Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 264/2018-T
Data da decisão: 2019-02-21  IMI  
Valor do pedido: € 4.357,29
Tema: Isenção de IMI – art. 44º, nº1, al.n) do EBF – Região do Alto Douro Vinhateiro – Património Mundial UNESCO – Monumento Nacional.
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A..., SA, pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ..., nº..., ..., doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), para impugnação do Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, proferido em 20/02/2018, referente à liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI)  e respetivas liquidações subjacentes, no montante total de €4.357,29.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 24-05-2018, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT em 29-05-2018, nos termos e para os efeitos legalmente previstos. A Requerente optou por não indicar árbitro pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 12-07-2018, a aqui signatária como árbitro do tribunal arbitral a constituir, que comunicou a sua aceitação dentro do prazo aplicável.

 

 

  1. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 01-08-2018. Na mesma data foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.  A Requerida veio juntar aos autos a sua resposta e o respetivo Processo Administrativo (PA), em 28-09-2018, cujo teor se dão por integralmente reproduzidos.

 

  1. Face à posição das partes evidenciadas nos articulados, considerando a prova testemunhal indicada pela Requerente, foi proferido despacho arbitral em 23/10/2018 a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, a fixar prazo de 15 dias, igual e sucessivo, para as partes apresentarem as suas alegações. A Requerente veio juntar as suas alegações em 13-11-2018 e a Requerida em 14-11-2018. Em 16- 01-2019 o Tribunal proferiu despacho arbitral no qual tomou posição sobre o requerimento apresentado pela Requerida em 25-10-2018, que se dá por reproduzido. Neste despacho o Tribunal fixou nova data para prolação da decisão arbitral (inicialmente fixada para 21-01-2019) prorrogando o prazo previsto em mais 30 dias, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do RJAT.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO e da posição da Requerente:

 

  1.  Em síntese, a Requerente, fundamenta o seu pedido arbitral na ilegalidade dos atos  tributários praticados, por considerar que os imóveis descritos nas respetivas liquidações de imposto são parte integrante da região do Alto Douro Vinhateiro, considerada como Património Mundial da UNESCO – conforme Aviso n.º 15170/2010, publicado no Diário da República, II Série N.º 147 de 30 de Julho de 2010 – bem assim como as certidões emitidas pela Direção Regional da Cultura Norte, todos juntos os autos como documentos anexos ao pedido arbitral (PA).

 

  1. Do ponto de vista da Requerente tais imóveis, por estarem integrados na Região do Alto Douro Vinhateiro, a qual, por sua vez, foi reconhecida como Património Mundial da UNESCO, devem ser classificados como monumento nacional, de acordo com a interpretação que, no seu entender, resulta do disposto nos nºs 3 e 7 do artigo 15º da Lei 107/2001, de 8 de setembro. Assim, segundo a Requerente, tratando-se de monumentos nacionais os imóveis estão isentos de IMI, nos termos previstos no artigo 44º, nº 1, alínea n), do EBF. Pelo que, conclui pela ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa bem assim como das declarações de IMI impugnadas.

 

C – DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1. Na sua resposta a AT pugna pela legalidade de todos os atos tributários impugnados. Em síntese, entende a AT que o facto dos referidos prédios se encontrarem integrados na Região do Alto Douro Vinhateiro não pode significar que sejam, sem mais, considerados como monumento nacional, para os efeitos pretendidos pela Requerente, isentando-os da incidência de IMI. Fundamenta a sua posição num extensa Resposta que aqui se dá por integralmente reproduzida. Conclui, pugnando pela manutenção na ordem jurídica de todos os atos de liquidação impugnados.

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

  1. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

Cumpre decidir.

 

 

III – Decisão da Matéria de facto

 

  1. Factos Provados

 

10. Como matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal por assente os seguintes factos:

  1. A Requerente A... SA é proprietária de um conjunto de prédios situados na Região do Alto Douro Vinhateiro, a seguir identificados, descritos por número de inscrição na matriz predial, freguesia e valor de IMI respetivo:

 

                                     Freguesia

                                     Artigo

                    VPT

...- MUNICÍPIO DE ...

