DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros Fernanda dos Santos Maças (Árbitro Presidente), Francisco Nicolau Domingos e Augusto Vieira (vogais), designados no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral:
I. RELATÓRIO
1. A...-SGPS, SA, sociedade comercial anónima com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., tendo sido notificada da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2017..., que tem por objeto o ato de liquidação n.º 2014..., relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do período de tributação de 2010, veio, em 26 de julho de 2018, deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
2.A Requerente pretende que o Tribunal: (a)- anule o ato de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2017... (acto imediatamente impugnado) que tem por objecto o acto de liquidação n.º 2014..., relativo a IRC do período de tributação de 2010, no valor de € 137.507,85, que originou a demonstração de acerto de contas n.º 2014..., no valor de € 462.887,16 (acto mediatamente impugnado), na parte do adicional (2,5%) cobrado a título de derrama estadual sobre o lucro tributável de 2010, apurado desde 01.01.2010 até 30.06.2010; (b) - ordene que a AT proceda ao reembolso do montante de € 58.663,24 relativo a derrama estadual indevidamente liquidada e paga, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios já vencidos, no montante de € 8.016,77, e vincendos, em razão da privação indevida do valor de € 58.663,24.
3.O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 27-07-2018.
3-1-Pelo Conselho Deontológico do CAAD foram designados árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 03.08.2018, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
3-2-O Tribunal Arbitral Coletivo encontra-se, desde 02 de Outubro de 2018, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
4- A fundamentar o pedido invoca a Requerente, enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas segundo o RETGS:
a) Quando à ilegalidade da liquidação da derrama estadual cobrada em excesso refere que “o acto de liquidação objecto de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa que ora se impugna padece de ilegalidade, na parte relativa ao apuramento da derrama estadual quanto ao período de tributação de 2010, por manifesta violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, porquanto deveria ter sido já oficiosamente corrigida pela AT, nomeadamente à luz da mais recente jurisprudência arbitral sobre a matéria”;
b) Considera que “a vexatio quaestio dos presentes autos é saber se a derrama estadual, no ano de 2010, se aplica à totalidade do lucro tributável que tenha sido determinada no último dia do exercício – 31.12.2010, na situação vertente – ou se aplica à parte do lucro tributável apurada a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho”;
c) “No decurso do período de tributação de 2010, a Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, veio aditar, entre outros, o artigo 87.º-A ao Código do IRC que fixou em € 2.000.000,00 o montante a partir do qual, parte do lucro tributável, sujeito e não isento de IRC, incidiria a derrama estadual à taxa de 2,5%, e que, por opção do legislador, a determinação do lucro tributável, no caso de o RETGS ser aplicável – e para o efeito da aplicação da derrama estadual – seria feita, não por referência ao lucro tributável do grupo, mas sim ao lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo o da sociedade dominante”;
d) E acrescenta: “o legislador deixou também claro que seria desconsiderado – no apuramento da derrama estadual – o efeito dos eventuais prejuízos fiscais apurados, individualmente, nas sociedades do perímetro do grupo tributado no RETGS”, “Entre as sociedades que constituíam, à data dos factos tributários em apreciação, o grupo de sociedades abrangido pelo RETGS, apenas a B..., S.A. (...) apurou um lucro tributável superior a € 2.000.000,00, mais concretamente no valor de € 6.693.058,65, tendo sido aplicada aos € 4.693.058,65 – que excediam os € 2.000.000,00 – a taxa “adicional” de 2,5%, o que originou o pagamento de € 117.326,47 a título de derrama estadual”;
e) E conclui: “quer isto dizer que a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), através deste acto de liquidação adicional, veio aplicar a derrama estadual sobre a parte do lucro tributável superior a € 2.000.000,00 apurado entre 01.01.2010 e 31.12.2010”, “no entanto, o acto tributário controvertido não tem qualquer arrimo legal, posto que este apuramento alusivo à derrama estadual consubstancia um erro dos pressupostos de facto e de Direito, nomeadamente no que concerne à aplicação do n.º 1 do artigo 87.º-A do Código do IRC, repise-se, aditado pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, ao período compreendido entre 01.01.2010 e 30.06.2010” sendo que “... a AT deveria ter aplicado aquela taxa “adicional” de 2,5%, é certo, mas unicamente à parte do lucro tributável apurado a partir de 01.07.2010, em consonância com as regras gerais de aplicação da lei tributária no tempo”;
f) Fundamenta, em termos de direito, o seu ponto de vista no disposto no n.º 20 da Lei 12-A/2010, de 30 de Junho que estabelece um regime transitório de entrada em vigor, concluindo, quanto a esta disposição legal que: “a disciplina aí prevista veio instituir que, à excepção das situações expressamente previstas nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 20.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho – nas quais não se inclui a medida atinente à criação da derrama estadual –, a vigência daquele diploma iniciar-se-ia no dia seguinte ao da sua publicação”. “em consequência, no que respeita à derrama estadual, mais concretamente ao aditamento do artigo 87.º-A do Código do IRC em análise, a Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, entrou em vigor no dia 01.07.2010, uma vez que, na ausência de previsão legal de disposições transitórias aplicáveis ao artigo 2.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho – norma esta que veio, como vimos, introduzir a derrama estadual –, a sua vigência temporal principiou em 01.07.2010”. “Neste sentido, atenta a circunstância de não se encontrar prevista no aludido diploma qualquer solução especial (expressa) para a respectiva aplicação temporal, então terão de ser aplicadas as regras gerais sobre a aplicação da lei tributária no tempo contempladas no artigo 12.º da LGT”;
