Decisão Arbitral
I - RELATÓRIO
1 – A... Ldª (Restaurante B...) NIPC ..., com sede no ..., ..., da freguesia de ... e ..., do concelho de Oeiras, área do ... serviço de finanças de Oeiras, veio ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,da alínea a) do nº 2 do artigo 5º e nº1 do artigo 6º, todos do RJAT , apresentar um pedido de pronúncia arbitral, com vista à apreciação da legalidade das liquidações de IRC e de IVA e respetivos juros compensatórios, conforme notas de liquidação juntas aos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, todas referentes ao exercício de 2014, sendo a liquidação de IRC, derrama municipal e juros compensatórios inerentes, no montante de € 12 130,12, na sua perspetiva, totalmente indevidos e a liquidação de IVA deveria, o montante apurado pela ATA , ser reduzido a € 23 1777,46, com a anulação de € 21 419,63.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à ATA em 09/09/2018.
3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 08/11/2018, designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
4 – O Tribunal foi constituído em 28/11/2018 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido visa a requerente a declaração de ilegalidade das aludidas liquidações de IRC, IVA e juros compensatórios nos termos e montantes já referidos, uma vez que, em seu entender, ter ocorrido um erro no pressuposto de facto, dado os SIT , não terem tido em conta, no apuramento levado a efeito, o auto consumo externo, ao mesmo tempo que também praticaram erro nos pressupostos de direito ao aplicarem métodos indiretos, no que concerne ao autoconsumo, quando bem poderiam socorrer-se do mapa de pessoal.
6 – Suporta o seu ponto de vista, em síntese, remetendo para o Acórdão nº 633/13 – CT- 2º Juízo de 11/07/2014 do TCA Sul, que aceitou quebras globais e auto consumo externo de 15%, pelo que esta percentagem ou outra mais elevada deveria ter sido considerado pelos SIT.
7 – Considera, por último, que mesmo que se entendesse que havia fundamentos para correções, os mesmos ficam abalados, dado ter-se trabalhado com margens de lucro de 55%, sem terem em conta o auto consumo externo, tomando por certo determinados factos, sem a respetiva correspondência com a realidade económica e tributária da empresa.
8 – Por sua vez, a ATA, na sua resposta, considera que o seu procedimento não enferma de qualquer erro e considera não assistir qualquer razão à requerente.
9 – Suporta o seu pondo de vista, em síntese, defendendo-se por exceção, invocando a incompetência material do tribunal em matéria de aplicação de métodos indiretos, uma vez que os atos de liquidação impugnados têm a sua argumentação escorada numa ação inspetiva nº OI2017..., na qual fora aplicado métodos indiretos e, como vem sendo pacífico, a ATA não se encontra vinculada à jurisdição arbitral relativamente a atos de determinação de matéria coletável por métodos indiretos.
11 – Por outro lado, entende que o meio processual usado é impróprio, não podendo ser invocadas ilegalidades provenientes da fixação da matéria tributável por aplicação de métodos indiretos na impugnação aos atos de liquidação que lhe são subsequentes.
12 – Por último e por impugnação considera que a requerente não carreou para os autos quaisquer documentos que lhe permitam demonstrar os factos alegados, remetendo para a fundamentação constante no respetivo processo administrativo e vertida em sede inspetiva, não merecendo censura os atos de liquidação impugnados.
II – SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é abstratamente competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Face à resposta da requerida, o tribunal proferiu em 19/01/2019, o seguinte despacho:” Notifique-se a requerente para, em cinco dias, se pronunciar, querendo, quanto à dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e da inquirição de testemunhas, nos termos propostos pela requerida.”
Em 25/01/2019 a requerente pronunciou-se no sentido de não se opor à dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, mas não prescindir da inquirição das testemunhas arroladas, ao mesmo tempo que respondeu às exceções da requerente concluindo pela sua improcedência à semelhança do decidido no processo 694/2014 do CAAD.
Em 31/01/2019 o Tribunal proferiu o seguinte despacho:” Para esclarecimentos, tramitação processual e inquirição das testemunhas arroladas e a apresentar pela requerente, designo o dia 21 de Fevereiro próximo, pelas 10,30horas”.
Em 05/02/2019 a requerida manifestou a sua oposição à inquirição das testemunhas, por considerar estar-se em presença de uma ato inútil, proibido por lei, conforme artigo 130º do CPC .
