Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 379/2018-T
Data da decisão: 2019-03-11  IVA  
Valor do pedido: € 28.307,07
Tema: Faturas – Requisitos – Direito à dedução em IVA.
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Decisão Arbitral

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A..., LDA., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ... ..., ...-... Lisboa (adiante abreviadamente designada por «REQUERENTE»), vem, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT-Regime Jurídico de Arbitragem Tributária), de 20 de janeiro, requer a constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade dos atos de liquidação de IVA (i) n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018...; (ii) dos atos de liquidação de juross 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018...; (iii) e, bem assim, dos correspondentes atos de demonstração de acerto de contass 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., ascendendo ao valor global de €28 307,07.
  2. O pedido de constituição do Tribunal foi aceite e , em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por despacho de 2018/09/28, designou como árbitro o signatário, tendo sido aceite o encargo no prazo legalmente estabelecido.
  3. As partes foram devidamente notificadas da designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  4. A Requerente optou por não designar árbitro e, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 19/10/2018.
  5. Por despacho de 25/11/2018, uma vez que não havia necessidade de apreciar exceções nem de prova adicional, foi dispensada a reunião prevista no art.º 18º do RJAT, sendo as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, o que fizeram.
  6. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar e decidir o objeto do processo.
  7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e possuem legitimidade, de conformidade com o que está previsto nos artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112/A/2011, de 22 de março.
  8. Não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito do pedido e o processo não enferma de nulidades, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

Do pedido

 

  1. A Requerente, no seu pedido, solicitou a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos atrás referidos atos tributários de liquidação de IVA, praticados em consequência das correções promovidas após procedimento inspetivo de âmbito parcial realizada sobre o IVA e o IRC, com referência aos exercícios de 2014 e 2015.
  2. Através do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente contesta os atos tributários na parte em que os mesmos são consequentes da correção realizada ao IVA dedutível dos exercícios de 2014 e de 2015, ou seja, na parte em que tais atos traduzem a desconsideração do «… IVA mencionado em duas faturas emitidas, uma em cada ano, nos montantes de €6.014,50 e de €10.005,00».
  3. O que a Requerente contesta é a “correção que foi sustentada no entendimento de que apenas pode considerar-se dedutível o IVA mencionado em faturas que cumpram todos os requisitos formais prescritos pelo artigo 36º, nº 5, Código do IVA, requisitos que os Serviços de inspeção Tributária consideraram não se encontrar verificados no caso vertente, em virtude de os descritivos das faturas emitidas pela sociedade B..., LDª. não serem suficientemente específicos”.
  4. Porém, a REQUERENTE entende que a correção realizada assentou em erro sobre os respetivos pressupostos de direito, “na medida em que atribuiu aos referidos artigos 19º e 36º do Código do IVA um alcance que, no caso concreto, não só se revela desconforme com o Direito da União (tal como este vem sendo interpretado e fixado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, «TJUE»), como, bem assim, colide com a jurisprudência que tem vindo a ser firmada por esta instância arbitral”.
  5. A questão decidenda submetida ao presente Tribunal Arbitral delimitar-se-á, singelamente, em torno de saber se os invocados artigos 19º, nº 2, alínea a), e 36º, nº 5, do Código do IVA, permitem (ou não) a realização da correção promovida na esfera da REQUERENTE, tendo presente a ratio e os objetivos estruturais prosseguidos por tais normas legais no contexto jus-comunitário de apuramento do IVA”.
  6. Há que ter em conta quer a jurisprudência nacional  quer a jurisprudência do Tribunal de Justiça da EU, onde se tem vindo a admitir que o incumprimento formal prescrito para a emissão de faturas não é suscetível de prejudicar liminarmente o exercício do direito à dedução do imposto por parte do adquirente, devendo permitir-se  que a omissão possa ser posteriormente colmatada com a comprovação dos requisitos de que depende o exercício de um tal direito à dedução através dos meios probatórios ao seu dispor.
  7. Esta jurisprudência impõe à AT que, uma vez demonstrados os pressupostos materiais de que depende o exercício do direito à dedução do IVA por parte do respetivo adquirente dos bens ou serviços, reconheça e admita o exercício do direito à dedução.
  8. Com efeito a Requerente, apesar do caráter genérico dos descritivos constantes das faturas em causa, logrou juntar “ao procedimento de inspeção uma descrição detalhada dos serviços prestados pelas entidades (e implícitos nas faturas por ela emitidas), bem como centenas de documentos comprovativos da sua realização e conteúdo”.
  9. Por conseguinte, “tendo os Serviços de Inspeção Tributária procedido de forma diversa (i.e., entendendo que não obstante os elementos apresentados pela REQUERENTE em sede inspetiva, o disposto nos artigos 19º, nº 2, alínea a), e 36º, nº 5, do Código do IVA, prejudicava liminarmente o direito à dedução exercido pela REQUERENTE), os mesmos incorreram em erro sobre  pressupostos de direito, inquinando a correção realizada ao IVA dedutível dos exercícios de 2014 e 2015 e, nessa medida, os atos praticados ao seu abrigo padecem do vício de ilegalidade que o Tribunal deve declarar”.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por seu turno, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou Resposta onde defende a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral.  

