Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 181/2018-T
Data da decisão: 2019-03-07  IRC  
Valor do pedido: € 376.973,62
Tema: IRC – Encargos financeiros – Art. 23.º CIRC; Benefício da marinha mercante – Art. 51.º EBF; Mais-valias – Coeficiente de desvalorização – Art. 47.º CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL

                                 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. Pedro Miguel Abreu Marques e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 21 de junho de 2018, acordam no seguinte:

 

 

  1.  Relatório

 

A..., S.A., pessoa coletiva número..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com sede no edifício ...–..., Lisboa, adiante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a) e 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo por objeto as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referentes aos períodos de tributação de 2013 e 2014, emitidas sob os n.ºs 2017... e 2017..., e respetivos juros compensatórios (n.ºs 2017 ... e 2017 ...), conforme demonstrações de acerto de contas n.ºs 2017 ... e 2017 ..., no valor global de € 376.973,62.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

A Requerente requer a anulação dos referidos atos tributários e a condenação da AT ao pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, ao abrigo do disposto no artigo 53.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”).

Como fundamento do pedido, alega erro nos pressupostos de facto e de direito, devido à errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), 46.º e 47.º do Código do IRC e 51.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), nos seguintes moldes:

 

  1. Segundo a Requerente, os encargos financeiros incorridos nos exercícios de 2013 e 2014, no valor de € 827.840,29 e € 1.265.178,12, respetivamente, relativos a capitais alheios parcialmente canalizados, sem remuneração, a sociedades relacionadas, não caem fora do escopo da sua atividade, ao contrário do que entende a AT.  Esta utilização de fundos enquadra-se no objeto e interesse social da Requerente, o qual não se esgota no conjunto de operações produtivas ou operacionais. As participações societárias que a Requerente detém noutras entidades constituem um ativo que também faz parte do seu património e prosseguem o escopo lucrativo, pois podem gerar dividendos e mais-valias. A Requerente não pode abster-se de ter um papel ativo e estratégico na gestão dessas participações e, se necessário, de dotar as sociedades participadas de meios financeiros para desenvolverem as suas atividades, sendo que a maioria das sociedades participadas se insere no mesmo setor de atividade da Requerente. Não é necessário que a atividade geradora de rendimentos seja desenvolvida diretamente pela Requerente e, nesse caso (se não o for), tal não significa que esteja a ser concretizado o interesse de terceiros. Acresce que o interesse individual da Requerente tem de ser contextualizado no interesse comum do Grupo económico em que se insere.

 

O princípio da liberdade de gestão empresarial que vigora no nosso sistema basta-se com a relação de causalidade económica entre os gastos e a atividade produtiva da empresa, tendo em vista a obtenção de lucros, só podendo a AT desconsiderar os encargos que não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, pelo que o julgamento subjetivo relativo à finalidade dos empréstimos obtidos não é válido. Por outro lado, a AT não comprovou que os encargos foram contraídos contra o interesse lucrativo da sociedade, como teria de fazer ao abrigo do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, pelo que a Requerente conclui que os encargos financeiros satisfazem os critérios previstos no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC.  

 

Relativamente ao método de afetação proporcional empregue pela AT (valor dos empréstimos contraídos versus valor dos concedidos), a Requerente sustenta a sua inadmissibilidade, por falta de suporte e previsão legal de um critério de imputação proporcional, sendo a “fórmula simples” da AT discricionária e arbitrária. Acresce que sendo possível a afetação direta, como parece resultar em resposta ao direito de audição, é contraditória a aplicação desta metodologia e a invocação do argumento de que os elementos disponíveis não possibilitavam proceder a uma afetação direta dos encargos financeiros suportados.

 

Adicionalmente, a fórmula de cálculo criada pela AT enferma de erro ao tratar como empréstimos concedidos uma realidade distinta – prestações suplementares –, posição que é incongruente com a assumida pela própria AT em procedimentos inspetivos realizados em anos anteriores, nos quais não foi conferido esse tratamento às prestações suplementares.

 

A Requerente rejeita que tivesse de sugerir outro método, não só porque entende que os encargos financeiros são totalmente dedutíveis, como, à luz do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da liquidação cabe à AT.

 

  1. Para a Requerente, também não é devida a correção do benefício fiscal aplicável às empresas armadoras da marinha mercante nacional, nos exercícios de 2013 e 2014, no correspondente valor de € 651.242,67 e de € 481.955,91, ao abrigo do artigo 51.º do EBF. Os rendimentos registados nas contas #78 e #79 derivam de operações que fazem parte do conceito de atividade de transporte marítimo exercida pela Requerente, regulada pelo Decreto-lei n.º 196/98, de 10 de julho, e desta indissociáveis, por necessárias ao seu desenvolvimento, pelo que não constituem atividades acessórias excluídas do âmbito do benefício, contrariamente ao que defende a AT.

 

Esta interpretação respeita o objetivo subjacente à norma que é o de estimular a atividade da marinha mercante, tal como veio a ser consagrado no ulterior regime de “Tonnage Tax and Seafarer” – Regime Especial de Tributação para a Atividade de Transporte Marítimo – que abrange um conjunto de atividades necessárias ao desenvolvimento do transporte marítimo, como a alienação de ativos de exploração, serviços de gestão estratégica, comercial, técnica e operacional e dragagem.

 

A operação de navios requer, para funcionar eficazmente como um todo, serviços diretamente relacionados com as características da carga. O transporte marítimo não pode ser exercido sem essas operações. O aluguer de empilhadores e gruas (meios de movimentação horizontal e vertical da carga) e de contentores (que acondicionam a carga transportada) consubstancia uma prestação de serviços efetuada em conexão com o transporte, essencial para assegurar a entrega da carga aos clientes. Alguns terminais portuários não possuem estes equipamentos, ou estes nem sempre estão disponíveis pelo elevado volume de tráfego nas docas, sendo indispensável fornecê-los para viabilizar o transporte marítimo, que envolve a colocação da carga nos contentores, o transporte dos contentores e a sua colocação no navio (bem como o processo inverso à chegada). De forma idêntica, as indemnizações por avarias de contentores, ou relacionadas com o acondicionamento da carga e com o seu manuseamento, a venda de contentores no fim da sua vida útil (de aproximadamente 7 anos) e a cobrança de “sobrestadias” aos clientes, por estes ultrapassarem o prazo de devolução dos contentores, representam ou geram rendimentos da atividade de transporte marítimo.

 

Assim como é indissociável da atividade (de transporte marítimo) desenvolvida a imputação de gastos a outras empresas do Grupo associados à implementação e parametrização de uma aplicação informática adquirida (registada como ativo intangível da Requerente), que é essencial à gestão funcional do processo de transporte, desde a marcação do serviço até à sua faturação ao cliente.

 

Relativamente aos lucros gerados registados por aplicação do método da equivalência patrimonial (“MEP”), estes não têm relevância no plano fiscal, nem impacto associado à aplicação do artigo 51.º do EBF.

 

Por outro lado, a AT apenas sujeitou ao regime geral de tributação os rendimentos e não os correlativos gastos das referidas operações, pelo que não foi determinado (e deveria sê-lo) o lucro daquelas atividades, consubstanciado na diferença entre rendimentos e gastos.

 

  1. É indevido o ajustamento de parte da menos-valia fiscal apurada no exercício de 2014, calculada no valor de € 355.356,22, em resultado da alienação de um navio. A Requerente aceita a componente relativa às diferenças de câmbio, de € 56.033,71, mas impugna o valor de € 299.322,51 que decorre da alteração do coeficiente de desvalorização da moeda aplicado ao valor residual do navio.

 

Esta última correção deriva de ter sido considerado o coeficiente de desvalorização da moeda de 1,07, correspondente ao ano 2010, no qual foi definido o valor residual na transição do POC para o SNC, quando, no entender da Requerente, se devia aplicar o de 1,50 respeitante ao ano de aquisição do navio, 1996, nos termos do artigo 47.º do Código do IRC e da Portaria n.º 281/2014, de 30 de dezembro. Na perspetiva da Requerente, a AT assenta no pressuposto errado de que o valor residual constitui um “novo” ativo registado no plano contabilístico no exercício de 2010, não aplicando o coeficiente respeitante ao ano de aquisição do ativo. Acresce que a aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda previstos no artigo 47.º do Código do IRC  visa refletir o efeito da inflação no valor de aquisição dos bens para efeitos de apuramento da respetiva mais-valia ou menos valia fiscal resultante da sua alienação futura, tendo em conta o ano de aquisição correspondente, e, no caso, o bem foi adquirido em 1996, devendo ser aplicado o coeficiente referente a esse ano[1].

 

A Requerente conclui pela ilegalidade da liquidação de IRC relativa aos exercícios de 2013 e 2014 e dos juros compensatórios inerentes, com o consequente dever de pagamento, pela AT, de indemnização por prestação de garantia indevida. Juntou 29 (vinte e nove) documentos e requereu prova testemunhal.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

                                                                                                                  

            As partes, oportunamente notificadas dessa designação, não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 21 de junho de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

            A Requerida apresentou resposta e juntou o processo administrativo (“PA”). Sobre a indedutibilidade parcial dos encargos financeiros, salienta que os juros aplicados na exploração, previstos no artigo 23.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC, têm de o ser na atividade prosseguida pela própria entidade que os suporta e não por outras sociedades ou terceiros. Cada sociedade é um sujeito passivo autónomo, conforme determinado pelo artigo 2.º, n.º 1 do mencionado código, independentemente de fazer ou não parte de um grupo de sociedades.

 

Preconiza a Requerida que o conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC (2013) e o nexo de causalidade económica (2014) não podem estar desligados da factualidade do caso concreto. Na situação da Requerente sobressaem os financiamentos efetuados à própria casa-mãe, que beneficia destes sem o pagamento de qualquer remuneração, traduzindo-se numa transferência de resultados – desvio indireto de lucros. Deste modo, para a AT, os gastos foram suportados pela Requerente no interesse alheio (da sociedade-mãe) e não na sua atividade, pelo que não se verificam as condições de consideração como gasto fiscal previstas no artigo 23.º, interpretação que não se revela contrária à lei.

 

No tocante ao método de cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis fiscalmente, entende a Requerida que foi a ausência de elementos que permitissem proceder à afetação específica dos gastos, que não foram fornecidos pela Requerente, que levou a AT a recorrer a uma fórmula de repartição proporcional, em função do peso que representam os financiamentos concedidos não remunerados a entidades do Grupo no total dos financiamentos obtidos. Esta metodologia não é proibida na lei e não viola a tributação pelo rendimento real, recomendando a OCDE o recurso a proporções quando seja necessário para ultrapassar dificuldades. Também não se trata de um método indireto, uma vez que tem apenas em conta os valores das operações registados na contabilidade, que toma por verdadeiros, limitando-se a alterar a sua qualificação fiscal como gastos dedutíveis, pelo que configuram correções técnicas. Neste âmbito, cabe ao sujeito passivo que reivindica a dedução integral dos gastos, a produção do ónus da prova dos factos constitutivos do direito que alega, nos termos previstos no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

 

Relativamente ao artigo 51.º, alínea a) do EBF, a Requerida defende que esta norma circunscreve o benefício fiscal à “[t]ributação dos lucros, resultantes exclusivamente da atividade de transporte marítimostrictu sensu, afastando, por conseguinte, os rendimentos de atividades acessórias ou complementares, como são aqueles que foram expurgados pela AT, pelo que a correção promovida não enferma de qualquer vício de ilegalidade.

 

O recálculo do benefício fiscal efetuado pela AT, não pode acolher a pretensão da Requerente de ter em conta os gastos suportados para a obtenção dos rendimentos registados nas contas # 68 – Outros Gastos e Perdas e # 69 – Gastos e Perdas de Financiamento, devido à falta de elementos de prova relativos à contabilidade de gestão por parte do sujeito passivo.

 

Por fim, sobre o cômputo da mais-valia na alienação de um navio, a Requerida explicita que não se considerou o “valor residual do navio” como um bem novo em 2010. Do que se tratou, na realidade, foi da atualização desse “valor residual do navio” em 2010, ao justo valor de mercado, pelo que não faz sentido atualizar tal importância com um coeficiente de desvalorização monetária reportado a 1996 – ano de aquisição do navio.

 

            A Requerida requereu a dispensa de prova testemunhal e concluiu pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição dos pedidos com as consequências legais.

 

Por despacho de 14 de setembro de 2018, o Tribunal determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente, atento o eventual contributo para o apuramento da verdade material. A reunião foi adiada por impedimento da Requerida.

 

Em 27 de novembro de 2018, realizou-se a referida reunião, na qual foram ouvidas as duas testemunhas da Requerente, B... e C... .

 

            O Tribunal notificou as partes para alegações escritas sucessivas e prorrogou por dois meses o prazo limite para prolação da decisão, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT. Por fim, advertiu-se a Requerente para, até ao termo do prazo, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

           

            Requerente e Requerida apresentaram alegações mantendo, na essência, os argumentos que constam do pedido de pronúncia arbitral e da resposta, respetivamente.

 

            O prazo para a decisão foi prorrogado por dois meses adicionais, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, atenta a complexidade das matérias.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A cumulação de pedidos é admissível, porquanto se trata de apreciar idênticas circunstâncias de facto, ainda que relativas a diferentes exercícios, e os mesmos princípios ou regras de direito, em conformidade com o artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.

 

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas exceções.

 

 

  1. Fundamentação

 

  1. Matéria de Facto

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

            A.  A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade anónima de direito português, enquadrada no CAE 50200 – transportes marítimos de mercadorias, cujo objeto social abrange a “indústria de transportes marítimos, compreendendo, nomeadamente, os transportes marítimos insulares de cabotagem e costeiros para o transporte de pessoas e bens, fretamento de navios, bem como das atividades que possam concorrer para o seu desenvolvimento ou para completar os seus fins sociais”– cf. Relatório de Inspeção Tributária, também designado por “RIT”, constante do PA e junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) - documentos 1 (projeto de RIT), 2 (RIT), e 18 (certidão permanente).

 

            B.  Em concreto, a principal atividade desenvolvida centra-se na exploração do tráfego marítimo entre o território continental e as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, no tráfego açoriano inter-ilhas e na costa ocidental africana, cobrindo o tráfego entre o norte da Europa, Cabo Verde e Guiné-Bissau – cf. RIT.

 

            C.  A Requerente é um sujeito passivo de IRC abrangido pelo regime geral de tributação deste imposto – cf. RIT.

 

            D.  No cumprimento das suas obrigações declarativas, a Requerente procedeu à entrega das declarações modelo 22 de IRC referentes aos exercícios de 2013 e 2014 em 16 de maio de 2014 e em 21 de maio de 2015, respetivamente, apurando um lucro tributável de € 279.104,00 em 2013 e de € 206.552,53 em 2014 – cf. documentos 10 e 11 juntos com o ppa e PA.

 

            E. Nos exercícios de 2013 e 2014, a Requerente apresentava os seguintes saldos de empréstimos obtidos (essencialmente bancários) e empréstimos concedidos (intra-grupo):

 

2013

2014

Empréstimos obtidos

13.317.632,50

15.006.647,70

 

 

Relação de participação - %

2013

2014

Empréstimos concedidos

 

7.226.112,82

7.726.339,88

D…, Lda

E…, SA

F..., SA

Subsidiária – 100%

Subsidiária – 100%

Sociedade-mãe[2]

1.520.909,15

1.038.478,60

4.666.725,07

134.673,68

 

7.591.666,20

– cf. RIT e Documentos 16 e 17 juntos com o ppa (Relatório e Contas).

 

            F. A Requerente concedeu igualmente prestações suplementares a sociedades participadas, tendo em vista o seu reforço financeiro, conforme quadro seguinte:

 

 

Relação de participação - %

2013

2014

Prestações suplementares concedidas

 

5.408.792,63

5.300.806,56

E..., SA

G..., SA

                                 H...

Subsidiária – 100%

Associada – 20%

Subsidiária – 51%

1.600.806,56

3.700.000,00

   107.986,07

1.600.806,56

3.700.000,00

– cf. RIT e Documentos 15, 16 e 17 juntos com o ppa.

 

            G.  A Requerente suportou, nos mesmos exercícios de 2013 e 2014, encargos financeiros de empréstimos bancários contraídos de € 1.461.945,12 e € 1.424.276,25, respetivamente, não tendo recebido e/ou registado qualquer rendimento em resultado dos financiamentos concedidos às outras empresas do Grupo – cf. RIT.

 

H.  No âmbito da sua atividade, a Requerente oferece aos seus clientes um serviço de transporte global e soluções integradas e personalizadas, utilizando outras empresas especializadas que dispõem de competências específicas, permitindo oferecer um transporte marítimo eficiente e integrado – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas.

 

I. A atividade regular de transporte de carga da Requerente assenta na operação de navios, através de frota própria ou com recurso a frota de terceiros, e num conjunto de atividades que permitem que a operação funcione eficazmente como um todo. Estas atividades estão relacionadas com as características da carga, dos navios e dos portos nos quais as operações se realizam – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas.

J. A falta de meios operacionais de movimentação vertical (gruas) e horizontal (empilhadores e reachstackers) das cargas dos navios nos portos tornou imperativo que a Requerente utilizasse o seu próprio equipamento, para levar a efeito a carga e descarga dos seus navios, em ordem à realização eficiente do transporte e à satisfação das necessidades dos clientes. Neste âmbito, a Requerente, ao assegurar que os seus navios possuem esses meios de carga e descarga, acautela os casos em que tais meios não existem ou não estão disponíveis nos portos de embarque e desembarque, o que ocorre, ainda hoje, em muitos dos destinos em que opera, como em algumas ilhas das regiões autónomas e em África e, à data dos factos, também no terminal utilizado em Lisboa – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas.

