Decisão Arbitral
A árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral constituído em 06-08-2018, decide nos termos e com os fundamentos que se seguem:
1. Relatório
No dia 30-07-2018, a A..., S.A. (doravante, Requerente), com sede na ..., n.º..., ..., n.º..., ..., ...-... Amadora, NIPC..., apresentou, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º n.º 1, alínea a) e 10.º, n,º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (que aprovou o RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, um pedido de constituição de tribunal arbitral com designação do Árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 1 e 11.º do RJAT, com os fundamentos que fez constar da petição inicial então apresentada.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária e notificou as partes dessa designação em 13-09-2018.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 03-10-2018, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
2. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas, são legítimas e gozam de personalidade e capacidade judiciárias (tudo nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Através de despacho arbitral de 13.11.2018, as Partes foram notificadas da dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como do prazo para apresentação de alegações escritas, que vieram a apresentar posteriormente.
3. Posições das Partes
Requerente
A Requerente identifica como objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2018..., apresentada contra a liquidação de AIMI referente ao ano de 2017, com o n.º 2017..., no montante de € 19.101,12 – sendo a apreciação da legalidade deste ato de liquidação o objeto mediato do pedido de pronúncia arbitral.
Trata-se de uma liquidação de AIMI referente a terrenos para construção relativamente aos quais o tipo de coeficiente de localização aplicado é o de “serviços”.
De acordo com a Requerente, embora o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI não exclua, literalmente, da incidência objetiva do AIMI os terrenos para construção, a Requerente entende que, de acordo com os princípios da hermenêutica jurídica e com os princípios constitucionais vigentes, a exclusão objetiva de incidência de AIMI, prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, deve abranger os terrenos para construção destinados a serviços, em particular quando detidos por sociedades que os adquiram para promoção futura de edifícios com essa afetação, como é o caso presente.
Em concreto, considera a Requerente que, de acordo com o princípio da hermenêutica jurídica, deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como industriais, comerciais e para serviços como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos para construção desses prédios. Por outro lado, entende que a sujeição a AIMI dos terrenos para construção dos prédios destinados a fins industriais, comerciais e para serviços é incompatível com os princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e no n.º 3 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.
A Requerente aduz ainda argumentos relativos à origem do AIMI, em concreto, relativamente à extinta verba 28 da TGIS, destacando sobretudo que, nesse âmbito, só eram tributados os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação, com exclusão dos prédios classificados, para efeitos de IMI, como comerciais, industriais, para serviços e outros, bem como dos terrenos para construção relativamente aos quais não estivesse autorizada ou prevista a edificação para fins habitacionais (ou seja, terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista correspondesse à construção de prédios comerciais, industriais, para serviços ou outros.
Por outro lado, a Requerente analisa a discussão parlamentar que antecedeu a aprovação do AIMI, sustentando que “foi feito um esforço para que não recaísse AIMI sobre os imóveis afetos às atividades não residenciais exercidas pelas empresas, mas a letra final da lei e, por conseguinte, a sua exegese mais imediata, não espelha devidamente esse esforço, ficando bem aquém; de facto, ao passo que uma empresa que possua um terreno para construção de um edifício afeto a escritórios (serviços) não pode retirar imediatamente do texto legal qualquer exclusão, já um particular detentor de dezenas de imóveis comerciais arrendados que os utiliza como mera forma de obter rendimento não será passível de imposto sobre o respetivo valor” e que “a letra do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI não faz jus ao seu espírito ao abarcar na incidência objetiva do AIMI os terrenos para construção, quando afetos a uma atividade industrial, comercial ou de serviços.” Conclui, a este propósito, que não existe qualquer justificação racional para defender que um prédio afeto a fim comercial, industrial ou de serviços não é sujeito ao AIMI para que não saia prejudicada a atividade económica dos seus titulares, e ao mesmo tempo, para propugnar que um terreno para construção desses prédios deve ser tributado e que tal não afeta a atividade económica.
Por fim, sustenta ainda a inconstitucionalidade material da norma contida no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI na parte em que, não excluindo, permite a tributação dos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja a construção de prédios destinados a serviços, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva ínsitos nos artigos 13.º e 104.º, n.ºs 2 e 3, todos da Constituição, pelas seguintes razões:
- desde logo porque, sendo animado por propósitos de não oneração de atividade económica, atinge precisamente aqueles terrenos para construção que mais proteção pediriam por ainda não permitirem aos seus titulares uma efetiva exploração;
- em segundo lugar porque discrimina as empresas promotoras de projetos comerciais das empresas que os exploram;
- finalmente porque a exclusão abarca terrenos sem edifícios como campos de golfe, campos de jogos ou pedreiras, cujo favorecimento não encontra justificação razoável.
