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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
I - Relatório
A -Identificação Das Partes
Requerente: A..., contribuinte número ... e B..., contribuinte número ..., ambos residentes na Rua ..., ..., ..., doravante designados de Requerente ou Sujeito Passivo.
Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.
O Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, foi notificada a Autoridade Tributária em 2018-12-11.
O Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, Rita Guerra Alves, tendo a nomeação sido aceite por esta, nos termos legalmente previstos.
Em 2018-11-21, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 2018-12-11, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente foi notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, no dia 2018-12-11, para se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.
Por despacho de 2018-01-28, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e o seguimento do processo com as alegações escritas facultativas, simultâneas de 20 dias.
O Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
B – PEDIDO
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O ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2018..., relativo ao ano de 2017, que fixou um imposto a pagar de € 7.449,97, (sete mil quatrocentos e quarenta e nove euros e noventa e sete cêntimos).
C – CAUSA DE PEDIR
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A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o seguinte:
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A fundamentação da AT não indica qualquer artigo em que substancie a sua afirmação;
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De acordo com o CIRS, é perfeitamente claro que não existe uma divisão de deduções à coleta para rendimentos englobados ou não englobados.
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A questão do englobamento ou não dos rendimentos opera ao nível da aplicação da taxa correspondente no sentido de se apurar uma coleta global.
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Mais defende que após o apuramento da coleta global, os contribuintes têm o direito a deduzir as deduções à coleta previstas na lei.
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Na demonstração de liquidação de IRS, o Requerente tem uma coleta de 14.136,03€ e não de 1.795,30€, assim o limite de 1.795,30€ é arbitrário e não tem qualquer base legal, pelo que deve ser desconsiderado.
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Mais sustenta, que na lei apenas existe um limite global às deduções à coleta previsto no n.º 7 do artigo 78.º.
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Argumenta, que apresentaram um rendimento coletável de 12.381,41€, pelo que de acordo com a fórmula constante na alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIRS, o limite máximo às deduções à coleta é de 2.390,09€ e não de 1.795,30€ consideradas na liquidação.
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E termina, alegando que os ora contribuintes apresentaram um total de deduções à coleta de 2.977,48€, limitada a 2.390,09€.
D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA
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A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
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O Requerente (sujeito passivo A) entregou conjuntamente com B... (sujeito passivo B), no estado de união de facto, a declaração de rendimentos IRS - modelo 3, nesta constando dois dependentes, identificados pelos NIFs ... e ... .
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Preencheu a referida declaração modelo 3 com o anexo B (rendimentos da categoria B), o anexo F (rendimentos prediais), o anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro) e o anexo H (benefícios fiscais e deduções), a qual foi identificada com o n.º... .
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O anexo F destina-se a declarar rendimentos prediais, tal como são definidos no artigo 8.º do CIRS, e deve ser apresentado, quando o sujeito passivo, ou, quem integre o agregado familiar, tenha auferido rendimentos prediais, e não tenham optado pela sua tributação no âmbito da categoria B.
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Não usando a opção pela tributação destes rendimentos no âmbito da categoria B, então tais rendimentos são enquadrados na categoria F e tributados autonomamente, podendo, contudo, ser englobados por opção dos respetivos titulares que residam em território português e tributados com os demais rendimentos.
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Caso não se opte pelo englobamento, a tributação autónoma é feita ao rendimento liquido, ou seja, depois de terem sido feitas as deduções devidamente documentadas.
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Na situação em análise, o Requerente exerceu a opção de não englobamento.
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A opção pelo englobamento obriga o sujeito passivo a englobar a totalidade dos rendimentos da mesma categoria de rendimentos, o que não foi o caso do Requerente que pretendeu que os rendimentos da categoria F fossem tributados autonomamente.
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Como o Requerente optou pelo não englobamento, os rendimentos da categoria F foram tributados autonomamente.
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Quanto ao anexo J, destina-se a declarar rendimentos obtidos fora do território português, por residentes em Portugal, sendo os obtidos no território português declarados nos anexos respetivos.
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Mais refere, que o direito à dedução, só pode ser exercido, mediante apresentação de documento emitido e autenticado pelas autoridades fiscais do País onde os rendimentos foram auferidos, identificando a natureza desses rendimentos e o correspondente imposto pago.
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A opção pelo englobamento implica que sejam englobados todos os rendimentos da categoria E, nos termos do disposto no artigo 22.º do CIRS.