 

...

...

-U-...

83,67 €

...

...

-U-...

107,15 €

...

...

-R-...

9,20 €

...

...

-R-...

24,72 €

...

...

-R-...

10,72 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E SÃO ...

-U-...

180,63 €

...

UNIÃO DAS FREG...., ... E ...

-U-...

74,83 €

...

UNIÃO DAS FREG ..., ... E ...

-R-...

0,08 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E ...

-R-...

2,32 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E ...

-R-...

2,08 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E ...

-R-...

2,00 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E ...

-R-...

534,17 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E ...

-R-...

3.097,44 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E ...

-R-...

18,32 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E ...

-R-...

1,76 €

...

UNIÃO DAS FREG. ... ... E ...

-R-...

21,28 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E ...

-R-...

184,16 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E ...

-R-...

0,28 €

...

UNIÃO DAS FREG. ..., ... E ...

-R-...

2,47 €

           

 

 

  1.  A Requerente foi notificada das liquidações de IMI referentes ao ano de 2016, com referência a cada um dos prédios supra descritos, somando o valor global de €4.357,29.
  2. Em 12/07/2017 a Requerente apresentou Reclamação Graciosa cotra os atos de liquidação de IMI referidos, a qual foi indeferida por despacho do Senhor Chefe de Finanças de ..., de 20/02/2018.
  3. Os referidos imóveis integram a região do Alto Douro Vinhateiro considerada como Património Mundial da Unesco, conforme aviso nº 15170/2010, publicado no DR, II Série, Nº 147 de 30 de julho de 2010.
  4. A Requerente pagou os valores de IMI correspondentes a cada uma das liquidações impugnadas.
  5. Em 24-05-2018 veio a Requerente deduzir o presente pedido arbitral.

 

  1. FACTOS NÃO PROVADOS

 

  1. Não existem outros factos relevantes para a decisão que devam considerar-se como não provados.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

12. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). No presente caso a matéria de facto é de extrema simplicidade, encontra-se sustentada nos documentos juntos aos autos pela Requerente, pelo PA junto pela Requerida e não se afigura controvertida.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos pelo Requerente e a que consta do próprio Processo Administrativo, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV – Decisão da Matéria de Direito

 

  1. O presente pedido de pronúncia arbitral tem objeto uma única questão a decidir, que é a de saber se os prédios em causa, por estarem integrados na Região do Alto Douro Vinhateiro, reconhecida como Património Mundial da Unesco beneficiam ou não de isenção de IMI.

Segundo a Requerente os prédios em causa, por integrarem a Região classificada como Património Mundial, são classificados como monumento nacional, de acordo com a interpretação conjunta do disposto nos nºs 3 e 7 do artigo 15º da Lei 107/2001, de 8 de setembro. Tratando-se de monumentos nacionais, alega a Requerente, os imóveis estão isentos de IMI, nos termos previstos no artigo 44º, nº1, alínea n) do EBF. 

 

A Requerida AT tem outro entendimento, e considera que os prédios em questão não são monumentos nacionais, como pretende a Requerente, já que o reconhecimento de uma Região ou cidade como Património Mundial não equivale a reconhecer todos os prédios situados na região como monumentos nacionais. No entendimento da AT a isenção prevista no artigo 44º, nº1, alínea n) do EBF pressupõe que o imóvel em causa tenha sido individualmente classificado como monumento nacional. Desenvolve um conjunto de argumentos em torno desta interpretação, concluindo pela legalidade de todos os atos de liquidação impugnados, por erro sobre os pressupostos em que assentam e consequente violação de lei.

 

A questão a decidir é, pois, exclusivamente de direito e a controvérsia entre as partes assenta numa diferente interpretação dos normativos legais aplicáveis. Vejamos se assiste razão à Requerente.