g) E pela razão de que de que o IRC resulta de um “... “facto tributário de formação sucessiva”, que, por isso, apenas se cristaliza no termo de cada período de tributação, a aplicação temporal do artigo 2.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, deverá ser regulada pelo preceituado no n.º 2 do artigo 12.º da LGT, nos termos do qual “a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor””;
h) Daqui resultando que “... tendo o artigo 2.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, entrado em vigor no dia 01.07.2010, a derrama estadual por ela “aditada” só poderá incidir sobre a parcela do lucro tributável gerada a partir do dia 01.07.2010, claro está, sobre o montante que exceda o limite de € 2.000.000,00 aí instituído”;
i) Concluindo que “caso assim se entenda, o acto de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa e, bem assim, o acto de liquidação subjacente, afiguram-se intrinsecamente ilegais, por inexistência de fundamento legal que sustente a aplicação temporal do artigo 2.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, a factos compreendidos entre o dia 01.01.2010 e 30.06.2010”. “Nesta medida, sob pena de violação das regras gerais sobre a aplicação da lei tributária no tempo e do princípio da legalidade a que a AT está sujeita, mais concretamente, previsto no artigo 55.º da LGT, do n.º 1 do artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), considera a Requerente que apenas se mostra devida derrama estadual sobre a parcela do lucro tributável determinada entre 01.07.2010 e 31.12.2010, que, naturalmente, exceda € 2.000.000,00”, resultando que “qualquer interpretação que não essa consubstancia (nos termos e fundamentos que de seguida se exporão) uma manifesta e crassa inconstitucionalidade, ferindo de ilegalidade a liquidação que ora se contesta”, uma vez que “... a aplicação retroactiva em causa é inconstitucional, por violação, de entre outros preceitos constitucionais, do disposto no artigo 103.º da CRP”;
j) Termina referindo que “em consequência, tendo sido liquidado um montante de derrama estadual que perfaz o total de € 117.326,47, a aplicação do princípio pro rata temporis dita a desconsideração, para efeitos de cálculo, da porção do lucro tributável superior a € 2.000.000,00 apurada entre 01.01.2010 e 30.06.2010, devendo, assim, ser restituído à Requerente o valor de € 58.663,24, correspondente àquele período temporal, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 12.º da LGT, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios”;
k) Qualquer leitura da lei que não seja como acima se propugna seria “uma manifesta e crassa inconstitucionalidade, ferindo de ilegalidade a liquidação que ora se contesta”, uma vez que o “... n.º 3 do seu artigo 103.º a CRP vem conferir à não retroactividade da lei fiscal a dignidade de princípio constitucional ao dispor que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos desta Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei””;
l) Invoca a seu favor o sentido e consequências das seguintes decisões arbitrais CAAD Processos nºs 432/2016-T e 620/2017-T.
5- Notificada a Requerida, respondeu em 07.11.2018, defendeu-se por exceção e impugnação alegando o seguinte:
a) Quanto à caducidade do direito de ação, refere a Requerida que “... se mostra (claramente) ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação deste acto tributário de liquidação, em concreto, em sede arbitral”, na medida em que “o artigo 10.º do RJAT estabelece, quanto a actos de liquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”, daqui se retirando “... que o estipulado prazo de 90 (noventa) dias seria contado da notificação da demonstração de liquidação ora impugnada – conforme alínea b) do n.º 1 do art.º 102.º, n.º 1 do CPPT”. Ora, “A liquidação adicional foi notificada ao sujeito passivo ora Requerente em 29/12/2014..., com a data limite de pagamento de 23/02/2015”, “logo, o pedido formulado é intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer”;
b) Acresce ainda que “... os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido, e não os podendo, como é óbvio exceder, fica o Tribunal impedido de apreciar e declarar a anulação relativamente ao “acto tributário que lhe subjaz”, ou seja a liquidação, por o mesmo ser intempestivo”, uma vez que resulta “clara e inequivocamente do douto requerimento inicial, a impugnação directa do acto de demonstração de liquidação adicional de IRC, deve o pedido formulado (conducente à declaração de ilegalidade do acto e, consequentemente à sua anulação) ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida da instância – conforme alínea e), do n.º 1, do artigo 278.º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o que desde já se requer”;
c) Quanto à incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação dos pedidos de declaração de ilegalidade da decisão da revisão oficiosa, refere a Requerida que: “... nos termos do disposto no art. 2º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no nº 1 do art. 2º do RJAT, “ com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.” “No caso em concreto, a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no nº 1 do art. 131º do CPPT que, no caso, era necessária visto a ora Requerente suscitar também questões de facto e juntar documentação, como se comprova pela revisão oficiosa apresentada, onde a mesma invocou que apenas seria possível proceder à liquidação da derrama estadual incidente sobre o lucro tributável a partir de 1 de Julho de 2010, data da entrada em vigor do artigo 87.º-A do CIRC, introduzida pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho”. Acrescendo que:
