Os árbitros Conselheira Maria Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. Paulo Quinas Raposeiro e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1. No dia 13 de julho de 2018, a sociedade comercial A..., S. A., NIPC ..., com sede no ..., ..., ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:
(i) Declaração de ilegalidade e anulação:
- da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2014, com o valor a pagar de € 101.702,41, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018..., nos montantes respetivamente de € 9.134,74 e € 8.200,76, e da respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., da qual resultou um montante total a pagar de € 182.253,50;
- da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2015, com o valor a pagar de € 230.933,88, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018..., nos montantes respetivamente de € 9.206,83 e € 14.149,40, e da respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., da qual resultou um montante total a pagar de € 373.569,44; e
- da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2016, com o valor a pagar de € 419.375,88, da liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no montante de € 11.487,91, e da respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., da qual resultou um montante total a pagar de € 419.375,88;
(ii) Restituição dos montantes de imposto e de juros compensatórios indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até à data do seu integral reembolso.
A Requerente juntou 3 (três) documentos e arrolou 4 (quatro) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outros meios de prova.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
No essencial, a Requerente alega vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação, nuclearmente, das normas constantes dos artigos 17.º e 18.º, n.º 1, do Código do IRC e a consequente anulabilidade, nas partes aplicáveis, das preditas liquidações de IRC.
Como resulta do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, essencialmente, nos seguintes argumentos:
Neste processo estão em causa os juros relativos a empréstimos em que o devedor, enfrentado enormes dificuldades financeiras, não consegue gerar cash flow suficiente para honrar os seus compromissos tendo iniciado um historial de incumprimento das prestações relativas à amortização do capital e pagamento de juros, o que constituiu evidência inquestionável sobre a reduzida possibilidade de fluírem benefícios económicos futuros para a Requerente.
Atento o disposto no artigo 17.º do Código do IRC, existe uma relação de dependência parcial da fiscalidade em relação à contabilidade uma vez que o apuramento do lucro tributável é feito com base na contabilidade, sem prejuízo das correções previstas no mesmo Código.
Esta relação de dependência verifica-se não só no apuramento do resultado, mas também ao nível dos conceitos e da terminologia utilizada, sendo por isso que o Código do IRC se limita a enunciar, de forma genérica, os princípios contabilísticos, sem ir ao detalhe correspondente ao das normas contabilísticas e, subsequentemente, define de forma exaustiva quais as correções que devem ser feitas ao resultado líquido, tendo em conta as especificidades e finalidades do imposto.
Assim, o Código do IRC assimila a generalidade dos princípios contabilísticos de valoração qualitativa e quantitativa dos elementos que integram o balanço e a demonstração de resultados e, exceto quando disponha de forma contrária, o conteúdo de conceitos comuns corresponde ao sentido veiculado pela contabilidade.
Por isso, o regime do acréscimo ou da periodização económica tem de ser contextualizado no quadro do SNC, pelo que, contextualizar o pressuposto do regime do acréscimo ou da periodização económica, reconduz-se a conhecer e aplicar previamente as regras que subjazem ao reconhecimento de rendimentos e de gastos.
No caso concreto, a questão fulcral é a de saber quando deve um determinado bem, em particular um rendimento, ser reconhecido como tal na demonstração de resultados. Como condição principal para o reconhecimento de um rendimento está o surgimento efetivo de um aumento de benefícios económicos futuros; deste modo, não havendo o surgimento de um efetivo aumento de benefícios económicos futuros, não estamos perante um item que possa ser qualificado como rendimento e consequentemente que possa ser refletido como tal numa demonstração de resultados.
No atinente aos juros, como decorre da NCRF 20, o rédito proveniente do uso por outros de um ativo da entidade que produza juros, deve ser reconhecido quando seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade e a quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada.
Não existem aqui dúvidas quanto à possibilidade do rédito poder ser fiavelmente mensurado, pois o que está em causa é a probabilidade dos benefícios económicos, no caso, os juros sob a forma de fluxos de caixa, fluírem para a entidade. Deste modo, se for provável que os juros sejam recebidos, o rendimento deve ser reconhecido, mas se for mais provável que os juros não venham a ser recebidos, o rendimento não deve ser reconhecido, até que essa incerteza seja removida.
Assim, quer do ponto de vista contabilístico quer do ponto de vista fiscal, em caso de incerteza ligada ao fluxo de benefícios económicos futuros, não devem ser reconhecidos os juros de acordo com o método do juro efetivo.
No caso concreto em apreço, a Requerente, em obediência ao que determina a NCRF 20, havendo uma fraca probabilidade de afluírem benefícios económicos decorrentes dos empréstimos concedidos à empresa sua participada “A... Brasil”, não reconheceu os juros de acordo com o método do juro efetivo e passou a considerá-los na justa medida do seu recebimento, uma vez que eram por demais evidentes as provas ao seu dispor que, segundo critérios plausíveis e de boa-fé, apontavam no sentido de não ser provável o ingresso no seu património de tais fluxos de benefícios.
Nesta conformidade, a Requerente entende que é ilegal a correção efetuada pela AT, fundamentada na suposta obrigação dos sujeitos passivos de IRC de utilizarem, em qualquer circunstância, o método do juro efetivo, por violação das regras de reconhecimento do rendimento (NCFR 20) que decorrem da normalização contabilística, aplicáveis por força do modelo de dependência parcial consagrado no artigo 17.º do Código do IRC.
Por último, a Requerente afirma que, apesar da ilegalidade das liquidações de IRC controvertidas, efetuou o pagamento das mesmas, sendo-lhe, por isso, devido o pagamento de juros indemnizatórios sobre os montantes indevidamente pagos.
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 23 de julho de 2018.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 5 de setembro de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 25 de setembro de 2018.
3. No dia 29 de outubro de 2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:
O procedimento de debitar os juros previstos nos contratos de empréstimos, isto é, de reconhecer contabilisticamente o respetivo rédito apenas quando a empresa já tem a expetativa certa do seu recebimento, ou melhor, na justa medida do seu recebimento, é um procedimento que contraria não só as normas contabilísticas (Estrutura Concetual e NCRF 20), como as normas fiscais (artigo 18.º do Código do IRC).
Tanto é que, nos três períodos em apreço, a Requerente procedeu ao reconhecimento e respetivo débito de juros à “A... Brasil”, ainda que de forma parcial relativamente ao previsto nos contratos de empréstimo com esta celebrados.
A argumentação aduzida pela Requerente é contraditória pois se, por um lado, afirma que não era provável, nos períodos em análise, que os benefícios económicos associados com a transação (empréstimos concedidos à “A... Brasil”) fluíssem para si (referindo depois já uma fraca probabilidade), por outro lado, salienta que, nesses mesmos períodos de crise, apostou na continuidade da “A... Brasil” e para isso teve de financiá-la durante o período de crise.
Por outro lado, a Requerente invoca que foi obrigada a reforçar o capital social da “A... Brasil”, em 2017, por conversão de empréstimos em capital social, deixando, portanto, de haver qualquer vencimento de juros para, por efeito do reforço do capital social da sua participada, se colocar na posição de ser remunerada por via de dividendos.
Com efeito, em 31.12.2016, a conta #411322624 sofre uma diminuição no valor de € 6.000.000,00, decorrente da sua conversão em capital social, pelo que quanto ao mesmo valor (de capital) não houve, nem haveria, na referida data, lugar ao vencimento de juros; em face do que em nada são alteradas as conclusões da Inspeção Tributária e respetivas correções, improcedendo pois a argumentação aduzida no sentido de que por via da citada conversão de empréstimos em capital deixou de haver qualquer vencimento de juros.
Noutra ordem de considerações, a AT propugna que, subsidiariamente, deverá atender-se aos gastos (encargos financeiros) suportados pela Requerente com os empréstimos obtidos, nos períodos sob análise, para financiar a sociedade “A... Brasil”. A este respeito, a AT preconiza que deve (sempre subsidiariamente) ser apurado o valor dos encargos financeiros (juros) eventualmente não aceites para efeitos fiscais, no que respeita a cada um dos referidos períodos, na esfera da Requerente; em face do que, relativamente aos períodos de 2015 e 2016, tendo os financiamentos concedidos pela Requerente sido ao longo do ano sempre superiores aos financiamentos pela mesma obtidos e sendo os juros suportados substancialmente superiores aos juros obtidos, relativos aos empréstimos concedidos a subsidiárias, verifica-se que a diferença (juros suportados – juros obtidos) constituem gastos (com juros de financiamento) fiscalmente não dedutíveis nos mencionados períodos, por aos mesmos não corresponderem quaisquer rendimentos tributáveis (somente sendo dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Por último, a AT afirma que não se vislumbrando qualquer erro imputável aos serviços, nem pagamento de montante de imposto superior ao devido, não se encontram reunidos os pressupostos para que haja lugar a juros indemnizatórios a favor da Requerente.
A Requerida não requereu a produção de prova e procedeu à junção do processo administrativo (doravante, PA) aos autos.
4. Por despacho de 27 de outubro de 2018, foram as Partes notificadas da designação da data para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.
No dia 8 de janeiro de 2019, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido, então, fixado o dia 25 de março de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral –, tendo-se, ainda, procedido à produção de prova testemunhal.
5. Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.
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II. SANEAMENTO
6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação de IRC, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).
O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
7. Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente tem por objeto social a fabricação de artigos de plástico e de componentes para veículos automóveis, estando inserida no grupo económico “F...” e sendo tributada em sede de IRC pelo regime geral de tributação. [cf. PA]
b) As declarações periódicas de rendimentos, Modelo 22 de IRC, registadas no sistema informático da AT, relativas à Requerente e aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, são as constantes do quadro seguinte [cf. PA]:
Período Tipo de Doc. Identificação do Doc. Data Receção Situação do Documento Identificação da Liquidação
2016 1 ... 17-05-2017 Liquidado - Transf. P/Cobrança 2017 2 91 0147726
2015 1 ... 24-05-2016 Liquidado - Transf P/Cobrança 2016 2 50 0068685
2014 1 ... 25-05-2015 Liquidado - Transf P/Cobrança 2015 2 51 0330635
c) A coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI2017..., OI2017... e OI2018..., inseridas no código de atividade 1212110228 – “Controlo Declarativo”, a Requerente foi sujeita a um procedimento interno de inspeção, de âmbito parcial, em sede de IRC, com referência aos períodos económicos de 2014, 2015 e 2016, direcionada para a análise interna da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC. [cf. PA]
d) Nessa sequência, foi elaborado o respetivo Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foram propostas as seguintes correções em sede de IRC, com os fundamentos que seguidamente também se enunciam [cf. PA]:
“I.3 – Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção
(…) nos períodos de 2014, 2015 e 2016, efetuaram-se correções à matéria coletável em sede de IRC, nos seguintes montantes:
IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS (IRC)
(…)
III.1. PERÍODO DE 2014
III.1.1 CORRECÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL
III.1.1.1. Juros de empréstimos concedidos - artigos 18.º, 17.º e 20.º do CIRC — € 609.678,38
O Sujeito Passivo registou na sua contabilidade empréstimos à sociedade A... Brasil, Ltda., nas rubricas #411322624. #411322625 e #411322626, ascendendo o respetivo saldo agregado, a 31.12.2014, a € 16.785.636.39, encontrando-se cada um dos empréstimos concedidos à mesma entidade suportado por contrato.