 

  1. Antes, porém, de entrar na consideração da questão a decidir, importará resolver uma questão incidental suscitada pela Requerente nas suas alegações, ao invocar a impossibilidade de fundamentação a posteriori da AT, por considerar que na Resposta apresentada pela Requerida vieram a ser invocados novos argumentos que não constam do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

 

  1. Ora, em relação a esta questão, cabe esclarecer que a AT tem direito de resposta, como aliás resulta do RJAT. Sendo certo que o exercício do direito de resposta não deve ser usado para superar deficiências da fundamentação do(s) ato(s) impugnado(s), o direito de resposta da AT não deve ser limitado, podendo esta em defesa do ato esgrimir os argumentos que entender mais adequados, em conformidade com as regras processuais em vigor.

 

No caso dos presentes autos não está em causa qualquer vício de fundamentação dos atos impugnados, mas antes o único vício que vem alegado no pedido arbitral e que é o de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito. A AT pode e deve exercer o seu legítimo direito de resposta, convocando e explorando os argumentos que considerar mais adequados à defesa do(s) ato(s) impugnado(s), nos termos previstos na lei processual arbitral e tributária. Pelo que, a questão da inadmissibilidade de fundamentação a posteriori, sendo pacífica, não se coloca no caso dos presentes autos, nos termos em que vem alegada pela Requerente.

 

Posto isto, passemos à questão nuclear a decidir e que é a da legada ilegalidade dos atos tributários impugnados.

 

  1. A incidência de IMI só pode ser afastada em face da existência de algum benefício fiscal de natureza objetiva ou subjetiva. Nos termos do artigo 2º do EBF "consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem."

 

  1. Dispõe a alínea n) do nº1, do artigo 44º do Estatuto de Benefícios Fiscais que:

 

 "Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis:

 (...)

 n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".

 

Deste artigo resulta que, em primeiro lugar, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais. Em segundo lugar, estão isentos do mesmo imposto os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.

 

Ainda com releva para a decisão há que atender ao regime da Lei no Património Cultural, Lei 107/2001, de 8 de setembro (LPC), nomeadamente, o seu artigo 15º, segundo o qual:

 

"1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.

2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.

3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».

4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.

(...)

7 – Os bens culturais imóveis incluídos na Lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional."

 

  1. Esta formulação é, ainda, reiterada no artigo 2º do Decreto-Lei 309/2009. Complementarmente, o artigo 3º, nº1, do mesmo Decreto-Lei dispõe que: "um bem imóvel pode ser qualificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal", acrescentando o seu nº 3 que "a designação «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos conjuntos ou sítios".

 

Fica assim exposto o regime jurídico resultante dos diplomas em vigor que regulam o património cultural em Portugal, que se afigura relevante e suficiente para a decisão do caso dos autos.

 

  1. Posto isto, no caso dos autos está em causa um conjunto de imóveis (prédios) que integram a região do Alto Douro Vinhateiro, considerada como Património Mundial da UNESCO, que foi inscrita na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso nº 15170/2010, publicado no Diário da República, II Série Nº 147 de 30 de julho de 2010.  A própria requerida está consciente disso, e no artigo 178º da sua resposta transcreve a referida Lista, a saber:

 

 

 

  1. Trata-se, pois, de uma região reconhecida como património mundial, pela UNESCO, mas imediatamente reconhecida na ordem jurídica interna, como bem resulta do aviso publicado no DR. Pelo que, não faz sentido as alegações da requerida na resposta em torno desta questão, pondo em causa os efeitos decorrentes do reconhecimento internacional, sendo certo que o mesmo foi igualmente reconhecimento pela ordem jurídica interna. De resto, o legislador português já teve muitas oportunidades de ajustar o regime jurídico interno, modificando- se assim entendesse necessário. Mas, como vimos, não alterou o regime em sede de IMI, daí se concluindo que deliberada e conscientemente o legislador manteve o reconhecimento da isenção em sede de IMI.

 

  1. Assim, no sentido do que vem exposto, é inequívoco o disposto no nº 7, do artigo 15º, da Lei 107/2001 quando refere expressamente que "os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respetiva categoria os bens qualificados como de interesse nacional".