d) “A Requerente deixou precludir o prazo de 2 anos previsto no nº 1 do art. 131º do CPPT para apresentação de uma reclamação administrativa”, uma vez que “... só em 10/03/2017 apresentou um pedido de revisão oficiosa contra a referida liquidação adicional de IRC”. No entanto, “Tal procedimento administrativo não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 131º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo”, “... atenta a natureza voluntária e convencional da arbitragem, o intérprete não pode ampliar o objecto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT aos tribunais arbitrais”;
e) Quanto ao mérito alega a Requerida, entre o mais, que o IRC é um imposto direto e periódico de carácter anual, e “... como decorre do n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação, sendo o imposto devido por cada período de tributação”, sendo que “a derrama estadual, tem como facto gerador da obrigação tributária, o Lucro tributável”, acrescentando que “... o lucro não pode ser visto de forma parcelar ou isolada, mas sim, um facto tributário complexo de formação sucessiva, o qual se inicia no primeiro dia de tributação e só está concluído no final do respectivo período de tributação”, “em conformidade com a característica de anuidade do imposto, que obviamente está presente no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas”;
f) E extrai o seguinte: “da mesma forma, por efeito da regra da anualidade do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, ter-se-á que entender que o facto gerador apenas ocorre em 31 de Dezembro de 2010”, “dada a incidência complexa do tributo em questão, e exigência que o mesmo acarreta em termos de visão unitária e global, não se compaginando tais características com qualquer autonomização ou cisão por períodos temporais dentro do mesmo exercício fiscal, uma vez que o facto gerador do IRC devido com referência ao período de tributação de 2010, verificou-se no último dia de tal período de tributação”, “sendo que o adicional da taxa da derrama incide sobre o lucro tributável deste período de tributação, sendo o facto gerador se verificou no último dia de tal período de tributação”;
g) Relativamente à alegada retroactividade da lei refere que no caso deste processo estamos perante “... uma situação de retroactividade de 3º grau, ou utilizando outra terminologia, uma situação da retroactividade fraca, inautêntica ou imprópria, ou ainda, retrospectividade”, pela razão de que se reporta a “... imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), qualificado na doutrina e na jurisprudência como um imposto periódico, condicionado por factos geradores de formação complexa e sucessiva que só se tornam plenos, para efeitos de tributação, no final do período de tributação”, concluindo que “... tendo em atenção os contornos factuais que fluem dos autos, será de concluir não ser configurável a existência de um grau de retroactividade susceptível de fazer frustrar a aplicação do n.º 1 do artigo 87.º-A do CIRC, após a publicação da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho”;
h) Relativamente à aplicação do nº 2 do artigo 12º da LGT refuta que possa ocorrer uma aplicação da lei nova “pro rata temporis”, até porque a “referida lei (n.º 12-A/2010, de 30 de Junho) aprovou todo um conjunto de medidas de consolidação orçamental, que visavam reforçar e acelerar a redução do défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento”, pelo que “... como medida de consolidação orçamental sempre prevalecerá o princípio da anualidade do imposto, e de as alterações aos impostos periódicos vigorarem por todo o período de vigência do mesmo orçamento, ademais estando em causa o equilíbrio das contas públicas, num contexto de grave crise financeira em que se encontrava o Estado Português”;
i) Propugna que a situação em causa não sendo resolvida pelo “... critério da hierarquia e cronologia ... já que nenhum dos diplomas em causa, CIRC e LGT têm valor reforçado”, deve resolver-se com recurso ao “... critério da especialidade, para deixarmos dito que o CIRC, ou pelo menos a generalidade dos enunciados normativos dele constantes, constitui regulação especial para efeitos de fixação do critério de aplicação temporal da lei relevante em sede de tributação em IRC, pelo que prevalece relativamente ao disposto no art. 12º n.º 2 da LGT, por força do princípio Lex specialis derogat legi generall”.
j) E conclui: “afastada a norma da Lei Geral Tributária, que aparentemente poderia conduzir a uma tributação “pro rata temporis” prevalece o regime ínsito no n.º 1 do art. 87.º-A do CIRC, aplicado ao lucro tributável correspondente a todo o período de tributação”;
k) Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios refere a Requerida que “visando o processo arbitral, nos termos definidos no RJAT, um mero controlo de legalidade da liquidação impugnada, não pode determinar que houve “erro imputável aos serviços”. “No caso em apreço e como já se demonstrou, não se verifica a situação que a lei configura como sendo de “erro imputável aos serviços”;
l) “Com efeito, a lei não previu uma responsabilidade objectiva, mas antes uma responsabilidade ligada à culpa dos serviços”. “Esta culpa (a “imputabilidade dos serviços”) – a título de dolo ou negligência – tem que ser alegada e provada, e não resulta automaticamente de qualquer ilegalidade”, “ou seja, o dever de indemnização não resulta imediata e automaticamente da anulação do acto, sendo apenas devida quando se determine que houve erro imputável aos serviços”;
m) E conclui: “no caso em apreço, não se verifica a existência de qualquer erro imputável aos serviços na emissão da liquidação impugnada, pelo que improcede, por infundado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios”. E pela razão de que o IRC é “... um imposto anual cujo facto tributário apenas se completa a 31 de Dezembro, está implícita a aplicação da referida Lei n.º 12-A /2010, de 30 de Junho, a todo o ano, independentemente da sua entrada em vigor ter ocorrido a 1 de Julho, uma vez que da mesma não consta qualquer disposição transitória dispondo o contrário”, resultando que a “... liquidação de IRC, em causa nos presentes autos, não está pois ferida de qualquer vício de ilegalidade como pretende o Requerente”.