Relativamente ao que foi disponibilizado, a título exemplar relativamente aos restantes celebrados (entre as mesmas partes) em 2014, um "Contrato de Empréstimo", entre a A..., na qualidade de "Acionista Mutuante", e a A... Brasil Ltda., na qualidade de "Participada Mutuária”, com sede em São Paulo, Brasil, inscrita na CNPJ sob o n.º..., em 21 de julho de 2014, mediante o qual “I. A Acionista mutuante entrega à mutuária, neste ato, a quantia de Eur 200.000,00; II. A Participada mutuária se compromete a restituir à Acionista mutuante a quantia mutuada, até 05 de julho de 2021 com carência até 11 de julho de 2016, acrescida de juros de 9% (nove por cento) ao ano, os quais serão calculados a partir da data de assinatura deste contrato (data de transferência do numerário) até o dia da efetiva liquidação da divida." (sublinhado nosso).
Com respeito aos mencionados empréstimos à A... Brasil, Ltda., foram ainda, pelo Sujeito Passivo, remetidos os extratos contabilísticos referentes aos juros debitados, bem como as faturas respetivas, (…), aí referindo a A... que "os juros dos empréstimos à A... Brasil são debitados quando a empresa já tem expetativa certa do seu recebimento"
Não obstante, nem contabilisticamente nem fiscalmente depende o reconhecimento dos ganhos ou rendimentos do respetivo recebimento, em obediência ao princípio da periodização económica (denominado, na vigência do POC, por princípio da especialização dos exercícios ou do acréscimo; sendo, à luz do SNC, o regime do acréscimo ou da periodização económica um “pressuposto subjacente”).
Com efeito, estabelece o n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, sob a epígrafe 'Periodização do lucro tributável', que "Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica."
Prevendo, a título de exceção, o mesmo artigo 18.º, no seu n.º 2, que "As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas", disposição legal que não terá, nos períodos posteriores a 2014, aplicação, porquanto, como exposto, aquando do fecho de contas, em 31.12.2014, eram pelo sujeito passivo conhecidos os pressupostos [de acordo com a NCFR 20, parágrafos 29 e 30] do reconhecimento contabilístico do ganho financeiro em causa, com base no estatuído nos "Contratos de Empréstimo" suprarreferidos, celebrados com a A... Brasil [aí sendo definido que são devidos juros de 9% ao ano, calculados a partir da assinatura do contrato (data de transferência do numerário) até ao dia da liquidação da dívida]
Por seu lado, nos termos do n.º 1 (alínea c)) do artigo 20.º do Código do IRC [na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o Código do IRC], sob a epígrafe “Rendimentos e ganhos”, "Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:
(…)
c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”
Dispondo ainda o Código do IRC no n.º 1 do artigo 17.º sob a epígrafe “Determinação do lucro tributável”, que “0 lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”
Em face do que importa averiguar, designadamente, se os juros, respeitantes aos montantes mutuados, em 2014, pela A... à A... Brasil, ao abrigo do "Contrato de Empréstimo" supracitado bem como dos restantes Contratos de Empréstimo celebrados entra as duas entidades em 2014, foram objeto de contabilização em conformidade com os contratos que suportam a operação, atentos os montantes em dívida, e em conformidade com o pressuposto da periodização económica, fiscalmente imposta pelo artigo 18.º do Código do IRC.
Sobre este princípio fiscal, refere, designadamente, o Tribunal Central Administrativo Sul em acórdão de 25 de junho de 2002 (processo n.º 4587/00) que “O principio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do CIRC que determina que os custos fiscalmente relevantes são apenas aqueles que são imputáveis ao exercício em causa é aquele que respeita o principio constitucional ínsito no artigo 104.º da CRP que determina que a tributação real das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real pois reportando-se o IRC ao lucro tributável gerado em determinado período de tempo só os custos fiscalmente relevantes efectivamente suportados nesse período devem ser dedutíveis sob pena de não o respeitando se inquinar o resultado e deixar nas mãos do contribuinte a fixação do lucro tributável.” (sublinhado nosso).
No mesmo âmbito conclui o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 3 de março de 2016, relativo ao processo n.o 04403/10:
«I. O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios, tendo em vista a tributação do rendimento que se gera em cada um. Este princípio, consagrado no POC sob a designação de princípio de efectivação dos encargos, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.
II. Este princípio da especialização dos exercícios surqe como corolário do princípio da anualidade dos tributos. sendo ele o qarante da tributacão real, se tivermos em vista que com a imposição do tributo em causa se visa agravar apenas o fluxo de rendimento gerado num determinado período de tempo: razão pela qual apenas a esse período se deverão imputar os custos nele efectivamente suportados.
III. Todavia, a lei admite (por força de um outro princípio – o da solidariedade dos exercícios) exceções ao princípio em questão, dispondo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.
(...) por força do referido princípio da especialização dos exercícios, custos e proveitos são contabilizados à medida que sejam incorridos e obtidos e não à medida em que ocorram os respectivos pagamento e recebimento. Assim, imputam-se ao exercício os custos que, não suportados efectivamente nele, todavia emergem de operações nele realizadas; do mesmo modo, os proveitos ainda não arrecadados, mas resultantes de operações feitas durante um dado exercício, devem ser-lhe imputados.» (sublinhado nosso).
Em idêntico sentido ainda, refere a decisão arbitral (CAAD) de 17 de novembro de 2017, relativa ao processo n.º 56/2017-T, que "A inobservância da regra da periodização económica prevista no CIRC propiciaria a transferência de resultados de um período para o outro. Tendo como referência o revogado Plano Oficial de Contas, Tavares (1999:85) defende que “os princípios contabilístico e fiscal da especialização dos exercícios possuem, portanto, urna matriz de base comum. As divergências situam-se, apenas, ao nível da densidade vinculativa, especialmente nos casos patológicos de omissão, por mero lapso, na inscrição de determinadas rubricas (positivas ou negativas) no balanço competente". Segundo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 30/6/2009, Proc. n.º 02475/08, "o princípio da tributação do lucro real não conflitua. antes está intimamente relacionado com o princípio da especialização de exercícios e ambos estão conexionados com o princípio da anualidade, segundo o qual as empresas deverão apurar, no fim de cada ano, os resultados do exercício da atividade durante o mesmo período e decidir, desde logo, sobre o destino a dar aos mesmos resultados, quando positivos".
(…) a imputação a um período de tributação diferente é possível na hipótese de os gastos serem imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos à data de encerramento de contas.
Ou seja, a contabilização na rubrica de gastos designada "correções de exercícios anteriores” em 2011 encontra acolhimento nas justificadas exceções ao princípio da especialização dos exercícios previstas na lei: a imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas quando do encerramento de contas." (sublinhado nosso).
À luz do exposto, e com base nos extratos das rubricas contabilísticas #411322624 #411322625 e #411322626, e #7914, com referência ao período de 2014, onde se encontram contabilizados pelo Sujeito Passivo os empréstimos por si concedidos à A... Brasil, e respetivos juros, foi efetuado o recálculo dos juros que, nos termos da legislação supra, deveriam ter sido objeto de reconhecimento como rendimento naquele período, apresentado no quadro infra:
Porquanto, com base nos extratos das contas de empréstimo à A... Brasil (subcontas da #4113226) e nos citados "Contratos de Empréstimo" celebrados entre as duas entidades referidas, haveria lugar à contabilização, por parte do Sujeito Passivo, de um ganho, no período de 2014, no montante de € 1.279.642,62, independentemente do seu recebimento, em face do que, tendo a A... procedido ao reconhecimento contabilístico, neste período, de um ganho com juros no valor de € 669.964,24, haverá lugar, em conformidade com o disposto nos artigos 18.º, 20.º (alínea c) do n.º 1) e 17.º (n.º 1) do Código do IRC, à correção à matéria tributável do mesmo período, do Sujeito Passivo, no montante de € 609.678,38
Isto é, não obstante não ter sido efetuada, em 2014, a contabilização do referido valor (€ 609.678,38) a título de juros obtidos pelo Sujeito Passivo, deverá efetuar-se a correspondente correção para efeitos da determinação do lucro tributável do período em apreço.
III.2. PERÍODO DE 2015
III.2.1. CORREÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL
III.2.1.1. Juros de empréstimos concedidos – artigos 18.º, 17.º e 20.º do CIRC – € 1.397.989,67
O Sujeito Passivo registou na sua contabilidade empréstimos à sociedade A... Brasil, Ltda. nas rubricas #411322624, #411322625 e #411322626 ascendendo o respetivo saldo agregado, a 31.12.2015, a € 18.409.136,39, encontrando-se cada um dos empréstimos concedidos à mesma entidade suportado por contrato.
Relativamente ao que foi disponibilizado, a título exemplar relativamente aos restantes celebrados (entre as mesmas partes) em 2015, um "Contrato de Empréstimo", entre a A..., na qualidade de "Acionista Mutuante", e a A... Brasil, Ltda., na qualidade de "Participada Mutuária", com sede em São Paulo, Brasil; inscrita na CNPJ sob o n 0..., em 6 de fevereiro de 2015, mediante o qual “I. A Acionista mutuante entrega à mutuária, neste ato, a quantia de Eur 400.000,00; II. A Participada mutuária se compromete a restituir à Acionista mutuante a quantia mutuada, até 02 de fevereiro de 2022 com carência até 04 de agosto de 2017, acrescida de juros de 9% nove por cento ao ano os quais serão calculados a partir da data da assinatura deste contrato data de transferência do numerário até o dia da efetiva liquidação da dívida." (sublinhado nosso).
Com respeito aos mencionados empréstimos à A... Brasil Ltda. foram ainda pelo Sujeito Passivo remetidos os extratos contabilísticos referentes aos juros debitados, bem como as faturas respetivas, (…), aí referindo a A... que "os juros dos empréstimos à A... Brasil são debitados quando a empresa já tem expetativa certa do seu recebimento".
Não obstante, nem contabilisticamente nem fiscalmente depende o reconhecimento dos ganhos ou rendimentos do respetivo recebimento, em obediência ao princípio da periodização económica (denominado, na vigência do POC, por princípio da especialização dos exercícios ou do acréscimo; sendo, à luz do SNC, o regime do acréscimo ou da periodização económica um “pressuposto subjacente”).
