Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 185/2018-T
Data da decisão: 2019-03-07  IRS  
Valor do pedido: € 75.637,71
Tema: IRS – Convenção para evitar a Dupla Tributação com a República Checa; Rendimentos de trabalho dependente.
Versão em PDF

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria Alexandra Mesquita

e Sofia Ricardo Borges, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 09 de Abril de 2018, A..., NIF..., residente na Rue ..., n.º ..., localidade de ..., França, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS n.º 2016... e n.º 2016..., referentes, respectivamente aos anos de 2012 e 2013, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, no valor global de €75.637,71, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve as mencionadas liquidações como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese:
  1. Vício de falta de fundamentação;
  2. Vício de violação de lei, por violação do artigo 60.º, n.º 1 da LGT, por as liquidações em causa não terem sido precedidas do direito de audição;
  3. Vício de violação de lei por, relativamente ao ano de 2012, por violação da Convenção para evitar a Dupla Tributação outorgada com a República Checa, e de 2013, por não lhe ser aplicável o n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, que impõe a qualificação de um contribuinte como residente.

 

  1. No dia 10-04-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 01-06-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 21-06-2018.

 

  1. No dia 10-09-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação.

 

  1. No dia 31-10-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente, tendo igualmente sido prorrogado por dois meses o prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prorrogado nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 2, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. O Requerente tem nacionalidade francesa.
  2. Em 10-09-1990, o Requerente celebrou um contrato de trabalho com a sociedade B..., S.A., instituição de crédito de direito francês, que tem sede e efectiva administração em França.
  3. Até Agosto de 2012, o Requerente encontrou-se destacado em Portugal ao serviço da B... (sucursal em Portugal da B..., S.A.) onde exerceu funções de director de risco, métodos e qualidade e director de recuperação de crédito.
  4. A partir de 1 de Setembro de 2012, o Requerente passou a exercer funções como Director Financeiro e de Risco na C..., sociedade financeira integrada no Grupo B... e com sede em Praga.
  5. O Requerente assinou uma alteração ao contrato de trabalho com a B... S.A., nos termos da qual passaria a exercer funções na C..., em Praga, a partir de 1 de Setembro de 2012, e por um período de 3 anos.
  6. No final de Agosto de 2012, o Requerente denunciou o contrato de arrendamento da casa em que viveu em Lisboa.
  7. Em 27-08-2012, a C..., emitiu um certificado no qual declarou que “Certificamos que o empregado mencionado acima é um empregado na relação de trabalho com o empregador acima mencionado com base no contrato de trabalho em 3 de Setembro de 2012. O acordo de trabalho é celebrado por um período de tempo especificado – 3 anos”.
  8. A mudança para Praga determinou a mudança de escola dos filhos do Requerente, que foram inscritos no Liceu Francês de Praga.
  9. Também a esposa do Requerente se mudou para Praga, em 2012.
  10. Aquando da chegada à República Checa, o Requerente e toda a sua família inscreveram-se junto das autoridades Checas para a obtenção de cartão europeu de saúde de modo a beneficiar naquele país de assistência de saúde completa.
  11. As autoridades fiscais da República Checa certificaram a residência do Requerente naquele país logo em 2012 e até 2015.
  12. Durante o período que residiu em Praga, o Requerente e a sua família moraram numa casa arrendada, tendo o arrendamento sido suportado pela C...
  13. A C... disponibilizou ao Requerente um veículo de serviço, em Praga, República Checa.
  14. A relação laboral com a C... cessou apenas em Agosto de 2015, altura em que o Requerente voltou para França, onde passou a residir.
  15. O Requerente, relativamente aos anos de 2012 e 2013, submeteu declarações de rendimentos junto das autoridades fiscais da República Checa, como residente.
  16. Das referidas liquidações, resultou o pagamento de imposto sobre o rendimento na República Checa.
  17. Em 24-03-2017, o Requerente comunicou à AT o facto de ter deixado de ser residente fiscal em Portugal, tendo alterado a sua residência junto dos registos da AT.
  18. O Requerente procedeu à entrega de declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS como residente em 2012 e 2013, nas quais apenas declarou os rendimentos obtidos em Portugal.
  19. O Requerente procedeu ao pagamento do imposto assim apurado.
  20. A AT emitiu liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios relativamente aos anos de 2012 e 2013, tendo com referência a 2012, sido apurado o montante de €25.105,93 a pagar e, com referência a 2013, sido apurado o montante de €50.531,78.
  21. As referidas liquidações foram remetidas para a morada Rua ..., nº..., ...-... Lisboa.
  22. O Requerente teve conhecimento das referidas liquidações por consulta no Portal das Finanças.
  23. Em 25-01-2017, o Requerente pagou integralmente os valores de IRS e de juros compensatórios apurados nas referidas liquidações oficiosas.
  24. O Requerente apresentou reclamação graciosa das referidas liquidações oficiosas.
  25. O Requerente foi notificado do projecto de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, exercer o direito de audição prévia.
  26. No âmbito do direito de audição prévia, o Requerente procedeu à junção dos originais dos três certificados de residência emitidos pelas autoridades fiscais da República Checa, o primeiro atinente a 2012 e emitido em 1 de Setembro de 2012, e o último respeitante a 2015 e emitido em 6 de Abril de 2015.
  27. O Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  28. Da referida decisão de indeferimento, consta o seguinte:

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

            Conforme se referiu anteriormente, o Requerente imputa os seguintes vícios aos actos tributários sub iudice:

  1. Vício de falta de fundamentação;
  2. Vício de violação de lei, por violação do artigo 60.º, n.º 1 da LGT, por as liquidações em causa não terem sido precedidas do direito de audição;
  3. Vício de violação de lei por, relativamente ao ano de 2012, por violação da Convenção para evitar a Dupla Tributação outorgada com a República Checa, e de 2013, por não lhe ser aplicável o n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, que impõe a qualificação de um contribuinte como residente.

Dispõe o art.º 124.º do CPPT que:

“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”

            Deste modo, e não tendo sido estabelecida pelo Requerente qualquer relação de subsidiariedade, passar-se-á à apreciação do vício de violação de lei, por ser aquele cuja procedência determina a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

*

            A situação em questão nos presentes autos de processo arbitral é de relativamente simples configuração.

            Em causa, está a tributação do Requerente por rendimentos auferidos fora de Portugal, nos anos de 2012 e 2013, verificando-se que:

            - o Requerente deixou de ter, em Portugal, a partir de Setembro de 2012, habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

            - o Requerente apenas comunicou à AT o facto de ter deixado de ser residente fiscal em Portugal, tendo alterado a sua residência junto dos registos da AT, em 24-03-2017.

            A relevância jurídica destes factos deverá ser aferida à luz das seguintes normas:

- Art.º 16.º/1/a) e b) do CIRS aplicável (anos de 2012 e 2013):

“1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;”;

- Art.º 19.º, n.ºs 1/a), 3 e 4 da LGT aplicável:

“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual; (...)

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária. 4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”;

- Art.º 4.º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a República Checa[2]:

“1 — Para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto, devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar. Todavia, esta expressão não inclui qualquer pessoa que está sujeita a imposto nesse Estado apenas relativamente ao rendimento de fontes localizadas nesse Estado.

2 — Quando, por virtude do disposto no n.º 1, uma pessoa singular for residente de ambos os Estados Contratantes, a situação será resolvida como segue:

a) Será considerada residente do Estado em que tenha uma habitação permanente à sua disposição. Se tiver uma habitação permanente à sua disposição em ambos os Estados, será considerada residente do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais);

b) Se o Estado em que tem o centro de interesses vitais não puder ser determinado, ou se não tiver uma habitação permanente à sua disposição em nenhum dos Estados, será considerada residente do Estado Contratante em que permaneça habitualmente;

c) Se permanecer habitualmente em ambos os Estados, ou se não permanecer habitualmente em nenhum deles, será considerada residente do Estado de que for nacional;

d) Se for nacional de ambos os Estados, ou se não for nacional de nenhum deles, as autoridades competentes de ambos os Estados resolverão o caso de comum acordo.”.

- Art.º 15.º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a República Checa:

“1 — Com ressalva do disposto nos artigos 16.º, 18.º, 19.º, 20.º e 21.º, os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.

2 — Não obstante o disposto no n.º 1, as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante só podem ser tributadas no Estado primeiramente mencionado se:

a) O beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que não excedam, no total, 183 dias em qualquer período de 12 meses; e

b) As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado; e

c) As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado.