6-Em 08.11.2018 foi notificada a Requerente para se pronunciar sobre a exceções invocadas pela Requerida na resposta (caducidade do direito de ação e incompetência do Tribunal Arbitral) tendo respondido em 19.11.2018.
7- Por despacho de 06.12.2018 foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, conferido prazo para apresentação de alegações escritas, se as partes optassem por esta forma e designado o dia 02 de Abril de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
8- Apenas a Requerente optou por apresentar alegações e pela forma escrita em 19.12.2018.
II- SANEAMENTO
9-1-As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
9-2-Foram invocadas as exceções de “caducidade do direito de acção” e de “incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação de declaração de ilegalidade da decisão de revisão oficiosa” que serão apreciadas após a fixação da matéria de facto.
9-3-O procedimento arbitral não padece de nulidades.
Cumpre apreciar.
III- MÉRITO
III-1- MATÉRIA DE FACTO
10-Factos dados como provados
Considera-se dada como provada a seguinte matéria de facto:
a) Requerente é a sociedade dominante do grupo de sociedades tributadas segundo o RETGS, de que faziam parte, no exercício de 2010, as seguintes sociedades dominadas: B..., S.A. (...); C..., S.A. (...); D..., S.A. (...); e E..., S.A. (...) - conforme artigo 4º do PPA e falta de impugnação especificada, apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
b) Entre as sociedades que constituíam, em 2010, o grupo de sociedades abrangido pelo RETGS, apenas a B..., S.A. (...) apurou um lucro tributável superior a € 2.000.000,00, mais concretamente no valor de € 6.693.058,65 – conforme artigo 10º do PPA e falta de impugnação especificada, apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
c) A Requerida notificou a Requerente de liquidação n.º 2014..., relativa a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do período de tributação de 2010, no valor de € 137.507,85, que originou a demonstração de acerto de contas n.º 2014..., no valor de € 462.887,16, na parte do adicional (2,5%) cobrado a título de derrama estadual sobre o lucro tributável de 2010, apurado desde 01.01.2010 até 30.06.2010 (Doc junto pelo SP e PA);
d) Em 10.10.2017, a Requerente apresentou um pedido de revisão dos atos tributários referidos no ponto anterior, procedimento que tomou o nº...2017... . Foi elaborada informação com proposta de decisão de indeferimento e, por despacho de 2017.12.22, foi ordenada a notificação do contribuinte nos termos e para os efeitos do artigo 60º da LGT, tendo sido concedido o prazo de 15 dias para o exercício do direito de audição, a qual foi notificada à representante da contribuinte, através do ofício no 2017..., de 2017.12.28, remetida por carta registada, à qual foi atribuído o registo RF ... PT, de 2018.01.11;
e) Decorrido o prazo fixado para o exercício do direito de audição, o contribuinte não exerceu o seu direito – conforme artigo 16º do PPA, Documento nº 4 junto com o PPA, folha 3 do Documento nº 1 junto com o PPA e folha 5 e 10 a 21 do PA junto ao processo pela AT;
f) Através do ofício n.º 2018..., datado de 17.05.2018, recebido em 22 de Maio de 2018, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento proferida quanto à revisão oficiosa, com data de 13 de Março de 2018, com a fundamentação de que “é entendimento da direção de serviços de IRC que a derrama estadual reveste um caráter acessório de IRC, devendo ser tratada como tal e ser determinada ano a ano” – conforme artigo 19º do PPA, Documento nº 1 junto com o PPA e folhas 1 a 9 do PA junto pela AT com a resposta;
g) Em 26 de Julho de 2018 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral;
h) A Requerente procedeu ao pagamento de 117 326, 47 euros a título de derrama estadual (cfr. pontos 11, 12, 63, e 64 do Pedido Arbitral).
11-Factos não provados.
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
12- Fundamentação dos factos provados e não provados
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação. Em especial quanto ao facto dado como provado no ponto h), o mesmo deve-se à alegação clara e reiterada da Requerente (de que pagou e à forma como articulou o Pedido Arbitral (e o pedido de revisão oficiosa), por um lado e, por outro lado, face à não tomada de posição por parte da Requerida.