Em 06/02/2019 o Tribunal proferiu o seguinte despacho:” Face ao requerimento de 05/02/2019 da ATA, o Tribunal, tendo em vista as disposições contidas nas alíneas c), d), e) e f) do artigo 16º e nº 1 do artigo 19º ambos do RJAT, decide manter as diligências constantes do despacho de 31/01/2019, para o dia 21 do corrente pelas 10,30Horas, considerando ainda que as referidas diligências não se esgotam com a inquirição de testemunhas”
Em 21/02/2019 a requerente invocando razões de saúde solicitou o adiamento da inquirição das testemunhas por 5 dias, pedido que o Tribunal deferiu, remarcando a diligência para o dia 28/02/2019, pelas 14,30 horas.
No dia 28/02/2019 procedeu-se à inquirição das testemunhas tendo a requerente prescindido da audição do Senhor C... e, antes do início da diligência, o Tribunal pediu esclarecimentos sobre o montante indicado pela requerente para o valor da causa, sendo o mesmo corrigido para 33 549,75, sem oposição das partes.
Convidou-se a requerida a pronunciar-se sobre as alegações da requerente relativamente à exceções, declarou manter tudo o que tinha dito oportunamente na sua resposta.
As testemunhas foram ouvidas sobre os quesitos previamente acordados, respondendo às questões postas pelas partes. Finalmente as partes, com a concordância do Tribunal prescindiram da produção de alegações orais ou escritas.
O processo não enferma de nulidades considerando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – Questões a dirimir:
a) Verificar e declarar ou não a procedência das exceções invocadas pela requerida e retirar as respetivas consequências.
b) Em caso de improcedência das execeções verificar se as liquidações em causa sofrem de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito, invocados pela requerente e consequentemente anuladas, ou se, pelo contrário, deverão ser mantidas na ordem jurídica como pretende a requerida por não sofreren dos erros invocados.
2 - Matéria de Facto:
A matéria de facto considerada relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) A requerente tem com atividade principal “Restaurantes CAE 56107” e secundária” Bares CAE 56302”, pelas quais se encontra coletada em IRC regime geral e IVA regime trimestral, pelo serviço de finanças de Oeiras ... .
b) A ação inspetiva teve origem na ordem de OI2017... de 25 de Maio de 2017 da DF de Lisboa, com vista ao controlo do setor de cafetaria e Restauração, relativamente ao ano de 2014, em sede de IRC e IVA.
c) As liquidações de IRC e de IVA e respetivos juros compensatórios aqui impugnadas resultam do referido procedimento inspetivo conforme notas de liquidação juntas aos autos, notificadas à requerente em 19 de Junho de 2018.
d) Do referido procedimento resultou que a ATA procedeu à fixação, por métodos indiretos, da matéria tributável de IRC e de IVA das quais resultaram as liquidações já referidas e aqui postas em crise.
e) Relativamente às matérias tributáveis fixadas nos termos expostos, a requerente não fez prova de ter apresentada qualquer pedido de revisão das matérias tributáveis fixadas e já referidas.
f) A prova testemunhal apresentada limitou-se a reproduzir o argumentado nos quesitos indicados para se pronunciarem, sem trazer nada de novo à respetiva argumentação.
A matéria de facto dada como provada, resulta dos documentos juntos aos autos com o pedido, do processo administrativo, bem como das posições das partes, não existindo controvérsia quantos aos mesmos. O Tribunal recolhe dos factos alegados pelas partes aqueles que considera importantes para apreciação e decisão da causa (artigo 16º alínea e) e artigo 19º, ambos do RJAT, nº 2 do artigo 123º do CPPT e artigo 596º do CPC).
Não consideramos haver factos com relevo para a decisão a proferir que se devam considerar como não provados.
2– Matéria de Direito
A questão a dirimir em primeiro lugar é saber se a exceção de incompetência material do Tribunal, suscitada pela requerida, na sua resposta, é ou não procedente, tendo em conta, as disposições contidas no nº 1 do artigo 608º do CPC, que se transcreve “Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica”.