Com efeito, estabelece o n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, sob a epígrafe “Periodização do lucro tributável”, que "Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica."
Prevendo, a título de exceção, o mesmo artigo 18.º, no seu n.º 2, que "As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas", disposição legal que não terá, nos períodos posteriores a 2015, aplicação, porquanto, como exposto, aquando do fecho de contas, em 31.12.2015, eram pelo sujeito passivo conhecidos os pressupostos [de acordo com a NCFR 20, parágrafos 29 e 30] do reconhecimento contabilístico do ganho financeiro em causa, com base no estatuído nos "Contratos de Empréstimo" suprarreferidos, celebrados com a A... Brasil [aí sendo definido que são devidos juros de 9% ao ano, calculados a partir da assinatura do contrato (data de transferência do numerário) até ao dia da liquidação da dívida]
Por seu lado, nos termos do n.º 1 (alínea c)) do artigo 20.º do Código do IRC [na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o Código do IRC], sob a epígrafe “Rendimentos e ganhos”, "Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:
(…)
c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”
Dispondo ainda o Código do IRC no n.º 1 do artigo 17.º sob a epígrafe “Determinação do lucro tributável”, que “0 lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”
Em face do que importa averiguar, designadamente, se os juros, respeitantes aos montantes mutuados, em 2015, pela A... à A... Brasil, ao abrigo do "Contrato de Empréstimo" supracitado bem dos restantes Contratos de Empréstimo celebrados entra as duas entidades em 2015, foram objeto de contabilização em conformidade com os contratos que suportam a operação, atentos os montantes em dívida, e em conformidade com o pressuposto da periodização económica, fiscalmente imposta pelo artigo 18.º do Código do IRC.
À luz do exposto, e com base nos extratos das rubricas contabilísticas #411322624 #411322625, #411322626, e #7914, com referência ao período de 2015, onde se encontram contabilizados pelo Sujeito Passivo os empréstimos por si concedidos à A... Brasil, e respetivos juros, foi efetuado o recálculo dos juros que, nos termos da legislação supra, deveriam ter sido objeto de reconhecimento como rendimento naquele período, apresentado no quadro infra:
Porquanto, com base nos extratos das contas de empréstimo à A... Brasil (subcontas da #4113226) e nos citados "Contratos de Empréstimo" celebrados entre as duas entidades referidas, haveria lugar à contabilização, por parte do Sujeito Passivo, de um ganho, no período de 2015, no montante de € 1.563.238,67, independentemente do seu recebimento: em face do que, tendo a A... procedido ao reconhecimento contabilístico, neste período, de um ganho com juros no valor de € 165.249,00, haverá lugar, em conformidade com o disposto nos artigos 18.º, 20.º (alínea c) do n.º 1) e 17.º (n.º 1) do Código do IRC, à correção à matéria tributável do mesmo período, do Sujeito Passivo, no montante de € 1.397.989,67
Isto é, não obstante não ter sido efetuada, em 2015, a contabilização do referido valor (€ 1.397.989,67) a título de juros obtidos pelo Sujeito Passivo, deverá efetuar-se a correspondente correção para efeitos da determinação do lucro tributável do período em apreço.
III.3. PERÍODO DE 2016
III.3.1. CORREÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL
III.3.1.1. Juros de empréstimos concedidos – artigos 18.º, 17.º e 20.º do CIRC – € 1.628.166,47
O Sujeito Passivo registou na sua contabilidade empréstimos à sociedade A... Brasil, Ltda. nas rubricas #411322624, #411322625, #411322626, #41112624, #41120002 e #411312624, ascendendo o respetivo saldo agregado, a 31.12.2016, a € 16.311.089,28, encontrando-se cada um dos empréstimos concedidos à mesma entidade suportado por contrato.
Relativamente ao que foi disponibilizado, a título exemplar relativamente aos restantes celebrados (entre as mesmas partes) em 2016, um "Contrato de Empréstimo", entre a A..., na qualidade de "Acionista Mutuante", e a A... Brasil, Ltda., na qualidade de "Participada Mutuária", com sede em São Paulo, Brasil; inscrita na CNPJ sob o n.º..., em 22 de março de 2016, mediante o qual “I. A Acionista mutuante entrega à mutuária, neste ato, a quantia de Eur 510.000,00; II. A Participada mutuária se compromete a restituir à Acionista mutuante a quantia mutuada, até 14 de setembro de 2020 com carência até 17 de setembro de 2018, acrescida de juros de 9% nove por cento ao ano os quais serão calculados a partir da data da assinatura deste contrato data de transferência do numerário até o dia da efetiva liquidação da dívida." (sublinhado nosso).
Com respeito aos mencionados empréstimos à A... Brasil Ltda. foi ainda pelo Sujeito Passivo remetido o extrato contabilístico referente aos juros debitados, (…).
Não obstante, nem contabilisticamente nem fiscalmente depende o reconhecimento dos ganhos ou rendimentos do respetivo recebimento, em obediência ao princípio da periodização económica (denominado, na vigência do POC, por princípio da especialização dos exercícios ou do acréscimo; sendo, à luz do SNC, o regime do acréscimo ou da periodização económica um “pressuposto subjacente”).
Com efeito, estabelece o n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, sob a epígrafe “Periodização do lucro tributável”, que "Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica."
Prevendo, a título de exceção, o mesmo artigo 18.º, no seu n.º 2, que "As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas", disposição legal que não terá, nos períodos posteriores a 2016, aplicação, porquanto, como exposto, aquando do fecho de contas, em 31.12.2016, eram pelo sujeito passivo conhecidos os pressupostos [de acordo com a NCFR 20, parágrafos 29 e 30] do reconhecimento contabilístico do ganho financeiro em causa, com base no estatuído nos "Contratos de Empréstimo" suprarreferidos, celebrados com a A... Brasil [aí sendo definido que são devidos juros de 9% ao ano, calculados a partir da assinatura do contrato (data de transferência do numerário) até ao dia da liquidação da dívida]
Por seu lado, nos termos do n.º 1 (alínea c)) do artigo 20.º do Código do IRC [na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o Código do IRC], sob a epígrafe “Rendimentos e ganhos”, "Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:
(…)
c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”
Dispondo ainda o Código do IRC no n.º 1 do artigo 17.º sob a epígrafe “Determinação do lucro tributável”, que “o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”
Em face do que importa averiguar, designadamente, se os juros, respeitantes aos montantes mutuados, em 2016, pela A... à A... Brasil, ao abrigo do "Contrato de Empréstimo" supracitado bem como dos restantes Contratos de Empréstimo celebrados entra as duas entidades no mesmo ano, foram objeto de contabilização em conformidade com os contratos que suportam a operação, atentos os montantes em dívida, e em conformidade com o pressuposto da periodização económica, fiscalmente imposta pelo artigo 18.º do Código do IRC.
À luz do exposto, e com base nos extratos das rubricas contabilísticas #411322624 #411322625, #411322626, #41112624, #41120002, #411312624 e #7914, com referência ao período de 2016, onde se encontram contabilizados pelo Sujeito Passivo os empréstimos por si concedidos à A... Brasil, e respetivos juros, foi efetuado o recálculo dos juros que, nos termos da legislação supra, deveriam ter sido objeto de reconhecimento como rendimento naquele período, apresentado no quadro infra:
Porquanto, com base nos extratos das contas de empréstimo à A... Brasil (subcontas da #411) e nos citados "Contratos de Empréstimo" celebrados entre as duas entidades referidas, haveria lugar à contabilização, por parte do Sujeito Passivo, de um ganho, no período de 2016, no montante de € 1.771.969,22, independentemente do seu recebimento: em face do que, tendo a A... procedido ao reconhecimento contabilístico, neste período, de um ganho com juros no valor de € 143.802,75, haverá lugar, em conformidade com o disposto nos artigos 18.º, 20.º (alínea c) do n.º 1) e 17.º (n.º 1) do Código do IRC, à correção à matéria tributável do mesmo período, do Sujeito Passivo, no montante de € 1.628.166,47
Isto é, não obstante não ter sido efetuada, em 2016, a contabilização do referido valor (€ 1.628.166,47) a título de juros obtidos pelo Sujeito Passivo, deverá efetuar-se a correspondente correção para efeitos da determinação do lucro tributável do período em apreço.
(…)
VIII.1. Juros Compensatórios
Nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, são devidos e serão apurados juros compensatórios, por remissão do artigo 102.º do Código do IRC, os quais se integram na própria divida do imposto e com o qual são conjuntamente liquidados.
(…)”
e) A Requerente foi notificada, através do ofício n.º... de 16.01.2018, remetido por correio registado (registo CTT RF ... PT), do predito Projeto de Relatório de Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o direito de audição prévia, o que a Requerente não fez. [cf. PA]
f) A Requerente foi notificada, através do ofício n.º ... de 05.03.2018, remetido por correio registado (registo CTT RF ... PT) com aviso de receção, do Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foram mantidas as preditas correções em sede de IRC, atinentes aos exercícios de 2014, 2015 e 2016. [cf. PA]
g) Sequentemente, a Requerente foi notificada [cf. documentos anexos ao pedido de pronúncia arbitral]:
(i) da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2014, com o valor a pagar de € 101.702,41, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018..., nos montantes respetivamente de € 9.134,74 e € 8.200,76, e da respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., da qual resultou um montante total a pagar de € 182.253,50, com data limite de pagamento a 26.04.2018;
(ii) da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2015, com o valor a pagar de € 230.933,88, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018 ... e 2018..., nos montantes respetivamente de € 9.206,83 e € 14.149,40, e da respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., da qual resultou um montante total a pagar de € 373.569,44, com data limite de pagamento a 26.04.2018; e
(iii) da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2016, com o valor a pagar de € 419.375,88, da liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no montante de € 11.487,91, e da respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., da qual resultou um montante total a pagar de € 419.375,88, com data limite de pagamento a 30.04.2018.
h) Em data concretamente não apurada, a Requerente efetuou o pagamento integral dos aludidos montantes de € 182.253,50, € 373.569,44 e € 419.375,88.
i) A Requerente trabalha no setor automóvel, essencialmente, para as diversas marcas do Grupo B... (..., ... e ...) e a constituição da empresa “A... Brasil” resultou de um investimento da Requerente, efetuado na sequência de um repto que lhe foi lançado por aquele grupo automóvel no sentido de instalar uma unidade industrial no Brasil, a fim de abastecer as suas empresas quer naquele país quer na América Latina. [cf. depoimento da testemunha C...]