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Defende, que tendo em conta todos os elementos constantes do processo administrativo, a liquidação n.º 2018... é correta e de acordo com a legislação em vigor. Os montantes a considerar referentes às deduções à coleta tiveram de obedecer ao estipulado no artigo 78.º n.º 3 do CIRS, nos termos do qual as deduções à coleta são efetuadas pela ordem indicada naquela disposição legal e até à concorrência do imposto.
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Como, a coleta total apurada, resultante dos rendimentos englobados, ascende a € 1.795,30, os valores das deduções são abatidos até à concorrência da coleta e com os limites estabelecidos nos artigos 78.º A, a, 78.º F.
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Na situação em concreto, e como se comprova pelo constante no quadro referente a “Deduções à coleta” da demonstração de liquidação de IRS constantes do processo administrativo, o valor das deduções aceites, tendo sempre em conta o estipulado nos art.º 78.º n.º 3 e 78.º- A a F, foram as seguintes: Dedução por dependentes: €1.200,00; Dedução com despesas gerais familiares: €500,00; Dedução com despesas de saúde: €95,30.
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Em concreto e face ao supra exposto, a importância apurada no valor de €897,65 foi multiplicada pelos dois sujeitos passivos, porque entregaram em conjunto a declaração de rendimentos, tendo como resultado o valor de €1.795,30 e não a importância que o Requerente vem indicar.
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Assim, à coleta total no valor de €14.136,03 abate-se a coleta liquida de €12.340,73, correspondendo ao valor acima indicado de €1.795,30.
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Como a coleta total apurada resulta dos rendimentos englobados (exclui-se aqui os rendimentos que constam dos anexos F e J, porque não houve englobamento), apenas se abateu o valor das deduções até à concorrência da coleta.
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Termina sustentando, que o imposto apurado relativo às tributações autónomas, gerado pelo não englobamento dos rendimentos declarados nos anexos F e J, incide sobre determinados rendimentos, sem ter em conta a situação pessoal dos sujeitos passivos, e que, por isso, são um apuramento paralelo dentro da própria liquidação, motivo pelo qual, as deduções à coleta não são extensíveis às tributações autónomas.
E- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada na prova documental constante dos autos e os factos que não mereceram impugnação.
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Deste modo, dá o presente Tribunal por assente, os seguintes factos:
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O Requerente (sujeito passivo A) entregou conjuntamente com B... (sujeito passivo B), no estado de união de facto, a declaração de rendimentos IRS - modelo 3, nesta constando dois dependentes, identificados pelos números de contribuinte respetivamente ... e ... .
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O Requerente preencheu a referida declaração modelo 3, com o anexo B (rendimentos da categoria B), o anexo F (rendimentos prediais), o anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro) e o anexo H (benefícios fiscais e deduções), identificada com o n.º... .
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o Requerente exerceu a opção de não englobamento, quanto aos rendimentos de Categoria B, sendo enquadrados na categoria F e tributados autonomamente.
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O Requerente, no anexo J, referente a rendimentos obtidos fora do território Português, declarou como rendimentos de Categoria A, o valor de €2.500,00 e Rendimento de Categoria E, o valor de €28.833,46.
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O Requerente optou pelo não englobamento dos rendimentos prediais, ficando sujeitos às taxas especiais, conforme o disposto no artigo 72.º n.º 1 aliena e), tributada à taxa autónoma de 28%.
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Quanto aos rendimentos de Categoria E, obtidos fora do território português, no valor de €28.833,46, o Requerente optou pelo não englobamento, sujeito às taxas especiais conforme o disposto no artigo 72.º n.º 1 aliena d), tributados à taxa autónoma de 28%.
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Quanto aos rendimentos de Categoria A, obtidos fora do território português, no valor de €2.500,00, o Requerente optou pelo não englobamento, sujeito às taxas especiais conforme o disposto no artigo 72.º n.º 1 aliena e), tributados à taxa autónoma de 28%.
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Da demonstração de Liquidação em sede de IRS2018..., liquidação ora em apreço, resultou o seguinte:
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Das deduções à coleta elencadas na Demonstração de Liquidação, em sede de IRS 2018..., resultou o seguinte:
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Ora, o cálculo da coleta total, na Demonstração de Liquidação de IRS 2018..., é efetuado da seguinte forma:
“11 IMPORTÂNCIA APURADA (9: COEF x TAXA)
12 Parcela a Abater
13 Imposto correspondente a rendimentos anos anteriores
14 Imposto correspondente a rendimentos isentos
15 Imposto relativo a tributações autónomas
16 Taxa adicional (0,00 x 0,0% + 0,00 x 0%) x 2,00
16 Excesso em relação ao limite do quociente familiar
17 Imposto relativo a tributações autónomas
18 COLETA TOTAL [(11-12)x(2,00)+13-14+15+16+17]”
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A coleta total na Demonstração de Liquidação em sede de IRS 2018..., inclui o imposto relativo a tributações autónomas, no valor de €12.340,75.