3 — Não obstante as disposições anteriores deste artigo, as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou de uma aeronave explorados no tráfego internacional podem ser tributadas no Estado Contratante em que estiver situada a direcção efectiva da empresa.”

 

*

            Antes de prosseguir, e conforme adiantado previamente, não restam quaisquer dúvidas a este Tribunal de que o Requerente passou, a partir de Setembro de 2012, a residir, com caracter de permanência, na República Checa, sendo que a prova testemunhal e documental apresentadas são absolutamente claras nesse sentido.

            Posto isto, assumir-se-á que, conforme alegado pelo Requerente, e não contestado pela Requerida, as liquidações adicionais dizem respeito aos rendimentos auferidos pelo Requerente, nos anos de 2012 e 2013, na República Checa.

            Efectivamente, o Requerente assume tal circunstância no seu pedido arbitral, afirmando que, conforme se deu como provado, procedeu à entrega de declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS como residente em 2012 e 2013, nas quais apenas declarou os rendimentos obtidos em Portugal, e procedeu ao pagamento do imposto assim apurado, e a Requerida afirma que “o Requerente, ao longo dos seus articulados seja em sede administrativa seja em sede arbitral, discute toda a matéria de facto dada como assente pela AT, assim como todo o direito aplicável àquela matéria factual[3].

            De resto, a não ser assim, sempre se teria de concluir pela anulabilidade das liquidações em questão, conforme arguido pelo Requerente, por falta de fundamentação, já que não se divisa de onde serão provenientes os rendimentos que a AT pretende tributar nas liquidações ora em crise.

            Daí que, como se apontou, se assumirá que os rendimentos tributados por tais liquidações são os auferidos pelo Requerente, nos anos em questão, na República Checa.

            Posto isto, e atento o disposto no art.º 15.º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a República Checa, será de concluir que tais rendimentos não podem ser tributados em Portugal.

            Desde logo, dúvidas não há que estão em causa rendimentos de trabalho dependente, conforme, de resto, consta das próprias declarações oficiosas elaboradas pela AT e que estão na base das liquidações ora contestadas, sendo, por isso, aplicável o referido art.º 15.º.

            No mais, embora, relativamente ao ano de 2012, se verifique que o Requerente não permaneceu, nesse ano, mais de 183 dias na República Checa, o certo é que os requisitos elencados no n.º 2 daquele art.º 15.º são cumulativos, e não se verifica que esteja em causa qualquer situação prevista nos art.ºs 16.º (membros do conselho de administração de sociedade), 18.º (pensões), 19.º (remunerações públicas), 20.º (estudantes) ou 21.º (professores e investigadores) da Convenção, nem que:

            - As remunerações tenham sido pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado; e

            - As remunerações não tenham sido suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado.

            Deste modo, e nos termos do n.º 1 e 2 do artigo em questão, os salários, ordenados e remunerações similares obtidos pelo Requerente pelo emprego na República Checa, apenas poderão aí ser tributados, e não em Portugal.

            Os comentários à convenção Modelo da OCDE para evitar a dupla tributação entre estados são, de resto, claros nesta matéria, referindo-se logo no primeiro comentário ao art.º 15.º que o primeiro número deste artigo estabelece a regra geral de que o rendimento proveniente do trabalho dependente é tributável no Estado onde o emprego é efectivamente exercido.

            O comentário 4 ao mesmo normativo, esclarece também que as três condições elencadas no n.º 2 são cumulativas.

            Por fim, o comentário 6.2 esclarece que o propósito das alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 15.º em causa é o de evitar a tributação na fonte de empregos de curta duração, na medida que o rendimento do emprego não se qualifica como encargo dedutível no Estado da fonte, por o empregador não ser sujeito passivo nesse Estado, dado não ser aí residente nem aí ter estabelecimento estável.

            Ora, não é esse, evidentemente o caso, sendo a entidade pagadora dos rendimentos auferidos pelo Requerente na República Checa, uma sociedade incorporada nesse país, e, como tal, aí residente e sujeito passivo.

            Pelo exposto, não subsistem quaisquer dúvidas que, nos termos dos referidos n.ºs 1 e 2 do art.º 15.º da Convenção em causa, Portugal está impedido de sujeitar a imposto os rendimentos de trabalho dependente do Requerente na República Checa.