j) Para além de, em 1999/2000, o Brasil ser um país com elevado potencial no setor automóvel, o que constituía um aliciante para investir nesse setor de atividade, se a Requerente não respondesse afirmativamente ao dito repto, deixaria de ser fornecedor global do Grupo B... e, por isso, perderia a preferência para dar cotações para novas encomendas. [cf. depoimento da testemunha C...]
k) A empresa “A... Brasil” foi constituída em 1998 e iniciou a sua produção em 2002, em modernas instalações próprias construídas na cidade de ..., Estado de São Paulo, tendo por atividade principal a conceção, desenvolvimento, engenharia e produção de sistemas e componentes funcionais para a indústria automóvel e de eletrodomésticos.
l) A implantação da empresa “A... Brasil” foi efetuada em duas fases de investimento: uma até 2001 e outra entre 2011 e 2014, em que foram investidos cerca de € 10.000.000,00 em duas fábricas, para aumentar a capacidade de produção. [cf. depoimentos das testemunhas C... e D...]
m) A Requerente, desde a constituição da empresa “A... Brasil”, sempre lhe efetuou e continua a efetuar empréstimos de diversos montantes, aos quais subjazem contratos de mútuo celebrados entre as duas empresas, nos quais são definidos os valores emprestados, os prazos e os respetivos juros. [cf. depoimento da testemunha C...]
n) Com especial incidência no período compreendido entre 2013 e 2016, a economia brasileira passou pela maior crise financeira, política e social dos últimos 50 anos, com a inflação a subir e o PIB a atingir valores negativos.
o) Tal retração na economia brasileira fez-se sentir igualmente no setor automóvel, tendo-se registado quebras superiores a 20% na produção de veículos novos, em virtude da redução generalizada do consumo e, particularmente, da compra de carros novos, tendo os consumidores, em geral, passado a recorrer ao mercado de viaturas usadas. [cf. depoimentos das testemunhas C... e D...]
p) O descrito contexto económico brasileiro desfavorável à atividade empresarial, teve repercussão na atividade da empresa “A... Brasil”, pois esta estava dimensionada para uma determinada capacidade de produção que foi constrangida a reduzir em virtude de não conseguir escoar a quantidade de produtos que produzia, pois não tinha a quem os vender na totalidade. [cf. depoimentos das testemunhas C... e D...]
q) No período compreendido entre 2014 e 2016, os meios libertos da atividade operacional da empresa “A... Brasil” foram sempre negativos, a saber [cf. documentos n.ºs 1, 2 e 3 anexos ao pedido de pronúncia arbitral]:
Período Fluxos de caixa das atividades operacionais (€)
2014 - 4.118.744,00
2015 - 1.153.945,00
2016 - 831.122,00
r) No mesmo período, a empresa “A... Brasil” apresentou os seguintes resultados negativos [cf. documentos n.ºs 1, 2 e 3 anexos ao pedido de pronúncia arbitral]:
Período Resultado líquido (€)
2014 - 3.158.615,00
2015 - 2.301.212,00
2016 - 877.573,00
s) No final do ano de 2015, os resultados transitados negativos já tinham consumido todo o capital próprio e representavam já mais do dobro do capital social da empresa “A... Brasil”, tendo sido a seguinte a evolução verificada no período compreendido entre 2011 e 1017 [cf. depoimento da testemunha C...]:
t) Nessa sequência, a “A... Brasil” teve de ser reestruturada (por exemplo, através da redução de 470 para 320 trabalhadores e da renegociação das compras e dos pagamentos a fornecedores), tendo deixado de cumprir integralmente com todas a suas obrigações perante terceiros, sendo que continuou a cumprir com os pagamentos aos respetivos trabalhadores e fornecedores – pela essencialidade de uns e de outros para a manutenção da respetiva atividade –, mas não conseguindo fazer o mesmo quanto ao serviço da dívida atinente aos financiamentos concedidos pela Requerente. [cf. depoimentos das testemunhas C... e D...]
u) Nos anos de 2014, 2015 e 2016, relativamente aos empréstimos concedidos pela Requerente, a “A... Brasil” deixou de pagar uma parte muito significativa das prestações de capital vencidas, nos termos vertidos no quadro seguinte [cf. depoimentos das testemunhas C..., D... e E...]:
Período Valor dos empréstimos em 31.12 (€) Prestações de capital vencidas (€) Prestações de capital pagas (€) Prestações de capital não pagas (€)
2014 16.785.636,00 1.164.818,00 687.863,00 476.955,00
2015 18.409.136,00 1.664.818,00 451.500,00 1.213.318,00
2016 14.304.916,00 3.164.568,00 451.500,00 2.713.068,00
v) No referido período e relativamente aos mesmos empréstimos, a “A... Brasil” pagou parcialmente os respetivos juros vencidos, tendo a Requerente reconhecido contabilisticamente os seguintes valores de juros: € 669.964,24 em 2014, € 165.249,00 em 2015 e € 143.802,75 em 2016. [cf. PA e depoimentos das testemunhas C..., D... e E...]
w) No mesmo período, a “A... Brasil” não conseguiu aceder a financiamento através de crédito bancário, junto do sistema financeiro do Brasil, em virtude da sua débil situação económica e financeira e, ainda, das elevadas taxas de juros praticadas pela banca brasileira, as quais chegavam a ascender a 35% ao ano. [cf. depoimentos das testemunhas C..., D... e E...]
x) Apesar de, no período de 2014 a 2016, se afigurar totalmente imprevisível aquela que seria a evolução da economia brasileira e a perspetiva de curto/médio prazo para a “A... Brasil” ser de quase colapso, a Requerente apostou na continuidade desta empresa, desde logo, por causa dos respetivos trabalhadores, mas também porque não tinha capacidade financeira para acomodar as perdas que adviriam da sua insolvência e sequente encerramento e, ainda, porque os mercados brasileiro e da América Latina são muito importantes para a Requerente e para o grupo “F...”. [cf. depoimentos das testemunhas C... e D...]
y) Por isso e atento o vertido no facto provado w), a Requerente continuou sempre a financiar a “A... Brasil”, apesar de esta não ter condições económicas e financeiras para cumprir com os compromissos daí advenientes, em matéria de amortização de capital e pagamento de juros, tendo a Requerente, no período em apreço, enviado cerca de € 10.800.00,00 para a “A... Brasil”. [cf. depoimentos das testemunhas C... e D...]
z) Tendo em vista a capitalização da “A... Brasil”, por via do reforço dos respetivos capitais próprios, tornando-os assim positivos, no ano de 2016, parte dos empréstimos concedidos pela Requerente àquela empresa foram transformados em prestações suplementares (“AFAC” (adiantamento para futuro aumento de capital), na terminologia brasileira), deixando de vencer juros e, em 2017 (com efeitos a 31.12.2016), parte dos mesmos empréstimos, concretamente quanto ao valor de € 6.000.000,00 (seis milhões de euros), foram convertidos em capital social, também aqui deixando de haver o vencimento de juros, tendo a Requerente, por efeito do reforço do capital social da sua participada, passado a ser remunerada por via de dividendos. [cf. depoimentos das testemunhas C... e E...]
aa) No período de 2002 a 2013, a Requerente procedia ao reconhecimento contabilístico dos juros devidos pela “A... Brasil”, decorrentes dos aludidos empréstimos, aplicando o método do juro efetivo, sendo que os mesmos, tal como as amortizações de capital, eram pontualmente pagos. [cf. depoimento da testemunha C...]
bb) No período de 2014 a 2016, por não ter qualquer perspetiva quanto ao seu recebimento, a Requerente passou a reconhecer contabilisticamente os mesmos juros quando tinha a expetativa realista, isto é, a certeza que iam ser pagos e, portanto que os ia receber, sendo que os juros debitados e reconhecidos nesse período foram efetivamente recebidos. [cf. depoimento da testemunha C...]
cc) A partir de 2017, a situação económica e financeira da “A... Brasil” conheceu uma melhoria significativa, designadamente em virtude da celebração de contratos com novos clientes do setor automóvel, pelo que a empresa começou novamente a conseguir cumprir com as suas obrigações perante terceiros, designadamente no tocante aos financiamentos concedidos pela Requerente, tendo esta voltado a adotar o método contabilístico mencionado no facto provado aa), quanto aos juros devidos [cf. depoimentos das testemunhas C... e D...]
dd) Em 13 de julho de 2018, foi apresentado o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]
*
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
7. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
*
§3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
8. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo e, ainda, na prova testemunhal produzida.
Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Requerente que foram inquiridas – C..., Diretor-Geral da empresa “F...” (sociedade holding do grupo de empresas onde se insere a Requerente e a “A... Brasil”) desde 1996 (matéria de facto a que foi inquirida: artigos 72.º a 113.º do pedido de pronúncia arbitral), D..., Diretor-Geral da empresa “A... Brasil” desde 2013 (matéria de facto a que foi inquirida: 91.º a 96.º e 98.º a 113.º do pedido de pronúncia arbitral) e E..., contabilista da empresa “A... Brasil” desde 2009 (matéria de facto a que foi inquirida; 91.º, 93.º a 98.º, 102.º a 107.º e 110.º do pedido de pronúncia arbitral), as quais depuseram de forma clara, objetiva e isenta sobre os factos aos quais foram inquiridas, com conhecimento direto dos mesmos, o que resultou revelado e comprovado pela forma circunstanciada como os explicitaram, pelo que os seus depoimentos mereceram total credibilidade –, as mesmas corroboraram, no essencial, a factualidade alegada pela Requerente, sobre a qual depuseram.
*
III.2. DE DIREITO
§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO
9. A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal consubstancia-se em saber se os juros respeitantes aos montantes mutuados pela Requerente à empresa “A... Brasil”, ao abrigo de contratos de empréstimo celebrados entre as duas entidades em 2014, 2015 e 2016 foram objeto de contabilização e de reconhecimento fiscal de forma consentânea com o princípio da periodização económica.
A Requerente entende que, como condição principal para o reconhecimento de um rendimento está o surgimento efetivo de um aumento de benefícios económicos futuros; assim, no atinente aos juros, como decorre da NCRF 20, o rédito proveniente do uso por outros de um ativo da entidade que produza juros, deve ser reconhecido quando seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade e a quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada.
A Requerente diz ainda que não existem dúvidas quanto à possibilidade do rédito poder ser fiavelmente mensurado, pois o que está em causa é a probabilidade dos benefícios económicos, no caso, os juros sob a forma de fluxos de caixa, fluírem para a entidade.
Nesta conformidade, a Requerente propugna que, se for provável que os juros sejam recebidos, o rendimento deve ser reconhecido, mas se for mais provável que os juros não venham a ser recebidos, o rendimento não deve ser reconhecido, até que essa incerteza seja removida; porquanto, quer do ponto de vista contabilístico quer do ponto de vista fiscal, em caso de incerteza ligada ao fluxo de benefícios económicos futuros, não devem ser reconhecidos os juros de acordo com o método do juro efetivo.