É esse o caso da região do Alto Doutro Vinhateiro e dos prédios que a integram, pois que face ao regime resultante da Lei 107/2001, os prédios em questão são “de interesse nacional”, sendo consequentemente classificados como monumentos nacionais. E, como já se referiu, resulta do artigo 15º da Lei 107/2001 e do artigo 3º do Decreto-Lei 309/2009, um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional", independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio, sendo claro que os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação.

 

  1. Como bem alega a Requerente, deste regime jurídico resulta que a classificação como monumento nacional é independente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio. O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do artigo 56º do Decreto-Lei 309/2009 apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de proteção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio. Por esse motivo se compreende que o artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional.

No caso dos prédios que integram a região do Alto Douro Vinhateiro estamos, pois, perante o primeiro caso, ou seja, prédio classificado como monumento nacional.

 

  1. Mas advoga a Requerida uma interpretação restritiva dos dispositivos em presença, como bem resulta da longa exposição de argumentos que desenvolveu na sua resposta. Efetivamente, alguns autores como Casalta Nabais ou Nuno Sá Gomes, defenderam uma interpretação restritiva das isenções aos imóveis classificados no intuito de excluir dos benefícios atribuídos em sede de IMI ou IMT todas as situações em que não tenha ocorrido um procedimento ou ato de classificação individual como monumento nacional, imóvel de interesse público ou municipal. O legislador, no intuito de seguir a posição destes autores promoveu a alteração à alínea g), do artigo 6º do Código do IMT, pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levando a que a isenção tenha deixado de abranger "as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro" para passar apenas a contemplar apenas "as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".

Porém, o legislador não alterou simultaneamente os benefícios fiscais em sede de IMI, apesar de ter procedido à modificação da redação do próprio artigo 44º do EBF, continuando a sua alínea n) a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo exigência semelhante para os monumentos nacionais.

 

            Posto isto,

 

  1. Cabe, ainda, referir que a norma do nº5, do artigo 44º, na redação que lhe foi atribuída pela Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, dispõe expressamente que "a isenção a que se refere a alínea n) do nº. 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)".

Resulta, pois, claramente que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada de cada prédio, para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.

 

  1. O entendimento que vem exposto tem sido corroborado pela jurisprudência arbitral, quase unânime, com exceção da sentença arbitral junta aos autos pela Requerida, proferida no processo nº 5/2018-T, embora com factualidade distinta da que agora nos ocupa. Nos diversos processos arbitrais que têm decidido matéria similar à dos presentes autos, o entendimento tem sido precisamente no sentido que aqui se deixa exposto. Veja-se, entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais nºs 325/2014-T, de 8-11-2014; nº 76/2015 – T, de 16-11-2015; nº 33/2016 – T de 9-6-2016; nº 98/2016-T e 379/2016-T, de 7-12-2006.

 

  1. Acresce, com manifesta relevância para a decisão do caso em análise, a recente jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, da qual destacamos o Acórdão do TCAN de 04-05-2017, proferido no processo nº 01480/14.2 BEPRT, de 4-05-2017 e no Acórdão do STA, de 12-12-2018, proferido no Proc. nº 0134/14.4, no qual especificamente se tratou de questão similar à dos presentes autos, referente á região do Alto Douro Vinhateiro. Neste Acórdão, o recurso deduzido pela AT, com argumentos em tudo similares aos que invocou nos presentes autos, incluindo as questões relativas à alegada inconstitucionalidade, improcedeu, confirmando-se a decisão do acórdão do TCAN que havia reconhecido a isenção de IMI aos prédios inseridos na região. Destacamos do referido Acórdão proferido por unanimidade pela secção de contencioso tributário do STA, o seguinte, quanto à alegação da AT:

“(…) A manter-se a jurisprudência do acórdão recorrido, todo e qualquer prédio inserido no interior de qualquer Conjunto ou de uma Paisagem Cultural encontra-se, apenas e só por esse facto, individualmente classificado e, como tal, isento de IMI;

Está em causa firmar jurisprudência quanto à interpretação a dar ao artigo 44.°/1-n) EBF, articulado com o artigo 15.º da LBPC, com o Decreto-Lei 309/2009, de 23 de outubro, e com o artigo 2.º do CIMI;

Não há jurisprudência uniforme no que a esta questão concerne, seja na jurisdição administrativa-fiscal, seja na jurisdição arbitral.