 

K. Com efeito, tal sucedeu à data dos factos com o Terminal Portuário de Lisboa, que não dispunha de gruas de terra que permitissem que o navio fosse descarregado (movimentação vertical) e a carga entregue aos clientes. Por esse motivo, a carga era necessariamente movimentada com recurso às gruas existentes a bordo nos vários navios da Requerente – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas e Documentos 22 e 23 juntos com o ppa (faturas emitidas à I...).

 

L. A Requerente não pode, porém, operar diretamente, com a sua tripulação, os meios de carga e descarga de que dispõe nos portos. Segundo a regulamentação aplicável ao setor, é necessário que tal atividade seja realizada pelos operadores portuários. Assim, os empilhadores e gruas da Requerente, utilizados para as operações de carga e descarga dos seus navios, são sempre movimentados por funcionários dos operadores portuários, tendo a Requerente de debitar aos operadores prestações de serviços de aluguer de empilhadores e gruas para carga e descarga dos seus navios, nos terminais portuários (como ocorreu com a faturação do serviço ao operador portuário I...). Esses operadores, depois, faturam os seus serviços nos termos gerais – cf. depoimento das testemunhas.

 

M. O serviço de transporte marítimo prestado pela Requerente é contentorizado, constituindo o sistema que melhor acondiciona a carga e garante a sua identificação, não sendo, em regra, transportada carga a granel. Deste modo, sem contentores também não seria possível à Requerente transportar carga nos seus navios e realizar a sua atividade – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas.

 

N. Por razões de eficiência, a Requerente explora em parceria com outras empresas do mesmo grupo económico – a J... e a K...– várias linhas regulares de carga contentorizada, minimizando a duplicação de ativos, estruturas e respetivos custos. Assim, a frota de contentores explorada pela Requerente é também utilizada por aquelas duas entidades para servir os seus clientes diretos, sendo gerida de forma centralizada pela Requerente, que lhes imputa e debita a respetiva quota-parte de utilização – cf. depoimento das testemunhas e Documento 24 junto com o ppa.

 

            O.  Em 2013 e 2014, a Requerente recebeu indemnizações por avarias ocorridas nos contentores (relacionadas com o acondicionamento da carga ou com o manuseamento do contentor), ou noutros equipamentos, que foram imputadas ao operador portuário ou ao cliente, dando lugar a compensações pecuniárias à Requerente e ao registo contabilístico do correspondente rendimento. Estas indemnizações também são devidas por seguradoras, nos casos em que existe uma cobertura de seguro, como é frequente – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas e Documento 25 junto com o ppa.

 

P.  As indemnizações em apreço têm normalmente gastos associados, referentes à reparação das avarias ocorridas nos equipamentos – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas.

 

Q.  A Requerente imputou e debitou a outras sociedades do Grupo económico a que pertence (L... e M...), no exercício de 2013, uma parte (€ 365.000,00) dos gastos associados à implementação e parametrização de uma aplicação informática por si adquirida e registada como ativo intangível, para gestão operacional da atividade de transporte marítimo e acompanhamento de todo o processo de transporte, desde a marcação do serviço até à emissão da fatura ao cliente, na medida em que aquelas sociedades participadas também beneficiam da (e utilizam a) referida aplicação – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas e Documento 26 junto com o ppa.

 

R.  Sempre que ocorre uma anomalia na carga transportada, há lugar a uma indemnização compensatória pela carga danificada, a pagar pela Requerente ao seu cliente, originando um gasto na sua esfera. Porém, como são eventos seguráveis, a Requerente recebe uma compensação monetária da seguradora (sobre o valor do dano pago ao cliente), que reconhece como rendimento. Nos exercícios de 2013 e 2014 a Requerente obteve rendimentos desta natureza nos montantes de € 97.066,54 e € 23.340,03 – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas e Documento 27 junto com o ppa.

 

S.  Em 2013 e 2014, a Requerente obteve rendimentos de € 93.736,25 e € 133.054,83, respetivamente, com a venda de contentores cuja vida útil expirou, nomeadamente para sucata, sendo política da Requerente disponibilizar aos seus clientes e parceiros contentores de qualidade, renovando-os quanto estes apresentam claros sinais de desgaste e a sua reparação apresenta valores muito significativos – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas e Documento 28 junto com o ppa.

 

T.  Em 2013 e 2014, a Requerente obteve rendimentos de € 95.000,00 e de € 49.149,08, respetivamente, com rendimentos suplementares referentes às “sobrestadias”, que respeitam à circunstância de os clientes, a quem foram disponibilizados contentores para efetuarem o acondicionamento das suas cargas na fase de carregamento (enchimento do contentor), ou na fase de devolução (esvaziamento do contentor), excederem o período normal estipulado para realizarem essas tarefas (período “livre”), sendo-lhes cobrado um fee pela demora na carga/descarga dos contentores – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas.

 

U. Neste contexto, a Requerente procedeu ao apuramento do benefício fiscal previsto no artigo 51.º, alínea a) do EBF, em vigor à data dos factos (2013 e 2014), tributando apenas 30% dos seus lucros, considerando, para este efeito, a totalidade dos seus rendimentos no pressuposto de que os mesmos derivavam da atividade de transporte marítimo, incluindo os decorrentes de atividades conexas/indissociáveis a este transporte marítimo, registados nas contas #78 Outros rendimentos e ganhos e #79 Juros e outros rend. Similares, designadamente aluguer de contentores, empilhadores e gruas; indemnizações por avarias de contentores e outro equipamento; recuperação e reclamação de carga; venda de resíduos e sucata e assistência técnica administrativa – cf. Documento 19 junto com o ppa, RIT e depoimento das testemunhas.

 

V. No decurso de 2014, a Requerente alienou o navio..., que havia adquirido em 1996. Neste âmbito, apurou uma mais-valia contabilística de € 379.632,90 e uma menos-valia fiscal de € 15.627,54 – cf. Documento 20 junto com o ppa (mapa de mais-valias e menos-valias fiscais referente a 2014) e RIT.

 

X. Das componentes consideradas no cômputo do resultado contabilístico e fiscal da operação de venda do navio destaca-se a que se refere ao valor residual do bem – de € 696.098,85 –, que resultou do facto de, em 2010, quando da transição do POC para o SNC, estando o navio totalmente depreciado para efeitos contabilísticos, o mesmo ter sido valorizado com base na estimativa do valor de realização que a essa data (2010) se esperava alcançar se o ativo fosse alienado (justo valor). Para efeitos de cálculo da mais-valia fiscal, foi aplicado a esta componente, de € 696.098,85, o coeficiente de desvalorização monetária correspondente ao ano de aquisição do navio (1996) – de 1,50 – cf. RIT.

 

            Z.  A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa aos exercícios de 2013 e 2014, de âmbito parcial, ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2017...e n.º OI2017..., abrangendo o Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e o IRC – cf. Documentos 1 e 3 juntos com o ppa – RIT.

 

            AA.  Em resultado desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada, em 10 de outubro de 2017, do projeto de relatório de inspeção tributária, para exercer o direito de audição sobre as correções preconizadas à matéria coletável do IRC declarada pela Requerente naqueles exercícios de 2013 e 2014, no montante total de € 1.479.082,96 e € 2.811.637,37, respetivamente – cf. Documento 1 junto com o ppa (projeto de RIT).

 

BB.  As correções projetadas respeitam a:

 

  1. Encargos financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais, no valor de € 827.840,29 e de € 1.265.178,12, para 2013 e 2014 respetivamente, referentes a empréstimos contraídos, cujos fundos foram cedidos, sem remuneração, a sociedades participadas, ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC;
  2. Apuramento do benefício fiscal atribuído às empresas armadoras da marinha mercante, nos termos do artigo 51.º, alínea a) do EBF, na parte em que compreendeu rendimentos de atividades ditas “acessórias”, nos montantes de € 651.242,67 (2013) e € 481.955,91 (2014);
  3. Exclusão de parte da menos-valia fiscal apurada no exercício de 2014, em resultado da alienação de um navio, no valor de € 355.356,22, por estar incorretamente calculada, sendo que € 299.322,51 decorrem da utilização do coeficiente de desvalorização da moeda de 2010 e não de 1996, e € 56.033,71, de diferenças cambiais que não deveriam ter sido consideradas, nos termos dos artigos 46.º e 47.º do Código do IRC;
  4. Perdas por imparidade em créditos não dedutíveis, para efeitos fiscais, no exercício de 2014, por inobservância dos critérios constantes dos artigos 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC, no valor de € 709.147,12

– cf. Documento 1 junto com o ppa (projeto de RIT).

 

            CC.  Em 25 de outubro a Requerente exerceu o direito de audição, não concordando com a posição expressa pela AT – cf. Documento 2 junto com o ppa.

 

            DD.  A AT manteve as correções preconizadas, procedendo à notificação, em 22 de novembro de 2017, do Relatório de Inspeção Tributária definitivo, sobre o qual recaiu despacho favorável do Diretor de Finanças, de 20 de novembro de 2017, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, do qual se extrai a seguinte fundamentação, com relevo para a matéria em discussão nos presentes autos arbitrais (cf. RIT – Documento 3 junto com o ppa):

 

“III. – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

No seguimento da ação inspetiva realizada aos períodos de 2013 e 2014, resultaram, em sede de IRC, os seguintes factos passíveis de correção para efeitos fiscais.

III.1. – Encargos Financeiros – 2013 e 2014

III.1.1 – Descrição dos Factos

Da análise às contas verificou-se que a empresa apresenta, nos dois períodos de tributação em análise, encargos financeiros decorrentes de empréstimos bancários obtidos, evidenciados nas subcontas da conta #25101 – Financiamentos Obtidos de Instituições de Crédito e #25202 – Mercado de Valores Mobiliários – Papel Comercial.

Por outro lado, verifica-se que, concede empréstimos a entidades suas subsidiárias, associadas e ainda à sua empresa-mãe, cujos registos encontram evidência nas subcontas da conta #26 – Acionistas e #41 – Investimentos Financeiros.

Nos quadros 1 e 2 é apresentada a posição financeira da A... no final de cada um dos períodos de tributação em análise, relativa aos financiamentos obtidos e cedidos.

 

Quadro 1 – Empréstimos concedidos a empresas relacionadas (2013 e 2014)

                                                                                            Unidade: euro

 

Entidades Relacionadas

Empréstimos Concedidos (saldo a 31 dezembro)

Participação no Capital Social

2013

2014

Acionistas (conta#26)

Invest. Financeiros (conta#41)

Acionistas (conta#26)

Invest. Financeiros (conta#41)

D... LDA

1.520.909,15

 

134.673,68

 

100%

E... SA

1.038.478,60

1.600.806,56

0,00

1.600.806,56

100%

G... SA

 

3.700.000,00

 

3.700.000,00

20%

H...

 

107.986,07

 

 

51%

G...

 

 

 

 

 

F... SA

4.666.725,07

 

7.591.666,20

61.733,86

Empresa Mãe

Total

7.226.112,82

5.408.792,63

7.726.339,88

5.362.540,42

 

A entidade G... SGPS apesar de não apresentar saldo no final dos períodos de tributação registou movimentos no decorrer dos mesmos

 

Quadro 2 – Posição Financeira dos Empréstimos Obtidos (2013 e 2014)

                                                                                            Unidade: euro

Subcontas #251 e #252

Empréstimos Obtidos (saldo a 31 dezembro)

2013

2014

251010105

N...

 

 

251010203

O...

900.000,00

 

251010703

P...

 

140.000,00

251010902

Q...

421.875,00

234.375,00

251011005

R...

909.090,90

1.000.000,00

251011106

S...

 

727.272,72

251011107

S...

 

2.000.000,00

251011302

T...

 

1.005.000,00

251011401

U...

851.666,60

364.999,98

251011802

V...

2.735.000,00

635.000,00

252020101

W...

 

1.400.000,00

252020501

X...

 

5.000.000,00

252020901

Y...

2.500.000,00

2.500.000,00

252021601

Z...

5.000.000,00

 

 

 

13.317.632,50

15.006.647,70

As contas referentes aos empréstimos ao N... e AA... apesar de não apresentarem saldo no final dos períodos de tributação registaram movimentos no decorrer dos mesmos

Os encargos financeiros suportados com financiamentos obtidos junto das várias instituições de crédito encontram evidência nas subcontas da conta #69 – Gastos e Perdas de Financiamento e na conta #6810205 – Imposto de selo, conforme valores que se apresentam.

 

Quadro 3 – Encargos financeiros suportados (2013 e 2014)

                                                                                            Unidade: euro

Subcontas #68 e #69

Encargos Financeiros

2013

2014

681020501

Imposto de Selo sobre Emp. Obtidos

67.113,54

102.057,43

69101

Juros – Empréstimos Obtidos

604.296,43

575.944,81

69103

Juros – Papel Comercial

431.234,88

438.439,47

69801

Outros Gastos e Perdas de Financiamento – Empr. Obtidos

359.300,27

307.834,54

 

 

1.461.945,12

1.424.276,25

Por outro lado, é de referir que, da análise às subcontas da conta #79 – Juros e Outros Rendimentos Similares, dos balancetes analíticos de 2013 e 2014, não se verifica qualquer evidência de rendimentos provenientes de cobrança de juros pelos financiamentos concedidos às entidades mencionadas no quadro 1. […]

Da consulta ao Q07 da DRM22 de IRC – Apuramento do Lucro Tributável, não se verifica qualquer ajustamento positivo relativo aos encargos financeiros reconhecidos na contabilidade, nos períodos referidos, considerados não dedutíveis para efeitos fiscais pela A... .

III.1.2 – Enquadramento Fiscal

[...]

De 2013 para 2014 foi alterada a redação do n.º 1 do art.º 23º do CIRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, cujas alterações tinham por objetivo a simplificação e a uniformização da sua interpretação legal.

O art.º 23.º do CIRC consagra o princípio geral da dedutibilidade dos gastos, que, relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este, incorridos ou suportados, são aceites na determinação do lucro tributável.

São assim requisitos fundamentais para que os encargos financeiros suportados pela A... sejam valorados e aceites como gasto fiscal, nos períodos em análise, os seguintes:

1 – A sua comprovação (justificação) – requisito geral aplicável a todos os gastos contabilizados, previsto no n.º 3 do art.º 23.º do CIRC, após alteração legislativa de 2014, e, n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, na re[d]ação anterior;

2 -  A sua conexão à atividade estatutária desenvolvida pela empresa, atividade que se pressupõe geradora de rendimentos sujeitos a IRC – requisito previsto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC;

3 – A sua conexão aos encargos de natureza financeira abrangidos pela alínea c) do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC.

Dos dados apresentados no ponto III.1.1, verifica-se que a empresa canaliza uma parte dos financiamentos obtidos, junto das instituições de crédito, para o financiamento gratuito de entidades relacionadas, suportando na íntegra os respetivos encargos financeiros pela utilização de crédito, designadamente, juros e imposto de selo, entre outros. Por sua vez, não se verifica qualquer redébito dos gastos suportados às entidades a quem concedeu financiamento, nem o registo em rendimentos de qualquer remuneração por contrapartida dessa cedência.

[...]

No decorrer do procedimento inspetivo, foi notificado o sujeito passivo para justificar e/ou apresentar alguns elementos informativos relativos a esta matéria [...]

Obtiveram resposta as alíneas a), b) e d), que aqui se transcrevem:

«a) A natureza destes financiamentos enquadram-se na estrutura societária participada e participativa de apoio à execução das políticas implementadas pela empresa no âmbito da sua atividade;

b) Para além dos fundos gerados pela sua atividade, a empresa obtém financiamentos junto das instituições financeiras presentes no mercado nacional, não tendo ocorrido qualquer variação face aos anos anteriores; e

d) A empresa não obteve rendimentos dos financiamentos que concedeu.»

Pelo exposto, o sujeito passivo justifica a natureza dos empréstimos concedidos (registados na conta #26 – Acionistas e #41 – Investimentos Financeiros), no âmbito do apoio à execução das políticas definidas pela empresa, na execução da sua atividade.

De referir que, as atividades que constam do objeto social da A..., descritas no ponto II.4.1 deste relatório, abrangem as atividades de transporte marítimo, nomeadamente os transportes marítimos insulares de cabotagem e costeiros e, também, o transporte de pessoas e bens, assim como, quaisquer outras atividades que possam concorrer para o desenvolvimento das anteriores, não se incluindo nesta relação quaisquer atividades relacionadas com o apoio financeiro e/ou de gestão às entidades participadas ou em que participa.

Analisando a estrutura dos empréstimos concedidos […] verifica-se, no final de 2014, face a 2013, um acréscimo nessa rubrica. O empréstimo cedido à empresa-mãe (F...– SGPS, SA) regista um aumento na ordem dos 63%, representando este, a quase a totalidade do valor dos empréstimos concedidos no período de 2014.

Em 2013, os mais representativos, são os empréstimos realizados à empresa-mãe e outra sociedade gestora de participações sociais – a E...– SGPS, SA, detida a 100% pelo sujeito passivo.

De entre as várias atividades que o sujeito passivo pode desenvolver, abrangidas pelo objeto social inscrito na CRCL e pelas atividades registadas no cadastro da AT, não é evidente, em que medida, qualquer uma dessas atividades, restritas ao transporte marítimo, lhe permitem controlar e gerir as atividades exercidas por outras empresas do grupo. Tomando como exemplo o financiamento concedido à empresa mãe, que, sendo uma SGPS, tem por inerência do regime jurídico em que se enquadra, a atividade principal de gestão das participações sociais das suas participadas, pressupondo-se ser esta e, não, as filhas, a definir uma política comum para as entidades em que participa no capital social e que controla (através dos direitos de voto).