  1. Considera que “as faturas emitidas…não respeitam as exigências formais taxativamente previstas nas alíneas 6) do Art.º 226.º da Directiva IVA, e b) do n.º 5 do Art.º 36.º do CIVA, por insuficiência de elementos obrigatórios do conteúdo das faturas, mormente os descritivos da prestação de serviços com a menção lacónica de “Outros trabalhos” e “Apoio Logístico”.
  2. Assim, as prestações de serviços faturadas à Requerente são tituladas por documentos que não contém a discriminação dos serviços concretamente prestados, as quantidades unitárias e os seus totais, não podendo ser considerados para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA.
  3. Contrariando a Requerente, considera que a correção em apreço não está fundamentada por uma mera exigência formalista, mas por um verdadeiro requisito de substância inerente à necessidade de comprovação da dedutibilidade do IVA suportado com as prestações de serviços faturadas, pois faltando as referidas menções na fatura, a AT não pode saber a que prestações de serviços as faturas respeitam concretamente. 
  4. Logo, impunha-se à Requerente que tivesse feito prova das condições substantivas exigíveis para o exercício do direito à dedução (o ónus da prova das condições substantivas do direito à dedução recai sobre o sujeito passivo, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT), o que não se verificou.
  5. Acresce que, a prova carreada pela Requerente em sede de exercício do direito de audição, e sob o qual se escora no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral, não permite corroborar as conclusões que aquela extrai daqueles documentos nem permite demonstrar os serviços prestados.
  6. Desde logo, as faturas emitidas não contêm os elementos previstos nos referidos normativos legais, não permitindo validar e justificar os serviços que foram elencados pelo Requerente, nomeadamente se foram faturados, por que valores, quantidades unitárias e respetivos valores unitários.
  7. Tais elementos possuíam uma importância fulcral com vista a apurar se os valores totais que se encontram evidenciados nas faturas correspondem aos serviços que a Requerente alega terem sido prestados.
  8. Por outro lado, o serviço adquirido à B... é faturado uma única vez durante o ano e refere-se ao serviço prestado no ano anterior.
  9. Consultados os documentos de contabilidade da sociedade emitente das faturas, designadamente os extratos da conta corrente, apurou-se que as faturas referentes a 2014 e 2015, foram registadas na contabilidade como tendo sido pagas de uma só vez em dinheiro.
  10. Acresce ainda que, a Requerente não apresentou, apesar do manancial de documentação que juntou, prova da efetividade dos serviços prestados em face das incongruências detetadas em sede do procedimento inspetivo, por não conter informação complementar relevante às faturas, ficando a Requerida impossibilitada de aferir os elementos adicionais necessários a verificar os requisitos substantivos relativos ao exercício do direito à dedução.
  11. Assim, não contendo as faturas emitidas a descrição correta dos serviços prestados, bem como o respetivo preço, quantidade e data da sua execução, e não possuindo a Requerente uma conta bancária escriturada na contabilidade de pagamentos, em dinheiro, de valores materialmente relevantes, não permitem à Requerida o controlo das faturas, designadamente ao nível da dedução do IVA bem como à correta imputação dos gastos a cada exercício.
  12. Por isso…, conclui-se, de forma clara e evidente a insuficiência de discriminação dos serviços efetivamente prestados nas faturas emitidas nos termos do disposto no art.º 36.º do CIVA, a qual obsta ao controlo dos pressupostos substantivos do direito à dedução do imposto, previstos nos art.º 19.º e 20.º do mesmo diploma legal.
  13. Atento o exposto, o pedido arbitral não merece provimento, até tendo em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça no mesmo sentido quando aplicada ao caso concreto.

 

Foram apresentadas alegações escritas pelas partes, nas quais reiteraram, no essencial, as posições e fundamentos que haviam defendido nos respetivos articulados iniciais.

 

 

II. SANEAMENTO DO PROCESSO    

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6º, n.º 1, do RJAT. 
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).   
  3. O processo não enferma de nulidades nem há quaisquer exceções a apreciar, pelo que cumpre decidir.

 

III FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

 

Fatos provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas registada para o exercício da atividade de “outras atividades de Saúde Humana” - CAE 086906, desde 1998-01-02;
  2. O seu objeto social, conforme Registo de 2107, consiste na “prestação de serviços de informação para a saúde, colóquios, conferências e publicações, medicina no trabalho, atividades de segurança, higiene e saúde no trabalho”.
  3. A Requerente nunca solicitou o reembolso de IVA que consta nos registos a seu favor, por desconhecimento.
  4. A Requerente foi sujeita a uma ação de inspeção de caráter externo, de âmbito parcial, em sede de IVA e IRC, com início em 2017/09/21, tendo-lhe sido notificado o Relatório Final em 2018/03/20, através do Ofício nº... do Serviço de Inspeção Tributária de Lisboa.
  5. No que diz respeito ao IVA, segundo o RI, constatou-se que o sujeito passivo se declara isento de IVA pela atividade clínica, e sujeito a tributação pela prestação de serviços, entre outros, os referentes a segurança no trabalho e publicação de artigos médicos semanais em revistas, e telenovelas.
  6. Não obstante a atividade desenvolvida gerar operações ativas isentas e tributadas em IVA, a Requerente deduziu o imposto que lhe é faturado pela totalidade, sem observância do disposto no artigo 23º do Código do IVA e, por consequência, o disposto no artigo 20º, nº 1 do mesmo diploma legal.
  7. Nos anos de 2014 e 2015, os valores deduzidos ascenderam respetivamente a € 7 711,17 e a € 11 133,35;
  8. Estes valores de imposto deduzido dizem respeito também às duas faturas em apreciação no presente processo, emitidas por B..., LDª, no valor de €6 489, 57, e €10 265,16, respetivamente, sendo o restante valor referente ao IVA constante de outras faturas de aquisição de consumíveis tais como água, eletricidade e telecomunicações entre outros.
  9. As faturas em causa dizem respeito aos serviços prestados durante todo o ano de 2013 e 2014, e têm o nº 112, de 10/01/2014, no valor de € 26 150,00, IVA liquidado de € 6 014,50, com o descritivo “Outros trabalhos”; e o nº 230, de 29/01/2015, com o montante global de € 43 500,00, e IVA liquidado de € 10 005,00, com o descritivo apoio logístico” (pág. 51/113 e pág. 52/113, do Anexo I ao Relatório).
  10. A Requerente escriturou as referidas faturas como tendo sido pagas em numerário, de uma só vez, creditando a conta 111 -"Caixa" e debitando as contas 243222 -"IVA deduzido" e 281 - "Gastos a reconhecer" (Anexo 2-pág 60 e 70/113).
  11. Segundo o Relatório de Inspeção junto ao PA, “a contabilidade da C... releva na sua escrituração o registo de diversas faturas, de montantes consideráveis, emitidas pela sociedade B..., LD.ª.