O último pedido da Requerente refere-se ao pagamento de juros indemnizatórios, sendo formulado ao abrigo do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT e 61.º do CPPT.
Requerida
Quanto à Requerida, defende que as operações tendentes à liquidação do imposto em causa neste processo estão corretas e que os terrenos para construção em causa se situam no âmbito de incidência da norma pois o legislador afastou da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros” mas, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada.
Entende, pois, a Requerida, que “a exclusão da tributação dos prédios urbanos com fins «industriais, comerciais e serviços» e «outros», traduz claramente a intenção de mitigar o impacto do AIMI sobre as atividades económicas, mas não leva às últimas consequências a alegada intenção de eliminar todo e qualquer impacto do imposto”, nomeadamente porque “a opção legislativa consagrada nos artigos 135.º-A e 135.º-B, de qualificar como sujeitos passivos pessoas singulares e pessoas coletivas e quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português com a classificação como “terrenos para construção” ou de “edifícios ou construções para fins habitacionais”, trouxe, inevitavelmente, para o campo da tributação, entidades que prosseguem atividades económicas”, pelo que “nada na letra da lei autoriza a concluir que a intenção do legislador do AIMI tenha sido a de excluir de tributação os «prédios urbanos que se encontrem afetos ao exercício de uma atividade económica»”.
Acerca dos argumentos da Requerente ancorados na Nota Explicativa do Relatório da Proposta do Orçamento do Estado para 2017, entende a Requerida que a mesma perdeu atualidade em consequência das alterações que, em sede parlamentar, foram introduzidas à proposta legislativa apresentada pelo Governo à Assembleia da República, pelo que aquela Nota deixou de ser uma fonte interpretativa adequada.
5. Matéria de facto
5.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação do AIMI n.º 2017..., de 30.06.2017, no valor de € 19.101,12, cujo sujeito passivo é a Requerente;
b) A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação identificada em b) em 26.09.2017;
c) No apuramento do valor tributável para efeitos de AIMI, a AT considerou a soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 01.01.2017, dos prédios urbanos elencados na referida liquidação e que constam das matrizes prediais como sendo da titularidade da Requerente;
d) A soma dos valores patrimoniais tributários referidos em c) ascende a € 4.775.279,51;
e) Sobre o somatório dos valores patrimoniais tributários referidos em c) e d) incidiu a taxa de 0,4%, de onde resultou a liquidação do montante de € 19.101,12;
f) Os prédios cujos valores patrimoniais tributários foram considerados na liquidação são os seguintes:
(i) O prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º U-..., da freguesia de..., concelho da Amadora, cujo valor patrimonial tributário, a 01.01.2017, ascendia a € 1.828.107,30,
(ii) O prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º U-..., da freguesia de..., concelho da Amadora, cujo valor patrimonial tributário, a 01.01.2017, ascendia a € 1.350.773,63,
(iii) O prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º U-..., da freguesia de ..., concelho da Amadora, cujo valor patrimonial tributário, a 01.01.2017, ascendia a € 1.596.398,58;
g) Todos os prédios identificados em f) estão classificados, nos termos do Código do IMI, como terrenos para construção;
h) Relativamente a todos os prédios identificados em f) e g), o tipo de coeficiente de localização aplicado é o de “serviços”;
i) De acordo com o alvará de loteamento n.º .../00, de 15.05.2000, emitido pela Câmara Municipal da Amadora, naqueles terrenos para construção, que correspondem aos lotes A (U-...), B (U-...) e H (U-...) ali referidos e posteriores aditamentos, apenas podem ser construídos escritórios;
j) No dia 31.01.2018, a Requerente apresentou, no Serviço de Finanças de ..., uma reclamação graciosa contra a liquidação de AIMI emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
k) Em 15.06.2018, a Requerente foi notificada de que a reclamação graciosa referida no parágrafo anterior havia sido indeferida por despacho do Chefe do referido Serviço de Finanças, por delegação de competências, de 08.06.2018.
5.2 Factos não provados
Não se verificam factos com relevância para a decisão que não tenham sido considerados provados.
5.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo e em factos enunciados pelas Partes nas respetivas peças processuais relativamente aos quais não existe controvérsia.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que for alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).
Os factos são selecionados de acordo com a respetiva pertinência jurídica, a qual é determinada em função das várias soluções possíveis para a causa (cf. o anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, atual 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima enunciados.
6. Fundamentação de direito
No pedido de pronúncia arbitral, os vícios imputados à liquidação e ao ato de indeferimento expresso da liquidação foram-no com uma determinada ordem que agora será observada na sua apreciação.