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O Requerente teve uma coleta total, no valor de €14.136,03€.
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O cálculo da coleta líquida, na Demonstração de Liquidação de IRS 2018..., é calculado da seguinte forma:
18 -COLETA TOTAL [(11-12)x(2,00)+13-14+15+16+17]
19 -Deduções à coleta
20 -Benefício Municipal (2,50% da coleta)
21 -Acréscimos à coleta
22 - COLETA LÍQUIDA (18-19-20(>=0)+21)
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O requerente apresentou reclamação graciosa n.º ...2018..., a qual foi indeferida por despacho de 2018-08-21.
F- FACTOS NÃO PROVADOS
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Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
G- QUESTÕES DECIDENDAS
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Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constitui questão central, a seguinte, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir:
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Da declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2018..., relativo ao ano de 2017, que fixou um imposto a pagar de € 7.449,97, (sete mil quatrocentos e quarenta e nove euros e noventa e sete cêntimos).
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Pagamento de Juros Indemnizatórios.
H- MATÉRIA DE DIREITO
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Atendendo à posição assumida pelas partes, nos seus articulados, o thema decidendum a dirimir por este Tribunal Arbitral, prende-se com a interpretação e aplicação do regime previsto no artigo 78.º do CIRS, no que concerne ao limite máximo de deduções à coleta e a sua extensão às taxas de tributações autónomas (quando não englobas), e consequente determinação do correto enquadramento em sede de IRS, do ato de liquidação nº 2018..., relativo ao ano de 2017.
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Atendendo à matéria de facto fixada, iremos então determinar o direito aplicável, dando prioridade, em cumprimento do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 124º do CPPT, à análise dos vícios do ato de liquidação, cuja procedência determina uma mais estável e eficaz tutela dos interesses dos Requerentes.
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O Requerente em suma, sustenta que o limite das deduções à coleta inclui os rendimentos não englobados e tributados autonomamente, e não apenas os rendimentos englobados, pelo que o limite das deduções à coleta é superior ao que resultou na liquidação em causa.
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Entende que deve ser considerado, nas suas deduções à coleta o valor de €2.977,48€, por aplicação dos limites previstos no n.º 7 do artigo 78.º, até ao limite de 2.390,09€, a efetuar da seguinte forma:
Dedução dependentes €1.200,00
Dedução despesas gerais e familiares €500,00
Dedução despesas de saúde €215,50
Dedução despesas de educação €800,00
Dedução encargos com imóveis €195,48
Dedução exigência de fatura €66,50
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A Requerida, contra-argumentou, em suma, expondo que o imposto apurado relativo às tributações autónomas, gerado pelo não englobamento dos rendimentos declarados nos anexos F e J, como a própria terminologia indica, incide sobre determinados rendimentos sem ter em conta a situação pessoal dos sujeitos passivos e que por isso são um apuramento paralelo dentro da própria liquidação, motivo pelo qual as deduções à coleta não são extensíveis às tributações autónomas.
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Analisemos cada um dos pontos controvertidos:
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O Requerente optou expressamente pelo não englobamento dos rendimentos prediais, nos termos do artigo 8.º n.º 1, e optou pelo não englobamento dos rendimentos de Categoria A, e obtidos fora do território português, sendo ambos tributados autonomamente.
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O Requerente, apresentou um rendimento antes das deduções à coleta de €14.136,03, respeitante aos rendimentos englobados e não englobados, dos quais €12.381,41 dizem respeito aos rendimentos não englobados e €1.795,30 dizem respeito aos rendimentos englobados.
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Na liquidação em apreço, foram apenas aceites as deduções à coleta, no valor total de 1.795,30€, e da seguinte forma:
Dedução por dependentes: €1.200,00
Dedução com despesas gerais familiares: €500,00
Dedução com despesas de saúde: €95,30
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Perante o exposto, vejamos se é legalmente permitido, face à legislação em vigor à data, deduções à coleta sobre rendimentos não englobados e tributados autonomamente.