III-2- DO DIREITO
Atento o exposto são as seguintes as questões de direito a decidir:
• Incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação dos pedidos de declaração de ilegalidade da decisão da revisão oficiosa;
• Caducidade do direito de ação;
• Ilegalidade do indeferimento da revisão oficiosa por erro de interpretação
da derrama criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho;
• Direito a reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios.
III-2-1-QUESTÓES PRÉVIAS
A) Incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação dos pedidos de declaração de ilegalidade da decisão da revisão oficiosa
Alega a Requerida a fundamentar a exceção, entre o mais, que a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no nº 1 do art. 131º do CPPT que, no caso, era necessária “visto a ora Requerente suscitar também questões de facto e juntar documentação, como se comprova pela revisão oficiosa apresentada, onde a mesma invocou que apenas seria possível proceder à liquidação da derrama estadual incidente sobre o lucro tributável a partir de 1 de Julho de 2010, data da entrada em vigor do artigo 87.º-A do CIRC, introduzida pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho”.
Por outro lado, segundo a Requerida, a Requerente deixou precludir o prazo de 2 anos previsto no nº 1 do art. 131º do CPPT para apresentação de uma reclamação administrativa”, tendo apresentado em 10/03/2017 um pedido de revisão oficiosa contra a referida liquidação adicional de IRC”.
No entanto, “Tal procedimento administrativo não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 131º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo”, “... atenta a natureza voluntária e convencional da arbitragem, o intérprete não pode ampliar o objecto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT aos tribunais arbitrais”.
Ao que acresce, segundo a Requerida, o facto de a decisão proferida em sede de procedimento de revisão poder comportar ou não a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
No exercício do contraditório, veio a Requerente argumentar, em síntese, que solicitou à AT a revisão do acto de “liquidação da derrama estadual incidente sobre o lucro tributável a partir de 1 de Julho de 2010, data de entrada em vigor do artigo 87.º-A do CIRC, introduzida pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho”, bem como o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal; e fê-lo ao abrigo do artigo 78.º da LGT”. “Em resposta, a AT veio expressamente indeferir aquele pedido, com base na informação complementar que se reproduz infra: “É entendimento da direcção de serviços de IRC que a derrama estadual reveste um carácter acessório de IRC, devendo ser tratada como tal e ser determinada ano a ano. Em face do atrás descrito, deverá ser de indeferir a revisão oficiosa do respectivo IRC/2010, interposta pela A... SGPS SA (NIPC...) no inerente processo n.º ...2017...””.
Concluindo que “atento o exposto, é inquestionável que o presente Pedido de Pronúncia Arbitral (i) tem por base um acto expresso de indeferimento em matéria tributária, pois nele é feita a aplicação de normas de direito fiscal (in casu, o artigo 87.º-A do CIRC); (ii) que tal acto expresso de indeferimento implicou uma apreciação da (i)legalidade do acto de “liquidação da derrama estadual incidente sobre o lucro tributável a partir de 1 de Julho de 2010” e, concomitante, uma decisão de mérito sobre aquela pretensão; e (iii) que aquele mesmo acto consubstancia um “acto administrativo” à luz da definição avançada pelo artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável ex vi da alínea c) do artigo 2.º da LGT – porquanto se trata de uma decisão proferida no exercício de poderes jurídico-administrativos e destinada a produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”, “pelo que não restam quaisquer dúvidas relativamente à competência material do Tribunal Arbitral para conhecer do mérito do presente pedido – cujo objecto imediato é um acto de segundo grau, entendimento este que tem sido, de resto, amplamente perfilhado pela jurisprudência arbitral.
Vejamos.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que a Requerente devia ter recorrido à reclamação graciosa prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT que, no caso era necessária.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
Como consignado na Decisão Arbitral referente ao Processo n.º 617/2015-T, “A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.”
No caso em apreço, houve uma autoliquidação e, posteriormente, uma liquidação adicional, que a substituiu, incidindo o pedido arbitral mediatamente sobre o ato de liquidação adicional que materializou uma correção à matéria coletável de IRC respeitante ao ano de 2010.
O que vem questionado não é a autoliquidação efetuada pela Requerente- que liquidou a derrama que entendeu devida-, mas a liquidação adicional mais tarde efetuada pela Requerida. Decorre, assim do pedido de pronúncia arbitral que o mesmo incide mediatamente sobre o ato de liquidação adicional n.º 2014... de IRC, respeitante a IRC de 2010, e de forma imediata sobre o indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
Como ficou consignado na Decisão Arbitral 668/2016-T, “Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado devia ter sido uma reclamação prévia graciosa seria violar os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.
“Com efeito, a regra, quer para a impugnação judicial, quer para a arbitragem, é que se submetam ao crivo da AT todos aqueles atos relativamente aos quais esta entidade ou ainda não se pronunciou ou ainda não teve qualquer intervenção, razão pela qual lhe deve ser dada a oportunidade para se pronunciar antes de o tribunal judicial ou arbitral se pronunciar quanto à sua legalidade.