Quanto à questão do âmbito de incidência objetivo do AIMI, prende-se com a interpretação conjugada da norma de incidência prevista no n.º 1 do artigo 135.º-B (“O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular”) e da norma de exclusão prevista no n.º 2 do mesmo artigo 135.º-B (“São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”).
A Requerente admite, logo no início da petição que apresentou a este tribunal, que, “literalmente”, a norma de exclusão não inclui os terrenos para construção – por não remeter expressamente para a alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, onde está prevista essa categoria de prédios urbanos. Contudo, considera que, por aplicação de princípios interpretativos e de princípios constitucionais estruturantes do ordenamento jurídico-tributário, se deverá interpretar extensivamente a exclusão do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como industriais, comerciais e para serviços como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos para construção desses prédios.
Sustenta essa intenção legislativa na formulação do imposto que antecedeu o AIMI e nos trabalhos preparatórios que antecederam a aprovação do AIMI na Assembleia da República.
Sobre esses argumentos importa dizer o seguinte:
(i) A tributação prevista na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, invocada pela Requerente como elemento interpretativo para sustentar a “intenção legislativa” a que se refere não cumpre os requisitos para ser utilizada para esse fim. Com efeito, as normas que sustentavam essa forma de tributação foram revogadas quando o AIMI foi criado, assim se demonstrando, através da norma revogatória, a vontade explícita do legislador de as eliminar do ordenamento jurídico português. Eliminadas que estão, não faz sentido que sejam invocadas como elemento interpretativo do atual sistema de tributação, do qual não fazem parte. Por outro lado, também os antecedentes históricos da aprovação desse outro imposto se deverão considerar excluídos da tarefa de auxílio interpretativo do sistema atual. Não podem, como é evidente, ser invocados como antecedentes do atual imposto por serem antecedentes do imposto que este revogou, sob pena de assim se trazerem à colação elementos históricos datados ainda que cronologicamente anteriores ao textos legislativos que, neste momento, carecem de interpretação. Não nos parece que tal atividade seja legitimada pelas normas interpretativas em vigor no ordenamento jurídico português .
(ii) Acerca dos trabalhos preparatórios que antecederam a aprovação do AIMI na Assembleia da República, a Requerente invoca a Nota Explicativa do Relatório da Proposta do Orçamento do Estado para 2017, sabendo, no entanto, que a proposta que aí se encontrava relativamente ao AIMI não avançou, pois, como bem refere na sua petição “o clamor político e parlamentar que irrompeu em torno desta proposta na parte referente ao novo AIMI, levou a que a mesma fosse objeto de propostas de alteração da generalidade dos partidos, máxime, do próprio partido do Governo e do Partido Comunista Português.”
A proposta que veio a ser aprovada foi a Proposta n.º 402C-2, da autoria do Partido Socialista, a qual previa a redação do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI que ainda se encontra em vigor e que se encontrava em vigor à data dos factos tributários em causa no presente processo. Ora, o facto de a nota justificativa dessa proposta indicar como um dos motivos que determinaram a sua apresentação “assegurar a ausência de impacto na atividade económica”, autoriza certamente a Requerente a defender, politicamente, que o legislador não realizou esse objetivo da melhor forma, mas não a autoriza a retirar as consequências jurídicas que pretende nesta sede, ou seja, de se considerarem excluídas da tributação realidades que o legislador, tendo tido momento e ocasião para excluir, não excluiu no texto normativo que concebeu e aprovou. Não existe, portanto, razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil. Assim, concluímos que os terrenos para construção com a afetação a “serviços” se incluem no âmbito de incidência do AIMI e que inexiste, por esse motivo, o vício de violação de lei imputado à liquidação e ao indeferimento da reclamação graciosa que são objeto do processo.
Quanto à questão da inconstitucionalidade material do regime do IMI, em que a Requerente fundamenta a inconstitucionalidade material do ato de liquidação, importa analisar cuidadosamente a argumentação invocada enquanto potencial argumentativo para a desaplicação da regra jurídica prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do AIMI com fundamento nos princípios jurídico-constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade.
Refere a Requerente que o princípio da capacidade contributiva na vertente da igualdade de tratamento impõe um controlo negativo, enquanto proibição do arbítrio, e um controlo positivo no sentido de se aferir da existência de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto. Acrescenta, contudo, que o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição, onde se prevê que a tributação do património deve contribuir para a igualdade dos cidadãos, tem sido interpretado no sentido de que a Constituição apenas exige que essa forma de tributação constitua um instrumento de igualdade entre os cidadãos, e que a diminuição das desigualdades é o objetivo constitucional da tributação do património, um objetivo que abre a porta ao legislador para proceder, nomeadamente, à discriminação de patrimónios – sem prejuízo, evidentemente, das vinculações constitucionais aplicáveis.