Ainda assim, a avaliação de qualquer operação geradora de gastos ou proveitos tem de ser feita numa perspetiva individualizada de cada empresa em detrimento de uma ótica de gestão de grupo. A maximização do lucro do grupo até pode justificar uma política comercial e económica comum, pensada no seu todo, e nessa lógica ser atribuída a uma das empresas desse grupo, a realização de determinadas operações, cujos gastos e proveitos respeitam a várias empresas, mas, se o fizer, deverá relevar essas operações na contabilidade, repartindo esses resultados pelas restantes empresas.

Sendo este o caso, a A... deveria redebitar às entidades beneficiárias dos empréstimos cedidos os respetivos encargos em que incorreu.

O disposto no art.º 23º do CIRC pretende evitar a dedutibilidade de gastos com a prossecução de interesses alheios à atividade societária do sujeito passivo, daí que, os gastos reconhecidos na esfera deste devem respeitar à própria sociedade contribuinte, ou como anteriormente descrito, se não for o caso, devem ser “anulados” através do reconhecimento de proveitos, de modo a ser ressarcida desses gastos, facto que não se verificou.

Concluindo, o escopo societário das várias empresas que constituem um grupo económico é distinto do da empresa que cedeu o financiamento, sendo que, para que determinada verba seja considerada gasto é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades, ainda que em relação de domínio.

[...]

É também essa a posição sustentada em vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que apontam no sentido da não dedutibilidade dos encargos financeiros controvertidos, por se considerar que, nos termos do artigo 23.º do CIRC apenas são dedutíveis os gastos que respeitem à atividade desenvolvida pelo próprio sujeito passivo, sustentando o STA que, mesmo quando exista uma relação de dependência ou domínio, as sociedades têm personalidade e capacidade tributárias distintas e que a não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação (Acórdão de 12 de julho de 2006, Processo nº 186/06, Acórdão de 7 de fevereiro de 2007, processo 1046/05 e o Acórdão de 20 de maio de 2009, processo nº 1077/08).

O STA assentou a fundamentação das suas decisões sublinhando o caráter autónomo do sujeito passivo, na ponderação dos seus custos ou perdas, vertido na elucidativa expressão: «têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades».

Essa mesma jurisprudência parece denotar uma preocupação de tomar em atenção todas as circunstâncias fácticas em que o sujeito passivo desenvolve a sua atividade para saber se e em que medida os financiamentos foram, ou não, efetuados com fito lucrativo e no interesse da própria sociedade.

No que respeita à verificação do requisito n.º 3, o mesmo, exige que os gastos financeiros, para que sejam aceites fiscalmente, se incluam ou se relacionem com os descritos na alínea c) do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC, isto é, correspondam a dispêndios utilizados na «exploração» da empresa, o que equivale a dizer, na sua atividade estatutária. A mesma alínea reconhece como dedutíveis para efeitos fiscais, por exemplo, os juros derivados da utilização de capitais alheios, desde que aplicados na exploração, subentendendo-se aceites, os restantes gastos associados à utilização desses capitais alheios.

Face ao disposto, os encargos financeiros suportados pela A..., resultantes apenas de créditos alheios obtidos, correspondentes a juros, imposto de selo e outros relacionados com as operações de crédito, têm enquadramento fiscal na alínea c) do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC. Porém, da sua conjugação com o n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, apenas são aceites, desde que, aplicados no desenvolvimento da sua atividade, conforme analisado no âmbito do requisito n.º 2.

[...]

No caso concreto, cumpre realçar que os encargos financeiros cuja dedução está em análise respeitam a capitais alheios que não foram na totalidade aplicados na exploração da atividade da A... e que, sendo canalizados de forma gratuita a empresas do grupo, não poderão ser aceites fiscalmente.

Face ao exposto, os encargos financeiros suportados não representam na ótica da atividade da A... um gasto correlacionado com o desenvolvimento da mesma, cujo objetivo máximo societário é a realização de proveitos, sujeitos a imposto, ao destinarem parte dos financiamentos obtidos ao apoio de atividades de empresas do grupo. Embora, não haja qualquer impedimento legal à sua concessão, nem se pretendendo ir contra o princípio da liberdade de gestão atribuído às empresas, quando tal situação ocorra, essas operações de financiamento, deverão ser relevadas contabilisticamente, por exemplo, através do redébito às empresas do grupo do proporcional dos encargos financeiros suportados relativamente aos montantes dos empréstimos cedidos para os quais não foi cobrada qualquer remuneração (por exemplo – juros).

Em conclusão, pelos factos e fundamentos apresentados, não se consideram cumpridos, cumulativamente, dois dos requisitos fundamentais à dedutibilidade do valor dos gastos financeiros reconhecidos na contabilidade, conforme dispõe o art.º 23.º do CIRC.

III.1.3. – Encargos Financeiros não aceites para efeitos fiscais (2013 e 2014)

Face aos factos descritos e respetiva verificação do seu enquadramento fiscal, conclui-se não aceitar a totalidade dos gastos financeiros reconhecidos pelo sujeito passivo nos períodos de tributação de 2013 e 2014 [...].

Assim, considerando as rubricas e saldos apresentados nos quadros 1, 2 e 3, deste relatório, com evidência dos empréstimos concedidos, empréstimos obtidos e encargos financeiros suportados respetivamente, apurou-se o proporcional dos encargos financeiros reconhecidos na contabilidade não aceites para efeitos fiscais cujo valor se apresenta nas colunas (6) dos quadros abaixo.

Quadro 4 – Apuramento dos encargos financeiros não aceites para efeitos fiscais - 2013

                                                                                                                    Unidade: euro

Período

2013

Empréstimos

Obtidos

Encargos financeiros

Total dos Encargos Financeiros Suportados

Empréstimos Concedidos

Encargos Financeiros não aceites para

efeitos fiscais

Encargos Financeiros aceites para efeitos fiscais

Juros

Outros

gastos

 

(1)

(2)

(3)

(4)=(2)+(3)

(5)

(6)=(5)*(4)/(1)

(7)=(6)-(4)

janeiro

17.140.277,76

50.780,99

15.026,39

65.807,38

4.510.965,54

17.319,14

48.488,24

fevereiro

14.904.722,20

89.373,51

13.177,47

102.550,98

4.510.965,54

31.037,41

71.513,57

março

14.789.166,64

44.658,96

12.178,18

56.837,14

4.510.965,54

17.336,36

39.500,78

abril

14.626.736,08

98.779,75

8.010,20

106.789,95

4.510.965,54

32.934,61

73.855,34

maio

14.511.180,52

83.698,29

12.926,29

96.624,58

5.944.767,46

39.584,01

57.040,57

junho

14.395.624,96

171.805,32

13.970,81

185.776,13

5.944.767,46

76.717,47

109.058,66

julho

13.233.194,40

70.563,03

54.459,97

125.023,00

7.413.996,30

70.045,07

54.977,93

agosto

13.372.184,29

54.764,51

10.367,65

65.152,16

7.413.996,30

36.122,59

29.029,57

setembro

13.756.628,73

95.855,59

8.868,46

104.724,05

7.413.996,30

56.439,97

48.284,08

outubro

13.594.198,17

67.443,55

19.044,23

86.487,78

7.413.996,30

47.188,66

39.319,12

novembro

13.433.187,16

88.291,04

10.340,20

98.631,24

7.413.996,30

54.436,20

44.195,04

dezembro

13.317.631,60

119.496,77

248.043,96

367.540,73

12.634.905,45

348.688,82

18.841,91

TOTAL

 

1.035.531,31

426.413,81

1.461.945,12

 

827.840,29

634.104,83

Quadro 5 – Apuramento dos encargos financeiros não aceites para efeitos fiscais - 2014

                                                                                                                    Unidade: euro

Período

2013

Empréstimos

Obtidos

Encargos financeiros

Total dos Encargos Financeiros Suportados

Empréstimos Concedidos

Encargos Financeiros não aceites para

efeitos fiscais

Encargos Financeiros aceites para efeitos fiscais

Juros

Outros

gastos

 

(1)

(2)

(3)

(4)=(2)+(3)

(5)

(6)=(5)*(4)/(1)

(7)=(6)-(4)

janeiro

14.555.201,94

50.452,78

10.397,95

60.850,73

12.634.905,45

52.822,57

8.028,16

fevereiro

14.394.191,83

59.317,29

11.485,71

70.803,00

12.634.905,45

62.149,32

8.653,68

março

14.278.636,27

82.821,19

23.723,73

106.544,92

12.634.905,45

94.279,66

12.265,26

abril

14.413.080,71

115.126,73

9.815,97

124.942,70

12.709.905,45

110.178,38

14.764,32

maio

14.205.195,61

87.148,93

15.453,19

102.602,12

12.719.905,45

91.874,08

10.728,04

junho

14.089.640,05

114.944,06

12.606,85

127.550,91

12.839.846,58

116.236,76

11.314,15

julho

13.927.209,49

79.240,60

11.715,61

90.956,21

14.131.132,34

92.288,00

1.331,79

agosto

13.766.199,38

95.819,89

14.945,68

110.765,55

13.092.653,74

105.346,07

5.419,48

setembro

15.510.643,82

119.551,42

13.681,57

133.232,99

13.092.653,74

112.462,99

20.770,00

outubro

15.493.213,26

74.112,47

13.346,11

87.458,58

13.099.653,74

73.947,03

13.511,55

novembro

15.572.203,16

77.098,86

12.055,29

89.154,15

13.099.653,74

74.998,28

14.155,87

dezembro

15.006.647,60

58.750,06

260.664,33

319.414,39

13.088.880,30

278.594,98

40.819,41

TOTAL

 

1.014.384,28

409.891,97

1.424.276,25

 

1.265.178,12

159.098,13

Para o apuramento do proporcional dos encargos financeiros registados na contabilidade mas não aceites para efeitos fiscais consideraram-se os seguintes pressupostos:

  • O valor do crédito utilizado mensalmente, pelo sujeito passivo, verificado no extrato de conta corrente de cada empréstimo no último dia de cada mês – saldo credor das subcontas da conta #251 e #252 [coluna (1)];
  • O valor do crédito cedido mensalmente, pelo sujeito passivo, verificado no extrato de conta corrente no último dia de cada mês – saldo devedor das subcontas das contas #26 e #41 [coluna (5)];
  • O valor mensal dos gastos reconhecidos nas contas #68 e #69 [colunas (2) e (3)];

Da consulta ao suporte documental dos registos contabilísticos de reconhecimento dos encargos financeiros, verifica-se, que os mesmos, não são suficientes para compreender a causa e a indispensabilidade dos gastos suportados pela A... em prol da obtenção de proveitos, no exercício da sua atividade, ao não permitirem a afetação dos empréstimos contraídos aos fins a que os mesmos se destinam, designadamente, aos créditos utilizados para o financiamento das entidades relacionadas.

Assim, em face da complexidade dessa afetação, foi definida uma fórmula simples que permitisse alocar parte dos encargos financeiros suportados na obtenção do crédito bancário, à operação de financiamento das entidades relacionadas, conforme cálculo que se evidencia nas colunas (6) dos quadros supra, por forma a apurar o valor dos encargos não aceites para efeitos fiscais.

Junta-se a págs. 14-21 do Anexo I, os mapas detalhados do cálculo mensal do valor, quer dos empréstimos obtidos utilizados, quer dos empréstimos concedidos, assim como, os encargos financeiros reconhecidos mensalmente.

Face à análise realizada, conclui-se não aceitar para efeitos fiscais, parcialmente, os encargos financeiros reconhecidos na contabilidade nos períodos de 2013 e 2014.

A correção proposta ao declarado pelo sujeito passivo, relativa ao período de 2013, ascende ao valor de € 827.840,29 e, a relativa ao período de 2014, ao valor de € 1.265.178,12, ambas, por infração do art.º 23.º do CIRC, nos termos dos fundamentos apresentados neste relatório.

III.2 – Menos-Valias Fiscais – 2014

III.2.1. – Descrição dos Factos

No período de tributação de 2014, o sujeito passivo, reconheceu mais-valias contabilísticas com a alienação de ativos conforme registos na conta #7870101 – Ativos Tangíveis, no valor de € 379.632,90 tendo sido, este valor, deduzido no campo 767 – Mais-valias contabilísticas, no Q07, da DRM22 de IRC por estas não concorrerem para o apuramento do lucro tributável.

No mesmo quadro, no campo 739 – Diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais sem intenção de reinvestimento (art.º 46.º), foi acrescido o montante de € 15.627,54, para apuramento do lucro tributável.

Análise do Mapa das Mais-Valias e Menos-Valias Fiscais (Modelo 31)

Da análise ao mapa Modelo 31, que se junta a págs. 22-23 do Anexo I, verifica-se que o bem alienando, do qual resultou o apuramento da mais-valia contabilística, supra mencionada, se refere a um navio denominado N/M  ... .

O mapa de apuramento das mais-valias e menos-valias fiscais apresenta várias linhas que correspondem à relação de itens adquiridos entre 1996 e 2012 que compõem o bem – o navio. De entre as quais, destacaram-se as seguintes:

Quadro 6 – Detalhe do mapa Modelo 31- (nível de materialidade – Itens do AFT com impacto no valor das Menos-Valias fiscais apuradas superior a € 50.000,00)

                                                                                                                    Unidade: euro

Linha

Valor

Realização

Ano

Valor Aquisição

Valor

Depreciação

Diferença

Coef. Desv.

Valor líquido

Atualizado

Mais ou Menos Valia Fiscal

 

(1)

 

(2)

(3)

(4)=(2)-(3)

(5)

(6)=(5)*(4)

(7)=(1)-(6)

(1)

810.798,93

1996

6.554.510,96

5.858.412,11

696.098,85

1,50

1.044.148,28

-233.349,35

(2)

134.657,86

2011

1.088.576,23

653.145,75

435.430,48

1,03

448.493,39

-313.835,53

(3)

23.807,57

2012

192.460,80

76.984,32

115.476,48

1,00

115.476,48

-91.668,91

(4)

7.909,68

2012

63.943,59

0,00

63.943,59

1,00

63.943,59

-56.033,71

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legenda:

  • Linha (1) – N/M  ... (aquisição)
  • Linha (2) e (3) – N/M...– Reclassificações
  • Linha (4) – N/M...– Valor Residual 31.12.2012 (acerto câmbio)

 

  1.  Valor de realização do navio N/M...– coluna (1)

O referido navio foi alienado à entidade BB..., NIPC DE..., com sede na Alemanha, pelo valor de USD 2.550.000,00, a que correspondia, na data da alienação, o valor de € 1.933.576,01, conforme fatura de venda n.º..., datada de 2014-10-01, cuja cópia se junta a págs. 24 do Anexo I.

Refira-se que, no mapa Modelo 31, o valor total de realização do navio é imputado a vários itens que integram o ativo fixo tangível (AFT) – navio MV..., agrupados sob os seguintes títulos: N/M ... (aquisição), N/M apetrechamento, N/M reclassificações, N/M docagens e, por último, o ajustamento da variação cambial do valor residual do navio.

Ao valor de realização do navio foram abatidos os gastos com as comissões de venda do navio, no valor total de € 126.153,60, conforme documentos que se juntam a págs. 25-27 do Anexo I.

A referida desagregação do valor de realização por grupos de itens, conforme observada no mapa Modelo 31, não tem idêntica discriminação no documento de venda, este, menciona apenas o valor de venda do navio de forma global.

  1. Valor de aquisição do navio N/M...– coluna (2)

Solicitados, ao sujeito passivo, documentos de suporte, comprovativos dos custos iniciais e subsequentes do navio, registados na contabilidade, entre 1996 e 2012, foram facultados os documentos de aquisição dos itens que integram este AFT, de valor mais relevante.

De seguida serão analisadas as linhas do quadro 6 – Detalhe do mapa Modelo 31, com maior impacto no valor do cálculo da mais-valia fiscal apresentado:

A A... mencionou no mapa Modelo 31, conforme coluna (2), um valor de aquisição, no montante de € 6.554.510,96, valor indicado como custo inicial de aquisição do navio N/M ... .

À data de alienação do navio, em 2014, verifica-se que o navio apresenta ainda um valor líquido atualizado de € 1.044.148,28, conforme coluna (3), o que, com a imputação da quota-parte do valor de realização, de € 810.798,93 (na fase de alienação), conduziu a que, o sujeito passivo, apurasse uma menos-valia fiscal, de € 233.349,35, conforme coluna (7).

Relativamente à linha (1), o valor de aquisição do navio apresenta ainda um valor não depreciado no valor de € 696.098,85, que se apurou ser um valor residual definido aquando da transição do Plano Oficial de Contabilidade (POC) para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), com efeitos nas demonstrações financeiras a partir de 2010.

O valor foi definido com base na NCRF n.º 7, em função do peso do navio e da cotação média do aço, definida em publicações especializadas do setor, que em 2009-12-31, se situava em USD 400,00 por cada tonelada.

Este valor residual, aquando mensurado e registado na contabilidade, em 2010, já havia sido sistematicamente depreciado conjuntamente com o valor de aquisição do navio, desde 1996, pelo que, em 2010, o sujeito passivo procedeu aos seguintes registos:

  • Mensuração do valor residual do navio no seu Ativo Fixo Tangível
  • Anulação das depreciações do navio

Através do seguinte movimento contabilístico:

  • Débito da conta 43803 – AFT – Equipamento Básico por contrapartida do crédito da conta 64203 – Gastos com Depreciações – Equipamento Básico conforme documento através do documento do diário de operações diversas n.º DO...; de 2010-12-31-------------------------------------- € 696.098,85

Da consulta à DRM22 de IRC de 2010, apresentada em tempo, verificou-se que não houve qualquer ajustamento aos resultados apresentados contabilisticamente referentes a esta temática (ver págs. 28-29 do Anexo I). 