Nesta conformidade, a Requerente entende que são ilegais as correções efetuadas pela AT, fundamentadas na suposta obrigação dos sujeitos passivos de IRC de utilizarem, em qualquer circunstância, o método do juro efetivo, por violação das regras de reconhecimento do rendimento que decorrem da normalização contabilística (NCFR 20), aplicáveis por força do modelo de dependência parcial da fiscalidade em relação à contabilidade, consagrado no artigo 17.º do Código do IRC.
Por seu turno, a AT defende que o procedimento de debitar os juros previstos nos contratos de empréstimos, isto é, de reconhecer contabilisticamente o respetivo rédito apenas quando a empresa já tem a expetativa certa do seu recebimento, ou melhor, na justa medida do seu recebimento, é um procedimento que contraria não só as normas contabilísticas (Estrutura Concetual e NCRF 20), como as normas fiscais (artigo 18.º do Código do IRC).
O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
*
§2. DO MÉRITO
§2.1. O ENQUADRAMENTO LEGAL
A. DO BLOCO NORMATIVO APLICÁVEL
10. A apreciação jurídico-tributária da situação sub judice tem, necessariamente, de iniciar pela delimitação do bloco normativo aplicável, para o que é necessário convocar as normas legais que se afiguram concretamente relevantes, as quais serão consideradas na redação em vigor à época dos factos.
Assim, cumpre desde logo atender às seguintes normas:
Código do IRC
Artigo 3.º
Base do imposto
1. O IRC incide sobre:
a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas coletivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
(…)
2. Para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código.
Artigo 17.º
Determinação do lucro tributável
1. O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
(…)
3. De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
b) Refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeita ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.
Artigo 18.º
Periodização do lucro tributável
1. Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.
2. As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
(…)
Artigo 20.º
Rendimentos e ganhos
1. Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:
(…)
c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
(…)
Artigo 123.º
Obrigações contabilísticas das empresas
1. As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável.
(…)
Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística
(Aviso n.º 15652/2009, de 7 de setembro)
Pressupostos Subjacentes
Regime do acréscimo (periodização económica)
22. A fim de satisfazerem os seus objectivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo (ou da periodização económica). Através deste regime, os efeitos das transacções e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. (…)
Rendimentos
72. A definição de rendimentos engloba quer réditos quer ganhos. Os réditos provêm do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade sendo referidos por uma variedade de nomes diferentes incluindo vendas, honorários, juros, dividendos, royalties e rendas.
73. Os ganhos representam outros itens que satisfaçam a definição de rendimentos e podem, ou não, provir do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade. Os ganhos representam aumentos em benefícios económicos e como tal não são de natureza diferente do rédito. (…)
Reconhecimento dos elementos das demonstrações financeiras
80. Reconhecimento é o processo de incorporar no balanço e na demonstração dos resultados um item que satisfaça a definição de um elemento e satisfaça os critérios de reconhecimento estabelecidos no parágrafo 81. (…)
81. Um item que satisfaça a definição de uma classe deve ser reconhecido se:
(a) For provável que qualquer benefício económico futuro associado com o item flua para ou da entidade; e
(b) O item tiver um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.
(…)
Probabilidade de benefícios económicos futuros
83. O conceito de probabilidade é usado nos critérios de reconhecimento para referir o grau de incerteza em que os benefícios económicos futuros associados ao item fluirão para, ou de, a entidade. O conceito está em harmonia com a incerteza que caracteriza o ambiente em que uma entidade opera. As avaliações do grau de incerteza ligadas ao fluxo de benefícios económicos futuros são feitas com base nas provas disponíveis aquando da preparação das demonstrações financeiras. Por exemplo, quando for provável que uma dívida a receber devida por uma entidade venha a ser paga, é justificável então, na ausência de provas em contrário, reconhecer a dívida a receber como um activo. (…)
Reconhecimento de activos
87. Um activo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o activo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.
(…)
Reconhecimento de rendimentos
90. Um rendimento é reconhecido na demonstração dos resultados quando tenha surgido um aumento de benefícios económicos futuros relacionados com um aumento num activo ou com uma diminuição de um passivo e que possa ser quantificado com fiabilidade. Isto significa, com efeito, que o reconhecimento dos rendimentos ocorre simultaneamente com o reconhecimento de aumentos em activos ou com diminuições em passivos (…).
Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística
(Aviso n.º 8254/2015, de 29 de julho)
Pressupostos Subjacentes
Regime do acréscimo
22. A fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo. Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. (…)
Rendimentos
72. A definição de rendimentos engloba quer réditos quer ganhos. Os réditos provêm do decurso das atividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade sendo referidos por uma variedade de nomes diferentes incluindo vendas, honorários, juros, dividendos, royalties e rendas.
73. Os ganhos representam outros itens que satisfaçam a definição de rendimentos e podem, ou não, provir do decurso das atividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade. Os ganhos representam aumentos em benefícios económicos e como tal não são de natureza diferente do rédito. (…)
Reconhecimento dos elementos das demonstrações financeiras
80. Reconhecimento é o processo de incorporar no balanço ou na demonstração dos resultados um item que satisfaça a definição de um elemento e satisfaça os critérios de reconhecimento estabelecidos no parágrafo 81.
(…)
81. Um item que satisfaça a definição de uma classe deve ser reconhecido se:
a) For provável que qualquer benefício económico futuro associado com o item flua para ou da entidade; e
b) O item tiver um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.
(…)
Probabilidade de benefícios económicos futuros
83. O conceito de probabilidade é usado nos critérios de reconhecimento para referir o grau de incerteza em que os benefícios económicos futuros associados ao item fluirão para, ou de, a entidade. O conceito está em harmonia com a incerteza que caracteriza o ambiente em que uma entidade opera. As avaliações do grau de incerteza ligadas ao fluxo de benefícios económicos são feitas com base nas provas disponíveis aquando da preparação das demonstrações financeiras. Por exemplo, quando for provável que uma dívida a receber devida por uma entidade venha a ser paga, é justificável então, na ausência de provas em contrário, reconhecer a dívida a receber como um ativo. (…)
Reconhecimento de ativos
87. Um ativo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o ativo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.
(…)
Reconhecimento de rendimentos
90. Um rendimento é reconhecido na demonstração dos resultados quando tenha surgido um aumento de benefícios económicos futuros relacionados com um aumento num ativo ou com uma diminuição de um passivo e que possa ser quantificado com fiabilidade. Isto significa, com efeito, que o reconhecimento dos rendimentos ocorre simultaneamente com o reconhecimento de aumentos em ativos ou com diminuições em passivos (…).
Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF)
(Aviso n.º 15655/2009, de 7 de setembro)
NCRF 20 – Rédito
Esta Norma Contabilística e de Relato Financeiro tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 18 – Rédito, adoptada pelo texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro.
(…)
Objectivo
1. O objectivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever o tratamento contabilístico de réditos, entendidos como os rendimentos que surgem no decurso das actividades ordinárias de uma entidade, como, por exemplo, vendas, honorários, juros, dividendos e royalties.
A questão primordial na contabilização do rédito é a de determinar quando reconhecer o mesmo. O rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados. Esta Norma identifica as circunstâncias em que estes critérios serão satisfeitos e, por isso, o rédito será reconhecido.
Âmbito
2. Esta Norma deve ser aplicada na contabilização do rédito proveniente das transacções e acontecimentos seguintes:
(…)
c) Uso por outros de activos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos.
(…)
5. O uso, por outros, de activos da entidade dá origem a rédito na forma de:
a) Juros – encargos pelo uso de dinheiro ou seus equivalentes ou de quantias devidas à entidade;
(…)
Reconhecimento do rédito
(…)
Juros, royalties e dividendos
29. O rédito proveniente do uso por outros de activos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos deve ser reconhecido nas bases estabelecidas no parágrafo 30, quando:
a) Seja provável que os benefícios económicos associados com a transacção fluam para a entidade; e
b) A quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada.
30. O rédito deve ser reconhecido nas seguintes bases:
a) Os juros devem ser reconhecidos utilizando o método do juro efectivo;
(…)
33. O rédito somente é reconhecido quando seja provável que os benefícios económicos inerentes à transação fluam para a entidade. (…)
Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF)
(Aviso n.º 8256/2015, de 29 de julho)
NCRF 20 – Rédito
Objetivo
1. O objetivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever o tratamento contabilístico de réditos, entendidos como os rendimentos que surgem no decurso das atividades ordinárias de uma entidade, como, por exemplo, vendas, honorários, juros, dividendos e royalties. A questão fundamental na contabilização do rédito é a de determinar quando reconhecer o mesmo. O rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados. Esta Norma identifica as circunstâncias em que estes critérios serão satisfeitos e, por isso, o rédito reconhecido. (…)
Âmbito
2. Esta Norma deve ser aplicada na contabilização do rédito proveniente das transações e acontecimentos seguintes:
(…)
c) Uso por terceiros de ativos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos.
(…)
5. O uso, por terceiros, de ativos da entidade dá origem a rédito na forma de:
a) Juros: encargos pelo uso de dinheiro ou seus equivalentes ou de quantias devidas à entidade;
(…)
Reconhecimento do rédito
(…)
Juros, royalties e dividendos
29. O rédito proveniente do uso por outros de ativos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos deve ser reconhecido nas bases estabelecidas no parágrafo 30, quando:
a) Seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade; e
b) A quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada.
30. O rédito deve ser reconhecido nas seguintes bases:
a) Os juros devem ser reconhecidos utilizando o método do juro efetivo;
(…)
33. O rédito apenas é reconhecido quando seja provável que os benefícios económicos inerentes à transação fluam para a entidade. (…)
Data de eficácia
34. Uma entidade deve aplicar esta Norma para os períodos com início em ou após 1 de janeiro de 2016. (…)
*
B. DA RELAÇÃO ENTRE A CONTABILIDADE E A FISCALIDADE
11. Como é dito por Saldanha Sanches, encontramos proclamado na Constituição, “sem ambiguidades e com muito poucas restrições, o direito subjectivo dos sujeitos passivos de IRC – as empresas – a serem tributados segundo o seu lucro real – artigo 104.º, n.º 2. (…)
O lucro real é um conceito-chave do direito constitucional fiscal das empresas, tal como as necessidades e os rendimentos do agregado familiar o são em relação às pessoas singulares. (…)
A tributação do lucro efectivo ou real das empresas constitui um processo complexo que implica a atribuição do processo de determinação do facto tributário ao sujeito passivo. O imposto será determinado não apenas com base na declaração do sujeito passivo, mas também com base num conjunto de elementos de prova por este recolhidos e que constituem a sua escritura comercial (documentos que justificam os lançamentos contabilísticos). (…)
A determinação dos lucros passa a ser feita de acordo com o balanço e a elaboração do balanço passa a ser o objecto de um conjunto de normas fiscais, as quais fazem com que, a partir do modelo de balanço criado e regulado pelo Direito Comercial (o balanço comercial), surja um balanço fiscal. (…)
Temos, pois, o balanço fiscal como balanço comercial corrigido, tal como se encontra determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC. O balanço fiscal é suportado pelo mesmo sistema de recolha e registo de informação que vai conduzir ao balanço comercial.