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Quanto ao englobamento, o mesmo tem como objetivo fundamental a tributação do rendimento global dos sujeitos passivos residentes em território nacional, por aplicação de taxas progressivas, tendo em vista a concretização do princípio da capacidade contributiva na tributação do rendimento pessoal. No mesmo sentido veja-se o decidido no processo. 96/2015-T.
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Examinemos a legislação em vigor, que para o período fiscal de 2017 estabelece o nº. 3 e o nº. 7 do artigo 78.º do CIRS, o seguinte:
3 - As deduções referidas neste artigo são efetuadas pela ordem nele indicada e apenas as previstas no número anterior, quando superiores ao imposto devido, conferem direito ao reembolso da diferença.
7 - A soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 não pode exceder, por agregado familiar, e, no caso de tributação conjunta, após aplicação do divisor previsto no artigo 69.º, os limites constantes das seguintes alíneas: (Redação da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)
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Para contribuintes que tenham um rendimento coletável igual ou inferior ao valor do 1.º escalão do n.º 1 artigo 68.º, sem limite; (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
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Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do 1.º escalão e igual ou inferior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o limite resultante da aplicação da seguinte fórmula: (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
€ 1 000 + [€ 2 500 - € 1 000) x [valor do último escalão - Rendimento Coletável]]
valor do último escalão - valor do primeiro escalão;
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Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o montante de € 1 000. (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
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E estipula o n.º 1 do artigo 68º do CIRS o valor do 1.º escalão, ou seja, €7.091,00.
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Perante o anteriormente exposto, resulta evidente, que são permitidas deduções à coleta até ao limite do imposto a pagar, ou, até ao limite previsto no n.º 3 do artigo 78.º do CIRS.
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Cabe determinar agora, o que se entende por coleta, isto é, se abrange apenas o resultado bruto da aplicação da taxa dos rendimentos englobados para efeitos das taxas previstas nos artigos 68.º e 68.º-A, ou, se abrange o resultado de todas as taxas, previstas nos artigos 68.º e seguintes.
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Efetivamente, parece não existir duvida, que a coleta bruta abrange o resultado da aplicação das taxas gerais prevista no artigo 68.º e da taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68-A, ambos do CIRS.
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Iremos de seguida analisar a questão sobre o imposto resultante das taxas autónomas, tema central do presente petitório.
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Iniciaremos, relembrando no que concerne à interpretação das Normas Tributarias, o disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT):
“Artigo 11.º
Interpretação
Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.
Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.”
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Por remissão do n.º 1 do artigo 11.º da LGT, torna-se necessário igualmente recorrer aos princípios gerais da interpretação das leis, tal como o dispõe o artigo 9.º do Código Civil, que passamos a transcrever:
“Artigo 9.º
Interpretação da lei
A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
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Ora atendendo às regras supra transcritas no que concerne à interpretação das Normas Tributarias, cabe ao presente Tribunal analisar se o imposto resultante das taxas autónomas é um elemento que se inclui no somatório da Coleta Total ou Bruta, e se está sujeita a deduções à coleta.
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Existe no nosso ordenamento, uma distinção entre taxas gerais, taxa adicional de solidariedade, taxas autónomas e taxas liberatórias.
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Contudo, apenas quanto às taxas liberatórias, é consagrado expressamente, uma retenção na fonte a título definitivo.
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Quanto às taxas liberatórias, efetuando uma comparação ao que é expressamente consagrado no artigo 71.º nº. 1 e nº. 4 do CIRS, onde se prevê a retenção na fonte a título definitivo¸ e o regime das taxas autónomas onde não se prevê essa retenção a titulo definitivo, sendo referido apenas que são tributados à taxa autónoma, conclui-se que o legislador pretendeu efetuar essa distinção.
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Alem do mais, nas taxas liberatórias, dispensam o sujeito passivo de entregar a sua declaração de rendimentos, nas situações em que apenas tenham auferido rendimentos sujeitos a essa taxa, ou seja, o imposto seria final e não sujeito a deduções à coleta, conforme o dispõe o artigo 58.º n.º 1 aliena a) do CIRS:“1 - Ficam dispensados de apresentar a declaração a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos que, no ano a que o imposto respeita, apenas tenham auferido, isolada ou cumulativamente: a) Rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º e não optem, quando legalmente permitido, pelo seu englobamento;”
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A respetiva dispensa, referida no artigo 58º. n.º 1 alínea a), não é extensível ao sujeito passivo que apenas aufira rendimentos tributados nos termos do artigo 72º, no que se refere a taxas autónomas, sendo neste caso, obrigado a entregar a sua declaração de rendimentos.
