000.000;
Número médio de empregados durante o exercício - 20
6.98. Contudo, entendeu-se que este normativo ainda era demasiado exigente para as entidades de reduzida dimensão pelo que, a Lei nº 35/2010, de 2 de Setembro, veio estabelecer um regime especial simplificado de normas e informações contabilísticas para microentidades, sendo que para o efeito, são consideradas como tal, as entidades que não ultrapassem dois dos três limites que a seguir se indicam:
Total de balanço – EUR 500.000;
Volume de negócios líquido – EUR 500.000;
Número médio de empregados durante o exercício - 5
6.99. As entidades que cumpram com os requisitos (dois de três) acima mencionados ficam dispensadas da aplicação das normas previstas no Decreto-Lei 158/2009 (NCRF e NCRF-PE).
6.100. Assim, passam a adoptar o Regime de Normalização Contabilística das Microentidades (aprovado pelo Decreto-Lei nº 36-A/2011, de 9 de Março, com aplicação no exercício de 2010) o qual contempla, entre outros instrumentos, a Norma Contabilística para as Microentidades (NC-ME), publicada através do Aviso nº 6726-A/2011.
6.101. Note-se que a adopção do NCRF-PE não é uma imposição mas uma opção, podendo sempre as entidades, qualquer que seja a dimensão, aplicar o conjunto completo de NCRF, ou seja, o SNC.
6.102. Por sua vez, o normativo das Microentidades é de aplicação automática (desde que compridos os requisitos acima mencionados) mas as Microentidades podem optar pelas normas previstas no Decreto-Lei nº 158/2009, ou seja, podem optar pelo NCRF-PE ou pelo SNC (regime geral).
6.103. No que diz respeito à análise comparativa dos normativos, regra geral, o conteúdo dos vários capítulos da NCRF-PE não se afasta significativamente da respectiva NCRF, sendo de destacar algumas diferenças (para além das menores exigências de divulgação), nomeadamente a simplificação de alguns critérios de reconhecimento e mensuração (neste âmbito, refira-se como exemplo que, relativamente aos activos intangíveis, a NCRF-PE apenas permite a utilização do modelo do custo).
6.104. Assim, de uma análise comparativa dos dois normativos (NCRF-PE e NC-ME), é possível realçar, entre outros, os principais aspectos da NC-ME, nomeadamente, a não aplicação do justo valor, como base de mensuração, levando ao não acolhimento do modelo de revalorização de activos tangíveis e intangíveis, nem à aplicação do justo valor na mensuração de activos e passivos financeiros, sendo o custo que é a base de mensuração utilizada pelas microentidades.
6.105. Analisados os Anexos A da Declaração Empresarial Simplificada (IES), respeitantes aos exercícios de 2014 e 2015, entregues em 29-06-2015 (declaração nº...) e 29-06-2016 (declaração nº...), respectivamente, verifica-se que está assinalado no quadro 02-A daquele Anexo, e em cada um dos exercícios referidos, que “a contabilidade encontra-se organizada conforme as NC-ME” (campo 4)
6.106. Nestes termos, face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que assiste razão à Requerente quando refere que “(…) tendo optado pela aplicação da NC-ME, a mensuração dos seus activos financeiros deve ser feita ao custo histórico (…) e não ao justo valor”, pelo que “não ficou por contabilizar qualquer ganho por aumento de justo valor destes activos, nada havendo que acrescer ao lucro tributável (…)”, sendo negativa a resposta a dar à questão enunciada no ponto 6.7.3., supra.
6.107. Em consequência, concorda este Tribunal Arbitral com a Requerente quando no pedido refere que “(…) inexiste base legal para o acréscimo ao lucro tributável da Requerente dos valores de EUR 7.485,91 (2014) e EUR 25.040,25 (2015), sendo ilegais e em consequência anuláveis (…), as liquidações adicionais de IRC (…)” objecto do pedido na parte em que consideram estes acréscimos e, bem assim, as liquidações de juros compensatórios incidentes sobre as liquidações de IRC na parte agora anuladas.
Do pagamento dos juros indemnizatórios
6.108. A par do pedido de declaração da ilegalidade parcial das liquidações de IRC identificadas no processo, na parte impugnada, e do pedido de anulação dos respectivos juros, a Requerente peticiona ainda juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43º da LGT.
6.109. No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.
6.110. De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
6.111. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).
6.112. Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
6.113. Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
6.114. Na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRC identificados, na medida do peticionado pela Requerente (vide pontos 6.79. e 6.107, supra), e nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos pela Requerente, relativos ao IRC de 2014 e 2015, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivessem sido cometidas as ilegalidades já assinaladas.
6.115. Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), a Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre as quantias pagas, no âmbito das liquidações de IRC respeitantes aos anos de 2014 e 2015 (na medida do objecto do pedido de pronúncia arbitral), os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.116. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.117. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.118. Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.
7. DECISÃO
7.1. Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:
7.1.1. Julgar totalmente procedente o pedido arbitral, determinando-se a anulação das liquidações de IRC e de juros, identificadas no pedido, na parte peticionada, por erro sobre os pressupostos de direito, ordenando-se o reembolso à Requerente das quantias pagas, a título de IRC e de juros, no montante de EUR 45.583,72 e, em consequência;
7.1.2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados;
7.1.3. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.
Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 45.583,72.
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 2.142,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
*****
Notifique-se.
Lisboa, 8 de Março de 2019
O Árbitro,
Sílvia Oliveira