Sendo certo, porém, que o entendimento veiculado no recorrido acórdão do TCAN vai ao arrepio da Doutrina mais relevante produzida sobre esta matéria, a saber: JOSÉ CASALTA NABAIS, NUNO SÁ GOMES, CARLOS PAIVA e MÁRIO JANUÁRIO e a própria Direção-Geral do Património Cultural; (…)

Face ao exposto, forçoso é concluir que há correntes jurisprudenciais diferentes, criando grande incerteza e instabilidade, o que só por si merece a intervenção do órgão de cúpula da justiça fiscal como condição para dissipar dúvidas que podem interessar a um leque alargado de interessados;

Assim, o presente recurso de Revista tem como fundamento a violação de lei substantiva aplicável ao caso vertente, violação essa resultante: (i) da desconsideração do elemento histórico da interpretação; (ii) da confundibilidade dos conceitos de Classificação e de Designação LBPC; (iii) da ausência de conversibilidade entre as classificações patentes no Decreto 20.985 de 1932 e as classificações patentes na LBPC; (iv) no olvidar de o pressuposto da isenção fiscal aqui em causa assentar no conceito fiscal de prédio; e (v) na desconsideração da unidade do sistema jurídico;

(…)

Analisada a evolução do conceito de Classificação ao longo das sucessivas leis nacionais do património cultural durante o século XX, verifica-se que: (a) na Monarquia Constitucional previa-se uma única graduação de Classificação (Monumento Nacional); (b) na 1.ª República previam-se duas graduações de Classificação (Monumento Nacional e Imóvel de Interesse Público); (c) no Estado Novo previam-se três graduações de Classificação (Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público e Valor Concelhio); (d) no início da 3.ª República foi introduzido o conceito de Categoria e alargadas as graduações de Classificação, sendo que nunca foram aplicadas em virtude da Lei 13/85 não ter sido regulamentada; e (e) durante a 3.ª República e até ao surgimento da LBPC continuaram a ser aplicadas as graduações de Classificação criadas pelo Estado Novo;

A inegável tecnicidade do Direito do Património Cultural levou a que o tribunal a quo tenha incorrido em várias confusões, designadamente à utilização indiferenciada de conceitos jurídico-patrimoniais completamente distintos entre si, como sejam a Categoria, a Classificação e a Designação, razão pela qual alega que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional;

(…)

Ao afirmar que o Centro Histórico do Porto está Classificado como Monumento Nacional o tribunal a quo incorreu num erro de análise, na medida em que: (a) confundiu os atuais conceitos de Classificação e de Designação; e (b) confundiu o conceito de Designação introduzido pela LBPC com o conceito de graduação da Classificação como Monumento Nacional que vigorou entre o início da vigência do Decreto 20.985 de 1932 e a entrada em vigor da LBPC;

(…) A inscrição do Centro Histórico do Porto na “Lista do Património Mundial não foi precedida de qualquer procedimento administrativo visando um ato de classificação, uma vez que: (a) o Comité do Património Cultural da UNESCO não integra a Administração Pública portuguesa; (b) o Estado Português não delegou no Comité do Património Cultural da UNESCO a realização de um procedimento administrativo de classificação do Centro Histórico do Porto; (c) o Estado Português jamais procedeu à abertura de qualquer procedimento administrativo de classificação previamente à candidatura do Centro Histórico do Porto à inscrição na “Lista do Património Mundial”;

(…)O 1º segmento do artigo 44.°/1-n) do EBF refere-se aos prédios classificados como Monumentos Nacionais à luz das leis estado-novenses que antecederam a LBPC, porquanto estas leis (face à ausência de regulamentação da Lei 13/85) só previam três classificações possíveis (Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público e Valor Concelhio);

O 1.º segmento do artigo 44.°/1-n) do EBF reporta-se à classificação de Monumento Nacional que vigorou no nosso ordenamento jurídico à entrada em vigor da LBPC, Classificação aquela que não pode ser confundida com o conc de Designação de Monumento Nacional patente, para o que ali releva, nos artigos 15.º/3 e 15.º/7 da LBPC;