[...]

Em resumo, dos factos analisados verificou-se, o seguinte:

  • A A... valorizou o navio após este se encontrar totalmente depreciado (valor líquido nulo) com um valor residual (justo valor) referente ao valor atribuído ao peso do navio;
  • O valor residual do navio foi valorizado em USD;
  • O movimento contabilístico reflete a anulação da depreciação do bem e a sua revalorização diretamente na conta correspondente a esse ativo fixo tangível:
  • Com a alienação do navio, apura uma menos-valia fiscal para a qual contribuiu o valor residual atribuído ao navio;
  • Utiliza o coeficiente de desvalorização da moeda de 1,50 (aplicável aos valores de aquisição do ano 1996) aplicado ao valor residual definido em 2010.

III.2.2. – Enquadramento Fiscal

Em termos fiscais, o n.º 2 do artigo 46ºdo CIRC, refere que:

[...]

E o n.º 1, do artigo 47º, do CIRC, refere que:

[...]

Deste modo, observamos que o valor da mais ou menos valia-fiscal pode, ou não, coincidir com o valor da mais ou menos valia-fiscal contabilística. O cálculo da mais ou menos-valia fiscal é efetuado de acordo com a seguinte fórmula:

+ Valia-Fiscal = VR – (VAQ – DAC – PI) x Coef.

  • VR = Valor de realização líquido dos encargos que lhe sejam inerentes
  • VAQ = Valor de aquisição
  • DAC = Depreciações acumuladas fiscalmente aceites
  • PI = Perdas por imparidade fiscalmente aceites
  • Coef = Coeficiente de correção monetária

No caso em análise releva para efeitos do cálculo da mais ou menos-valia fiscal, os seguintes itens:

  1. O valor de aquisição do navio e dos vários itens que integram o bem           € 14.611.230,29
  2. O valor de alienação do navio e dos vários itens que integram o bem           € 1.807.422,41
  3. As depreciações (fiscalmente aceites) calculadas sobre o valor de aquisição do bem e dos restantes itens que o integram   € 13.183.440,88
  4. O coeficiente de correção monetária, nos termos do definido no art.º 47º do CIRC e coeficiente determinado pela Portaria n.º 281/2014, de 30 de dezembro.

III.2.3. – Correção a efetuar para efeitos fiscais (Mais-Valia Fiscal)

Da análise aos factos destaca-se como anteriormente referido os valores evidenciados nas linhas (1) e (4) do mapa Modelo 31.

Quadro 7 – Detalhe do mapa Modelo 31

                                                                                                                    Unidade: euro

Linha

Valor

Realização

Ano

Valor Aquisição

Valor

Depreciação

Diferença

Coef. Desv.

Valor líquido

Atualizado

Mais ou Menos Valia Fiscal

 

(1)

 

(2)

(3)

(4)=(2)-(3)

(5)

(6)=(5)*(4)

(7)=(1)-(6)

(1)

810.798,93

1996

6.554.510,96

5.858.412,11

696.098,85

1,50

1.044.148,28

-233.349,35

(4)

7.909,88

2012

63.943,59

0,00

63.943,59

1,00

63.943,59

-56.033,71

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legenda:

  • Linha (1) – N/M ...(aquisição)
  • Linha (4) – N/M...– ajustamento do valor cambial do valor residual

 

  • Linha (1)

Conforme referido, a menos-valia fiscal apurada está a ser influenciada pelo valor estimado pelo sujeito passivo, no ano 2010, com base no peso total do navio e na cotação do aço desse ano.

Verifica-se assim, que o valor designado de valor residual corresponde a um valor estimado atribuído ao navio, em fase de final de vida, na sequência da transição do POC para o SNC, por aplicação da NCRF a partir do período de tributação de 2010.

Atendendo ao ano em que foi definido esse valor, o coeficiente de desvalorização da moeda a considerar para efeitos de apuramento da mais ou menos-valia fiscal é de 1,07, considerando o decurso do tempo entre 2010 e 2014, ano em que o navio foi desreconhecido, por aplicação do coeficiente de correção monetária nos termos do referido no artigo 47.º do CIRC a aplicar aos bens alienados em 2014, cujo coeficiente é definido pela Portaria n.º 281/2014, de 30 de dezembro.

Assim, e seguindo o procedimento utilizado pelo sujeito passivo na distribuição do valor residual pelas componentes referentes ao valor de aquisição do navio, decompôs-se o valor de aquisição, no montante de € 6.554.510,96, por duas linhas: uma referente ao valor residual, de € 696.098,85, e outra, referente ao valor bruto do navio contabilizado em 2014, procedendo-se ao recálculo da mais ou menos-valia fiscal das duas linhas, apresentado no quadro 8 da pág. 27 deste relatório.

  • Linha (4)

A menos valia-fiscal apurada nesta linha está a ser influenciada pela diferença de câmbio reconhecida pelo sujeito passivo, relativa ao valor residual do navio N/M... .

[...]

Face ao exposto procedeu-se ao recálculo da mais ou menos-valia fiscal apurada pela alienação do navio N/M... .

Quadro 8 – Recálculo da Mais ou Menos-Valia Fiscal nas Linhas (1) e (4) do mapa Modelo 31

                                                                                                                    Unidade: euro

Linha

Valor

Realização

Ano

Valor Aquisição

Valor

Depreciação

Diferença

Coef. Desv.

Valor líquido

Atualizado

Mais ou Menos Valia Fiscal

 

(1)

 

(2)

(3)

(4)=(2)-(3)

(5)

(6)=(5)*(4)

(7)=(1)-(6)

(1)

724.690,87

1996

5.858.412,11

5.858.412,11

0,00

1,50

0,00

724.690,87

 

86.108,06

2010

696.098,85

0,00

696.098,85

1,07

744.825,77

-658.717,71

 

810.798,93

 

6.554.510,96

5.858.412,11

696.098,85

 

744.825,77

65.973,16

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(4)

7.909,68

2012

63.943,59

0,00

63.943,59

 

0,00

0,00

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legenda:

  • Linha (1) – N/M ...(aquisição)
  • Linha (4) – N/M...– ajustamento do valor cambial do valor residual

Assim, o valor apurado da mais-valia fiscal em relação ao valor de aquisição evidenciado no mapa Modelo 31, linha (1) ascende ao montante de € 65.973,16 e não a uma menos valia fiscal, aí inscrita pela A..., de € 233.349,35, assim como, no que se refere à linha (4), não é apurada qualquer mais ou menos-valia fiscal ao invés da menos-valia fiscal apurada pelo sujeito, no valor de € 56.033,71.

A correção apurada nestas duas linhas, ascende ao valor de € 355.356,22.

Face ao exposto, há que acrescer no campo 739 – Diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais sem intenção de reinvestimento ao valor declarado pelo sujeito passivo, no valor de € 15.627,54, o valor da correção apresentado no parágrafo anterior.

 

Quadro 9 – Recálculo da Mais ou Menos-Valia Fiscal das Linhas (1) e (4) do extrato do mapa Modelo 31

                                                                                                       

Q07 – DRM22 de IRC de 2014

Valor

C739 – Diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais sem intenção de reinvestimento

15.627,54 €

Anulação da menos-valia fiscal apurada pelo SP na Linha (1)   (+)

 233.349,35 €

Recálculo da mais-valia fiscal corrigida pela AT na Linha (1)   (+)

65.973,16 €

Anulação da menos-valia fiscal apurada pelo SP na Linha (4)   (+)

56.033,71 €

Recálculo da mais ou menos-valia fiscal corrigida pela AT na Linha (4)  

- €

Ajustamento fiscal corrigido a acrescer no C739

370.983,76 €

[...]

III.4. – Benefício Fiscal atribuído às Empresas Armadoras da Marinha Mercante Nacional – 2013 e 2014

III.4.1 – Descrição dos factos

Este benefício prevê a sua atribuição a empresas armadoras da marinha mercante nacional e encontra-se previsto no art.º 51.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Os benefícios fiscais são declarados no Anexo D – Benefícios Fiscais da DRM22 de IRC.

A A... preenche os campos C405 e C407 do Q04 deste Anexo, campos, que correspondem ao benefício fiscal concedido a empresas armadoras da marinha mercante nacional e ao benefício fiscal concedido e relativo às majorações das quotizações empresariais. O somatório destes campos é transposto para o C774 do Q07 da DRM22 de IRC, originando uma dedução, de igual valor, na determinação do lucro tributável.

A A... apresentou, relativamente ao benefício fiscal em análise, os seguintes valores:

  • Período de Tributação de 2013 - € 651.242,67
  • Período de Tributação de 2014 - € 481.955,91

[...]

III.4.2 – Enquadramento fiscal

[...]

Conforme resulta da redação da alínea a) do artigo 51.º do EBF, este benefício fiscal aplica-se apenas aos lucros resultantes exclusivamente da atividade de transporte marítimo, ou seja, aos diretamente resultantes daquela atividade, não abrangendo, no seu conceito, determinados rendimentos acessórios, ainda que, decorrentes da mesma atividade de transporte marítimo desenvolvida pelo sujeito passivo.  

III.4.3 – Benefício Fiscal não aceite para efeitos fiscais

Conforme legislação fiscal aplicável, este benefício corresponde ao resultado da aplicação da percentagem de 70% aos lucros da empresa obtidos exclusivamente na prossecução da atividade de transporte marítimo.

Verifica-se que a A... aplicou a percentagem de 70%, à totalidade dos lucros obtidos ajustados das correções fiscais apresentadas no Q07 da DRM22 de IRC.

Da validação efetuada verificou-se que:

  1. Procedeu corretamente ao expurgar as correções fiscais do valor dos lucros apurados na contabilidade;
  2. Procedeu incorretamente ao não expurgar dos lucros apurados, os lucros referentes a outras atividades e/ou rendimentos acessórios.

Em face do exposto, procedeu-se ao recálculo do benefício fiscal, nos termos do definido no art.º 51.º do EBF.

[...]

Do recálculo do benefício fiscal efetuado pela AT e após os ajustamentos fiscais previstos corrigir, constata-se que a A... apura um lucro tributável, em 2013, de € 1.758.186,96 e em 2014, de € 3.018.189,90 […].

Contudo, conforme já mencionado, a A... não excluiu dos lucros obtidos, os rendimentos provenientes de outra natureza, que não, os do transporte marítimo, dado que estes não são abrangidos para efeitos do cálculo do benefício fiscal.

Assim sendo, procedeu-se aos ajustamentos mencionados […], que se referem a:

  • L(9) e L(11) – desconsideração do valor dos rendimentos registados na conta #78 e #79, que incluem rendimentos provenientes de: aluguer de equipamento, rendas de imóveis, MEP, indemnizações, entre outros rendimentos suplementares.
  • L(10) – consideração do MEP, incluído numa subconta da conta #78, por já ter sido incluído nos acréscimos efetuados, no Q07, pelo sujeito passivo, decorrentes do apuramento do lucro tributável.

Em face do exposto, os valores do benefício fiscal atribuído a empresas armadoras da marinha mercante nacional apurados e deduzidos pelo sujeito passivo nas DRM22 de IRC de 2013 e 2014 […] não são aceites fiscalmente por não se restringir a aplicação da percentagem de 70% (cálculo do benefício fiscal), apenas aos lucros provenientes da atividade de transporte marítimo conforme descrito no art.º 51.º do EBF, mas sim, a todos os lucros obtidos.

De referir ainda que, do recálculo do benefício efetuado, ao serem expurgados os rendimentos gerados e registados nas contas #78 e #79, aos restantes rendimentos, verifica-se que a A... não apura lucros/resultados positivos, conforme soma de controlo [...].

Em face do não apuramento de lucros na atividade de transporte marítimo (quer, em 2013, quer em 2014), não há lugar ao cálculo do benefício fiscal aplicável aos lucros obtidos dessa atividade por empresas armadoras da marinha mercante nacional e conforme art.º 51.º do EBF.

[...]

IX. – DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

[...]

IX.1.1 – Apreciação dos Fundamentos apresentados (§7.º a §101)

  1. Dos alegados encargos financeiros não dedutíveis

[...]

c) o sujeito passivo centra a sua oposição quanto à metodologia utilizada para efeitos da determinação dos montantes dos encargos financeiros não dedutíveis, baseando as suas alegações em quatro razões (conforme passagens transcritas) e que de seguida se analisam.

d) Em primeiro, refere que o método utilizado «não tem qualquer aderência no normativo fiscal», quanto a este ponto, temos a referir que a determinação dos encargos financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais subsume-se no próprio art.º 23.º do CIRC, uma vez que, para aferir da indispensabilidade dos gastos, teve que se avaliar o destino/uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo deduziu para efeitos fiscais a totalidade dos encargos financeiros suportados. Este processo de rastreio permitiu verificar que, do valor dos financiamentos contraídos, uma parte substancial dos mesmos, teve como destino final o financiamento de outras entidades, o que levou ao enquadramento fiscal dos gastos financeiros correspondentes como não dedutíveis.

e) Assim, o método de afetação dos encargos financeiros foi determinado pelo rácio empréstimos concedidos/empréstimos obtidos, o qual, foi aplicado ao saldo mensal dos encargos financeiros registados nos períodos em análise.

f) A definição do método, numa base proporcional, com a qual também não concorda, referindo que «a correção nesta sede, só poderia resultar, de uma afetação direta/”real” dos empréstimos contraídos aos empréstimos concedidos», foi motivada pelos elementos de que os serviços de IT dispunham à data, considerando, para o efeito, os registos contabilísticos e seus documentos de suporte, assim como, a justificação dada pelo sujeito passivo quanto à natureza dos financiamentos concedidos registados nas contas #26-Acionistas/Sócios e #41103-Empréstimos Concedidos, cujos elementos não possibilitavam proceder a uma afetação direta dos encargos financeiros suportados e não aceites para efeitos fiscais, facto, pelo qual, se procedeu a uma afetação desses gastos com base na proporção dos empréstimos concedidos. Relativamente à discordância apresentada neste ponto e estando assente que, parte dos gastos financeiros suportados respeitam a financiamentos obtidos, canalizados para empresas do grupo, o sujeito passivo, não concordando com o método utilizado, não expõe/não recalcula os gastos financeiros suportados respeitantes aos financiamentos concedidos de acordo com o método de afetação real dos gastos preconizado, nem, sugere, qualquer outro método que melhor determine os encargos financeiros suportados em apreço.

g) Em terceiro, alega que o método definido padece «de alguns vícios de raciocínio» e, que a fórmula utilizada no procedimento inspetivo realizado ao período de 2012 foi diferente. Temos a referir que a fórmula utilizada foi a mesma: [(saldo mensal) dos empréstimos concedidos / empréstimos obtidos x encargos financeiros mensais] e que, para os períodos em análise, somente foi acrescido no numerador, os empréstimos concedidos registados nas contas #41x e identificados como tal, conforme justificação apresentada no ponto seguinte [g)]. Por outro lado, foram também abatido, facto não relevado pelo sujeito passivo, à componente dos encargos financeiros mensais, os encargos com os contratos de factoring, por se entender que estes, apesar de constituírem uma fonte de financiamento, são-no a curto prazo, tendo por objetivo solver problemas de tesouraria através da antecipação do recebimento dos créditos de clientes.

h) Ainda, quanto à metodologia utilizada, alega que o cálculo dos empréstimos concedidos padece de «uma incorreta apreensão das operações financeiras subjacentes», referindo que as prestações suplementares atribuídas às suas participadas foram consideradas de forma indistinta para esse montante, quando não o deviam, devido às suas características, justificando o seguinte «(…) diversos autores considerarem ter uma natureza bastante próxima das partes de capital – não vence juros». Temos a referir que o saldo das contas #41x, designadas de empréstimos concedidos, foram incluídos na componente dos empréstimos concedidos porque desta forma estavam classificados, não tendo, para o efeito, sido justificado (conforme extrato da notificação ao sujeito passivo e a sua resposta a págs. 8 e 11 do Anexo I deste relatório, respetivamente) ou apresentado qualquer documento probatório até à data do exercício do direito de audição (inclusive), que identificasse os valores aí registados, como «prestações suplementares». Assim sendo, não tendo fundamentado nem apresentado meios de prova adequados com vista a alterar a convicção da IT, de que, tais montantes configuram prestações suplementares, nos termos definidos nos art.ºs 210.º a 213.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), os valores registados como empréstimos concedidos nas contas #41x consideram-se simples suprimentos/empréstimos, contribuindo o seu valor para o cômputo do valor dos empréstimos concedidos.

Ainda que, o sujeito passivo, apresentasse elementos de prova da natureza das prestações suplementares, os mesmos, teriam que ser analisados à luz dos requisitos de dedutibilidade fiscal dos gastos previstos no art.º 23.º do CIRC.

l) Refira-se, também, que o procedimento inspetivo realizado ao período de 2012 foi, quanto ao lugar de realização, interno, e como tal, os procedimentos realizados tiveram uma abrangência e detalhe diferentes, no entanto, conforme já referido o método manteve-se, não estando em causa a sua inconsistência, nem, qualquer outra intenção que não seja a procura da verdade material, realizando as diligências necessárias ao correto apuramento da situação tributária do sujeito passivo.