            Não se ignorando que sejam possíveis outras leituras, e sem prejuízo do mérito das mesmas, para lá do quanto acima se apontou, e em especial do teor do primeiro comentário ao art.º 15.º da Convenção Modelo da OCDE, sempre se dirá que tais leituras assentam, essencialmente em considerações de direito internacional, sendo que, no caso, está em causa uma relação jurídica meramente interna entre Portugal e um seu contribuinte, pelo que, em primeira linha, os critérios interpretativos deverão ser os da lei nacional e, em especial, os princípios da legalidade e da tipicidade das normas de incidência tributárias, e correspondentes exigências de segurança jurídica, de onde deverá decorrer a prevalência do texto legal publicado em língua portuguesa, na medida que será esse que será lido e interpretado pelos contribuintes nacionais, texto esse que é inequívoco, ao afirmar, no n.º 2 do art.º 15.º da Convenção publicada em DR, que os rendimentos aí referidos só podem ser tributados em Portugal nas condições aí referidas.

            Num plano mais geral, julga-se ainda que estando em causa uma convenção para evitar a dupla tributação, deverão privilegiar-se as interpretações que conduzam da maneira mais prática e simples, à eliminação da dupla tributação, sobretudo, como é o caso, quando não se descortina qualquer interesse material relevante que seja preterido com tais interpretações, como de resto é corroborado pelos comentários relevantes ao art.º 15.º da Convenção Modelo da OCDE.

            Por fim, notar-se-á ainda que uma interpretação que sustente a competência cumulativa de ambos os Estados para tributar os rendimentos a que se reporta o art.º 15.º da Convenção ora em causa, para além de contrariar a letra expressa do n.º 2 daquele artigo, conduz à inutilidade prática da última frase do número 1 do mesmo normativo, já que dá a este o mesmo sentido que já resultaria daquele, se aquela última frase aí não constasse.

            No mais, como se refere no Ac. do STA de 02-02-2011, proferido no processo 0621/09, “Por força do disposto no artigo 8.º da CRP as normas constantes de convenções internacionais validamente celebradas e regularmente ratificadas e aprovadas vigoram na ordem interna logo que publicadas, constituindo fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários.”.

            Daí que, independentemente de tudo o mais, se haja de concluir pela ilegalidade das liquidações sub iudice.

            A tal conclusão não obstará a circunstância de o Requerente poder ser qualificado como residente em Portugal nos anos em questão, quer à luz do direito nacional, quer à luz da própria Convenção, porquanto o art.º 15.º desta se refere expressamente às “remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante”, ou seja, pressupõe, precisamente, que esteja em causa um residente num dos Estados, no caso Portugal, que aufira remunerações de um emprego exercido no outro, no caso a República Checa.

            Não obstante, sempre se dirá que, mesmo que assim não fosse, os argumentos esgrimidos pela Requerida não seriam em caso algum de acolher.

            Assim, e desde logo, o art.º 19.º da LGT dispõe unicamente sobre a questão do domicílio fiscal, conceito este que não é o subjacente ao art.º 16.º/1 do CIRS, que se reporta à permanência física em Portugal por mais de 183 dias num ano, e à posse de “habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual”.

            A circunstância de o n.º 1, al. a), do referido art.º 19.º dispor que o domicílio fiscal, para as pessoas singulares, corresponde, por regra, ao local da residência habitual, não tem, evidentemente, o sentido de fazer esta corresponder àquele.

            O que se diz ali é que o domicílio fiscal deve corresponder à residência habitual, e que, se esta se alterar e tal alteração não for comunicada, tal alteração é ineficaz, para efeitos da determinação do domicílio fiscal, e não para outros efeitos que decorram ou pressuponham o local da residência habitual, e não o domicílio fiscal.

            É esse, como é bom de ver, o caso do art.º 16.º/1 do CIRS, que não se refere ao domicílio fiscal, quando o podia perfeitamente fazer, como acontece no caso, por exemplo, do art.º 14.º/2 do mesmo Código, que se reporta, expressamente, ao domicílio fiscal.

            Acrescente-se, ainda, que mesmo no caso deste último artigo, foi já entendido pelo STA que “As obrigações resultantes dos artigos 19º da LGT e 14º, n.º 2 do CIRS, para os contribuintes unidos de facto apenas podem ser vistas como requisitos formais que, no entanto, não inviabilizam a opção pelo regime de tributação conjunto, uma vez que essa depende de outros requisitos substantivos.[4].