As faturas identificadas têm datas compreendidas entre 2013 e 2016 e descritivos genéricos como "Apoio logístico", “Outros trabalhos" e “Contabilidade e gestão".

Face a esta situação, o sócio gerente da C... foi notificado para justificar e identificar os serviços adquiridos, bem como os correspondentes valores, e documentos justificativos do pagamento das respetivas faturas.

Na resposta … o sujeito passivo enumerou, conforme Anexo 4, serviços na área da consultadoria, apoio e investigação em vários projetos, tais como, entre outros:

- Artigos de Educação para a Saúde para as empresa-cliente: D..., Lda (Grupo E...: Revistas em papel e online Telenovelas e TV ...).

- As atividades de educação para a saúde integraram também as atividades na F..., Lda e G..., SA, com a disponibilização de conteúdos e formatação para materiais de promoção da saúde e segurança nos locais de trabalho.

- Apoio na produção e na revisão em continuidade de documentos técnicos, participando, também na elaboração de sumários executivos dos projetos e à estratégia e consultoria documental para o processo de acreditação da G..., SA, pela Direção Geral de Saúde (DGS).

- Elaboração de cuidados relatórios e assessoria de estratégias de infografia.

- Planificação de projetos de ação nacional de formação dos quadros da G..., SA.

Os pagamentos à B..., Lda eram feitos ao longo do ano, ou pagos de forma faseada e em função do pagamento dos clientes, do crédito acordado e da disponibilidade de pagamento da C... e eram assegurados pelo fundo de caixa que eram geridos pela contabilidade, com acertos de contas em continuidade ou no final do ano.

Todos os serviços de assessoria da B... à C... para aconselhamentos e estratégias no âmbito da Segurança do Trabalho eram contabilizados como créditos para o acerto de contas.

Apesar do sócio da C... ter referido que tipo de serviços eram prestados pela B..., não apresentou qualquer documento que comprovasse de forma discriminada por tipo de  serviço e por valor unitário os serviços que foram prestados, por forma a que se pudesse validar os mesmos e se percebesse a respetiva indispensabilidade para a obtenção dos proveitos.”

  • A AT desconsiderou os valores de IVA que foi deduzido correspondente às duas faturas acima referidas, respetivamente de € 6 014,50 e €10 005,00, montantes que, por terem sido indevidamente deduzidos, foram exigidos através das liquidações agora impugnadas, acrescidos de juros.
  • A Requerente juntou, quer no âmbito do procedimento de inspeção quer no decorreu da presente ação, um CD-Rom contendo diversa informação sobre documentação complementar que invoca ser descritiva de procedimentos e documentos respeitantes às ações desenvolvidas pela B... ao longo dos períodos anuais respetivos, matéria de facto que não foi impugnada pela parte contrária.

 

2. Factos não provados

Não constatam no processo factos relevantes para apreciação da matéria do presente pedido arbitral que se considerem não provados.

 

3. Fundamentação/motivação da decisão da matéria de facto

  1. O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Ademais, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
  3. No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados pelas partes, e que não foram impugnados, e na cópia do processo administrativo instrutor, apresentado pela AT, tendo ainda em conta que nenhuma da matéria de facto alegada foi contestada ou impugnada.
  4. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o que prevê o art.º 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

4. Matéria de Direito

 

Após a fixação dos factos considerados relevantes, cumpre efetuar a delimitação do objeto do pedido formulado no presente processo arbitral, o que a própria Requerente fez expressamente quando diz que “pretende, através do presente pedido de pronúncia arbitral, contestar os atos tributários identificados na parte em que os mesmos são consequentes da correção realizada ao IVA dedutíve/dos exercícios de 2014 e de 2015, ou seja, na parte em que tais atos traduzem a desconsideração do IVA”.

Está em causa o direito à dedução do IVA suportado em duas faturas, atrás devidamente identificadas, cujo descritivo dos serviços prestados é: na fatura nº 112 “Outros trabalhos” e na fatura nº 230 “Apoio logístico”, quantidade 1, não contendo nenhum outro descritivo ou menção referente aos serviços concretamente prestados, tendo ambas sido emitidas, conforme a matéria dada como provada, com referência à totalidade dos serviços prestados durante cada um dos anos em causa. Os pagamentos dos montantes constantes das faturas foram sendo efetuados em várias tranches ao longo do ano, porém, a faturação foi global com os descritivos mencionados.