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Rui Duarte Morais, defende, quanto à distinção entre taxas liberatórias e taxas autónomas, o seguinte: “Note-se que, estando em causa uma taxa especial (e não de uma taxa liberatória), esta se aplica a rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja, a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o sujeito passivo continua a ser admitido a fazer as deduções específicas que a lei prevê.”
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Perante o exposto, ao contrário do que se consagra expressamente nas taxas liberatórias, não existe para as taxas autónomas e para as taxas gerais essa consagração de retenção a titulo definitivo, entendendo-se que as mesmas são concorrem para o somatório da coleta total ou bruta e são passiveis de deduções à coleta.
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Face ao anteriormente exposto, o imposto relativo à tributação autónoma concorre para o cálculo da coleta total e como tal, está sujeito às respetivas deduções à coleta dentro dos limites legalmente consagrados.
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Efetuando uma análise mais detalhada da Demonstração de Liquidação emitida pela Autoridade Tributaria, verificamos que a Coleta Total aí calculada inclui o imposto relativo a tributações autónomas, se não vejamos:
“11 IMPORTÂNCIA APURADA (9: COEF x TAXA)
12 Parcela a Abater
13 Imposto correspondente a rendimentos anos anteriores
14 Imposto correspondente a rendimentos isentos
15 Imposto relativo a tributações autónomas
16 Taxa adicional (0,00 x 0,0% + 0,00 x 0%) x 2,00
16 Excesso em relação ao limite do quociente familiar
17 Imposto relativo a tributações autónomas
18 COLETA TOTAL [(11-12)x(2,00)+13-14+15+16+17]
19 Deduções à coleta”
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Do somatório e da respetiva equação, que levou ao resultado da Coleta Total, inclui expressamente o ponto 17 - Imposto relativo a tributações autónomas.
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Por outras palavras, no documento emitido pela Autoridade Fiscal, a coleta total foi calculada adicionado o Imposto relativo a tributações autónomas, considerando a tributação autónoma como parte integrante da Coleta Total ou Bruta.
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Também na Demonstração de liquidação, quanto às deduções à coleta, referidas nos pontos 19 a 22, foram efetuados os seguintes cálculos:
“19 -Deduções à coleta
20 -Benefício Municipal (2,50% da coleta)
21 -Acréscimos à coleta
22 - COLETA LÍQUIDA (18-19-20(>=0)+21)”
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Assim, a Coleta Líquida resulta da subtração à Coleta Total, das deduções à coleta (referidas no ponto 19.º da Demonstração).
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Ou seja, na Demonstração de Liquidação, foi considerada como coleta líquida, o resultado da coleta total subtraída as deduções à coleta, em que a coleta total incluiu inequivocamente o Imposto relativo a tributações autónomas.
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Embora a Demonstração da Liquidação analisada, não afaste ou substitua a aplicação da legislação em vigor já referida, constitui um elemento de prova relevante para a presente decisão.
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Deste modo, a coleta resultante da aplicação desta taxa, deve ser aceite para o cálculo dos limites máximos das deduções à coleta.
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Conforme já frisado, estamos perante taxas autónomas previstas no artigo 72.º, pelo que concorrem para efeitos do cálculo das deduções a coleta.
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Quanto aos restantes argumentos apresentados pelas partes, o presente Tribunal Arbitral não se encontra obrigado a apreciar nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAMT, todos os argumentos alegados, quando a decisão fique prejudicada pela solução já dada, o que nos presentes autos se traduz na decisão de ilegalidade da liquidação.
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Em conclusão, decide o presente Tribunal pela declaração de ilegalidade da liquidação sub Júdice, por enfermar de vício por violação do artigo 78.º do CIRS, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.
I - FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA
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No pedido de pronúncia o Requerente veio: “pedir ao tribunal arbitral uma decisão que anule esta decisão”, referente à liquidação de IRS com o número 2018... .
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Contudo, não atribuiu com clareza o valor da causa. Referiu que foi incorretamente considerada uma dedução à coleta de €1.795,30, que os contribuintes são credores de um reembolso de IRS de €594,79, correspondente à diferença do valor que o Requerente considera como correto para efeitos de Coleta de €2.390,09 e a coleta resultante da demonstração de liquidação de IRS de €1.795,30 (€2.390,09-€1.795,30=€594,79).