(…)
As normas criadas pelo Código do IRC para a tributação das empresas segundo a sua contabilidade têm, como sentido fundamental, criar limites às faculdades de escolha do decisor contabilístico, no sentido de evitar comportamentos abusivos e tornar mais fácil o controlo fiscal das empresas.
(…)
Por exemplo, quando o Código do IRC definiu, no seu artigo 18.º, sob a epígrafe “A Periodização do Lucro Tributável”, regras sobre o exercício em que os custos ou proveitos da empresa devem ser considerados, criou normas que são vinculativas na área do direito Fiscal e na área do Direito Comercial. (…)
O conceito de lucro tributável é, pois, o resultado de uma complexa e minuciosa previsão normativa (o balanço torna-se uma factispécie tributária) onde o ordenamento jurídico acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas. (…)
É da natureza funcional do balanço que resulta que qualquer variação patrimonial que seja realizada deve, em princípio, reflectir-se no aumento ou diminuição do lucro tributável.”
É por isso que, segundo o mesmo autor, “[o] principal dever de cooperação as empresas – uma vez que actua como um pressuposto para o cumprimento das restantes – é a exigência contida no artigo 98.º [artigo 123.º, na redação aqui aplicável] do Código do IRC (…)”.
Nesta senda, Rui Duarte Morais afirma que reside aqui a explicação para “que a lei fiscal assuma o lucro contabilístico como o “valor” de onde se deve partir no apuramento do lucro tributável, ou seja, consagre um modelo de dependência parcial entre lucro contabilístico e lucro tributável.
Porém, estas duas “visões” do lucro não se identificam, pelo que os valores do lucro contabilístico e do lucro fiscal dificilmente coincidirão. Não porque correspondam a realidades substancialmente diversas, mas, apenas, por ser diferente o prisma de avaliação (os concretos interesses em causa) que preside à quantificação de cada um deles.”
A este propósito, Clotilde Celorico Palma diz que “o modelo de dependência parcial é a forma ideal de apuramento do lucro fiscal, dado que a Contabilidade, na precisa descrição do comportamento global da empresa, quantifica fielmente o lucro empresarial. Lucro contabilístico e lucro fiscal não se contrapõem como realidades distintas, podendo o rédito fiscal repousar sobre as regras contabilísticas, compatibilizando-se e salvaguardando-se os respecivos interesses específicos.” Nesta conformidade, ainda segundo a mesma autora, “o resultado contabilístico é a base geral e o ponto de partida do lucro tributável, sendo posteriormente submetido a ajustamentos extra contabilísticos positivos e negativos tendo em vista o apuramento definitivo do resultado fiscal. Ou seja, neste caso, a determinação da matéria colectável realiza-se por dois patamares. Num primeiro, pela aceitação acrítica das regras contabilísticas de apuramento do resultado líquido, que funcionam como um prius relativamente à regulação fiscal do balanço, numa segunda fase prevêem-se correcções devidas a autónomas valorações da lei fiscal.” A mesma autora conclui, então, que o “conceito de lucro tributável entre nós, é, assim, o resultado de uma complexa e minuciosa previsão normativa – o balanço torna-se um factispécie tributário – onde o ordenamento jurídico acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas.”
No mesmo sentido, Manuel Henrique de Freitas Pereira diz que “a contabilidade fornece uma base conceptual para o recorte operacional do lucro tributável, mas, dados os objectivos e princípios que enquadram a fiscalidade, não pode haver uma identificação entre este e o resultado contabilístico pois a contabilidade tem também objectivos e princípios que lhe são próprios e que devem ser salvaguardados.”
Ainda a este propósito e em igual sentido, Filipe de Vasconcelos Fernandes afirma que, “quanto ao apuramento do lucro tributável, a relação entre o Direito Fiscal e o Direito Contabilístico, repousa sobre uma relação de dependência parcial, na qual o resultado contabilístico é a base e o ponto de partida para a determinação do lucro tributável, sendo este último submetido a ajustamentos extracontabilísticos, de ordem positiva e negativa, tendo em vista o apuramento definitivo do resultado fiscal. (…) determinadas normas fiscais podem assim ser consideradas normas contabilísticas, no sentido de normas jurídicas que exprimem ou concretizam princípios contabilísticos: princípios que se tornam vinculativos para as empresas pela sua transformação em normas jurídicas, isto é, pela sua positivação; veja-se o caso da especialização de exercícios, atualmente constante no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC. (…) balanço fiscal torna-se um Tatbestand, por intermédio do qual o sistema fiscal português acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas, sem abdicar da construção de um pressuposto normativo de incidência especificamente fiscal.” Assim, segundo o mesmo Autor, “[a]o repousar numa expressa remissão para o Direito Contabilístico, a lei fiscal procede a uma receção da técnica contabilística, atribuindo-lhe os efeitos de uma inclusão na normatividade fiscal, sob o espetro de uma relação de dependência parcial que cabe aos sujeitos passivos respeitar e oferecer concretização.”
*
C. DO PRINCÍPIO DA PERIODIZAÇÃO ECONÓMICA
12. O princípio da periodização económica ou da especialização dos exercícios está positivado no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC e traduz-se na regra de que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam.
No n.º 2 daquele mesmo artigo 18.º prevê-se uma exceção para as componentes positivas ou negativas do lucro tributável que, na data do encerramento das contas de determinado exercício, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
O princípio da especialização dos exercícios deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidades de gestão e de informação, sendo «caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde», impondo essa especialização «a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses» ; desta forma, «a periodização anual do imposto implica que tanto os rendimentos como os gastos (e as variações patrimoniais fiscalmente relevantes) sejam imputados a cada período de tributação. Esta imputação resulta essencialmente da aplicação das normas contabilísticas, justamente porque o nosso legislador entendeu que as regras de periodização aí previstas oferecem um sistema coerente, fiável e eficaz também para efeitos fiscais.»
Como é mencionado por Tomás Cantista Tavares, “a periodização temporal dos proveitos e dos gastos é uma característica imanente à noção de rendimento. O rédito obtém-se pela comparação entre dois pontos temporais definidos. (…)
A periodização do rendimento das sociedades encaixa-se, assim, em dois magnos princípios que se interpenetram numa relação de complementaridade – e por vezes de contraposição: por um lado, o conjunto das regras técnicas e operacionais que definem a imputação temporal das componentes positivas e negativas do rendimento, aglutinadas no chamado princípio prático da especialização dos exercícios ou, na actual nomenclatura, no princípio do acréscimo. Por outro lado, o princípio material da justiça, concretizado, em grande medida, na regra da solidariedade dos exercícios, onde na constatação da real continuidade do rendimento, se permite uma certa interpenetração entre os vários períodos temporais, que não funcionam assim como compartimentos completamente estanques. (…)
O princípio da especialização dos exercícios (do acréscimo ou da periodização económica) tem fonte contabilística [parágrafo 22 da Estrutura Conceptual] e reprodução tributária.”
A importância e razão de ser do princípio da periodização económica resultam evidentes se se tiver presente que «a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo a, designadamente:
a) Diferir no tempo os lucros;
b) Fraccionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objectivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;
c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efectivar deduções mais avultadas (v. g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).»
Efetivamente, existem, «em abstracto, dois tipos de erros fiscais ligados à imputação temporal das componentes positivas e negativas do rédito ao exercício competente:
- a omissão ou esquecimento (erro voluntário ou involuntário): conhece-se a regra, que é indisputável, mas por algum motivo (ilegítimo ou justificado) não se regista o proveito ou o custo no ano devido;
- a álea ou abertura interpretativa: errónea inscrição temporal dum proveito ou um custo, efectuada, todavia, com base numa interpretação plausível da regra fiscal (geral ou específica) da especialização dos exercícios, regra essa que possui um conteúdo aplicativo equívoco (ou não concludente) diante do caso concreto.»
É, pois, vedado aos contribuintes definirem como bem entenderem ou segundo critérios de oportunidade ou, ainda, em conformidade com a sua estratégia comercial ou de gestão, o timing para declararem os proveitos e os custos decorrentes da sua atividade comercial ou industrial, porquanto lhes são legalmente impostos limites e regras para o efeito, designadamente no sentido de os obrigar a imputar esses proveitos e custos ao exercício a que digam respeito.
Assim, todos os custos e proveitos que sejam reconhecidos em determinada data devem ser registados no exercício a que correspondem de modo a que se produza uma imagem fidedigna da posição da empresa para esse período; ou seja, devem ser imputados «ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro» (acórdão do STA, proferido em 02/04/2008, no processo n.º 0807/07, disponível em www.dgsi.pt). Como afirma Rui Duarte Morais, «a imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efectuadas afectam o respectivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respectivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos.»
Não obstante o que se vem de dizer, como salienta Tomás Cantista Tavares, os tribunais nacionais já se confrontaram «com o problema da compaginação entre o interesse tributário e os erros contabilísticos e fiscais da especialização dos exercícios. Com a questão da hipotética aceitação fiscal (e, em caso afirmativo, sob que condições) duma errónea inscrição contabilística, em violação formal do princípio da especialização dos exercícios; com a admissibilidade do registo fiscal de um custo ou de um proveito num ano diverso (anterior ou posterior) ao da sua correcta imputação temporal.
A Jurisprudência gira em torno de duas teses antagónicas:
a) a corrente primitiva, de cariz formal e legalista, não admite quaisquer violações do princípio da especialização de exercícios;
b) a tese actual, de cariz material, aceita a violação formal do princípio da especialização, desde que essas inscrições erróneas não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.
(…)
Esta corrente jurisprudencial [a tese primitiva] não pactua com a violação da regra legal da especialização de exercícios. Não aceita a inscrição duma rubrica (positiva ou negativa) do rendimento, em exercício diverso do que lhe compete. Fica-se pelo mero enunciado do princípio. Sobrevaloriza-o face à ponderação doutros factores de justiça material, como a interferência em exercício alheio ao objecto do processo ou ao atendimento de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação plausível dum comando complexo).
(…)
A Jurisprudência consente, actualmente, a violação formal do princípio da especialização de exercícios, desde que não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios. Aceita a inscrição dum custo ou proveito em exercício diverso do que lhe competia, por intervenção de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação séria e plausível dum comando complexo, assente em interpretações abertas e dúbias da sua estatuição).