Só após notificação já no âmbito do procedimento de inspeção o sujeito passivo apresentou informação respeitante aos serviços alegadamente prestados sem imputar em concreto quais deles correspondiam ao valor constante em cada fatura, propondo-se posteriormente complementar a informação em falta através do fornecimento de uma listagem de serviços enquadráveis nas áreas de consultadoria, apoio  a investigação em vários projetos, tais como serviços consubstanciados na preparação de artigos para publicação em revistas semanais; serviços consubstanciados na preparação de comunicações técnico-científicas em formato PowerPoint para apresentações públicas em congressos e outros eventos e reuniões científicas; serviços consubstanciados na elaboração de relatórios de investigação científica; serviços consubstanciados na avaliação de funcionalidades de aplicações e plataformas informáticas; serviços consubstanciados na realização de tarefas várias no âmbito da assessoria de gestão.

Deste modo, a questão em apreciação no presente processo arbitral está centrada na verificação da possibilidade legal de dedução daquele IVA, face às normas aplicáveis de conformidade com o Direito da União Europeia emergente das Diretivas e da jurisprudência dos tribunais comunitários, como sobre a verificação ou não dos requisitos necessários à respetiva dedutibilidade, tendo em conta o disposto nos artigos 226.º da Diretiva do IVA e também os artigos 19.º, n.º 2 alínea, a),  e 36.º, n.º 5, do Código do IVA.

 

 

4.1 Do direito à dedução

 

Pode caraterizar-se o IVA, de forma sumária, como um imposto indireto, com caráter de incidência geral sobre o consumo na medida em que atinge as transmissões de bens e as prestações de serviços, plurifásico porquanto se aplica em todas as operações desde a produção ou importação até ao consumidor final, e não cumulativo na medida em que cada estádio do circuito económico se tributa apenas o valor acrescentado nessa fase, assim se evitando o efeito cumulativo.

Complementa este conjunto de caraterísticas a neutralidade que se traduz na regra de que o IVA não é um elemento do custo para os sujeitos passivos que atuam como arrecadadores de imposto por conta do Estado, e que, por força do mecanismo da dedução, será suportado na totalidade pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico.

Assim, o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto.

O exercício do direito à dedução estabelecido na lei permite ao sujeito passivo excluir do seu encargo o IVA que suportou a montante, eliminando o efeito cumulativo que caracterizava sistemas anteriores de tributação do consumo.

O instituto legal do direito à dedução de imposto, assenta essencialmente no artigo 19.º do Código do IVA, no qual se prevê como regra geral do imposto, sem prejuízo das exceções ou limitações expressamente previstas, que “para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram…”. Ou seja, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respetivas faturas deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Igual determinação decorre do 2.º parágrafo, do n.º 2 do artigo 1.º da DIRECTIVA 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 que estabelece que: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”.

Para efeitos de dedução do IVA utiliza-se o método indireto subtrativo, ou seja, procede-se à dedução de imposto a imposto. Nas faturas de determinado período deduz-se ao imposto liquidado nas vendas o imposto suportado nas aquisições do mesmo período, independentemente da venda dos bens a que respeita o imposto deduzido.

Porém, o direito não  é linear e nos artº.s 19º a 25º do CIVA, encontramos quais as regras a observar para o exercício do direito à dedução do imposto, fixando a lei requisitos de natureza objetivos, os ligados ao tipo de despesas, os requisitos de natureza subjetiva, relativos ao sujeito passivo, e os requisitos de ordem temporal, que têm a ver com o período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, sendo de verificação cumulativa no momento do exercício do direito à dedução.

Realça-se que os requisitos objetivos do exercício do direito à dedução do IVA são os que respeitam ao imposto suportado, o qual deve constar de fatura passada na forma legal, com observância dos termos gerais estipulados no atual artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA, de se tratar de IVA português, e os que respeitam igualmente a uma despesa, que por si, confira o direito à dedução do imposto.

Como requisitos de natureza subjetiva para o exercício do direito à dedução do imposto exige-se, nomeadamente, que os bens e serviços devam estar diretamente conexionados com a realização de atividades económicas tributáveis, o que significa que o direito à dedução não existe quando os inputs se destinam a operações isentas ou situadas fora do campo de incidência do IVA, como determinam quer o art.º 20º, nº 1, alínea a) do CIVA e o próprio art.º 168º da DIVA.

Sobre os requisitos formais para o exercício do direito à dedução vigora a determinação do artigo 178º, alínea a) da DIVA que estabelece que o sujeito passivo "... deve possuir uma fatura em conformidade com os artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º".

Atentas estas disposições constatamos que a importância formal do documento de suporte no IVA, é diferente da que vigora nos impostos sobre o rendimento.

A propósito dos elementos que devem constar das faturas, devemos ater-nos ao artigo 226.° da DIVA e ao art.º 36º, nº 5 do Código do IVA

O primeiro destes normativos estabelece:

Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente directiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.° e 221.° são as seguintes:

1) A data de emissão da factura;

2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a factura de forma unívoca;

3) O número de identificação para efeitos do IVA, [...], ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;

4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário [...];

5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário;

6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços

prestados;

7) A data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços

[...];

8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem

como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço

unitário;

9) A taxa do IVA aplicável;

10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o

qual a presente diretiva exclua esse tipo de menção.”