            Ou seja, e em suma: o art.º 19.º da LGT  impõe a equivalência do domicílio fiscal à residência habitual, mas não faz esta equivaler àquele, pelo que a ineficácia referida no n.º 4, se reporta aos efeitos da mudança da residência habitual não comunicada, relativamente ao domicílio fiscal, e não aos restantes efeitos da referida mudança.

            No mais, e relativamente aos óbices documentais brandidos pela AT, para além dos mesmos não se legitimarem perante qualquer norma legal, que não é sequer invocada, não têm qualquer relação com o regime da Convenção, que, como se apontou, não pressupõe a residência do Requerente na República Checa, para que aí sejam tributados os rendimentos de trabalho dependente exercido nesse país.

            Face a todo o exposto, haverá que considerar que enfermam os actos de liquidação objecto da presente acção arbitral de erro de facto e de direito, devendo, consequentemente, ser anulados, ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios que lhes são assacados pelo Requerente.

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou os actos de liquidação objecto da presente acção arbitral, sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito o Requerente a ser reembolsado da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento indevido, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular os actos de liquidação de IRS n.º 2016 ... e n.º 2016 ..., referentes, respectivamente aos anos de 2012 e 2013, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve as mencionadas liquidações como objecto;
  2. Condenar a AT à restituição do imposto indevidamente pago, por força das liquidações ora anuladas, bem como no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima determinados;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 75.637,71, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de Março de 2019

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Maria Alexandra Mesquita)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Sofia Ricardo Borges, com a declaração de voto anexa)

 

 

Declaração de Voto

 

Pelas razões que passarei resumidamente a expôr, não acompanho a decisão que fez vencimento no que ao ano de 2012 respeita, votando, nesta parte, de vencido. Já no que se refere ao ano de 2013 acompanho a decisão, muito embora por razões não inteiramente coincidentes com as que subjazem à mesma. Como segue.

 

Quanto ao ano de 2012.

Desde logo, não acompanhamos, em especial, as seguintes asserções na presente Decisão: “(...) atento o disposto no art.º 15.º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a República Checa, será de concluir que tais rendimentos não podem ser tributados em Portugal.”; “(...) nos termos do n.º 1 e 2 do artigo em questão, os salários (...) obtidos pelo Requerente pelo emprego na República Checa apenas poderão aí ser tributados, e não em Portugal.”; “(...) nos termos dos referidos n.ºs 1 e 2 do art.º 15.º da Convenção em causa Portugal está impedido de sujeitar a imposto os rendimentos de trabalho dependente do Requerente na República Checa.” E, assim, não acompanhamos a fundamentação que, na Decisão, nas mesmas se alicerça.

Vejamos.

Nos termos da Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a República Checa (doravante “a CDT P-RC” ou “a CDT”), cujo Artigo 15.º é, quanto a nós, decalcado, na íntegra, do artigo com o mesmo número tal como constante da CMOCDE, sempre que se verifique uma situação em que o rendimento de trabalho dependente é auferido por um residente de um dos dois Estados contratantes em virtude do exercício da sua actividade laboral no território do outro Estado contratante, este último Estado (o Estado da Fonte, aqui, em rigor, na acepção de Estado do local do exercício da actividade; por esta razão adiante também “Estado da Fonte-actividade” ou “Estado da actividade”) terá, em princípio, competência para tributar os respectivos rendimentos.

Mas isto é assim, não porque o “Estado da actividade” tenha, à partida, competência para tributar uma situação que recaia no Artigo 15.º. Isto é assim, tão só porque o legislador entendeu que – no caso de a actividade ser exercida nesse outro Estado, que não aquele em que o sujeito passivo (“SP”) é Residente – pode justificar-se o afastamento da regra geral aplicável à tributação dos rendimentos de trabalho dependente nas situações abrangidas pelo Artigo 15.º (da CMOCDE e da CDT P-RC).

Com efeito, a regra que o Artigo 15.º consagra é, aliás em coerência com a lógica da CMOCDE (e da CDT P-RC), a da competência do Estado da Residência. E, neste caso específico, competência do Estado da Residência com exclusividade. Apenas se afastando a regra quando se verifique que o exercício da actividade que origina os rendimentos se dá no outro Estado contratante. É este o sentido do n.º 1 do Artigo 15.º (primeira parte da primeira frase / parte final da primeira frase e segunda frase, respectivamente).