Em face do exposto, após apreciação às alegações apresentadas pelo sujeito passivo, conclui-se não atender à pretensão do sujeito passivo e assim manter as correções propostas ao valor dos encargos financeiros reconhecidos na contabilidade no projeto de correções:

  • Em 2013, no valor de € 827.840,29 e,
  • Em 2014, no valor de € 1.265.178,12,

Ambas por infração do art.º 23.º do CIRC, nos termos dos fundamentos apresentados e descritos no ponto III.1 – Encargos Financeiros – 2013 e 2014 deste relatório.

  1. Do benefício fiscal da marinha mercante

[...]

a) O sujeito passivo alega o conceito de atividade operacional para definir que todas as atividades por si realizadas são-no ao abrigo da atividade de transporte marítimo ou em conexão com esta, justificando a natureza dos rendimentos registados nas contas #78 e #79 do balancete, excluídas pela IT, com o seguinte:

       i)   «Aluguer de contentores, empilhadores e utilização de gruas»

       ii)  «Fees pela mora na carga e descarga de contentores»

       iii) «Indemnizações recebidas por avarias nos contentores e venda de contentores como sucatas»

       iv) «Diferenças de câmbio e juros bancários»

Referindo que os rendimentos mencionados em i), faturados a clientes, são indissociáveis da atividade (que desenvolve) de transporte marítimo, sem os quais, não poderia prestar essa atividade na sua plenitude e que, os referidos em ii), iii) e iv), têm uma relação direta com a atividade do transporte marítimo. Assim, cita: «(…) por conseguinte tais rendimentos não podem ser considerados como acessórios, (…) uma vez que os mesmos decorrem da única atividade operacional prosseguida pela exponente.»

Conclui-se, do entendimento do sujeito passivo, que os lucros provenientes da atividade de transporte marítimo, ao abrigo da alínea a) do art.º 51.º do EBF englobam todos os resultados obtidos, sem discriminação e que, como tal, não devem ser desconsiderados conforme procedeu a IT.

Relativamente às alegações apresentadas quanto à natureza das atividades registadas nas contas #78 e #79, constata-se que o sujeito passivo não apresenta elementos novos, o mencionado em i), ii), iii) e iv) não é mais do que a designação das contas do balancete analítico e, os demais argumentos apresentados não são suscetíveis de alterar o enquadramento fiscal dos factos já descrito no ponto III.4 – Benefício Fiscal atribuído às Empresas Armadoras da Marinha Mercante Nacional – 2013 e 2014.

Porém, acresce referir o seguinte:

b) O sujeito passivo, pelo facto de estar inscrito para o exercício da atividade de transporte marítimo, como armador da marinha mercante portuguesa, regulada pelo Decreto-Lei n.º 196/98, de 10 de julho, tem «direito a benefícios fiscais concedidos em legislação especial», conforme referido na alínea c) do art.º 8.º do referido diploma. É, ao abrigo deste, e, relativamente apenas a essa atividade, que beneficia da isenção da tributação dos lucros sujeitos a IRC em 70% prevista na alínea a) do art.º 51.º do EBF.

c) Daí que, os resultados obtidos através de atividades diferentes da indicada, mesmo, que conexos com a atividade de transporte marítimo, conforme alega, e, mesmo, que classificados como de natureza operacional em termos contabilísticos, os mesmos, não se consideram obtidos do decurso da atividade de transporte marítimo exercida por armadores da marinha mercante nacional, conforme resulta do Decreto-Lei n.º 196/98, de 10 de julho.

d) Ou, por outro lado, saliente-se que os rendimentos obtidos e mencionados em i), ii), iii) e iv) não advêm do exercício da atividade de transporte marítimo para a qual a A... está inscrita, que, conforme refere o art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 196/98, pressupõe a «exploração de um navio, próprio ou não (…)». Pelo contrário, as atividades prestadas e mencionadas pelo sujeito passivo como indissociáveis da atividade em análise, podem ser exercidas por outras entidades, não sendo, o seu exercício, exclusivo das entidades inscritas para o exercício da atividade de transporte marítimo e, que também por essa razão se consideram acessórias/complementares desta.

e) Se, assim não fosse, outras entidades que exercessem as atividades designadas de acessórias/complementares, como, por exemplo, o aluguer de contentores, seriam prejudicadas, face aos armadores da marinha mercante portuguesa, ao não poderem aproveitar do benefício fiscal em análise, exercendo, para o efeito, ambas, a mesma atividade.

Pelo exposto, conclui-se que o benefício fiscal em apreço é aplicável aos lucros obtidos por armadores da marinha mercante portuguesa no exercício exclusivo da atividade de transporte marítimo.

Continuando, da apreciação às alegações apresentadas e transcritas nos pontos 2. e 3., nas quais, o sujeito passivo alega que a IT não desconsiderou, para efeitos do apuramento do lucro resultante exclusivamente da atividade de transporte marítimo, os gastos associados aos rendimentos desconsiderados, nomeadamente, os registados nas contas #68 e #69, cujos gastos vem solicitar que sejam também desconsiderados (nomeadamente no que se refere ao período de 2014, que pelo recálculo apresentado pelo sujeito passivo, conduziria a uma revisão do valor proposto pela IT), atente-se ao seguinte:

f) Dos gastos reconhecidos nas contas #68 e #69, os mesmos incluem:

i) Impostos

ii) Dívidas Incobráveis

iii) Gastos e perdas em Subsidiárias – MEP

iv) Outros:

     a. Correções relativas a períodos anteriores,

     b. Quotizações,

     c. Insuficiências e estimativas para impostos,         

                        d. Indemnizações com seguro

                        e. Multas e penalidades

v) Gastos e Perdas de Financiamento:

     a. Juros suportados,

     b. Diferenças de câmbio desfavoráveis

                        c. Outros gastos e perdas de financiamento

É, de referir que, dos gastos acima listados, os mencionados em ii), iii) e iv)e., não foram considerados por terem sido ajustados no Q07 da DRM22 de IRC e por esse facto não influírem para o cálculo dos lucros em análise, os mencionados em v)a. e v)c., parte, não foram considerados por terem sido objeto de correção em sede deste procedimento inspetivo e, também assim, ajustados no Q07 da DRM22 de IRC. Quanto aos restantes, desconhecendo-se a sua afetação às atividades desenvolvidas – a de transporte marítimo e as designadas de  acessórias/complementares, conforme indica, em sede do exercício do direito de audição (passagens transcritas e sublinhadas no ponto 3), os gastos registados nas contas #68 e #69 contribuem para ambas as atividades desenvolvidas.

Ao invés do descrito, relativamente aos rendimentos registados na conta #78, que são reconhecidos no sistema de contabilidade (SNC) de forma individualizada, o mesmo, não sucede relativamente aos gastos em apreço, que, para validação da sua natureza, são necessários elementos do sistema de contabilidade de gestão do sujeito passivo.

Em face do exposto, após apreciação às alegações apresentadas pelo sujeito passivo, conclui-se que devido à falta de elementos de prova relativos à contabilidade de gestão que pudessem atender à pretensão do sujeito passivo, em rever a correção proposta em 2014, em função da desconsideração dos gastos reconhecidos nas contas #68 e #69, comuns às várias atividades desenvolvidas, a mesma, não pode ser acolhida. Assim, mantêm-se as correções propostas aos valores dos respetivos benefícios fiscais, cujos valores, o sujeito passivo deduziu para efeitos da determinação do lucro tributável em 2013 e 2014, conforme presentemente exposto e de acordo com os factos e respetivo enquadramento […].

  1. Da correção às menos-valias fiscais apuradas no âmbito da alienação do navio (§79.º a §101.º)

[...]

Relativamente a esta matéria é de referir que o sujeito, em 2010, com a transição do POC para o SNC, valorizou os navios do seu ativo fixo tangível, cujos valores contabilísticos estavam totalmente depreciados, atribuindo-lhes um valor residual. No decorrer do período de tributação de 2014, vendeu um desses navios – N/M ..., apurando em alguns dos items que compunham o ativo – navio, uma menos-valia fiscal. De entre elas, apurou uma menos-valia fiscal relativa ao valor residual do navio (valor definido em 2010 conforme supra referido), que foi objeto de proposta de correção no projeto de relatório da IT nos termos do exposto no ponto III.2 – Menos-Valias Fiscais – 2014.

A correção apresentada a esta matéria teve como objetivo retificar a aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda de 1.50, aplicável aos valores de aquisição do ano 1996 (ano de aquisição do navio), cujo coeficiente foi utilizado pelo sujeito passivo para atualizar o valor «residual» do navio definido em 2010.

[...]

Da apreciação às alegações apresentadas resulta o seguinte:

a) Refira-se que o valor residual de um ativo é definido no § 6 da NCRF 7 como «a quantia estimada que uma entidade obteria correntemente pela alienação de um ativo, após a dedução dos custos de alienação estimados, se o ativo já tivesse a idade e as condições esperadas no final da sua vida útil.» Valor esse, que deve ser revisto, pelo menos, no final de cada período de relato, sendo, se for caso disso, registado como uma alteração de estimativa contabilística de acordo com a NCRF 4, de acordo com o referido no § 52 da NCRF 7.

b) Ora, o valor atribuído ao navio em 2010, considera-se uma estimativa do valor de venda que a essa data se esperava realizar com a venda do mesmo, assim sendo, a esse valor, não pode ser aplicado um coeficiente de desvalorização da moeda, tendo como referência o ano de 1996, ano de aquisição do navio pelo sujeito passivo.

c) Acresce ainda que o SNC, na NCRF 7, prevê a atualização do valor residual no final de cada período de relato, assim, ainda que essas atualizações não tenham sido realizadas, o valor residual do navio, à data da venda (em 2014), valor líquido do ativo fixo tangível mensurado na contabilidade, representava o justo valor do navio, determinado em 2010 em função dos preços de mercado a essa data.

d) Refira-se que o coeficiente de desvalorização da moeda tem como objetivo suprir a desvalorização que os bens suportam, num determinado período de tempo, em resultado da inflação, pelo que, o sujeito passivo, tendo em 2010 determinado um valor residual do navio em fim de vida útil a preços de mercado, com referência ao anos de 2010, não pode, em 2014, aplicar sobre esse valor, o coeficiente de desvalorização da moeda de 1.50, aplicável a bens cujos preços correntes de mercado têm como referência o ano de 1996.

Em face do exposto, após apreciação às alegações apresentadas pelo sujeito passivo, conclui-se não atender à pretensão do sujeito passivo, que solicita a anulação da correção proposta (§ 97). Assim, a correção proposta ao valor da menos-valia fiscal apurada pelo sujeito passivo na determinação do lucro tributável, no valor de € 233.349,35, ao qual acresce a mais-valia fiscal apurada pela IT, no valor de € 65.973,16, é de manter, pela infração ao art.º 46.º do CIRC, nos mesmos termos, dos factos e fundamentos apresentados, descritos no ponto III.2 – Menos-Valias Fiscais – 2013, deste relatório.

X. – CONCLUSÕES

[...]

Em face do exposto, as matérias objeto das correções aritméticas à matéria tributável realizada nos períodos de tributação de 2013 e 2014 têm como suporte o incumprimento dos artigos do CIRC identificados no quadro abaixo.

a) Em sede de Matéria Coletável (IRC)

                                                                                            Unidade: euro

 

Ponto

 

Descrição da Matéria Corrigida

 

Infração

Projeto Correções e Relatório Final Correção

Per. Tribut. 2013

Direito de Audição

Oposição do SP

Per. Tribut. 2013

Projeto Correções e Relatório Final Correção

Per. Tribut. 2014

Direito de Audição

Oposição do SP

Per. Tribut. 2014

III.1

Encargos Financeiros não aceites fiscalmente

Art.º 23.º do CIRC

€ 827.840,29

€ 827.840,29

€ 1.265.178,12

€ 1.265.178,12

III.2

Menos-Valias fiscais não aceites fiscalmente

Art.º 46.º e 47.º do CIRC

 

 

€ 355.356,22

€ 355.356,22

III.3

Perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa

Art.º 28.º-A e 28.º-B do CIRC

 

 

€ 709.147,12

III.4

Benefício Fiscal atribuído a Empresas Armadoras de Marinha Mercante não aceite fiscalmente

Art.º 51.º do EBF

€ 651.242,67

€ 651.242,67

€ 481.955,91

€ 481.955,91

Total de correções propostas pela IT / Total de correções não aceites pelo SP

 

€ 1.479.082,96

€ 1.479.082,96

€ 2.811.637,37

€ 2.102.490,25

[...]”

– cf. RIT.

 

            EE.  A Requerente foi notificada das demonstrações de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios relativas aos exercícios de 2013 e 2014, nos seguintes moldes:

  1. Exercício de 2013 - Liquidação de IRC emitida sob o n.º 2017..., datada de 27 de novembro de 2017, no valor total € 99.218,92, sendo € 87.138,85 de imposto e € 12.080,07 de juros compensatórios, conforme liquidação (de juros) n.º 2017...;
  2. Exercício de 2014 - Liquidação de IRC emitida sob o n.º 2017..., datada de 27 de novembro de 2017, no valor total de € 277.754,70, sendo € 252.819,12 de imposto e € 24.935,58 de juros compensatórios, conforme liquidação (de juros) n.º 2017...;
  3. Demonstrações de acerto de contas n.ºs 2017 ... e 2017..., no valor global de € 376.973,62, com data limite de pagamento fixada em 10 de janeiro de 2018

– cf. Documentos 4, 5, 6, 7, 8 e 9 juntos com o ppa.

 

            FF. Não tendo procedido ao pagamento dos valores de IRC e de juros compensatórios que lhe foram liquidados no prazo de pagamento voluntário, a Requerente foi citada da instauração de processos de execução fiscal e prestou garantias bancárias para sustação daqueles – cf. Documentos 12, 13 e 14 juntos com o ppa.

 

GG. A Requerente, em discordância com os supra identificados atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios – com exceção da componente relativa às perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa, que aceitou –, apresentou junto do CAAD, em 9 de abril de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

MOTIVAÇÃO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas pelas partes que são, no essencial, coincidentes, bem como na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

Relativamente às especificidades da atividade de transporte marítimo desenvolvida pela Requerente, foi particularmente relevante o contributo das duas testemunhas inquiridas, B..., Diretor Comercial e Operacional da Requerente, responsável pela linha da Madeira e Açores e de parte da linha internacional, e C..., da área financeira. Os depoimentos prestados pelas testemunhas foram objetivos, consistentes e revelaram conhecimento direto e detalhado dos factos relatados e esclarecimentos prestados, permitindo de forma acessível compreender como se processa a atividade da Requerente.

 

       FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se provou a alegação da Requerente de que todos os financiamentos foram contraídos/concedidos no contexto da sua atividade tendo em consideração as melhores práticas de gestão, no que se refere à componente afeta aos fundos cedidos gratuitamente à sua sociedade mãe (cf. artigo 35.º do ppa).

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

  1. Do Direito

 

2.1. Delimitação das Questões a Decidir

 

Estão em discussão três correções à matéria tributável da Requerente:

 

  1. A não aceitação da dedução de encargos financeiros, ao abrigo do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do Código do IRC, por, na perspetiva da AT, não consubstanciarem gastos relacionados com o desenvolvimento da atividade e incorridos no interesse da Requerente (exercícios de 2013 e 2014);
  2. A não aceitação do benefício fiscal atribuído no artigo 51.º, alínea a) do EBF às empresas armadoras da marinha mercante nacional, na parte em que o mesmo foi aplicado a rendimentos considerados acessórios pela AT, registados nas contas #78 e #79, provenientes de aluguer de equipamentos, indemnizações, entre outros rendimentos suplementares;
  3. A aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda de 1,07, vigente no ano (2010) em que o ativo foi valorizado (ao justo valor) e fixado um valor residual, na transição do POC para o SNC, em vez do coeficiente do ano de aquisição (1996), de 1,50.  

 

Atento o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável segundo o artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na ausência de vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que determine, segundo o prudente critério do julgador, a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. Uma vez que os efeitos da procedência dos vícios substantivos imputados aos atos são semelhantes sob o prisma da estabilidade e eficácia da tutela dos interesses da Requerente, segue-se a ordem por esta indicada.

 

2.2. Encargos Financeiros Não Dedutíveis

 

A Requerente discorda das correções efetuadas pela AT à dedução fiscal dos encargos financeiros, por entender estarem satisfeitos os requisitos previstos no artigo 23.º, nº 1 e nº 2, alínea c) do Código do IRC, relativos à necessária conexão daqueles com a sua atividade e a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto. Por outro lado, considera que o método de afetação proporcional dos encargos financeiros utilizado pela AT para destrinça dos encargos financeiros dedutíveis e não dedutíveis é desprovido de suporte legal, não sendo admissível.

 

            A questão que aqui se suscita em primeira linha é, pois, a de saber se os encargos suportados com os financiamentos contraídos, neste caso junto de instituições bancárias, podem ser considerados indispensáveis à atividade do sujeito passivo, na aceção do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, em circunstâncias, como as que se verificam nos autos, em que os fundos obtidos foram afetos a empréstimos não remunerados concedidos a outras sociedades do mesmo Grupo económico.

           

2.2.1. O artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC e a Indispensabilidade ou Conexão Necessária dos Gastos Com a Atividade

 

A clarificação das condições de dedutibilidade dos gastos fiscais foi um dos pontos sobre que incidiu a Reforma do IRC, concretizada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, cujo início de vigência produziu efeitos no exercício de 2014. Tem, assim, de atender-se a redações distintas do mencionado artigo 23.º, com referência aos exercícios de 2013 e 2014, ambos sob apreciação.