“É, assim, manifesta a equiparação entre o pedido de revisão do ato tributário à reclamação graciosa sobre atos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta. Na verdade, como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015, “(…) o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)…”
“Na senda do mencionado Acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que “o Indeferimento, tácito ou expresso, do pedido de revisão é suscetível de controlo judicial [cfr. art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT]”.
“É, hoje, jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.”
Por outro lado, considerando os motivos invocados para indeferir o pedido de revisão oficiosa no sentido de que a “derrama estadual reveste um carácter acessório de IRC, devendo ser tratada como tal e ser determinada ano a ano” (cfr. ponto f) do probatório), esta fundamentação implica apreciação da legalidade do ato de liquidação adicional ao sancionar a aplicação ao caso do art. 87.º-A do CIRC desde 1 de janeiro de 2010.
Por conseguinte, e em primeiro lugar, apenas se o pedido de revisão incidisse sobre uma autoliquidação se poderia colocar a questão da reclamação prévia necessária, o que não é o caso.
Em segundo lugar, decorre do consignado no probatório que o indeferimento do perdido de revisão oficiosa implicou a apreciação da legalidade do ato de liquidação adicional.
Termos em que improcede a exceção suscita pela Requerida.
B) Caducidade do direito de ação
Alega a Requerida que, segundo o artigo 10.º do RJAT, “o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral de atos de liquidação é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”. E acrescenta“(...)” que o estipulado prazo de 90 (noventa) dias seria contado da notificação da demonstração de liquidação ora impugnada – conforme alínea b) do n.º 1 do art.º 102.º, n.º 1 do CPPT”.
Assim, conclui a Requerida que como a “A liquidação adicional foi notificada ao sujeito passivo ora Requerente em 29/12/2014..., com a data limite de pagamento de 23/02/2015”, “logo, o pedido formulado é intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer”;
Para a Requerente “constituindo objecto imediato do requerimento inicial o acto de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, a “data limite de pagamento” (seja ela qual for) é absolutamente irrelevante para a situação vertente, que depende exclusivamente da notificação da decisão de indeferimento (ou, em alternativa, do termo do prazo legal de decisão) daquele meio procedimental”
Vejamos.
Constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que, no caso de pedido de revisão oficiosa, o prazo para a impugnação (que o mesmo é dizer, para pedir a constituição de tribunal arbitral) se não conta da data limite para pagamento voluntário, mas daquela em que é notificada a decisão de indeferimento daquele pedido – vejam-se, por todos os acórdãos de 1 de outubro de 2003 e 12 de outubro de 2011, nos processos nºs. 893/03 e 449/11, respetivamente. No mesmo sentido, cfr. a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 432/2017-T.
Por outro lado, também é pacífico que a decisão que recai sobre o pedido de revisão oficiosa pode ser judicialmente impugnada e que, na medida em que conserve o ato de liquidação, este é igualmente objeto mediato dessa impugnação - cfr. os artigos 95º nºs. 1 e 2 alínea a) da Lei Geral Tributária e 102º nº1 alínea e) do CPPT.
No caso em apreço o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que a Requerente apresentou aquele pedido em 26 de Julho de 2018 e a data constante da notificação da decisão de indeferimento da revisão oficiosa é de 22 de Maio de 2018, conforme consta do aviso de receção junto pela AT e que constitui a primeira página do PA junto com a Resposta.
Termos em que sendo tempestivo o pedido de constituição do tribunal arbitral improcede a exceção de caducidade.
III-2-2-Quanto ao mérito
C) Ilegalidade do indeferimento da revisão oficiosa por erro de interpretação
da Derrama criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho
A questão central a decidir gira em torno de saber qual o início de vigência da Derrama Estadual, criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho.
Com efeito, a primeira questão a decidir consiste em determinar se a Derrama Estadual, no ano de 2010, se aplica a todo o lucro tributável que vier a ser determinado no último dia do exercício (como alega a Requerente) ou se essa Derrama apenas se pode aplicar à parte do lucro tributável correspondente ao período de tempo decorrido após a data de entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2010, de 20 junho (1 de julho de 2010) e o dia 31 de dezembro de 2010, o último dia do exercício no caso concreto, como defende a Requerida.
O art. 2.º da Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho criou uma Derrama Estadual, com uma taxa de 2,5% a incidir sobre a parte do lucro tributável que exceder 2 000 000,00 €, como também criou regras especiais para o pagamento da Derrama no caso dos grupos de sociedades – art. 104.º-A e 105.º-A ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).
A questão da sucessão no tempo de dois regimes jurídicos diferentes reguladores da mesma matéria, apesar de gerar inúmeras controvérsias, impõe que se determine com precisão o campo de aplicação de cada um, as relações e os atos a que são aplicáveis. O problema pode ser resolvido por disposição expressa do legislador, na qual se concretize o campo de aplicação do novo regime jurídico e do substituído . Quando esse diploma não contém uma norma expressa, há que procurar no Direito Fiscal uma norma que discipline a questão.
Em tal tarefa hermenêutica o tribunal é remetido para a norma geral, o art. 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), o qual, indiscutivelmente, se aplica às normas tributárias.
O art. 12.º, n. 1 da LGT estatui que: “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos”.