E não se entende, com todo o devido respeito, que a segunda parte do n.º 1 do Artigo 15.º (a segunda frase, a saber: “Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.”) seja de molde a atribuir uma competência ao Estado da actividade que não meramente cumulativa com a competência do Estado da Residência. Apenas vem, esta segunda parte do n.º 1, em nosso entender, afastar a exclusividade de competência do Estado da Residência. Que é afinal a regra – como constante da parte incial do n.º 1 (primeira parte da primeira frase, a saber: “1. Com ressalva do disposto (...), os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado”).

Vemos pois o Artigo 15.º como consagrando, primeiro que tudo, uma regra geral - a da competência exclusiva do Estado da Residência; depois, uma excepção a essa regra  – excepção constante da parte final da primeira frase do n.º 1 e da segunda frase do mesmo número, em que se atribui, também, competência para tributar ao Estado da actividade. E, por fim, uma excepção à referida excepção - conforme constante do n.º 2 do Artigo. Excepção à excepção esta que, uma vez verificados os respectivos requisitos para que opere, nos faz regressar à regra geral, i.e., à regra da competência exclusiva do Estado da Residência. E que, não se reunindo tais requisitos, nos mantém na excepção à regra geral, ou seja, nos mantém na competência cumulativa dos dois Estados contratantes. Embora ficando o Estado da actividade com o direito a tributar primariamente esses rendimentos, mas sem que isso retire a competência, também existente, do Estado da Residência. E, sempre, sendo aplicáveis os mecanismos do Artigo 23.º da CDT para atenuar/eliminar a dupla tributação daí potencialmente decorrente.

Neste mesmo sentido com que interpretamos o Artigo 15.º da CMOCDE, veja-se, entre outros, Alberto Xavier, “Direito Tributário Internacional”, 2.ª Ed., Almedina, 2007, p. 618 e ss.; Luc De Broe, “Article 15. Income from Employment”, in “Klaus Vogel on Double Taxation Conventions”, 4.ª Ed., Vol. II, Kluwer Law International, p. 1089 e ss.; Roy Rohatgi, “Basic International Taxation”, Kluwer Law International, pp. 103-104; Philip Baker, “Double Taxation Conventions and International Tax Law: A Manual on the OECD Model Tax Convention on Income and on Capital of 1992”, 2.ª Ed., Sweet & Maxwell, Londres, 1994, p. 299 e ss.[5]

Em suma, não se veio, em caso algum, entendemos, atribuir competência exclusiva de tributação ao Estado da Fonte-actividade pelo facto de o ser (i.e., pelo facto de ser ele o Estado onde é exercida a actividade)[6] (nem mesmo nas situações em que não se verifiquem os requisitos cumulativos das alíneas do n.º 2).

Nem vemos como o entendimento que seguimos pudesse ser afastado por razões de hermenêutica jurídica, que hipoteticamente levassem a interpretar a norma do n.º 2 do Artigo 15.º, dada a sua redacção, a nosso ver “menos feliz”, constante da versão Portuguesa da CMOCDE e da CDT (a saber: “(...) só podem ser tributados no Estado primeiramente mencionado se: (...)”) como significando que, no caso, Portugal fica privado de competência de tributação a não ser que estejam reunidos os três requisitos cumulativos das alíneas do n.º 2.  I. e., que Portugal só teria competência para tributar estando reunidos os três requisitos cumulativos que constituem condição de operância da excepção à excepção (cfr. supra). E que, portanto, assim, caso um (ou mais) dos requisitos (negativos, note-se) se não verificasse, Portugal perderia a sua competência para tributar. Que, assim, ficaria - em exclusivo - com o Estado da Fonte-actividade.

Não.

Se se verificarem os três requisitos cumulativos – requisitos operativos da excepção à excepção - o que sucede, vimos já, é que regressamos à regra geral: competência exclusiva do Estado da Residência.

Se se não verificarem (esses três requisitos negativos, cumulativamente), então não regressamos à regra geral. Mantemo-nos na excepção constante da segunda parte do n.º 1 do Artigo, que assim não fica afastada pelo n.º 2. Mantemo-nos, pois, na competência cumulativa do Estado da actividade.

Porquê?