 

Até ao exercício de 2013, a conformação legal da relação entre gastos e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a imposto [IRC] apelava de forma expressa ao critério da indispensabilidade, dispondo o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC nos seguintes moldes:

 

 “Artigo 23.º

Gastos

1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

a) […];

b) […];

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

[…]

 

A aplicação do conceito de indispensabilidade como condição delimitativa da dedutibilidade fiscal em IRC suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram dirimidas pela via jurisprudencial e promoveram, conjuntamente com a doutrina, uma maior densificação deste conceito. 

 

            Como reconhece Saldanha Sanches, é “no referido conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração dos custos empresariais e que repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”, acrescentando que “o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários” – “Os Limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, 2006, pp. 215-216.

 

            É hoje relativamente consensual que a concretização da cláusula geral da indispensabilidade dos gastos não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos.

 

Tal noção, como consta da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) (pleno) n.º 49/11, de 15.06.11[3] – tem de ser interpretada como “um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo”.

 

Deste modo, a “Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”, conforme preconizado pelo Acórdão do STA n.º 1236/05, de 29.03.06.

 

O que significa, na explicitação do Acórdão do STA n.º 107/11, de 30.11.11, que “a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa (…). Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa (…). A indispensabilidade não pode, porém, ser aferida à luz de critérios de oportunidade e mérito. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”

 

Rejeita-se, deste modo, o entendimento de que a indispensabilidade se reconduz à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre gastos e rendimentos (antes, custos e proveitos) – vide Acórdãos do STA n.º 779/12, de 24.09.14; n.º 372/16, de 15.11.17 e n.º 627/16, de 28.06.17.

 

Este último aresto considera “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.

 

A ligação deve ser, pois, feita entre os gastos e a atividade desenvolvida pelo contribuinte.  “«Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.” – Acórdão do STA n.º 627/16, de 28.06.17.

 

O entendimento restritivo da indispensabilidade foi muito criticado pela doutrina, podendo ver-se, a este respeito, Tomás de Castro Tavares, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, Outubro-Dezembro 1999, pp. 131 a 133, e “A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC”, Fisco n.º 101/102, janeiro de 2002, p. 40, e António Moura Portugal, “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, 2004, pp. 243 e ss.. 

 

O desenvolvimento da jurisprudência e da doutrina firmou, desta forma, a relação causal genérica do gasto à atividade globalmente considerada (superando o nexo estrito gasto-rendimento) e vincou o afastamento da avaliação, por parte da Administração, do acerto, conveniência ou oportunidade das decisões empresariais e de gestão dos entes corporativos.

 

            Com a Reforma do IRC suprimiu-se a referência à “indispensabilidade” dos gastos, conforme se transcreve:

 

“Artigo 23.º
Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) […];

b) […];

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

[…]

 

Mantém-se, no entanto, a conexão necessária entre os gastos e o objetivo de obtenção de rendimentos sujeitos a imposto e o princípio geral inerente de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este incorridos ou suportados.

 

Segundo o Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – 2013 –[4], a alteração visou confirmar o afastamento da “interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos” e contribuir desta forma para o “decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa”, acolhendo a jurisprudência firmada que sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, de encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, nomeadamente dos sócios.

 

            Uma vez que é esta interpretação do conceito de indispensabilidade que se acolhe na apreciação da matéria referente ao exercício de 2013, a modificação do texto legal ocasionada pela Reforma do IRC não afetou o entendimento anteriormente prevalecente, constituindo antes uma clarificação, pelo que a análise do exercício de 2014 será feita conjuntamente com a do exercício de 2013. 

 

2.2.2. A Situação Específica de Empréstimos Não Remunerados a Entidades Relacionadas e o Conceito de “Atividade Produtiva”

 

A jurisprudência do STA tem vindo a considerar como fiscalmente irrelevantes, leia-se como não dedutíveis, os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo Grupo, que não sejam debitados às entidades beneficiárias, abrindo uma exceção, quando estejam em causa empréstimos de SGPS às sociedades por si participadas, atendendo ao seu objeto social específico, como assinala o seguinte excerto do Acórdão do STA n.º 1206/17, de 28.02.2018:

 

“O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, quando está em causa uma SGPS, serão aceites como custo fiscal os encargos financeiros referentes a crédito obtido para, com ele, a SGPS realizar empréstimos gratuitos às participadas.

O objeto social de gestão de participações sociais significa que uma empresa adquire ou aliena participações sociais de uma outra empresa e exerce atividade comercial, utilizando única e exclusivamente o poder de decisão sobre «a vida da empresa participada» que o valor das ações de que é titular lhe possam conferir. Isto é, se a empresa participada deve adquirir ações de outra sociedade, se deve contrair empréstimos para realizar tais aquisições, a SGPS tem o poder de concordar, votando favoravelmente tais decisões. Isto insere-se no objeto social de uma SGPS.

 

Relativamente a outro tipo de sociedades, preconiza-se que [à] luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas – Acórdão do STA n.º 107/11, de 30.11.2011 (no mesmo sentido, vide os Acórdãos n.º 171/11, de 30.05.2012; n.º 1077/08, de 20.05.2009, e n.º 1046/05, de 07.02.2007).

 

Segundo esta jurisprudência, os gastos previstos no artigo 23.º do Código do IRC têm de respeitar à própria sociedade contribuinte e a atividade respetiva tem de ser por esta desenvolvida, que não por outras sociedades. Neste sentido, veja-se o Acórdão n.º 1046/05 supra citado:

 

 “A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação. As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, que é a fabricação de azulejos e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indiretamente, à sua atividade.

Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.

 

A conceção segundo a qual a obtenção de fundos por uma sociedade, seguida da sua cedência, sem remuneração, a uma participada, não constitui, sem mais, atividade ou interesse daquela, foi, porém, rejeitada pelo próprio Tomás de Castro Tavares, no processo do CAAD n.º 12/2013-T, de 08.07.2013, no qual foi árbitro único, conforme se extrai do seguinte parágrafo ilustrativo:

 

“Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e direta – e ainda assim exercer adequadamente a sua atividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efetuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos atua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua atividade”.

 

De igual modo, a Decisão proferida no âmbito do CAAD no processo n.º 695/2015-T, de 18.05.2016, considera que o conceito de “atividade produtiva” de harmonia com a posição sufragada pela doutrina de referência não pode ser interpretado de forma tão restritiva, posição que se acompanha, desde logo, pela bondade dos argumentos em que se alicerça: 

 

“A atividade de uma empresa, no sentido em que só dela decorreriam custos indispensáveis, nunca poderia ser assimilada à atividade produtiva, no contexto em que esta se traduz no conjunto de operações de transformação ou de produção de bens e serviços. O ciclo de exploração das empresas compõe-se de atividades pré-produtivas: formação legal da entidade, estudos pré investimento, investigação, desenvolvimento, aprovisionamento e outras. E, como é óbvio, também engloba atividades pós produtivas: comerciais, assistência pós venda, etc.. Para mais, inclui também atividades administrativas e financeiras, que são concomitantes a estas fases pré e pós produtivas.

Tal é uma evidência económica que não carece, assim o julgamos, de maior fundamentação.

A atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Julgamos ser este o sentido apropriado da expressão «atividade produtiva», tanto na obra de T. TAVARES, como na aceção fiscal usada pela AT e alguma jurisprudência.

Até por que, se assim não fosse, o artigo 23.º não admitiria certamente como custos dedutíveis os gastos administrativos, de financiamento e até menos valias. Estes gastos não têm diretamente que ver com atividades produtivas, tout court, e todavia estão previstos na lei. Também, por exemplo, o abate de existências ou o financiamento de certos ativos que foram retirados da produção (que podem ser designados, em certas condições, por «ativos não correntes detidos para venda») estariam de fora da atividade das empresas, entendida nessa aceção restrita, o que seria inaceitável.

Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade produtiva só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, e exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.

Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).

O ponto que este Tribunal sublinha é o seguinte: a «atividade» de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de operações produtivas ou operacionais. «Atividade» é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.

A gestão das empresas tem, no essencial, como propósito obter um excedente a partir do uso dos ativos que são detidos pelas entidades económico-empresariais. Tais ativos são, até por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos. Ativos fixos tangíveis/imobilizados (v.g., máquinas afetas à produção), intangíveis (v.g., patentes de fabrico), ativos financeiros (v.g., participações sociais), ativos não correntes detidos para venda (v.g., máquina que deixou de estar afeta à produção e se pretende alienar a curto prazo), inventários/existências (v.g., matérias primas) e assim por diante.

Constituindo este vasto leque de ativos os meios de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes, é natural que a compra de ativos físicos para investimentos e sua eventual alienação (desinvestimento), a compra e venda de participações financeiras, a aplicação de liquidez, os recebimentos e pagamentos da atividade, tudo isso faz parte do que se consideram atos normais ou apropriados da gestão de uma empresa.

O significado e o alcance económico de tais operações dependem das características económico-financeiras das entidades mas, num plano geral, todas elas se subsumem em objetivos e instrumentos de gestão empresarial, porque todas cabem no escopo ou propósito da atividade desenvolvida.

A atividade empresarial que tem relação com os custos indispensáveis estende-se a todos os atos de gestão que visem o interesse das empresas. Esse conjunto de operações abarca, no entender deste Tribunal, os atos de gestão dos ativos e passivos que constituem os meios ao dispor das entidades empresariais, desde que tais atos sejam conformes ao escopo, fim ou objetivo desses entes coletivos.

Em síntese conclusiva deste ponto, a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e nunca um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.”

 

Se partimos do pressuposto (e partimos) de que os ativos financeiros detidos fazem parte integrante do património do sujeito passivo, relativamente aos quais este tem a legítima expetativa de gerar benefícios económicos futuros, atributo, aliás, essencial para que contabilisticamente possam ser qualificados como ativos, de acordo com a estrutura concetual do sistema contabilístico (§49 a § 58)[5], então a sua gestão e os potenciais rendimentos que deles derivem, nomeadamente dividendos e mais-valias, não podem deixar de estar associados à atividade prosseguida.

Deste modo, uma operação de financiamento de uma sociedade participada é um ato de gestão da sociedade detentora da participação financeira, consubstanciado no reforço do ativo financeiro, e é também realizado no interesse desta com propósito lucrativo. Dito de outro modo, tanto será “atividade produtiva” ou “exploração” a gestão de um ativo físico, como a de um ativo financeiro ou outro intangível. Ponto é que se esteja no âmbito da gestão do ativo.

 

Como assinala o Acórdão em análise a própria norma contabilística e de relato financeiro (“NCRF”) 13 expressa o conceito segundo o qual um investimento numa participada se insere no âmbito do interesse da investidora, nos seguintes termos:

 

 “Associada: é uma entidade (aqui se incluindo as entidades que não sejam constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) sobre a qual o investidor tenha influência significativa e que não seja nem uma subsidiária nem um interesse num empreendimento conjunto.

Subsidiária: é uma entidade (aqui se incluindo entidades não constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) que é controlada por uma outra entidade (designada por empresa-mãe).

Controlo: é o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade ou de uma atividade económica a fim de obter benefícios da mesma.

19. Se o investidor detiver, direta ou indiretamente (por exemplo, através de subsidiárias), 20 % ou mais do poder de voto na investida, presume-se que tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. Se o investidor detiver, direta, ou indiretamente (por exemplo, através de subsidiárias), menos de 20% do poder de voto na investida, presume-se que não tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. A existência de outro investidor, que detenha uma participação maioritária ou substancial, não impede necessariamente que se exerça influência significativa.

 

Como manifestação de influência significativa, o ponto 20, alínea b) da NCRF 13 refere a participação em processos de decisão de políticas, incluindo a participação em decisões sobre dividendos e outras distribuições. Se a detenção de influência significativa implica, pelo menos, a participação da sociedade investidora na definição das políticas da participada, “então financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.”

 

“Ora a influência dominante há de conduzir a que a participante influa, atue, decisivamente na gestão da participada, levando em conta, como se julga evidente, o interesse da investidora. Estranho seria se assim não fosse. As operações ou decisões da participante relativamente à participada inscrevem-se no interesse daquela. Essas operações, relativas à prossecução dos fins relativos a ativos corporizados em investimentos financeiros, englobam a respetiva aquisição, o financiamento, a venda, a manutenção do ativo, entre outras.” – cf. Decisão Arbitral n.º 695/2015-T.

 

A Decisão Arbitral n.º 585/2014-T, de 13.02.2015, que versa sobre encargos financeiros incorridos para efetuar prestações acessórias numa sociedade (que não é uma SGPS), segue idêntica fundamentação:

 

“A atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.

Nos casos de investimento de uma sociedade numa sua participada, o financiamento provindo da participante será feito no interesse desta caso sirva para que daí decorra uma expetativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes.

A dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto dos financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro).

O facto de decisões tomadas na esfera da participante influenciarem o património da participada não quer dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros. Elas são tomadas a partir do interesse da participante em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento na participada.

A participada usa fundos que lhe são aportados, mas esse aporte de fundos é feito no interesse da participante, ou seja, no contexto de atos normais de gestão que se podem englobar no seu escopo ou propósito lucrativo.

Nas situações em que a participante detém a totalidade do capital da participada e, por isso, detém total possibilidade de intervir na gestão da participada e assegurar que o investimento é utilizado no seu interesse, o investimento na participada reconduz-se a gestão da participação e consubstancia exercício indireto pela participante da atividade económica que a participada leva a cabo, cujos reflexos positivos ou negativos se acabam por repercutir totalmente na esfera jurídica da participante através da valorização ou desvalorização da sua participação, pelo que os encargos necessários para assegurar o investimento potenciador da obtenção de futuros benefícios enquadram-se no conceito de indispensabilidade económica, com o referido sentido de despesas integralmente efetuadas no interesse da empresa.

Nos casos em que se está perante uma situação de detenção pela participante de parte do capital da participada, só se pode considerar que os custos são «comprovadamente» indispensáveis, como exige o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redação vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, se estiver assegurada a possibilidade de influência da participante na sociedade participada, pois se essa possibilidade não existir, se o investimento for efetuado sem qualquer possibilidade de a participante influenciar o seu destino, não se poderá considerar assegurado (comprovado) que ele irá ser utilizado no seu interesse. […]

Logo, deverá entender-se que há interesse da participante no investimento na participada quando aquela detém influência significativa na gestão da participada, pelo menos, a participação da sociedade investidora na definição das políticas operacionais e financeiras da participada.

A comprovar-se esta influência, o financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.”

 

A Decisão Arbitral n.º 264/2016-T, de 20.11.2016, considera, de igual modo, enquadrável na atividade e interesse da sociedade participante a realização de prestações suplementares, que, por definição, não são remuneradas. Não obstante, estava aí em discussão uma SGPS e relativamente a este tipo de sociedades tem sido relativamente pacífica a aceitação destes gastos, por enquadramento no seu objeto social que é, em exclusivo, o de gestão de participações sociais (neste sentido, vejam-se os Acórdãos do STA n.º 473/13, de 21.02.2018, e n.º 1206/17, de 28.02.2018).

 

À face do exposto, de acordo com a interpretação que se perfilha, a concessão de financiamentos gratuitos a sociedades participadas deve ser considerada como efetuada no âmbito da “atividade produtiva”, interesse social e escopo lucrativo da sociedade participante, na medida em que seja enquadrável como gestão do ativo financeiro em causa (instrumento de capital próprio ou parte de capital), do qual se estima que fluam benefícios, na forma de rendimentos sujeitos a IRC, como, por exemplo, dividendos e mais-valias. Constitui condição para que se considere verificado o interesse da participante (aqui Requerente) no investimento na participada, a influência significativa na gestão desta, i.e., em regra quando aquela detenha pelo menos 20% do capital social.

 

 

 

2.2.3. No Caso Concreto

 

            Interessa relembrar que, do total de empréstimos não remunerados concedidos, em 2013, pela Requerente, no valor de € 7.226.112,82, uma componente, no montante de € 4.666.725,07, representativa de cerca de 65%, foi-o em benefício da sociedade-mãe, sendo o remanescente canalizado para sociedades cujo capital social era detido na íntegra pela Requerente (subsidiárias integrais).

 

            No que se refere ao exercício de 2014, a sociedade-mãe foi beneficiária da quase totalidade dos empréstimos (aproximadamente 98%), tendo-lhe sido cedidos fundos no montante de € 7.591.666,20, num total global de € 7.726.339,88, sendo residual o remanescente, de € 134.673,68, cuja beneficiária foi uma sociedade subsidiária da Requerente.

 

            Tendo em conta os critérios acima descritos, a concessão de empréstimos gratuitos à sociedade-mãe não se afigura suscetível de ser encarada como atividade de gestão de um ativo financeiro pela Requerente, pois não é a Requerente que detém participações na sociedade-mãe, mas o inverso. Com efeito, não existe qualquer ativo de que a Requerente seja titular que esteja subjacente a essa operação de financiamento à sociedade-mãe. Também não convocável nestas circunstâncias o argumento relativo ao exercício de uma influência significativa na gestão, usualmente aferido (na relação com sociedades participadas) por uma percentagem de participação de, pelo menos, 20%, para se julgar verificado o interesse no investimento. É que aqui a influência significativa exerce-se no sentido oposto, sendo a sociedade-mãe titular de quase 100% do capital da Requerente.

 

            O interesse social que está implícito na disponibilização gratuita dos meios financeiros em questão é de forma manifesta o da sociedade-mãe. Ainda que eventualmente se invocasse o interesse, difuso, do Grupo económico em que se insere a Requerente, não se afigura que tal fosse passível de ser encarado como atividade da própria Requerente, porquanto essa é uma responsabilidade da sociedade dominante, no âmbito da gestão dos seus ativos financeiros, e não da Requerente, a qual configura um sujeito passivo autónomo de IRC dotado de personalidade jurídico tributária própria.