Por seu turno o n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, que no essencial replica as normas do art.º 226º da Diretiva, quanto aos elementos que devem estar contidos nas faturas, diz:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável;(...)

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.”

Citando o decisão proferida no Procº nº 716/2016-T, “Decorre, portanto, destas disposições, aliás, conforme sufragado no âmbito do Processo C-368/09, de 15 de Julho de 2010, do TJUE, que “não é legítimo aos Estados Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das faturas que não estão expressamente previstos nas disposições da DIVA. Esta interpretação é igualmente corroborada pelo artigo 273º desta diretiva, que prevê que os Estados Membros podem impor obrigações que considerem necessárias para assegurar a exata perceção do IVA e para evitar a fraude, mas que esta faculdade não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas, designadamente, no artigo 226º da referida diretiva”.

Isto significa, conforme jurisprudência do TJUE, embora esta disposição permita aos Estados membros adotar determinadas medidas, que estas não deverão, todavia, ir para além do que é necessário para atingir esse fim e não poderão, por isso, ser utilizadas de tal forma que ponham sistematicamente em causa o direito à dedução do IVA, que é um princípio fundamental do sistema comum do IVA.

Com efeito, o princípio da efetividade exige que as legislações nacionais, bem como os procedimentos administrativos adotados pelos Estados membros não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício de direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária. Neste sentido se pronunciou o TJUE, no Acórdão proferido no processo C-25/03, que “(…) é jurisprudência assente que a exigência, para o exercício do direito à dedução, de outros elementos na fatura para além dos enunciados no artigo 22º, nº 3, alínea b), da Sexta Diretiva deve ser limitada ao necessário para assegurar a cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e a sua fiscalização pela Administração Fiscal. Além disso, esses elementos não devem, pelo seu número ou tecnicidade, tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução (Acórdão de 14 de Julho de 1988, Jeunehomme e EGI, 123/87 e 330/87, Colect. P. 4517, n.º 17).

Outrossim, as medidas que os Estados membros têm a possibilidade de tomar, nos termos do n.º 8 do artigo 22.º da mesma Diretiva, para garantir o exato recebimento do imposto e evitar a fraude não devem exceder o necessário para atingir aqueles objetivos. Não  poderão por isso ser utilizadas de forma que ponham em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação comunitária na matéria (acórdãos de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C110/98 a C147/98, Colect., p.I1577, n.º 52, e de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C454/98, Colect., p. I6973, n.º 59).”

Assim, no âmbito da jurisprudência enunciada, colocou-se sempre o problema de saber em que circunstâncias os vícios formais da fatura deverão por em risco o direito à dedução do imposto existente no plano da relação material subjacente, considerando especialmente a importância do princípio da neutralidade na aplicação do IVA.

Ora, nos processos supra enunciados, que aliás não esgotam a análise da questão relativa ao conteúdo das faturas no domínio da aplicação do IVA, resulta um entendimento uniforme que associa os requisitos formais das faturas às finalidades de cobrança do imposto e da sua efetiva fiscalização pela Administração Fiscal dos Estados membros, admitindo-se a tese de que a existência de vícios formais não determina por si só e automaticamente a negação do exercício do direito à dedução.

Com efeito, a este respeito cita-se a afirmação proferida pelo Advogado-Geral Sir Gordon Slynn segundo o qual “uma fatura que preencha as condições constitui o título de acesso ao direito à dedução, sob reserva da administração fiscal vir a demonstrar posteriormente que é falsa; se a fatura não preenche as condições, pode acontecer que o sujeito passivo esteja em condições de provar a existência da transação e que o seu fornecedor tenha declarado o imposto pago a montante, mas se a fatura está incompleta num aspeto essencial, cabe ao sujeito passivo fazer prova do seu direito à dedução.”

Por conseguinte, seguindo a referida jurisprudência, para que os vícios formais ponham em causa o exercício do direito à dedução é necessário que se encontre afastada a capacidade de correta cobrança do imposto e de fiscalização, de tal modo que a AT não estaria em condições de conhecer a realidade material subjacente em face dos elementos de prova carreados para o processo pelo sujeito passivo.”

Não foram postos em causa pela Requerida a verificação nem dos requisitos de natureza objetiva nem dos requisitos de natureza subjetiva.  A questão decidenda deve conter-se, por conseguinte, na verificação da observância ou não dos requisitos formais das faturas emitidas pela empresa B..., LD.ª, como pressuposto essencial do direito à dedução do IVA suportado pela Requerente, e se essa conformidade formal respeita o que decorre da interpretação conjugada da alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA, do n.º 5 do artigo 36.º do mesmo Código, e do disposto no artigo 226.º da DIVA.

A AT alega  para além do mais que, “ … à luz do regime jurídico explanado, afigura-se que as faturas emitidas pela sociedade B... não respeitam as exigências formais taxativamente previstas nas alíneas 6) do Art.º 226.º da Diretiva IVA, e b) do n.º 5 do Art.º 36.º do CIVA, por insuficiência de elementos obrigatórios do conteúdo das faturas, mormente os descritivos da prestação de serviços com a menção lacónica de “Outros trabalhos” e “Apoio Logístico”.

Na verdade as faturas, segundo a AT, não contendo “a descrição correta dos serviços prestados, bem como o respetivo preço, quantidade e data da sua execução, e não possuindo a Requerente uma conta bancária escriturada na contabilidade e pagamentos em dinheiro de valores materialmente relevantes, não permitem à Requerida o controlo das faturas, designadamente ao nível da dedução do IVA bem como à correta imputação dos gastos a cada exercício”.