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E atribuiu-lhe o valor económico de €594,79, e consequentemente liquidou o valor da taxa arbitral nos termos da Tabela I Artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, para esse valor.
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A AT na resposta veio referir que “O Requerente atribui ao pedido arbitral o valor de € 594,79, valor que declara corresponder à diferença entre o valor da colecta a considerar e o valor que foi considerado pela AT. Ora, nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende. Verifica-se que o Requerente pretende a anulação da liquidação de IRS n.º2018..., do ano de 2017, com o valor global de € 7.445,97, valor este que deverá ser o indicado para os presentes autos, devendo como tal ser retificado o anteriormente indicado.”
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Cumpre apreciar,
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Dispõe o artigo 97ºA do CPPT, sob a epígrafe “valor da causa” que: “1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende.”
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Em anotação ao artigo 97ºA no CPPT, Volume II, 6ª Edição, 2011, Jorge Lopes de Sousa refere: “Em face da regra da alínea a) do n.º 1 deste artigo 97.º-A, tem de se concluir que, quando é impugnado um acto de liquidação, o valor do processo é apenas o da importância cuja anulação se pretende, que será o da própria liquidação, se for pedida a anulação total, ou o valor da parte impugnada, se se pretender uma anulação apenas parcial”.
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Ora, os valores a reembolsar ou a pagar, numa liquidação de IRS, são os valores que não refletem o valor da liquidação, entendida como o produto da aplicação de uma taxa a uma matéria coletável, acrescida eventualmente dos juros compensatórios.
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Retomando os autos, o Requerente impugnou a liquidação sem referir expressamente que o fazia parcialmente, indicando o valor económico de € 594,79 (diferença do valor do reembolso), contudo tal indicação, não está em conformidade com o disposto no artigo 97ºA do CPPT, uma vez que, não se impugnam os reembolsos ou os valores a pagar (pela razão de que estão subtraídos v.g. das retenções na fonte), mas sim as liquidações (de forma total ou parcial, devendo nesta última hipótese especificar-se e quantificar-se os valores, a importância em concreto que se pretende ver anulada, com as operações aritméticas a tal conducentes, face à nota de liquidação).
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As competências do Tribunal Arbitral, estão limitadas nos termos do artigo 2.º do RJAT, à apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria coletável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
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Deste modo, o presente Tribunal, possui competências de declaração de ilegalidade nos termos supra descritos, não possui competências para decidir sobre a substituição de atos de liquidação ou de reembolsos sem apreciar a legalidade dos atos.
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No presente caso, não só não foi peticionado, como não foi demonstrado que a diferença dos reembolsos (entre o que ocorreu e o que poderia ocorrer se a liquidação fosse feita de acordo com a declaração apresentada pelo contribuinte) corresponda a um pedido de anulação parcial da liquidação global.
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Assim, o Tribunal por meio de despacho arbitral datado de 28-01-2019, retificou o valor da ação arbitral para o valor da liquidação impugnada, respetivamente no valor de €7.445,97 e convidou o Requerente a liquidar a taxa de arbitragem remanescente.
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O Requerente procedeu à correção e liquidação do valor da taxa de justiça inicial remanescente.
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Em face do exposto, fixa-se o valor da utilidade económica em € 7.445,97, valor correspondente ao valor da liquidação em sede de IRS, cuja anulação peticiona.
J - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
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Peticiona ainda o Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios.
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Perante o exposto, a liquidação na parte abrangida pela anulação, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que, o Requerente cumpriu o seu dever de declaração.
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Na verdade, ficou demonstrado que o Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido. Desta forma e por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem o Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses que devem ser contabilizados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.
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Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pelo provimento do pedido do Requerente.
H- DECISÃO
Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de IRS n.º 2018..., relativo ao ano de 2017, que fixou um imposto a pagar de € 7.449,97, (sete mil quatrocentos e quarenta e nove euros e noventa e sete cêntimos).
Condenar a Requerida, a restituir ao Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos, relativo ao período que mediou entre a data de pagamento do imposto até a sua devolução, bem como, no pagamento dos juros indemnizatórios vincendos a contar da data da notificação da decisão, até, efetivo e integral pagamento, tudo nos termos dos n.ºs 2.º a 5.ºdo art.º 61.º do CPPT, à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral reembolso.
Fixa-se o valor do processo em € 7.449,97, (sete mil quatrocentos e quarenta e nove euros e noventa e sete cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 612,00€ (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º 1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).
Notifique.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2019.
A Árbitra
Rita Guerra Alves
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