Por se ter entendido (e assim consagrado no Artigo 15.º), e bem, que nesse caso (de se verificar pelo menos uma das situações constantes das alíneas do n.º 2, mas pela respeciva verificação positiva) ocorrerá uma ligação com o Estado Fonte-actividade que, por relevante, é merecedora de consideração para estes efeitos. Para efeitos de atribuir, também a esse Estado, competência para tributar.

Parece-nos claro, e parece-nos ser esta a única interpretação coerente seja com a ratio legis, seja com o elemento sistemático necessariamente a ter em conta na interpretação da norma.

Mais, por esta via interpretativa existe, ainda assim, uma mínima correspondência na letra da lei. Pois que a redacção do n.º 2, na versão portuguesa, é, a nosso ver, uma redacção menos bem conseguida, que teria ficado conforme ao espírito do legislador simplesmente com uma mais rigorosa ordenação dos elementos da frase (aliás em coerência, também, com o constante da redacção do n.º 1). Assim:

- 2. Não obstante o disposto no n.º 1, se: a) (...); b) (...); c) (...), as remunerações obtidas por um residente de um Estado contratante de um emprego exercido no outro Estado contratante só podem ser tributadas no Estado primeiramente mencionado. -

Ou seja, tratando-se primeiro da previsão e, só por fim, da estatuição.

Não nos parece ter o legislador, no caso do n.º 2, sabido pois exprimir com total correcção/rigor linguístico o seu pensamento. Conjugando letra e espírito da lei, não vemos senão como seguir a interpretação que vimos de referir.

Refira-se, ainda, que também as regras de interpretação dos Tratados Internacionais em matéria fiscal - que são claras no sentido de que os mesmos deverão ser interpretados nos termos gerais da interpretação dos Tratados e das normas de direito tributário, tendo especialmente em consideração os art.ºs 31.º a 33.º da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados - nos conduzem, entendemos, à mesma conclusão supra.[7]

Acresce que, se dúvidas restassem, quer a versão Inglesa, quer a Francesa, da CMOCDE são, entendemos, claras no sentido da interpretação que seguimos (v.  respectivos Artigos 15.º, n.ºs 2, no seu corpo, parte final: “shall be taxable only in the first mentioned State if” e “ne sont imposables que dans le premier État si”). E o facto de entre as versões autênticas da CDT P-RC – cfr. Resolução da AR n.º 26/97, de 8 de Janeiro de 1997, que aprovou a CDT para ratificação - se incluirem, para além da Portuguesa, as versões Checa e Inglesa, é também de molde a afastar quaisquer dúvidas.

Nem, também, por via do Comentário 1[8] ao Artigo 15.º o entendimento que seguimos ficaria prejudicado. Com efeito, este Comentário não é, a nosso ver, totalmente rigoroso – v., por confronto, as regras do Artigo 15.º, como as vimos de expôr supra. Neste mesmo sentido, de que o mesmo é susceptível de induzir em erro, v. Philip Baker em comentário ao Parágrafo 1 dos Comentários ao Artigo 15[9].

Mais, de todo o modo, os Comentários, com todo o mérito e virtualidades de auxílio que aportam à interpretação das normas convencionais, não são, eles mesmos, lei.[10]

Também o facto de Portugal ter feito inicialmente uma Reserva[11] à al. b) do n.º 2 do Artigo 15.º da CMOCDE, que fazia acrescer uma exigência adicional para que Portugal reconhecesse a competência exclusiva de tributação de um Estado de Residência, milita no mesmo sentido do esclarecimento de qualquer dúvida que, a seu tempo, tenha existido.

Ademais, não desconhecemos ter havido, no passado, Jurisprudência no sentido contrário ao que seguimos com referência ao n.º 2 do Artigo 15.º[12] Ainda assim, e sempre com todo o respeito que nos é devido, pensamos que à data actual não são já justificáveis as dúvidas que, em tempos mais iniciais de vigência da CDT (como de outras também elas recortadas da CMOCDE conforme traduzida para Português), poderão legitimamente ter-se suscitado em face de uma redacção menos rigorosa que foi efectivamente conferida ao normativo na versão Portuguesa. Dúvidas que, reitere-se, não vemos haver razão para, tendo existido, subsistirem.

Refira-se, por fim, ainda com referência ao ano de 2012, que se não nos coloca qualquer questão em matéria de determinação do Estado da Residência. Provado como está, nos autos, que o SP residiu sempre, nesse ano, em Portugal, até deslocar a sua habitação para a República Checa a 1 de Setembro, não restam dúvidas (é o nosso entendimento) de que valem os critérios consagrados na nossa lei interna para preencher o n.º 1 do Artigo 4.º da CDT.  E para, assim, se considerar o SP nesse mesmo ano como Residente, para este efeito, em Portugal.