Acontece que, para os factos tributários que se iniciaram antes da entrada em vigor da lei nova e se prolongam para além dela, o art. 12.º, n.º 2 da LGT determina que: “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”. Ou seja, nos factos tributários de formação sucessiva – que se prolongam no tempo, como acontece com os impostos periódicos, por exemplo, o IRS e o IRC, a lei nova apenas se aplica ao intervalo temporal decorrido após a sua entrada em vigor.
Retornando ao caso concreto, se é verdade que a Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho, no art. 20.º, fixa regras especiais quanto à sua entrada em vigor, as normas sobre a Derrama Estadual não são abrangidas pelo referido normativo, pelo que o início da sua vigência aconteceu a 1 de julho de 2010. Ou, dito de outro modo, o referido diploma não contém uma disposição especial que crie um regime distinto para a Derrama Estadual, apenas em tal hipótese é que essa regra especial poderia prevalecer sobre a regra geral que provém da LGT – art. 12.º, n.º 2.
Por isso é o momento de formular a seguinte questão: é ilegal aplicar o art. 2.º da Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho a todo o lucro tributável produzido pela Requerente em 2010?
A este propósito recorde-se que a Constituição da República Portuguesa (CRP), com a revisão de 1997, passou a consagrar expressamente no seu art. 103.º, n.º 3 que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa, opção essa consolidada em 1998, com a previsão na LGT de regras sobre a aplicação temporal da lei fiscal, o art. 12.º do referido diploma.
À luz da lição de ALBERTO XAVIER é possível identificar três graus de retroatividade: i) 1.º grau; ii) 2.º grau e iii) 3.º grau.
Na retroatividade de 1.º grau ou máxima, o facto ocorreu integralmente ao abrigo da lei antiga, tendo já produzido todos os seus efeitos no âmbito dessa mesma lei. A lei nova pretende retirar dos mesmos factos efeitos jurídicos distintos. Na retroatividade de 2.º grau ou intermédia, o facto também se verificou por completo ao abrigo da lei antiga, contudo, distingue-se da retroatividade de 1.º grau, na medida em que os seus efeitos não se esgotaram por completo ao abrigo da lei velha, pois continuam a produzir-se ao abrigo da lei nova. Decisivo para fixar a norma temporalmente aplicável é o momento em que ocorreu o facto tributário e não aquele em que a norma é concretamente aplicada. Por último, na denominada retroatividade de 3.º grau, o facto tributário não se verificou integralmente sob os auspícios da lei antiga, pelo contrário, prolonga a produção dos seus efeitos no domínio temporal da lei nova. Por isso, a solução consiste em dividir os rendimentos de acordo com o critério pro rata temporis.
O art. 12.º, n.º 1 da LGT veda a retroatividade de 1.º grau ou autêntica na linguagem do Tribunal Constitucional, mas a divisão dos rendimentos, de acordo com o critério pro rata temporis, encontra-se consagrada normativamente no art. 12.º, n.º 2 da LGT.
Deste modo, a Derrama Estadual estabelecida pela Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho apenas se aplica à parte do lucro tributável produzido após a sua entrada em vigor, pelo que é aplicável o previsto no art. 12.º, n.º 2 da LGT – lei geral, a AT não podia fazer incidir a Derrama Estadual sobre o lucro tributável, senão a partir do dia 1 de julho de 2010. Assim, se o intervalo temporal do ano de 2010 decorrido até 30/06/2010 é de 181 dias, quando o que se verificou a partir de 01/07/2010 é de 184 dias, aplicado o critério pro rata temporis é relevante para a determinação da Derrama Estadual do ano de 2010 a percentagem de 50,41% (184/365) da parte do lucro tributável superior a 2 000 000 €.
A questão não é nova, pois, pelo menos, em dois tribunais constituídos sobre a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), concluiu-se que o facto tributário que gera a Derrama Estadual é o lucro tributável de IRC – de natureza complexa e que se forma ao longo do exercício. Por isso e ao abrigo do art. 12.º, n.º 2 da LGT, repete-se, a Derrama Estadual apenas é aplicável ao lucro tributável que se formar a partir de 1 de julho de 2010, aplicando-se por tal via o princípio pro rata temporis.
É também essa a interpretação efetuada pela jurisprudência estadual tributária quando observa que: “Nos termos do n.º 2 do art. 12.º da LGT, nos casos, como o sub judice, em que a lei nova entra em vigor a meio do ano, quando já está em curso o facto tributário de formação sucessiva, a tributação só deve incidir sobre o período ulterior à entrada em vigor dessa lei (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ibidem, pág. 232.). Ou seja, o facto tributário deverá ser fracionado, aplicando-se a lei antiga aos rendimentos gerados até à entrada em vigor da lei nova e aplicando-se a lei nova aos rendimentos gerados após a sua entrada em vigor. É nisto que reside o critério pro rata temporis que o legislador consagrou naquela disposição legal. Esse critério legal visa, como também salientou a sentença com recurso à indicação de numerosa doutrina, obviar à aplicação retroativa da lei fiscal, que, no caso, se verificaria caso a Lei n.º 12-A/2010 pretendesse, designadamente através de uma disposição de direito transitório nela integrada, ser também aplicável ao período do ano de 2010 já decorrido à data da sua entrada em vigor. Na verdade, a posição sustentada pela Recorrente, pretendendo que a derrama estadual criada por aquela Lei, que entrou em vigor em 1 de julho de 2010, fosse também aplicada ao primeiro semestre desse ano, ou seja, a uma parte do lucro tributável gerado antes da data da sua entrada em vigor – o que vimos não acontecer por ser aplicável o critério pro rata temporis consagrado no n.º 2 do art. 12.º da LGT – levaria a uma situação de aplicação retroativa da lei fiscal, que temos por constitucionalmente vedada (cfr. art. 103.º, n.º 3, da CRP)”.