 

Diferentemente do que sucede com a gestão de ativos financeiros, relativamente aos quais se esperam benefícios económicos, i.e., rendimentos que caiam no âmbito de sujeição do imposto, como sejam dividendos[6] e mais-valias, e que, por essa razão, podem ancorar uma conexão válida e relevante entre os encargos financeiros incorridos e a atividade do sujeito passivo, mesmo quando os capitais sejam cedidos de forma gratuita a sociedades participadas, no caso particular de empréstimos à sociedade-mãe inexiste a suscetibilidade de a relação entre esta e a Requerente gerar rendimentos, como sejam os ditos dividendos e mais-valias, ou o incremento de ganhos tributáveis na esfera desta última.

 

            Deste modo, no tocante aos financiamentos não remunerados concedidos pela Requerente à sociedade-mãe, conclui-se que estes não são realizados no âmbito da atividade da primeira e em ordem ao seu interesse social, pelo que, em sintonia com a Requerida, os encargos financeiros com aqueles incorridos não passam o crivo da necessária relação causal entre os gastos incorridos e a atividade da Requerente, prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC e, em consequência, não devem ser deduzidos para efeitos de IRC.

 

            Conclusão oposta impõe-se, todavia, quanto aos empréstimos não remunerados efetuados às sociedades subsidiárias integralmente detidas e controladas pela Requerente, que se inscrevem na atividade de gestão das respetivas participações por parte desta, de harmonia com os argumentos acima expostos. Os gastos financeiros inerentes a tais operações devem, por isso, ser dedutíveis. 

 

            Importa ainda apreciar a temática da dedutibilidade dos encargos financeiros relativos às prestações suplementares (correspondentes ao saldo das contas #41 designadas na contabilidade da Requerente de empréstimos concedidos), que a AT tratou como empréstimos, porque assim estavam classificados. Com efeito, não tendo sido feita prova pela Requerente, no decurso do procedimento inspetivo, da natureza de prestações suplementares, a AT manteve a respetiva qualificação de empréstimos, aliás em observância do regime previsto no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, que estabelece a força probatória das declarações dos contribuintes e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade, sendo que esta [contabilidade] referenciava empréstimos concedidos e não prestações acessórias ou suplementares.

 

            Sem prejuízo do exposto, essa prova foi realizada na presente ação arbitral, sem que, contudo, se afigure estarmos perante problema distinto daquele que foi apreciado em relação aos empréstimos. É que, como nota a AT, mesmo tratando-se de prestações suplementares estas têm de ser “analisad[a]s à luz dos requisitos de dedutibilidade fiscal dos gastos previstos no art.º 23.º do CIRC”, e são, neste âmbito, enquadráveis da mesma forma que os empréstimos, pois trata-se de avaliar a conexão, à atividade e interesse social da Requerente, da cedência gratuita de meios financeiros a sociedades participadas, e é essa a única questão em discussão, independentemente da figura sob a qual os referidos fundos foram disponibilizados sem remuneração, sendo que o erro de nomen iuris (que, como acabou de se referir, se afigura irrelevante pois não modifica o enunciado do problema carecido de solução jurídica), ficou a dever-se à própria Requerente, que denominou as operações na sua contabilidade como empréstimos concedidos.

 

            As prestações suplementares em apreço totalizaram € 5.408.792,63, em 2013, e € 5.300.806,56, em 2014, tendo sido atribuídas no valor de € 1.600,806,56 a uma subsidiária integral da Requerente e de € 3.700.000,00 a uma sociedade associada, na qual a Requerente detinha uma participação de 20%, em qualquer dos exercícios em análise. No exercício de 2013 verifica-se ainda a atribuição de um valor menor, de € 107.986,07, a uma subsidiária da Requerente, detida a 51%.

 

            Compulsando os critérios supra enunciados, alguns dos quais desenvolvidos pela jurisprudência em relação a situações em que estavam em causa, precisamente, prestações acessórias e prestações suplementares, constata-se que em qualquer dos casos estamos perante dotações financeiras a entidades participadas pela Requerente, nas quais esta exercia uma influência significativa, que é de presumir a partir de um nível de participação no capital social igual ou superior a 20%. 

 

Atento o facto de a Requerente poder influir na gestão das participadas a quem concedeu prestações suplementares, fazendo-o no seu interesse como investidora, essa atuação inscreve-se no âmbito da sua atividade e escopo social, devendo ser aceite a dedução dos encargos financeiros incorridos, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, na interpretação preconizada, pelo que é procedente, neste segmento, o vício arguido pela Requerente.

 

            Acerca da alegada incongruência do procedimento adotado pela AT em anos anteriores, para além de se tratar de um argumento prejudicado pela solução jurídica, sempre se dirá que não ficou demonstrada a identidade de pressupostos de facto, nem a Requerente invocou qualquer fundamento para a pretendida “autovinculação” da AT.

 

            Uma outra questão carecida de pronúncia, respeita à oposição que a Requerente deduz à metodologia proporcional utilizada pela AT para efeitos da determinação dos montantes dos encargos financeiros não dedutíveis, considerando que aquela não tem acolhimento na legislação fiscal, jurisprudência ou orientações administrativas existentes sobre esta temática, qualificando-a de discricionária e arbitrária, em paralelismo com o método presuntivo da Circular n.º 7/2004 (que regulamentava o artigo 32.º, n.º 2 do EBF, entretanto revogado), e concluindo que se impunha à AT a aplicação do método de afetação direta ou específica.

 

Afigura-se, contudo, que não assiste razão à Requerente, pelos motivos explicitados no Acórdão do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Norte, n.º 01475/15.9BEPRT, de 11 de janeiro de 2018, que, de seguida, se acompanha. 

 

À semelhança do que foi afirmado no mencionado aresto, a Requerente financiou-se junto de instituições de crédito e incorreu nos correspondentes juros e demais encargos (imposto do selo), aplicando uma parcela daqueles financiamentos a empréstimos não remunerados que não passam o teste do artigo 23.º, n.º1 do Código do IRC, em concreto, os efetuados à sociedade mãe, que não observam a necessária conexão causal entre os gastos e a sua atividade e escopo social, através da qual se visam obter ou garantir rendimentos.

 

Assim, a parte proporcional dos encargos financeiros que correspondem àquela parcela de financiamentos gratuitos não enquadráveis no citado artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC não configura um gasto com relevância fiscal na esfera da Requerente, tendo dado origem a uma correção positiva do resultado tributável declarado.

 

A única divergência que este Tribunal opõe ao procedimento adotado pela AT, não se prende com a metodologia adotada, que se afigura correta e que consubstancia uma linear aplicação da norma em apreço (artigo 23.º, n.º 1), mas do quantum das parcelas de financiamentos não remunerados que foram consideradas não conexas com a atividade da Requerente (ou seja, no numerador).

 

Efetivamente, na conceção que aqui se propugna, somente não passam o teste da indispensabilidade ou da relação causal com a atividade os empréstimos à sociedade mãe, já não os empréstimos que foram concedidos às sociedades participadas e as prestações suplementares a estas realizadas, pelas razões acima explicitadas, mormente por consubstanciarem uma atividade de gestão de ativos próprios, suscetíveis de gerarem benefícios económicos (dito de outro modo, potenciais rendimentos sujeitos a IRC) na esfera da Requerente.

 

Diga-se, em complemento, que um método de afetação direta ou “real”, como o denomina a Requerente, não é de todo incompatível com a utilização de proporções. Aliás, frequentes vezes, se não a maioria, a afetação real no caso de gastos ou recursos de utilização mista depende exclusivamente da aplicação de critérios ou chaves de repartição proporcionais, exigindo-se tão-só que os mesmos sejam objetivos e adequados ao respetivo propósito.  Um exemplo disto mesmo é o que consta do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA que permite a “dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”. Assim, para o legislador e para este Tribunal a utilização de proporções pode ser uma forma (por vezes a única) de alcançar uma afetação direta ou real.

 

Da mesma forma, a utilização do método proporcional para apuramento de encargos financeiros não dedutíveis é também acolhida a nível internacional, como constituem exemplo ilustrativo as recomendações da OCDE para o apuramento do lucro de estabelecimentos estáveis.[7]

 

Neste âmbito, como fundamenta o Acórdão do TCA Norte, n.º 01475/15.9BEPRT, a questão que se suscita é a da qualificação jurídico-tributária dos factos e não a da aplicação de um pretenso juízo presuntivo, como se retira do seguinte excerto ilustrativo:

 

é manifesto que a mesma [AT] utilizou os dados constantes da contabilidade da ora Recorrente, ponderando o peso do capital emprestado a terceiros no capital emprestado pelos Bancos à Impugnante […] procedendo depois à aplicação dessa percentagem ao montante dos gastos financeiros suportados […].

Com efeito, a AT parte da análise da contabilidade do próprio contribuinte, o que significa que as correções feitas não podem deixar de se considerar correções técnicas e não correções por via da aplicação de métodos indiretos, pois que, face aos elementos de facto e contabilísticos recolhidos pela AT, a mesma não estava impedida de, de forma direta, proceder às correções que levou a efeito, sendo que tais correções não se basearam em presunções ou indícios, não se partiu de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a correções face aos elementos contabilísticos e documentais recolhidos na contabilidade da Recorrente […].”

 

            Soçobram, deste modo, as alegações da Requerente sobre a metodologia aplicada pela AT, que não é arbitrária, discricionária, ou presuntiva e consubstancia uma adequada aplicação do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC. Não obstante, a falta de conexão à atividade apenas se constata no caso dos empréstimos efetuados pela Requerente à sociedade-mãe, já não na cedência gratuita de fundos às sociedades participadas (subsidiárias e associadas), pelo que, por essa razão, a correção dos encargos financeiros da Requerente é parcialmente inválida, por vício de violação de lei, devendo o numerador da fração de apuramento ser corrigido no sentido de contemplar apenas o valor dos empréstimos à sociedade-mãe.

 

2.3. Correções ao Benefício Fiscal das Empresas Armadoras da Marinha Mercante Nacional – artigo 51.º, Alínea a) do EBF

 

            A Requerente imputa o vício de erro de direito à interpretação da AT, que exclui da noção de “atividade de transporte marítimo” operações sem as quais não seria viável a realização desse transporte, ou em que este se realizaria em condições deficientes com prejuízo dos seus clientes.

 

Discute-se a este propósito o alcance do benefício fiscal previsto no artigo 51.º, alínea a) do EBF, que dispõe do seguinte modo:

 

Artigo 51.º
Empresas armadoras da marinha mercante nacional

 

Às empresas armadoras da marinha mercante nacional são concedidos os seguintes benefícios fiscais:


a) As empresas armadoras da marinha mercante nacional podem beneficiar de um incentivo fiscal, em sede de IRC, correspondente à tributação de apenas 30% dos lucros resultantes, exclusivamente, da atividade de transporte marítimo.

b) […]”

 

            A AT suporta-se na definição constante do artigo 32.º da Diretiva 95/64/CE do Conselho, de 8 de dezembro de 1995, segundo o qual o transporte marítimo é o movimento de mercadorias e/ou de passageiros através de navios, em percursos efetuados, total ou parcialmente, por mar, ou seja, é o que utiliza como vias de passagem os mares abertos, para defender que o legislador fiscal fez apelo à expressão “exclusivamente”, com o objetivo de enfatizar o caráter restrito do benefício, que se circunscreve aos lucros da atividade de transporte, sem abranger rendimentos acessórios.

 

Acrescenta que, por se tratar de um benefício fiscal, constitui uma medida de caráter excecional, instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes (artigo 2.º, n.º 1 do EBF), pelo que deve ser objeto de uma interpretação strictu sensu, que afasta do seu campo de projeção os rendimentos de atividades acessórias ou complementares[8], que podem ser exercidas por outras entidades que não se dediquem ao transporte marítimo, não sendo o seu exercício exclusivo das entidades inscritas como “armadores”, na aceção dada pelo artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 196/98, de 10 de julho[9].

 

            Neste sentido, remete para o Relatório do Grupo de Trabalho constituído por Despacho n.º130/97-XIII do Ministério das Finanças para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais (publicado nos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 180, 1998, pág. 207) no segmento em que refere: “De notar, ainda, que o benefício se restringe a lucros exclusivamente provenientes da atividade de transporte marítimo, excluindo-se assim quaisquer outros obtidos pela empresa armadora” e, também, para o Relatório de Avaliação Qualitativa e Quantitativa dos Benefícios Fiscais previstos nos artigos 19.º, 20.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 47.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 63.º e 64.º do EBF, a que se refere o n.º 2 do artigo 226.º da Lei n.º 46/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017 e o n.º 1 do artigo 265.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018 segundo o qual se preconiza: “Face ao exposto, o Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de Lei n.º 111/XIII, que autoriza o Governo a aprovar um regime fiscal e contributivo mais favorável para a atividade de transporte marítimo [em substituição do atual artigo 51.º do EBF] e um regime especial de determinação de matéria coletável com base na tonelagem de navios (tonnage tax), que tem por objetivo garantir uma maior atratividade fiscal, através de um regime especial de tributação para a atividade de transporte marítimo, bem como um regime de benefícios fiscais e contributivos aplicáveis aos tripulantes (que, nos termos do TFUE, está a ser objeto de negociação com a Comissão Europeia).”

 

No caso concreto da Requerente, as operações que estão na origem dos rendimentos qualificados pela AT de acessórios, respeitam essencialmente ao aluguer de equipamentos de carga e descarga das mercadorias transportadas de e para os seus navios (meios de movimentação horizontal – empilhadores – e vertical – gruas), em particular para fazer face à ausência ou insuficiência dos mesmos nos portos de origem e destino em que opera. A AT entende que esses meios não são indispensáveis ao transporte marítimo, que caracteriza como o movimento das mercadorias. Contudo, a impossibilidade de colocar a carga no navio ou de a retirar deste inviabiliza o transporte. Deste prisma, as operações de carga e descarga não são apenas complementares do transporte, constituem uma conditio sine qua non deste, são-lhe essenciais. Se existem portos em que esses meios não estão disponíveis, como ficou demonstrado, é evidente que a Requerente, para desenvolver a sua atividade de transporte marítimo tem de os assegurar, pois de outro modo, compromete o exercício dessa mesma atividade (se não for possível proceder à carga do navio é óbvio que este não irá transportar qualquer mercadoria). O problema não é significativamente distinto no caso em que os meios existam, mas a sua disponibilidade ou qualidade sejam insuficientes, podendo, designadamente originar demoras excessivas. Nestas circunstâncias, para que a Requerente consiga assegurar a qualidade e eficiência do serviço prestado, essenciais à manutenção dos seus clientes e, por conseguinte, ao desenvolvimento da sua atividade, impõe-se que possa assegurar pelos seus próprios meios as operações de carga e descarga dos seus navios.

 

            Cumpre relembrar que a Requerente não pode, porém, operar diretamente, com a sua tripulação, os meios de carga e descarga de que dispõe nos portos. Segundo a regulamentação aplicável ao setor, é necessário que tal atividade seja realizada pelos operadores portuários. Assim, os empilhadores e gruas da Requerente, utilizados para as operações de carga e descarga dos seus navios, são sempre movimentados por funcionários dos operadores portuários, tendo a Requerente de debitar aos operadores prestações de serviços de aluguer de empilhadores e gruas para carga e descarga dos seus navios, nos terminais portuários.

 

No que se refere aos contentores, tendo em consideração que a Requerente apenas (ou praticamente) transporta carga contentorizada, é manifesto que aqueles são essenciais ao serviço de transporte marítimo. De novo, sem contentores não há transporte. Por razões de partilha e minimização de custos operacionais, a Requerente faz a gestão centralizada dos contentores, debitando às empresas do Grupo a utilização que estas fazem daqueles, sempre que necessário, permitindo assim racionalizar os recursos e evitar a duplicação de ativos desnecessários. Racionalização que também se estende ao uso de uma aplicação informática de gestão operacional da atividade de transporte marítimo que foi adquirida pela Requerente e cujo uso é partilhado com outras sociedades do Grupo, sendo-lhes debitada a correspondente parcela.

 

De igual modo, afigura-se inerente à atividade de transporte marítimo exercida, o débito aos clientes por excederem o período normal estipulado de uso dos contentores que lhes foram disponibilizados para efetuarem o acondicionamento das suas cargas na fase de carregamento (enchimento do contentor), ou na fase de devolução (esvaziamento do contentor), pois sendo esses contentores necessários para o desenvolvimento da atividade de transporte da Requerente é compreensível uma penalização caso ocorra a sua indisponibilidade por um período superior ao acordado. 

 

No mesmo sentido, as indemnizações recebidas por avarias ou danificação dos equipamentos e contentores, ou por cobertura de danos sofridos com compensações aos clientes por danos ou anomalias na carga transportada e, bem assim, a venda de contentores que terminaram a sua vida útil para renovação dos mesmos, consubstanciam rendimentos inerentes e indissociáveis da atividade de transporte marítimo desenvolvida. 

 

As operações descritas têm a sua causa e produzem os seus efeitos na atividade de transporte marítimo desenvolvida pela Requerente e não noutra, sendo indissociáveis daquela nas circunstâncias concretas descritas. Deste modo, a teleologia e a ratio da norma prevista no artigo 51.º, alínea a) do EBF postulam que os rendimentos derivados das operações em apreço sejam abrangidos pela noção de atividade de transporte marítimo, sem que tal resultado exceda os limites de uma interpretação declarativa.