(…)
A tese actual (…) rompe com o facilitismo do formalismo legalista. Procura a solução material e justa. Faz prevalecer um princípio estrutural (capacidade contributiva) sobre uma regra operacional (especialização de exercícios). O seu ponto de partida é irrepreensível: se a sociedade incorreu num verdadeiro custo, esse decaimento tem de modelar, obrigatoriamente, o rédito fiscal. A convenção formal da especialização não tem o condão de impedir o efeito material, nem de torná-lo excessivamente oneroso ou complexo. O mesmo se passa, mutatis mutandis, com os proveitos. Contribuem uma só vez para o lucro (…)»
Com efeito, constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que a rigidez do princípio da especialização dos exercícios tem de ser temperada com a invocação do princípio da justiça – nomeadamente, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado –, o qual funcionará então como uma válvula de escape. Neste sentido, ficou lapidarmente consignado o seguinte no acórdão proferido em 19/11/2008, no processo n.º 0325/08 (disponível em www.dgsi.pt) :
«O princípio da justiça é um princípio básico que deve enformar toda a actividade da Administração Tributária, como resulta do preceituado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.
Embora estes princípios constitucionais tenham um domínio primacial de aplicação no que concerne aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, introduzindo neste exercício aspectos vinculados cuja não observância é susceptível de constituir vício de violação de lei, a sua relevância não se esgota nos actos praticados no exercício desses poderes discricionários.
Na verdade, por um lado, o texto do art. 266.º da CRP não deixa entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa, pelo que, em princípio, dever-se-á fazer tal aplicação, se não se demonstrar a sua inviabilidade.
Por outro lado, na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, com primazia para o direito constitucional, como impõe o princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do CC).
Não se pode afirmar, que, nos casos de exercício de poderes vinculados, a obediência a uma determinada lei ordinária se sobrepõe aos princípios constitucionais referidos, pois estes princípios fazem também parte do bloco normativo aplicável, eles são também definidores da legalidade e, como normas constitucionais, são de aplicação prioritária em relação ao direito ordinário.
Tanto são normas legais a primeira parte do n.º 2 do art. 266.º da CRP, que impõe à Administração a observância do princípio da legalidade (…), como a sua segunda parte em que se prevêem os outros princípios e que generalizadamente impõem os modelos de actuação de toda a actividade administrativa, como também é uma norma legal a que, em determinada situação específica, prevê uma determinada actuação da Administração, designadamente, no caso em apreço, a aplicação do princípio da especialização dos exercícios (art. 18.º, n.º 1, do CIRC).
Por isso, para definir a legalidade a que a Administração está vinculada, terão de se ter em conta todas essas normas e fazer uma ponderação e escolha entre elas caso a sua aplicação global, abstractamente compatível, se demonstre inviável em determinada situação concreta.
Assim, (…), do referido art. 18.º, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes.
Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição.
Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.»
Neste mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul da seguinte forma :
«I - O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.
II - Tal princípio sofre as excepções, previstas na lei, quais sejam: nos casos em que haja imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas e das obras de carácter plurianual (artigos 18.º, n.ºs 2 e 5 e 19.º do CIRC); nas situações em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte e quando esse erro não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar as transferências de resultados entre exercícios.»
«I. O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios, tendo em vista a tributação do rendimento que se gera em cada um. Este princípio, consagrado no POC sob a designação de princípio de efectivação dos encargos, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.
II. Este princípio da especialização dos exercícios surge como corolário do princípio da anualidade dos tributos, sendo ele o garante da tributação real, se tivermos em vista que com a imposição do tributo em causa se visa agravar apenas o fluxo de rendimento gerado num determinado período de tempo: razão pela qual apenas a esse período se deverão imputar os custos nele efectivamente suportados.
III. Todavia, a lei admite (por força de um outro princípio – o da solidariedade dos exercícios) excepções ao princípio em questão, dispondo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.»
Na jurisprudência tributária do CAAD, também constatamos o mesmo sentido decisório, entre outros, nos acórdãos proferidos em 24/11/2014, no processo n.º 367/2014-T, em 22/01/2016, no processo n.º 262/2015-T, em 29/04/2016, no processo n.º 588/2015-T, em 15/12/2017, no processo n.º 244/2017-T e em 24/10/2017, no processo n.º 233/2017-T (disponíveis em www.caad.org.pt/tributário/decisoes), respigando-se aqui o seguinte segmento deste último aresto:
«(…) Questão da prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios
O princípio da justiça, invocado pela Requerente, é imposto à globalidade da actividade da Administração Tributária pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.
Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração Tributária ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando delas decorra um resultado manifestamente injusto.
A aplicação do princípio da justiça será de sobrepor ao princípio da especialização dos exercícios nos casos em que do incumprimento não tenha resultado prejuízo para o erário público e aquele não tenha sido concretizado intencionalmente com o objectivo de obter vantagens fiscais.
O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado este entendimento, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), (…), desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios».
A própria Administração Tributária há muito reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial:
“Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:
a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:
- está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;
- o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;
- o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.
b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.”
(…)
Nos casos em que o Supremo Tribunal Administrativo tem admitido que deva prevalecer o princípio da justiça sobre a legalidade estrita relativa ao princípio da especialização dos exercícios são situações em que da não observância desse princípio não advém qualquer prejuízo para o erário público, nomeadamente situações em que o sujeito passivo não obteve vantagens ou até foi prejudicado pelo erro que praticou na aplicação do princípio da especialização dos exercícios. Em situações desse tipo, não se pode justificar que seja infligida ao contribuinte uma maior oneração fiscal, em nome de um respeito fetichista e acrítico pela observância da legalidade e à margem de qualquer perspectiva de prossecução do interesse público, que é o dever primacial a observar pela Administração Pública, como decorre do n.º 1 do artigo 266.º da CRP.»
Acompanhando este entendimento jurisprudencial, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa preconizam a seguinte posição quanto à aplicação do princípio da especialização dos exercícios:
«Quando há divergência entre o critério do contribuinte e o da administração fiscal sobre a imputação de determinado ganho ou perda a determinado exercício esta deve proceder a correcção da matéria colectável, fazendo acrescer o proveito ou custo ao ano a que entende que ele deve respeitar e, correspondentemente, deveria abater tal proveito ou custo à matéria colectável do ano ao qual o contribuinte a imputou.
Com este procedimento, não haverá qualquer situação de injustiça, pois ao acréscimo de imposto em determinado ano, corresponderá uma diminuição tendencialmente semelhante noutro, não havendo, assim, tributação de um mesmo proveito em dois exercícios ou não dedução em qualquer deles de um custo que deva ser considerado.
Porém, em certas situações em que a correcção é efetuada no último ano em que pode ser feita e tem por objecto um custo que deveria ter sido considerado no exercício anterior, não é já (ou pode não ser já) possível corrigir a matéria colectável desse anterior ano, por ter já transcorrido o prazo em que podiam ser efectuadas correcções. O mesmo sucede quando, embora no momento em que a administração fiscal faz a alteração da matéria colectável fosse possível efectuar a correspondente correcção no ano a que se entende ser de imputar os custos, ela não o faz e, com o decurso do tempo, se torna inviável fazê-lo.
Nestas condições, se a administração fiscal tinha razão na correcção que efectuou, o contribuinte, em princípio, teria sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável, pois, abatendo um custo no ano seguinte àquele em que o deveria ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer no ano seguinte e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir.
Assim, no caso de não poder ser feita já a correcção relativamente ao ano anterior, o contribuinte, que já era o único prejudicado pelo seu erro, veria ainda agravada a sua situação, vendo-se impossibilitado de efectuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. A administração fiscal, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não tinha direito.
Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.
Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça.
Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.
Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar.
Consequentemente, serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações de injustiça deste tipo.»
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§2.2. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA
13. Feito o necessário enquadramento legal e, dentro deste, analisada a relação entre contabilidade e fiscalidade e dissecado o princípio da periodização económica, estamos agora munidos dos elementos normativos, doutrinais e jurisprudenciais que nos habilitam a enfrentar o caso concreto e a dar resposta ao thema decidendum deste processo.
No caso concreto, está comprovada a seguinte factualidade que importa, agora, convocar:
- a constituição da empresa “A... Brasil” é resultante de um investimento da Requerente, realizado na sequência de um repto que lhe foi lançado pelo Grupo B... no sentido de instalar uma unidade industrial no Brasil, a fim de abastecer as suas empresas quer naquele país quer na América Latina, sendo que se a Requerente não avançasse com esse investimento veria seriamente comprometida a sua relação comercial com aquele importante grupo automóvel;
- desde a constituição da empresa “A... Brasil”, a Requerente sempre lhe efetuou e continua a efetuar empréstimos de diversos montantes, aos quais subjazem contratos de mútuo celebrados entre as duas empresas, nos quais são definidos os valores emprestados, os prazos e os respetivos juros;
- no período compreendido entre 2013 e 2016, a economia brasileira passou pela maior crise financeira, política e social dos últimos 50 anos, o que se repercutiu negativamente no setor automóvel, com quebras superiores a 20% na produção de veículos novos, e, por consequência, na “A... Brasil”, que foi constrangida a reduzir a respetiva atividade e a aplicar um plano de reestruturação;
- nos anos de 2014 a 2016, os meios libertos da atividade operacional da “A... Brasil” foram sempre negativos, sendo que, no final de 2015, os resultados transitados negativos já tinham consumido todo o capital próprio e representavam já mais do dobro do respetivo capital social;
- nos anos de 2014, 2015 e 2016, a “A... Brasil” deixou de cumprir generalizadamente as suas obrigações perante terceiros, sendo que, relativamente aos empréstimos concedidos pela Requerente, deixou de pagar uma parte muito significativa das prestações de capital vencidas e pagou, apenas, parcialmente os respetivos juros vencidos;
- a fim de capitalizar a “A... Brasil”, através do reforço dos respetivos capitais próprios, no ano de 2016, parte dos empréstimos que lhe foram concedidos pela Requerente foram transformados em prestações suplementares e, em 2017 (com efeitos a 31.12.2016), parte dos mesmos empréstimos, concretamente quanto ao valor de € 6.000.000,00 (seis milhões de euros), foram convertidos em capital social;
- os juros devidos pela “A... Brasil” à Requerente, decorrentes dos aludidos empréstimos, eram por esta reconhecidos, entre 2002 e 2013, segundo o princípio da especialização dos exercícios e, entre 2014 e 2016, por inexistir qualquer perspetiva quanto ao seu recebimento, os mesmos eram reconhecidos quando havia a certeza que iam ser pagos e, portanto, que iam ser recebidos.