Em suma, é ilegal a aplicação da Derrama Estadual (lei nova), que prevê um agravamento fiscal aos rendimentos auferidos antes da data da sua entrada em vigor, sobre a parte do lucro tributável ocorrido antes do início da sua vigência, por violação do art. 12.º, n.º 2, da LGT.
Termos em que procede o pedido da Requerente, devendo ser anulado o indeferimento da revisão oficiosa e a consequente liquidação adicional, na parte do adicional (2,5%) cobrado a título de derrama estadual sobre o lucro tributável de 2010.
D) Direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
A Requerente formula o pedido de restituição do valor de €58.663, 24, relativo a derrama estadual indevidamente liquidada e paga, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
O art. 24.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) estatui que em caso de procedência da decisão arbitral que a AT deve: “ (…)restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito;”.
No caso concreto, na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força dos artigos 24.º, n.º1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Assim sendo, a Requerente deve ser reembolsada da Derrama Estadual paga ilegalmente.
No entanto, tal como ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 620/2017-T, na medida em que “o reembolso depende do cálculo da derrama estadual” da competência da Requerida, “não se insere nas competências deste Tribunal Arbitral” relegando-se o seu concreto apuramento para a execução de sentença.
A Requerente formulou ainda um pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, por isso há que apurar se tem direito aos mesmos.
O art. 43.º, n.º 1, da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Sucede que, na presente hipótese, a atividade de cognição do tribunal respeita a uma decisão de indeferimento tácito de pedido de revisão de atos tributários e o art. 43.º, n.º 1 da LGT determina que, só são devidos juros indemnizatórios pela cobrança indevida, quando o contribuinte impugne ou reclame. Contudo, a “revisão oficiosa” constitui um instituto distinto da reclamação administrativa e da impugnação judicial.
A este respeito dispõe o art. 43.º, n.º 3 da LGT que: “São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…) c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária»”.
Assim, pedida a “revisão oficiosa” do ato tributário pelo contribuinte, se a AT exceder o prazo de um ano para proceder a tal revisão e se a decidir favoravelmente, só são devidos juros indemnizatórios após o decurso de um ano. E se o contribuinte tiver necessidade de recorrer à via judicial? À questão responde a jurisprudência afirmando que: “…se o contribuinte se vir obrigado a recorrer ao tribunal para obter uma decisão, porque a Administração, dentro ou fora daquele prazo, não reviu o ato, este contribuinte não é tratado diferentemente daquele que obteve a mesma decisão favorável pela via administrativa depois de decorrido um ano. À semelhança do interessado cujo pedido de revisão teve desfecho favorável ditado pela Administração decorrido mais de um ano, também aquele a quem só foi dada razão no tribunal passado esse tempo são devidos os mesmos juros. É que, em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração: ou porque tardou a decidir, ou porque decidiu em desfavor do contribuinte, vindo a mostrar-se, em juízo, que devia ter decidido ao contrário.” . Isto é, o art. 43.º, n.º 3, al. c) da LGT aplica-se a uma realidade distinta do reembolso ao contribuinte em resultado de “erro imputável aos serviços”, ou seja, a demora da AT na conclusão do procedimento de “revisão oficiosa”.
Revertendo tal interpretação para o caso concreto, se o pedido de revisão foi formulado no dia 10 de outubro de 2017 e a decisão do pedido de revisão oficiosa foi notificada à Requerente no dia 22 de maio de 2018, apenas são devidos juros indemnizatórios a partir do dia 11 de outubro de 2018.
V. DECISÃO
Termos em que se acorda no presente Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedentes as exceções dilatórias de caducidade do direito de ação e da incompetência material do tribunal arbitral;
b) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegal a liquidação adicional de IRC n.º 2014..., na parte em que determinou mais de 50,41% da parte de lucro tributável da Requerente que excede 2 000 000,00 €;
c) Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente da quantia paga em excesso, a determinar em execução de julgados;
d) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, com termo inicial no dia 11 de outubro de 2018;
e) Condenar a Requerida no pagamento das custas arbitrais.
VI- VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 66 680,01 €, nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII- CUSTAS
Custas a suportar pela Requerida, no montante de 2 448,00 €, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 28 de fevereiro de 2019
Fernanda Maçãs - Presidente
Francisco Nicolau Domingos (vogal)
Augusto Vieira (vogal)