Ainda que assim não fosse o tribunal a quo continuaria desprovido de razão, porquanto o conceito de Conjunto Constante do artigo 1.º da Convenção da UNESCO de 1972 admite que no seio daquele último possam existir imóveis desprovidos de valor cultural, sendo por isso abusiva a interpretação de que todos os prédios que inseridos no interior de um “conjunto” se encontram, apenas por esse facto, isentos de IMI;

Este é, aliás, o entendimento subscrito pela própria Direção Geral do Património Cultural (que assim contraria o errado entendimento veiculado nas certidões emitidas pela Delegação Regional), a qual refere que «(...) tratando-se de classificação em que se optou pela categoria de “Conjunto “, não é legítima nem legalmente possível a conclusão de se considerarem individualmente classificados os imóveis por ela abrangidos»;

(…) A interpretação proposta pelo tribunal a quo é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária na medida em que, enquanto proprietário de prédios urbanos integrados no denominado Centro Histórico do Porto e destituídos de valor cultural individual, o Recorrido pretende ser privilegiado, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados;

 A interpretação realizada pelo tribunal a quo traduz ainda uma violação do princípio da justiça fiscal, pois não se verifica uma justa repartição da carga fiscal entre, por um lado, o proprietário de um prédio destituído de valor cultural individual e, por outro, o proprietário de um prédio individualmente classificado e cujas faculdades de disposição, transformação e fruição são diferentes face ao titular de um prédio não individualmente classificado;

A interpretação dada pelo tribunal a quo é ofensiva do princípio da capacidade contributiva, já que o Recorrido, enquanto proprietário de prédios urbanos destituídos de valor cultural individual, pretende usufruir de uma isenção fiscal destinada a beneficiar proprietários de imóveis que efetivamente detêm valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente, ou seja, a atribuição do benefício fiscal aqui em causa ao Recorrido traduzir-se-ia num incompreensível aforro fiscal relativamente ao depauperamento a que estão sujeitos os proprietários de verdadeiros prédios dotados de valor patrimonial cultural;

A interpretação dada pelo Tribunal a quo viola também o princípio da autonomia local, porquanto redunda na atribuição de um benefício fiscal sem qualquer critério, com óbvio prejuízo para as receitas municipais, já que o IMI é um imposto municipal e reverte a favor dos municípios onde os imóveis se localizam;

 

Face a esta alegação, cujos excertos demonstram a similitude quase integral com o alegado nos presentes autos pela AT, o STA decidiu, que:

 

Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios denominados como monumentos nacionais nos termos do disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.”

 

Nas razões fundamentadoras deste Acórdão do STA, é de destacar o seguinte:

 

“O art. 40º, n.º 1, al. n) (atual art. 44º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 estabelece a possibilidade de poderem beneficiar da isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) “Os prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável.”

Com base neste preceito tem vindo V. Exa. a beneficiar da isenção de IMI para os prédios a seguir identificados…

No entanto, a aludida Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, alterando o referido normativo, estabeleceu que, apenas poderiam beneficiar da isenção de IMI “Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável”.

Verifica-se deste modo que, após a entrada em vigor daquele diploma (2007.01.01), foi introduzido um novo elemento literal no texto do mesmo preceito, a classificação individual do prédio, o qual, por configurar uma alteração dos pressupostos que permitiram o reconhecimento da isenção concedida, determina a cessação do benefício que vinha a usufruir, impondo a reposição da tributação e, consequentemente, a liquidação do imposto devido…”.

Como facilmente se surpreende da leitura do teor deste ofício a AT entendeu que aos prédios do recorrido aplicavam-se as regras inovadoras do OE de 2007 e, nessa medida, havia cessado ope legis a isenção anteriormente concedida uma vez que os ditos prédios não se encontravam classificados individualmente.