 

Com referência, pois, às Liquidações referentes a 2012

Conheceríamos dos demais vícios invocados pelo Requerente e, concluindo pela respectiva não verificação (quanto à alegada falta de fundamentação v. o constante da Decisão e, bem assim, o facto de o SP demonstrar afinal conhecer o iter cognoscitivo da Requerida, e quanto à alegada preterição do direito de audição, cfr. princípio do aproveitamento do acto), decidiríamos pela improcedência do PPA nesta medida. I.e., na parte referente às Liquidações de imposto reportadas ao ano de 2012 (pressuposto o devido reconhecimento do crédito de imposto cfr. Artigo 23.º da CDT), e na parte referente ao correspectivo pedido de juros indemnizatórios, negaríamos provimento.

 

No que se refere ao ano de 2013.

Face aos factos provados e tendo o SP residido por todo o ano de 2013 na República Checa, não vemos senão como sendo de considerar o SP, nesse ano, como Residente nesse país.

Sabemos, para efeitos da CMOCDE (e da CDT P-RC) a residência será determinada, no limite, pelas regras de desempate constantes dos n.ºs 2 e 3 do Artigo 4.º da CMOCDE/da CDT.

No caso, dada a factualidade provada, caso a qualificação como Residente na República Checa não decorresse, desde logo, do n.º 1 do Artigo 4.º, decorreria, necessariamente, das regras do n.º 2 do mesmo Artigo.

Sendo aí Residente, e aí auferindo rendimentos de trabalho dependente, a situação reconduz-se, a nosso ver, à regra constante da primeira parte do n.º 1 do Artigo 15.º. Ou seja, a República Checa tem competência exclusiva de tributação. E as Liquidações emitidas pela Requerida não podem, assim, ser mantidas na Ordem Jurídica.

Note-se, ainda, que neste sentido não acompanhamos, quanto ao ano de 2013, a asserção constante da Decisão – p. 13, penúltimo parágrafo – no sentido de que o regime da Convenção não pressupõe a residência do Requerente na República Checa para que os rendimentos de trabalho dependente aí auferidos sejam (diríamos: possam ser) aí tributados. Com efeito, para que tais rendimentos sejam tributados com exclusividade entendemos, como resulta do que antecede, que se exige a residência do SP nesse mesmo Estado.

 

Sofia Ricardo Borges

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Cfr. Resolução da AR n.º 26/97, publicada no DR I Série-A, de 09-05-1997.

[3] Cfr. ponto 21. da resposta da Requerida.

[4] Ac. de 16-11-2016, proferido no processo 0761/15.

[5]V., também, com interesse para a interpretação do Artigo 15.º, ainda que a propósito dos Princípios Operativos do Direito Internacional Fiscal, Paula Rosado Pereira, “Princípios do Direito Fiscal Internacional: Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu”, Colecção Teses, Almedina, 2011, p. 104; e, ainda que a propósito de duas Decisões Judiciais, e em Comentário às mesmas, Gustavo Lopes Courinha, “Estudos de Direito Internacional Fiscal”,  A AFDL Editora, Lisboa, 2015, pp. 26-69.

[6]Sem prejuízo de lhe caber competência exclusiva de tributação no caso de, e na medida em que, ele mesmo seja simultaneamente o Estado da Residência.

[7]A respeito da interpretação dos Tratados em matéria Fiscal v., entre outros, Alberto Xavier, op. cit., p. 149 e ss.; Philip Baker, op. cit., p. 21 e ss.

[8]Parágrafo 1 dos Comentários ao Artigo 15.º.

[9]Philip Baker, op. cit., p. 299: “This is somehow misleading: Article 15(1) provides that the state of residence of a taxpayer should have the exclusive right to tax income from employment, unless the employment is exercised in the other Contracting State (...)”.

[10]Nas palavras de Alberto Xavier, op. cit., p. 153: “O peso interpretativo dos Comentários não pode, pois, ir além do que se reconhece à melhor doutrina.”

[11]Retirada em 1995.

[12]V., desde logo, os Acórdãos Comentados por Gustavo Lopes Courinha, op. cit., p. 27 e p. 53.