Constitui entendimento da AT – nos exatos termos vertidos no RIT – que, nem contabilística nem fiscalmente, o reconhecimento dos ganhos ou rendimentos depende do respetivo recebimento, atento o princípio da periodização económica; pelo que, os juros respeitantes aos montantes mutuados, em 2014, 2015 e 2016, pela Requerente à “A... Brasil”, ao abrigo dos citados Contratos de Empréstimo celebrados entra as duas entidades naqueles anos, não foram objeto de contabilização em conformidade com esses mesmos contratos (atentos os montantes em dívida) e, portanto, em desconformidade com o princípio da periodização económica; concretizando, diz a AT:
- no ano de 2014, haveria lugar à contabilização de um ganho com juros no montante de € 1.279.642,62, independentemente do seu recebimento, pelo que tendo a Requerente procedido ao reconhecimento contabilístico, neste período, de um ganho com juros no valor de € 669.964,24, haverá lugar à correção à matéria tributável do mesmo período no montante de € 609.678,38;
- no ano de 2015, haveria lugar à contabilização de um ganho com juros no montante de € 1.563.238,67, independentemente do seu recebimento, pelo que tendo a Requerente procedido ao reconhecimento contabilístico, neste período, de um ganho com juros no valor de € 165.249,00, haverá lugar à correção à matéria tributável do mesmo período no montante de € 1.397.989,67; e
- no ano de 2016, haveria lugar à contabilização de um ganho com juros no montante de € 1.771.969,22, independentemente do seu recebimento, pelo que tendo a Requerente procedido ao reconhecimento contabilístico, neste período, de um ganho com juros no valor de € 143.802,75, haverá lugar à correção à matéria tributável do mesmo período no montante de € 1.628.166,47.
Não foi colocado em causa que a Requerente, nos anos de 2014, 2015 e 2016, apenas reconheceu contabilisticamente os aludidos valores de ganhos com juros, os quais são inferiores aos montantes de juros que teria direito a receber da “A... Brasil” em virtude dos mencionados Contratos de Empréstimo.
No entanto, desde logo, importa salientar que não consta do probatório, nem do RIT, nem tão pouco vem alegado pela AT que o não reconhecimento contabilístico pela Requerente dos aludidos montantes de juros indicados pela AT tenha tido em vista a manipulação de resultados, de modo a permitir o deferimento no tempo dos lucros, fracionar os lucros ou concentrá-los num exercício para se poderem efetivar deduções mais elevadas.
Por outro lado, temos que os rendimentos assim como as outras componentes positivas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica (artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC); sendo ainda que as componentes positivas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (artigo 18.º, n.º 2, do Código do IRC).
No caso sub judice, resulta do probatório que embora os ganhos com juros advenientes dos mencionados Contratos de Empréstimo celebrados entre a Requerente e a “A... Brasil” fossem determináveis, por via destes mesmos contratos – que, como vimos, definem os valores mutuados, os prazos e os respetivos juros (cf. facto provado m)) –, havia uma total imprevisibilidade quanto ao respetivo recebimento, face às preditas circunstâncias económicas brasileiras e aos nefastos efeitos que tiveram sobre a atividade industrial e comercial da “A... Brasil” que enfrentou severas dificuldades económicas e apenas sobreviveu em virtude do forte apoio financeiro que lhe foi dado pela Requerente, naquele período temporal (cf. factos provados w), x)e y)).
Nesta conformidade e tendo presentes os acima citados §80, §81, §83, §87 e §90 da Estrutura Conceptual do SNC e, bem assim, a NCRF 20 (designadamente o vertido nos respetivos §29 e §30 que, igualmente, acima se citaram), não era exigível à Requerente reconhecer contabilisticamente os montantes de ganhos com juros apontados pela AT, nos exercícios de 2014, 2015 e 2016, por não se afigurar provável que tais benefícios económicos associados com a transação fluíssem para a entidade; com efeito, face às preditas circunstâncias então existentes, era totalmente imprevisível para a Requerente se e quando a “A... Brasil” lhe iria pagar algum valor, fosse a título de reembolso de capital, fosse a título de juros e, caso tal acontecesse, quais os concretos valores que lhe iriam ser pagos. Aliás e ademais, como acima se disse, os valores mutuados pela Requerente à “A... Brasil” acabaram por ser parcialmente transformados em prestações suplementares e o montante de € 6.000.000,00 foi mesmo convertido em capital social.
Acresce salientar que desta atuação da Requerente não resultou qualquer prejuízo para a Fazenda Pública uma vez que não é objeto de controvérsia que, nos anos de 2014, 2015 e 2016, a Requerente apenas recebeu da “A... Brasil” os sobreditos montantes de juros que reconheceu contabilisticamente e que constam do facto provado v), estando também provado (cf. facto provado z)) que parte dos referenciados empréstimos foram transformados em prestações suplementares (deixando, assim, de vencer juros) e que, em 2017 (com efeitos a 31.12.2016), parte dos mesmos empréstimos, concretamente quanto ao valor de € 6.000.000,00 (seis milhões de euros), foram convertidos em capital social (tendo, também aqui, deixado de haver o vencimento de juros).
Destarte, pese embora do artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC resultar uma vinculação para a AT no sentido de, em regra, dever aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controle das declarações apresentadas pelas empresas, não podemos escamotear o facto de que o exercício daquele poder de controle por parte da AT, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consignado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça.
Como evidenciado pelas posições doutrinais e jurisprudenciais acima citadas, na ponderação dos valores em causa – por um lado, o princípio da periodização económica e, por outro lado, o princípio da justiça – é manifesto que, em caso de incompatibilidade, deve ser dada prevalência a este último princípio nos casos em que não tenha resultado prejuízo para o erário público e se constate que não estamos perante comportamentos voluntários e intencionais, com o objetivo de obter vantagens fiscais.
Ademais, importa ainda ter aqui bem presente o estatuído no citado artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC, no qual, como vimos, é estabelecida uma relação entre a contabilidade e a fiscalidade assente num modelo de dependência parcial, em que o resultado contabilístico é a base para a determinação do lucro tributável das empresas.
Nestes termos, procede o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, invocado pela Requerente relativamente às sobreditas correções efetuadas pela AT à matéria tributável de IRC dos exercícios de 2014, 2015 e 2016, pelo que, nessa medida, são inválidos os atos tributários de liquidação adicional de IRC controvertidos que, por isso, devem ser anulados.
Acresce que, no caso sub judice, os juros compensatórios incidem sobre a dívida tributária de IRC que é anulada. Perante a anulação dos atos tributários de liquidação adicional de IRC que constituem seu pressuposto, os inerentes atos de liquidação dos juros compensatórios partilham de idêntico vício e desvalor invalidante, devendo, por isso, ser igualmente anulados.
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14. A AT preconiza, “subsidiariamente”, que “deverá atender-se aos gastos (encargos financeiros) suportados pela Requerente com os empréstimos obtidos, nos períodos sob análise, para financiar a sociedade A... Brasil” e, por isso, “deve, subsidiariamente, ser apurado o valor dos encargos financeiros (juros) eventualmente não aceites para efeitos fiscais, no que respeita a cada um dos períodos em análise, à luz do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, na esfera da Requerente”; nessa sequência, diz a AT que “relativamente aos períodos de 2015 e 2016, tendo os financiamentos concedidos pela Requerente sido ao longo do ano sempre superiores aos financiamentos pela mesma obtidos, e sendo os juros suportados substancialmente superiores aos juros obtidos, relativos aos empréstimos concedidos a subsidiárias, verifica-se que a diferença (juros suportados – juros obtidos) constituem gastos (com juros de financiamento) fiscalmente não dedutíveis nos referidos períodos (2015: € 458.567,60; 2016: € 369.485,29), à luz do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, por aos mesmos não corresponderem quaisquer rendimentos tributáveis”.
Esta é uma questão totalmente nova, não tendo sido suscitada em sede de RIT – designadamente na fundamentação ali vertida quanto às ditas correções efetuadas à matéria tributável de IRC da Requerente – e que, ademais, extravasa inequivocamente o objeto deste processo (juros de empréstimos concedidos nos anos de 2014, 2015 e 2016 pela Requerente à empresa “A... Brasil”), pelo que fica arredado o seu conhecimento pelo Tribunal.
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§2.3. REEMBOLSO DOS MONTANTES PAGOS ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
15. A Requerente peticiona, ainda, o reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos – no valor total de € 975.198,02 (cf. factos provados g) e h)) –, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais; sendo que resultou comprovado que a Requerente procedeu ao pagamento integral dos valores resultantes dos atos tributários controvertidos (cf. facto provado h)).
O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
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A DO DIREITO AO REEMBOLSO DOS MONTANTES PAGOS
16. Na sequência da ilegalidade e anulação dos atos de liquidação controvertidos, há lugar a reembolso do imposto e dos juros compensatórios pagos indevidamente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se os mencionados atos tributários não tivessem sido praticados.
Destarte, procede o pedido de reembolso do montante de € 975.198,02.
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B. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
17. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.
No caso concreto, a Requerente pagou os montantes de IRC e de juros compensatórios liquidados e, por os mesmos serem indevidos, tem direito ao reembolso do montante total de € 975.198,02.
Ademais, verifica-se que a ilegalidade das liquidações adicionais de IRC controvertidas e das inerentes liquidações de juros compensatórios é imputável à AT por, naquelas liquidações, ter incorrido em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar, calculados desde a data em que efetuou o pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
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18. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
a) Declarar ilegais e anular, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito:
- a liquidação adicional de IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2014, com o valor a pagar de € 101.702,41, as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018 ... e 2018..., nos montantes respetivamente de € 9.134,74 e € 8.200,76, e a respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., da qual resultou um montante total a pagar de € 182.253,50;
- a liquidação adicional de IRC n.º..., referente ao ano de 2015, com o valor a pagar de € 230.933,88, as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018 ... e 2018..., nos montantes respetivamente de € 9.206,83 e € 14.149,40, e a respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., da qual resultou um montante total a pagar de € 373.569,44; e
- a liquidação adicional de IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2016, com o valor a pagar de € 419.375,88, a liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no montante de € 11.487,91, e a respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018..., da qual resultou um montante total a pagar de € 419.375,88.
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o montante de € 975.198,02 (novecentos e setenta e cinco mil cento e noventa e oito euros e dois cêntimos) à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
*
VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 975.198,82 (novecentos e setenta e cinco mil cento e noventa e oito euros e oitenta e dois cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o montante das custas é fixado em € 13.770,00 (treze mil setecentos e setenta euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Lisboa, 14 de março de 2019.
Os Árbitros,
(Maria Fernanda Maçãs)
(Paulo Quinas Raposeiro)
(Ricardo Rodrigues Pereira – relator)