Porém, tal entendimento, como vimos, só estaria correcto no caso de os imóveis do recorrido, apesar de beneficiarem da isenção do imposto, não se encontrassem abrangidos por anterior classificação designada como monumento nacional.

Em 12.11.2003 foi deferido o pedido do recorrido relativo à isenção de Contribuição Autárquica de ambos os prédios, tendo-lhe sido concedida isenção pelo período de 7996 anos, a decorrer entre 2004 e 9999 inclusive, ou seja, foi concedida isenção por período ilimitado, desde que se mantivessem actuais os pressupostos da isenção concedida.

Como tal isenção foi concedida pelo facto de os ditos prédios se encontrarem integrados no Centro Histórico do Porto que faz parte da lista do património mundial e, portanto, se encontrarem integrados no grupo dos designados monumentos nacionais, cfr. pontos 1 e 2 da matéria de facto e artigo 15º, n.ºs. 3 e 7 da Lei n.º 107/2001, de 08.09, não careciam face à “nova” redacção do artigo 40º, n.º 1, al. n) do EBF, ou posteriormente, de qualquer classificação individual, pelo que, nessa medida, é injustificado o acto tributário praticado.

Aliás, tal acto, ao não respeitar os exactos termos da Lei em que se fundamentou não se consubstanciou num mero acto de comunicação da cessação da isenção ope legis, antes se consubstanciou num verdadeiro acto revogatório sem fundamento legal.”

 

  1. Nestes termos, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, podemos afirmar que a Jurisprudência arbitral aqui convocada está em conformidade com a Jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, quer dos Tribunais Centrais Administrativos quer do Supremo tribunal Administrativo. Sendo que, como ficou claro no excerto do Acórdão do STA transcrito, o entendimento que perfilhamos está perfeitamente sufragado e alinhado com a Jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo.

 

  1. Ora, assim sendo, aderindo integralmente à jurisprudência supra referida, conclui-se nos presentes autos que  estando os prédios em questão integrados na Região do Alto Douro Vinhateiro, região reconhecida como Património Mundial pela UNESCO e legalmente qualificada como monumento nacional, os referidos prédios beneficiam de isenção de IMI, sendo assim ilegais os atos tributários impugnados, ou seja, as liquidações de IMI e o indeferimento da reclamação graciosa, devendo ser restituído o imposto que foi indevidamente cobrado e pago pela Requerente.

 

QUANTO AOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

  1. A Requerente pagou o valor integral das liquidações emitidas que agora se anulam. Assim, tem direito a ser reembolsada do montante pago. Foi solicitado, ainda, pela Requerente o pagamento de juros indemnizatórios em relação ao pagamento indevido do imposto.

 

  1. Efetivamente decorre do artigo 43º da LGT e do artigo 61º do CPPT que há lugar a pagamento de juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

 

  1. Podemos entender ainda que, como decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral. Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.

 

  1. Ora, a informação relativa à inscrição da região do Alto Douro Vinhateiro, encontra-se publicada no DR, nos termos supra expostos tendo a Administração Tributária conhecimento dessa informação. Acresce que a lei é clara, no que toca à determinação de isenção de IMI, por parte de monumentos, conjuntos ou sítios classificados como "monumentos nacionais". Pelo que, estamos a perante um erro imputável aos serviços, conforme consta do artigo 43º da LGT. Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária indevida (vd. artigo 43º, nº1 da LGT), podemos entender que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor do pedido que serão contados desde a data de pagamento efetuado até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

  1. Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

V. Decisão

 

Em conformidade com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar procedentes todos os pedidos formulados no pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular os atos tributários impugnados, incluindo todas as liquidações de IMI impugnadas;
  2. Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente do valor de €4.357,29 indevidamente pago, acrescido de juros vencidos desde a data do pagamento até à data de integral pagamento do reembolso devido.
  3. Condenar a Requerida pelo pagamento das custas arbitrais devidas.

 

 

VI. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 4.357,29 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 5º do citado Regulamento, a pagar pela parte vencida.

 

Notifique.

Lisboa, 21– 02 - 2019

 

O Tribunal Arbitral Singular,

 

 

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(Maria do Rosário Anjos)