Logo, “a emissão de faturas por parte da B... com a menção genérica de “Apoio logístico” ou “Outros Trabalhos” sem observância dos requisitos legais previstos no nº 5 do artigo 36º do CIVA, não permite aceitar a dedução do correspondente IVA por força do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 19º do CIVA, não sendo possível validar a indispensabilidade dos serviços mencionados nas faturas, o tipo de serviços que foi prestado, a quantidade de horas e o valor unitário”.

Ao contrário, a Requerida alega que embora as faturas tenham um descritivo demasiado genérico, todavia, com a informação complementar fornecida aquando do exercício do direito de audição no âmbito do procedimento, a AT ficou de posse de todos os restantes elementos que lhe permitem controlar e fiscalizar a liquidação do imposto.

Da matéria dada como provada consta-se que no exercício do direito de audição a Requerente entregou à AT documentação que pretendia ser a justificação dos serviços prestados.

Na verdade, observando as faturas cujas cópias se encontram juntas ao PA confirma-se que, como entende a AT, as menções de “apoio logístico” e “ outros trabalhos”, são demasiado genéricas, vagas e insuficientes para precisar quais os serviços que efetivamente foram prestados, em que momentos a prestação do serviço ocorreu, por forma a com segurança validar a liquidação de imposto. Todavia ambas as faturas indicam que se trata de uma prestação de serviços.

Mas serão estas alegações suficientes para impedir o exercício do direito à dedução do imposto suportado?

O art.º 19º do CIVA apenas permite a dedução do imposto constante de “faturas passadas na forma legal”, sendo o nº 5 do art.º 36º a norma que define quais os elementos que as faturas devem conter, considerando-se emitidas na forma legal as que contenham, além de outros elementos, a quantidade e denominação usual dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, bem como a data em que os serviços foram realizados.

Isto não é inteiramente coincidente com a Diretiva IVA, que no seu artigo 226.º, exige que das faturas conste, obrigatoriamente, além do mais, “a extensão e natureza dos serviços prestados”, e “a data em que foi efetuada, ou concluída (…) a prestação de serviços”.

Acompanhando o entendimento do Acórdão proferido no Procº 411/2014-T, que por sua vez reflete a jurisprudência das decisões do TJUE, constata-se que “…como se apura, contrastando os dois segmentos normativos apontados, a norma nacional opera uma transposição imperfeita da norma comunitária, já que, ao contrário desta, não distingue, quanto ao tipo de menção a apor na fatura ou documento equivalente, entre bens e serviços. Efetivamente, enquanto que a norma comunitária refere que os bens envolvidos na transação faturada deverão ser mencionados, para além da sua natureza, pela sua quantidade, e que os serviços deverão ser mencionados pela sua extensão, a norma nacional dispõe que quer uns quer outros (bens e serviços) deverão ser mencionados pela sua denominação usual e quantidade.

Esta distinção, contudo, deverá considerar-se suficiente para que se conclua que, pelo menos, o conceito de quantidade empregue pela norma da al. b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA não poderá assumir o mesmo sentido quando estejam em causa bens e quando estejam em causa serviços.

De facto, enquanto os primeiros, pela sua natureza material, serão sempre, por definição, diretamente mensuráveis, os serviços nem sempre o serão. Daí que a DIVA tenha utilizado termos diferentes no que diz respeito a um e a outro objeto das transações sujeitas a IVA.

Por fim, e ainda no que diz respeito aos fatores interpretativos a ter em conta ter-se-á ainda que notar que quer a norma comunitária, quer a norma nacional, não referem que a menção descritiva dos bens ou serviços haja de ser precisa ou específica. Pelo contrário: os termos empregues (“natureza”, “denominação usual”), remetem diretamente para expressões genéricas que, englobando as concretas operações praticadas, se apliquem a uma diversidade de operações afins, que com elas partilhem a “natureza” ou sejam suscetíveis de ser abrangidas pela mesma denominação usual.

Não se poderá deixar de ter aqui em conta, por um lado, a especificidade do IVA, que leva a que o mesmo intervenha em praticamente todas as transações económicas que se concretizam no espaço europeu, pelo que, naturalmente, na conceção do respetivo regime legal se terá tido a preocupação de não criar formalismos, para lá dos estritamente necessários, que entorpeçam a operacionalidade e a capacidade de atuação dos agentes económicos. Para o que ora importa, esta preocupação refletir-se-á, além do mais, na admissibilidade de que aqueles empreguem no descritivo das respetivas faturas, expressões que, identificando de uma forma genérica os bens ou serviços fornecidos, sejam suscetíveis de ser utilizadas repetitivamente, de modo a minimizar o trabalho burocrático (e, necessariamente, entorpecedor da atividade económica) necessário ao cumprimento da obrigação tributária acessória que ora nos ocupa.

Por outro lado, e ainda no sentido da deliberada aceitação da generalidade dos termos descritivos a empregar na menção obrigatória relativa aos bens ou serviços prestados em operações sujeitas a IVA, dever-se-á considerar também a já detetada funcionalização da exigência formal em questão, às necessidades de fiscalização e controlo pela AT.

Esta circunstância, deverá ser devidamente conjugada, por via do elemento sistemático, com o nível de abstração empregue pela própria regulamentação do imposto em questão. Com efeito, ao longo do próprio CIVA e respetivos anexos, os diversos tipos de serviços são descritos sempre de forma mais ou menos abstrata, tendo em conta, justamente, a sua “natureza” ou “denominação habitual”, em função da relevância que têm para o respetivo regime legal”.