A requerente pronunciou-se sobre esta questão e considerou que a exceção deverá ser declarada improcedente, uma vez que a questão submetida ao Tribunal é a liquidação que é um ato definitivo e que os atos praticados na ação inspetiva foram oportunamente contestados pela requerente, improcedendo então a sua argumentação, pelo que o que está em causa nos presentes autos não são os atos que conduziram à determinação da matéria coletável, mas a própria matéria coletável, matéria não excluída da jurisdição do CAAD. Em reforço do seu ponto de vista faz referência ao decidido sobre matéria semelhante no Pº 694/2014 do CAAD.
Como já se viu a requerida não contra alegou, declarando que matinha tudo o que tinha dito na sua resposta.
A competência do Tribunal é um pressuposto processual e dela depende a possibilidade e o dever de se pronunciar sobre a procedência ou improcedência do pedido, sendo uma condicionante à apreciação do mérito da ação, deste modo, para que se possa pronunciar sobre o mérito da questão forçoso é que tenha competência para o efeito.
Dispõe o artigo 13º do ETAF , aplicável ex vi artigo 29º nº1 do RJAT que se transcreve: “O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”. Por sua vez, o artigo 96º alínea a) do CPC, determina a incompetência absoluta do Tribunal a infração das regras de competência em razão da matéria, podendo a mesma ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal.
A incompetência absoluta do Tribunal constitui uma exceção dilatória, que obsta a que o mesmo conheça do mérito da causa e a consequente absolvição da instância, sendo do conhecimento oficioso (artigos 577º alínea a), artigo 576º nº 2 e artigo 578º todos do CPC).
A competência dos Tribunais Arbitrais resulta das disposições contidas nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, impondo o legislador uma vinculação prévia da ATA (nº 1 do artigo 4º do RJAT), ocorrendo essa vinculação através da portaria 112-A/2011 de 22 de Março.
Da alínea b) do artigo 2º da referida Portaria, que se transcreve:” Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão” resulta a desvinculação da ATA à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, referente a atos de determinação da matéria coletável por métodos indiretos, como é o caso em apreço.
Embora a requerente refira no pedido e nas alegações que pretende a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e IVA, não concretiza qualquer vício nas liquidações em questão, antes se debruça sobre os atos inspetivos, nomeadamente a margem bruta de 55,57% utilizada pelos mesmos, não concorda que não tenham tido em conta, pelo menos, uma taxa de 15% para compensar o fornecimento de refeições aos seus empregados e quebras e desperdícios, juntando o acórdão 6332/13- CT – 2º Juízo de 11/07/2014 do TCA Sul, no qual foi considerada essa percentagem. Mas tudo isto se reporta a atos a montante das liquidações que pretende ver anuladas, portanto a atos que levaram ao apuramento das matérias coletáveis em sede de IRC e IVA por métodos indiretos e que foram suporte das referidas liquidações.
Mesmo que se entendesse que a alínea b) do artigo 2º da Portaria 112-A/2011 de 22 de Março não afasta a apreciação pelos Tribunais Arbitrais de atos de liquidação que tenham na sua base o recurso a métodos indiretos, sempre seria necessário o uso do mecanismo de revisão da matéria tributável previsto no artigo 91º da LGT , condição de impugnação, conforme dispõe o nº 5 do artigo 86º da mesma LGT, que no caso em apreço não ocorreu.
Na verdade, o que está aqui em causa é a determinação da matéria coletável por métodos indiretos em sede de IRC e IVA do ano de 2014, que produziram as liquidações respetivas e aqui em crise.
Ora, considerando que a ATA não se vinculou à jurisdição arbitral, em matéria de métodos indiretos, tal facto impossibilita o Tribunal de decidir o presente litígio, uma vez que estamos perante a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.
Fica também prejudicada, por desnecessário, a apreciação da exceção da impropriedade do meio processual.
IV – DECISÃO
Face ao exposto o Tribunal declara:
a) Procedente a exceção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria.
b) Absolver a requerida da instância.
c) Fixar o valor do processo em € 33 549,75 considerando as disposições contidas nos artigos 299 nº 1 do CPC, 97º-A do CPPT e 3º nº 2 do RCPAT e conforme ficou acordado, na reunião de 28/20/2019.
d) Fixar o montante das custas, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, em €1 836,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da requerente.
Notifique,
Lisboa, 22 de Março de 2019
O árbitro singular,
Arlindo Francisco