Acaba por fundamentar, em concreto, a sua tese de inconstitucionalidade do regime do AIMI, nas circunstâncias que se seguem:
- desde logo porque, sendo animado por propósitos de não oneração de atividade económica, atinge precisamente aqueles terrenos para construção que mais proteção pediriam por ainda não permitirem aos seus titulares uma efetiva exploração dado o seu caráter necessariamente prévio à construção;
- em segundo lugar porque discrimina as empresas promotoras de projetos comerciais das empresas que os exploram;
- finalmente porque a exclusão abarca terrenos sem edifícios como campos de golfe, campos de jogos ou pedreiras, cujo favorecimento não encontra justificação razoável.
A Requerente sustenta o seu juízo normativo de inconstitucionalidade na vertente positiva do princípio da igualdade, ou seja, na inexistência de um nexo lógico entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto. Aponta ainda o falhanço do AIMI na efetiva oneração das manifestações de riqueza.
Contudo, e não obstante os benefícios indesmentíveis da discussão crítica como fórmula de clarificação do sentido, alcance e compatibilidade intrasistemática das normas jurídicas, não concordamos com a tese da inconstitucionalidade do AIMI pela razão fundamental de que nos parece possível encontrar diferenças entre os terrenos para construção e os prédios (já construídos) com afetação a serviços. E essas diferenças parecem-nos evidentes, desde logo, ao nível do principal argumento formulado pela Requerente – o da atividade económica que neles é exercida. É que, se um prédio urbano já construído reúne aptidão funcional para o exercício de uma atividade económica, um terreno para construção não. Ora, se o fundamento da exclusão operada na norma prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI é o da proteção da atividade económica, então faz sentido discriminar as realidades porque as realidades são efetivamente diferentes. Note-se que o princípio fundamental em matéria de igualdade é o princípio do tratamento igualitário, que obriga a tratar igual o que é igual e de forma distinta o que é diferente. No caso dos terrenos para construção com afetação a serviços e dos prédios urbanos já construídos com essa afetação, a diferença do ponto de vista de potencial de realização económica existe e foi reconhecida pelo legislador quando excluiu da incidência do AIMI os segundos e não já os primeiros. Aliás, a mesma lógica parece subjazer à exclusão dos prédios urbanos que se inserem na categoria “outros”, onde se incluem, como a Requerente avança, os campos de golfe, os campos de jogos ou as pedreiras. Com efeito, também nestes três casos é possível identificar a razão pela qual os mesmo estão excluídos da norma de incidência – é que também esses revelam uma aptidão funcional para o exercício de uma atividade económica, ao contrário do que se passa com os terrenos para construção. A construção jurídica da qual resulta o AIMI parece, assim, ter resultado de uma ponderação entre a necessidade de tributar determinado património imobiliário e a necessidade de se proteger a atividade económica realizada nesse mesmo património. Dessa ponderação resulta um determinado equilíbrio considerado adequado pelo legislador. Obviamente que dessa solução compromissória não resulta plenamente satisfeito nem o interesse de angariação de receita (em virtude das exclusões) nem o interesse de proteção da atividade económica (em virtude de alguns prédios urbanos onde poderá vir a ser exercida uma atividade económica, e que já constam do património das empresas, estarem abrangidos pela tributação) – mas este é, como sempre, o resultado de uma ponderação. A questão da inconstitucionalidade só surgiria se o critério utilizado pelo legislador para distinguir as situações no quadro da sua ponderação fosse ilógico ou impossível de discernir, o que não nos parece ser o caso.
Em suma, entendemos que existe uma razão substantiva para a discriminação operada pelo legislador no regime do AIMI, nomeadamente na formulação da norma de incidência prevista no n.º 1 do artigo 135.º-B do CIMI e da norma de exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, pelo que não vemos razões para aderir ao juízo de inconstitucionalidade formulado pela Requerente.
Assim, o Tribunal conclui pela inexistência de fundamentos para a anulação do ato tributário impugnado e do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., os quais deverão, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica, com todas as consequências legais nomeadamente a de não restituição do imposto pago. Fica, assim, prejudicado o pedido de juros indemnizatórios, uma vez que não se verificam os respetivos fundamentos.
7. Decisão
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral nos termos que se seguem:
a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2018... e do ato de liquidação de AIMI referente ao ano de 2017, com o n.º 2017..., no montante de € 19.101,12;
b) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;
c) Condenar a Requerente nas custas do presente processo.
8. Valor do processo
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 19.101,12 (dezanove mil, cento e um euros e doze cêntimos).
9. Custas
Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 27 de março de 2019
A Árbitro
(Raquel Franco)