Neste seguimento, é pacífico o entendimento de que o incumprimento ou o deficiente cumprimentos das regras estabelecidas nas normas em questão sobre os elementos que devem constar nas faturas, por serem de natureza formal, não implicam necessariamente o afastamento do direito à dedução ou mesmo ao reembolso.

Desde que as faturas permitam à AT aperceber-se da realidade material subjacente à prestação de serviços documentada e em relação a ela possa exercer os seus poderes de fiscalização, determinar a taxa e proceder à cobrança, não é possível afastar o exercício do direito. Segundo a jurisprudência quase unânime do TJUE “ o art.º 178º, alínea a), da DIVA,  deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples fato de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo art.º 226, nº 6 e 7º, sempre que as autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos”.

Desta reiterada jurisprudência se depreende que a substância prevalece sobre a forma, e esta realidade só pode ser afastada quando a omissão, falta ou insuficiência de elementos impeça a verificação dos requisitos substanciais tendo em vista o controlo do imposto. O que significa que as faturas com falta de requisitos formais podem ser complementadas com informação que forneça elementos concretos possibilitadores do controlo do IVA, sanando-se os eventuais vícios formais.

Vem provado que a Requerida entregou à AT, ainda no âmbito do procedimento de inspeção uma listagem e informação detalhada sobre as operações subjacentes que permitem entender com mediana clareza qual a verdade material subjacente às faturas.

A mesma informação foi entregue ao Tribunal e da respetiva leitura é possível afirmar-se de forma consensual, até, que se conhece a natureza diversificada da prestação de serviços, não se considerando, por outro lado, inapropriado afirmar que a seria bastante difícil discriminar por fatura os trabalhos efetuados. Isso poderia constituir um encargo burocrático que não pode ser impeditivo do exercício do direito, atento o princípio de neutralidade do imposto.

Daí que o TJUE venha reafirmando reiteradamente que na transposição da DIVA para o direito nacional não podem as autoridades fiscais incluir normas ou procedimentos que obstaculizem ao exercício do direito de dedução, as chamadas normas burocráticas.

Veja-se a este propósito a decisão tomada no Processo C-368/09, de 15 de Julho de 2010, “não é legítimo aos Estados Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das faturas que não estão expressamente previstos nas disposições da DIVA. Esta interpretação é igualmente corroborada pelo artigo 273º desta diretiva, que prevê que os Estados Membros podem impor obrigações que considerem necessárias para assegurar a exata perceção do IVA e para evitar a fraude, mas que esta faculdade não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas, designadamente, no artigo 226º da referida diretiva”.

 

 

  1. Do caso concreto

 

Como resulta da matéria provada, a Requerente entregou uma panóplia de informação com a pretensão de suprir a omissão dos elementos expressamente exigidos pelo art.º 36º, nº 5 do CIVA, e que não constam das duas faturas.

Todavia, é compreensível que, ainda assim, com toda essa informação, a AT possa invocar a impossibilidade de controlar o IVA liquidado e deduzido.

Na verdade, como se viu, se alguns vícios decorrentes da omissão ou insuficiência da informação a constar das faturas podem ser supridos por informação complementar, todavia, ela deve incluir necessariamente os elementos que permitam o controlo sobre o serviço prestado, sobre a localização, sobre o tempo a que respeita e qual a quantidade e a quem foi prestado. Como decidiu o STA, “no âmbito do contrato de prestação de serviços as partes usarão do rigor que lhes aprouver, no que à medição diz respeito, mas para obterem a dedução do imposto sobre o valor acrescentado faturado as faturas hão-de permitir reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo” (Ac. STA, Proc. 1141/2016, de 04/10/2017).

Na informação complementar entregue pela Requerente apura-se a natureza da ou das prestações de serviços ao longo dos períodos anuais, mas, ainda assim, a informação complementar não permite determinar quais os serviços  que concretamente estão faturados, qual o valor que corresponde a cada prestação ou ao conjunto de prestações  em determinado período, qual o valor que está a ser faturado e que lhe corresponde, ou seja, quais os serviços isentos e quais os serviços tributados.

Podemos conceder que a Requerente atingiu o objetivo de suprir o vício formal na informação em falta nas faturas quanto à natureza dos serviços prestados, logrando demonstrar os requisitos de natureza objetiva e subjetiva, mas com essa informação não é possível determinar ou quantificar seja o que for em relação a cada uma das faturas. Não é possível determinar qual o período em causa e qual a quantidade de serviços prestado e se os serviços prestados são os que estão a ser faturados. Não é possível distinguir os serviços prestados tributados dos que são isentos.

Ora, esta impossibilidade faz com que a AT não consiga controlar a liquidação de imposto por inexistência de informação que lho permita.

Como refere o STA no Ac. de 17/02/2009-Procº 20593, “a fatura não se destina só ao uso do comprador, mas constitui um elemento essencial, também para o fisco, pois é o documento demonstrativo das operações sobre que incide o imposto. Assim fácil é entender que a fatura válida para efeitos de IVA terá que identificar do modo mais completo possível o comprador e o vendedor, as mercadorias, o preço, e a data da transmissão. Trata-se de elementos todos eles relevantes para permitir identificar a operação de modo bastante para que possam extrair-se as devidas consequências quanto ao imposto (sua incidência, sujeitos, taxa, cobrança, reembolsos, etc.). A falta de algum destes elementos pode pôr em risco o mecanismo concebido com o objetivo de arrecadar o imposto. Natural é, pois, que o legislador tenha entendido que, para que o sistema, aliás, complexo, do IVA possa funcionar, para facilitar o controlo das operações sujeitas e isentas, e para obstar à evasão fiscal, se tornava necessária, não apenas a emissão de faturas ou documentos equivalentes, na forma que entendesse cada um dos intervenientes, mas a sua emissão com um conteúdo e rigor definidos pela lei. Daí a exigência de uma forma legal”.

Embora acompanhando a jurisprudência do TJUE, dos tribunais judiciais e a jurisprudência do próprio CAAD no sentido de que o mero vício formal de uma fatura, por si só, não pode coartar o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições de bens ou prestações de serviços, entendemos, todavia, que a sanação do vício só é conseguida  se de alguma informação adicional se obtiver a prova de que as faturas consubstanciam não só uma atividade económica conexa que confere o direito à dedução, mas também que pela mesma informação se encontra garantido o exercício do poder cometido à administração fiscal pela lei de controlo do imposto.

Aliás, é nisto mesmo que a jurisprudência dos tribunais comunitários tem fundamentado as suas decisões quando exigem que os elementos a constar das faturas (englobando nós aqui também a informação complementar junto depois da intervenção da AT) devem assegurar a devida cobrança do imposto devido e evitar a fraude e evasão porque só nesse caso o direito à dedução emergirá de uma fatura passada na forma legal.

Como se entendeu no Ac. 716/2016-T do CAAD, “seguindo a dita jurisprudência, para que os vícios formais ponham em causa o exercício do direito à dedução é necessário que se encontre afastada a capacidade de correta cobrança do imposto e de fiscalização, de tal modo que a AT não estaria em condições de conhecer a realidade material subjacente em face dos elementos carreados pelo sujeito passivo”.

Efetivamente, salvo melhor opinião, é isto que se passa no caso concreto uma vez que a informação adicional que visa complementar as duas referidas faturas só em parte consegue sanar a omissão ou insuficiência dos elementos obrigatórios exigidos pelo nº 6 do  art.º 36º do CIVA, e pelos artº.s  220º e 221º da DIVA, pois, mesmo admitindo que se consegue provar a substância do ato tributário, isto é, a existência de prestações de serviços, que em princípio conferirão direito à dedução, não logra preencher outros importantes requisitos formais cuja omissão impede a AT de exercer o seu poder de fiscalização do imposto concretamente liquidado na fatura.

Por outro lado, do que decorre da matéria dada como provada, sabemos por intermédio do RI junto ao PA que a Requerente “não releva contabilisticamente a conta bancos e, na escrituração, as referidas faturas foram registadas como tendo sido pagas em numerário, de uma só vez…”, creditando a conta 111 -"Caixa" e debitando as contas 243222 -"IVA deduzido" e 281 - Gastos a reconhecer". Ou seja, a AT nem através de outros meios externos ao seu dispor, como é a contabilidade, pode exercer o seu poder de fiscalizar eficientemente o imposto a deduzir.

Sintomático desta afirmação é também o que consta de Relatório quanto ao fato de a Requerente efetuar pagamentos de serviços prestados pela B... ao longo de todo o ano, mas com a informação disponibilizada não é possível determinar quais e a que período respeitam esses pagamentos, o que poderia ser possível saber se tivesse ocorrido faturação parcial e não faturação anual. Ademais, a Requerente deduziu todo o imposto constante das faturas sub judice, não obstante a atividade desenvolvida gerar operações ativas isentas e tributadas em IVA, sem observância do disposto no artigo 23º do Código do IVA e, por consequência, o disposto no artigo 20º, nº 1 do mesmo diploma legal.

Ou seja, a administração fiscal no caso concreto, nem se socorrendo de informação externa em relação às faturas tem meios para poder controlar o imposto e a respetiva liquidação.

Deve reter-se que a jurisprudência do TJUE vem decidindo favoravelmente à possibilidade de colmatar algumas exigências de natureza formal das faturas de maneira a que não se obstaculize o exercício do direito à dedução do imposto suportado, com atrás foi afirmado, todavia, a mesma jurisprudência faz sempre depender cumulativamente a verificação de que os elementos disponíveis devem permitir à administração fiscal dispor dos dados suficientes para o exercício do poder de controlo do pagamento do imposto devido e dos riscos de perda de receita fiscal.

Ora, salvo melhor opinião, tem razão a AT quando entende que, para o exercício do seu poder de controlo, a informação que lhe foi entregue como sendo destinada a sanar um vício formal na emissão das faturas aqui em causa é insuficiente, pelo que o pedido arbitral só pode improceder, uma vez que as faturas padecem de vício por violação do nº 5 do art.º 36º do CIVA.

 

Face a todo exposto fica prejudicada a análise de outras questões levantadas quer pela Requerente quer pela Requerida.

 

IV. DECISÃO

 

Assim, decide o Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, manter na ordem jurídica os atos tributários impugnados, bem como condenar a Requerente no pagamento da taxa arbitral devida neste processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 28 307,07, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas arbitrais a cargo da Requerente no valor de € 1 530,00, tendo em conta o previsto no n.º 4 do artigo 22.º, no n.º 2 do artigo 12.º, ambos do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma.

 

 

Notifique-se

 

Lisboa, 11 de Março de 2019

 

O Árbitro do Tribunal Singular

 

José Ramos Alexandre