 

Esta interpretação é, aliás, consonante com a marcada tendência de ampliação do benefício fiscal, materializada com a recente aprovação, pelo Decreto-lei n.º 92/2018, de 13 de novembro, de um regime especial de determinação da matéria coletável com base na tonelagem dos navios e embarcações, ao abrigo da autorização legislativa constante da Lei n.º 42/2018, de 18 de agosto.

 

            Em virtude de não ser devida a correção efetuada pela AT, resulta prejudicado o conhecimento da questão relativa à consideração dos rendimentos brutos (i.e., sem dedução dos gastos correspetivos).

 

            À face do exposto, procede o vício de erro nos pressupostos de direito invocado pela Requerente relativamente a esta correção, pelo que, nessa medida, são parcialmente inválidos os atos tributários em crise.

 

          2.4. Correção das Menos-Valias Fiscais Apuradas na Alienação do Navio

           

A Requerente elaborou as suas Demonstrações Financeiras, relevantes para o apuramento do IRC, de acordo com o POC até 2009, inclusive, e de acordo com o SNC a partir de 2010, passando a aplicar, a partir desta data, as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (“NCRF”) publicadas pelo Aviso n.º 15655/2009, de 7 de setembro.

 

Convém relembrar que em 1996, a Requerente adquiriu o navio “Ponta de São Lourenço”, registando-o como um ativo corpóreo (nomenclatura POC, aplicável à data) ou ativo fixo tangível (nomenclatura SNC), encontrando-se este ativo totalmente depreciado em 31 de dezembro de 2009, i.e., com um valor líquido contabilístico e fiscal de zero.

 

Como critério valorimétrico para a mensuração do ativo a Requerente adotou o modelo do custo e não o modelo da revalorização (justo valor).

 

Em 2010, com a transição para o SNC, a Requerente procedeu a uma estimativa do respetivo valor residual, reconhecendo o montante de € 696.098,85, baseado no peso do navio e na cotação média do aço (conforme definida em publicações especializadas do sector), e que correspondia, a 31 de dezembro de 2009, a USD 400,00 por tonelada.

 

Em 2014, o navio... foi alienado a título oneroso, e a Requerente apurou uma mais-valia contabilística no montante de € 379.632,90 e uma correspondente menos-valia fiscal de € 15.627,54.

 

Das várias componentes que integram o ativo fixo tangível em causa, decompostos no respetivo Modelo 31, destaca-se a relativa ao respetivo valor de aquisição, líquida de amortizações acumuladas, no montante de € 696,098.85, que originou uma mais-valia contabilística no montante de € 114.700,08 e uma menos-valia fiscal de € 233.349,35.

 

Para o apuramento desta menos-valia fiscal a Requerente utilizou o coeficiente de desvalorização da moeda previsto para ativos adquiridos em 1996 (ano de aquisição do navio), ou seja, 1,5.

 

Outra das componentes integrantes do ativo fixo tangível alienado em 2014 prendeu-se com acertos cambiais associados à estimativa do valor residual, que gerou uma menos-valia fiscal no montante de € 56.033,71.

 

A AT desconsiderou, por um lado, o montante de € 56.033,71 relativo à componente da menos-valia fiscal associada a acertos cambiais e, por outro lado, aplicou ao valor residual o coeficiente de desvalorização da moeda de 1,07 (referencial associado a bens alienados em 2014 e adquiridos em 2010) e não o de 1,5, utilizado pela Requerente. Em resultado desta correção, foi desconsiderada a menos-valia fiscal apurada pela Requerente no valor de € 233.349,35 e apurada uma mais-valia fiscal de € 65.973,16, originando assim uma correção ao resultado tributável de € 299.322,51.

 

No pedido de pronuncia arbitral, a Requerente apenas contesta a correção de € 299.322,51.

 

A questão a decidir é, assim, a de saber qual o coeficiente de desvalorização da moeda que deve ser utilizado para apuramento da mais ou menos-valia fiscal com a alienação onerosa do navio ... em 2014.

 

Quer a Requerente, quer a Requerida concordam:

 

  • no valor de venda atribuído à componente de aquisição do navio (€ 810.798,93);
  • no valor de aquisição alocado à mesma componente (€ 6.554.510,96);
  • no correspondente valor de reintegrações praticadas e aceites para efeitos fiscais (€ 5.858.412,11).

 

A divergência respeita em exclusivo ao valor do coeficiente de desvalorização da moeda utilizado: 1,5, no caso da Requerente, referente ao ano de 1996, de acordo com a Portaria n.º 281/2014, de 30 de dezembro; e 1,07, no caso da Requerida, por referência ao ano 2010.

 

Defende a Requerente que a NCRF 7 estabelece que a quantia depreciável de um ativo corresponde ao custo de um ativo deduzido do seu valor residual. Sendo que esta norma define o valor residual de um ativo como a “quantia estimada que uma entidade obteria correntemente pela alienação de um ativo, após dedução dos custos de alienação estimados, se o ativo já tivesse a idade e as condições esperadas no final da sua vida útil”.

 

            Continua a Requerente sustentando que a mencionada norma prevê ainda que o “valor residual e a vida útil de um ativo devem ser revistos pelo menos no final de cada ano financeiro e, se as expectativas diferirem das estimativas anteriores, a(s) alteração(ões) deve(m) ser contabilizada(s) como uma alteração numa estimativa contabilística de acordo com a NCRF 4”. Concluindo a Requerente que, por definição, o valor residual tem por referência, e é absolutamente indissociável do valor/custo de aquisição de um bem em concreto.

 

            De acordo com o normativo contabilístico aplicável, no momento da aquisição ou reconhecimento inicial de um bem poderá e deverá, desde logo, estimar-se o seu valor residual, sem prejuízo deste vir a ser revisto anualmente. E, prossegue a Requerente, este pressuposto está igualmente patente ao nível fiscal, nomeadamente no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, nos termos do qual se estabelece que “o custo de aquisição de um elemento do ativo é o respetivo preço de compra”, acrescentando o seu n.º 5 que, “para efeitos da determinação do valor depreciável ou amortizável, previsto nos números anteriores (…) deduz-se o valor residual”, i.e., o valor residual é deduzido do custo de aquisição de um determinado bem.

 

            Resulta claro, na opinião da Requerente, que o valor residual é absolutamente indissociável da aquisição de um determinado ativo, o qual, no caso em apreço, é representado por um navio que foi adquirido no ano de 1996.

 

            Acrescenta que a lógica de aplicação dos coeficientes de desvalorização de moeda, prevista no artigo 47.º do Código do IRC, assenta na necessidade de refletir o efeito da inflação no valor de aquisição dos bens, para efeitos de apuramento da respetiva mais-valia fiscal ou da menos-valia fiscal resultante da sua alienação futura, tendo em consideração o correspondente ano de aquisição. E, no caso em concreto, o ativo (navio) foi objetivamente adquirido no ano de 1996, não existindo qualquer aquisição subsequente (i.e., dispêndio monetário) em 2010, pelo que o coeficiente a aplicar ao valor residual, por uma questão de consistência, deve ser o de 1,50.

 

            Ainda de acordo com a Requerente, em 2010 ocorreu apenas um processo contabilístico de “autonomização” do valor residual (por dedução ao custo de aquisição inicial e “ajustamento” das respetivas amortizações acumuladas), no montante de € 696.098,85, em resultado da transição para o SNC, o qual não alterou o valor de aquisição original (dispêndio monetário) do ativo, sendo que tal montante foi contabilisticamente registado no ano de 1996 e permaneceu sem alterações desde então.

 

            Defendendo adicionalmente que não se poderá aplicar o coeficiente de desvalorização da moeda do ano 2010 com base no facto de se fazer uma estimativa do valor de venda nesse exercício pelo registo do valor residual, conforme alegadamente pretende a AT.

 

            A Requerente justifica a sua posição na constatação de que, em termos contabilísticos, é necessário reconhecer o valor residual de um dado ativo porque o mesmo ainda possui valor económico no momento em que cessa o correspondente processo de depreciação, conduzindo assim a que o respetivo valor líquido contabilístico não seja nulo, em virtude da existência do tal valor económico.

 

            Em resumo, a Requerente considera que o valor de aquisição do ativo em apreço, que está na base da aplicação dos coeficientes de desvalorização monetária, não sofreu qualquer alteração no ano de 2010, na sequência do registo contabilístico em análise, pelo que o valor residual do navio integra o valor de aquisição deste ativo, o qual remonta a 1996 (e não a 2010), sendo assim de aplicar a este item o coeficiente de desvalorização da moeda de 1,50.

 

No que respeita à posição da Requerida, esta considera que em 2010, se procedeu a uma atualização do valor residual do navio, pelo seu justo valor de mercado, sendo de concluir que o acréscimo de valor daí resultante não pode beneficiar do coeficiente de desvalorização da moeda relativo ao ano de 1996 (ano de aquisição do navio).

 

            Conclui a Requerida que o coeficiente de desvalorização da moeda a considerar para efeitos de apuramento da mais ou menos-valia deve ser 1,07, correspondente a bens adquiridos em 2010, uma vez que é este valor que reflete o decurso do tempo entre 2010 (ano em que o valor residual do navio foi atualizado ao justo valor de mercado) e 2014 (ano em que o navio foi desreconhecido).  

 

            A Requerida alicerça a sua tese nos normativos contabilísticos, em particular da norma NCRF 7 – Ativos Fixos Tangíveis, uma vez que o valor residual de um ativo é definido no parágrafo 6 da NCRF 7 como “a quantia estimada que uma entidade obteria correntemente pela alienação de um ativo, após a dedução dos custos de alienação estimados, se o ativo já tivesse a idade e as condições esperadas no final da sua vida útil”. Valor esse que deve ser revisto, pelo menos, no final de cada período de relato, sendo, se for caso disso, registado como uma alteração de estimativa contabilística de acordo com a NCRF 4, em harmonia com o referido no parágrafo 52 da NCRF 7.

 

            Assim, no valor atribuído ao navio em 2010, considerou-se uma estimativa do valor que, a essa data, se esperava realizar com a venda do mesmo, em função dos preços de mercado, logo, não pode ser aplicado um coeficiente de desvalorização da moeda tendo por referência o ano 1996, ano de aquisição do navio.

 

            Alega a Requerida que o coeficiente de desvalorização da moeda tem por objetivo suprir a desvalorização que os bens suportam, num determinado período de tempo, em resultado da inflação, pelo que, tendo o sujeito passivo determinado, em 2010, o valor residual do navio em fim de vida útil a preços de mercado, não pode, em 2014, aplicar sobre esse valor, o coeficiente de desvalorização da moeda de 1,50, aplicável a bens cujos preços correntes de mercado têm por referência o ano de 1996.

 

            Para análise da questão, importa desde já constatar que, tanto para efeitos contabilísticos em “ambiente SNC”, como para efeitos fiscais, para a determinação do valor depreciável dever-se-á deduzir ao valor de aquisição o valor residual.

 

            De facto, e de acordo com o parágrafo 6 da NCRF – 7 – “Ativos Fixos Tangíveis”, o valor depreciável de um ativo fixo tangível corresponde ao “custo de um ativo, ou outra quantia substituta do custo, menos o valor residual”.

 

            Da mesma forma, em termos fiscais, a alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do Código do IRC determina que, ao custo de aquisição, produção ou equivalente, conforme definido no n.º 1 deste artigo, se deduz o valor residual, para efeitos de determinação do valor depreciável do ativo.

 

            Sendo assim pacífico que o valor residual do ativo deve ser tomado em consideração no valor depreciável do ativo, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos fiscais, importa verificar que, do ponto de vista contabilístico, o valor residual de um ativo fixo tangível não corresponde a um valor estático e imutável fixado aquando do reconhecimento inicial do bem e não mais alterado.

 

            Conforme dispõe o parágrafo 51 da NCRF 7 – Ativos Fixos Tangíveis, “o valor residual e a vida útil de um ativo devem ser revistos pelo menos no final de cada ano financeiro e, se as espectativas diferirem das estimativas anteriores, a(s) alteração(ões) deve(m) ser contabilizada(s) como uma alteração numa estimativa contabilística”.

 

            Para efeitos fiscais, o Código do IRC não dispõe de nenhuma norma que permita ou impeça a variação do valor residual de um bem ao longo da sua vida. Por outras palavras, e conforme Andreia Pereira Gomes[10]para efeitos fiscais, contrariamente ao previsto no normativo contabilístico, não se prevê a alteração do valor residual de um ativo no decurso da sua vida útil”.

 

            Não prevendo o Código do IRC alterações ao valor residual dos ativos que, recorde-se, são permitidas do ponto de vista contabilístico, deve concluir-se que o legislador acolheu, para efeitos fiscais, essa possibilidade, atento o disposto no artigo 17.º, n.º 1 do Código do IRC, segundo o qual: “[o] lucro tributável das pessoas coletivas […] é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.  Não prevendo a legislação fiscal uma regra específica associada à variação do valor residual ao longo da vida útil de um ativo, não se pode extrair outra conclusão que não a de que a variação – no limite todos os anos - do valor residual associado a um ativo determinada pelas normas contabilísticas é acolhida em termos fiscais.

 

            Naturalmente, as alterações ao valor residual do ativo originarão variações no valor depreciável do ativo fixo tangível, com a consequente alteração nas quotas de depreciação. Essas (novas) quotas reconhecidas contabilisticamente poderão sofrer alguns ajustamentos fiscais, seja por se considerar que excedem a quota máxima de depreciação (cenário de redução do valor residual, com o consequente aumento do valor depreciável), seja por se situarem abaixo da quota mínima permitida pela legislação fiscal (cenário de aumento do valor residual, com a correspondente diminuição do valor depreciável)[11].

 

            De facto, conforme assinala Andreia Pereira da Costa[12], a propósito da revisão do valor residual, “[n]a situação de a nova quota de depreciação / amortização se encontrar compreendida entre a quota máxima e mínima de depreciação/ amortização relevante para efeitos fiscais a revisão será inócua. Pelo contrário, se a quota for inferior à mínima exigida para efeitos fiscais, a entidade poderá registar quotas perdidas. Caso as quotas sejam superiores à máxima permitida, a entidade reconhecerá depreciações / amortizações contabilísticas, durante o período de vida útil remanescentes do ativo, superiores às depreciações / amortizações fiscais, com as consequências (…) a respeito da alteração da vida útil do ativo.

 

            A receção das regras e ajustamentos contabilísticos para efeitos de IRC não é, aliás, de estranhar, tendo em conta os princípios subjacentes ao Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho, que adaptou o Código do IRC às normas internacionais de contabilidade adotadas na União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística.

 

            Conforme se extrai do respetivo preâmbulo “[c]onsiderando que a estrutura atual do Código do IRC se mostra, em geral, adequada ao acolhimento do novo referencial contabilístico, manteve-se a estreita ligação entre contabilidade e fiscalidade, que se afigura como um elemento essencial para a minimização dos custos de contexto que impendem sobre os agentes económicos (…). A manutenção do modelo de permanência parcial determina, desde logo, que, sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias, se verifica o acolhimento do tratamento contabilístico decorrente das novas normas”.

 

            Afigura-se deste modo que, tal como o Código do IRC aceita as variações nas quotas anuais de depreciação – com os limites e intervalos atrás mencionados – decorrentes de alterações às estimativas de valor residual, o mesmo entendimento é de aplicar quanto ao coeficiente de desvalorização da moeda a utilizar para o apuramento da mais ou menos-valia fiscal.

 

            De facto, e para esta última situação, dispõe o artigo 47º, n.º 1 do Código do IRC que “[o] valor de aquisição […] é atualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda […] sempre que, à data da realização, tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data de aquisição, sendo o valor dessa atualização deduzido para efeito da determinação do lucro tributável”.

 

            Aqui chegados, importa recordar que, conforme matéria de facto provada: (i) à data da transição do POC para SNC, o valor líquido contabilístico do navio era zero e; (ii) no âmbito da transição para o SNC foi registado um valor residual para o mesmo, no montante de € 696.098,85.

 

            Com a introdução do SNC em 2010, tornou-se necessário transpor os elementos patrimoniais que estavam contabilisticamente registados num ambiente POC para um novo ambiente contabilístico, o SNC.

 

            Esta transposição, complexa, justificou inclusivamente a existência de uma norma contabilística especifica, a NCRF 3 – “Adoção pela primeira vez das normas contabilísticas e de relato financeiro”, norma esta que apenas se aplica na data da transição para as NCRF´s.

 

            A NCRF 3, no seu apêndice, debruça-se sobre a preparação do balanço de abertura de acordo com as NCRF, e analisa as situações específicas de desreconhecimento de ativos que, reconhecidos contabilisticamente segundo as normas do POC, já não o seriam de acordo com o SNC.

 

            Neste contexto, os ativos fixos tangíveis já completamente depreciados, ou seja, com um valor líquido contabilístico de zero geraram, desde logo, alguma preocupação quanto ao seu (possível) desreconhecimento, aquando da transição para o SNC.

 

            De facto, tratando-se da adoção de um novo sistema contabilístico, existiu um rigoroso escrutínio quando aos elementos patrimoniais ativos e passivos que deveriam migrar para o novo ambiente contabilístico, sendo assim legítimas e naturais as interrogações quanto ao destino a dar aos ativos fixos tangíveis que, na data da transição, não tinham qualquer valor, por se encontrarem totalmente reintegrados.

 

            Nesse âmbito, uma vez que as normas contabilísticas eram omissas quanto à resposta a esta questão, foi a mesma colocada à Comissão de Normalização Contabilística (CNC), entidade que, de acordo com o “Regime Jurídico de Organização e Funcionamento da Comissão de Normalização Contabilística”, anexo ao Decreto-lei n.º 160/2009, de 13 de julho, “tem por missão emitir normas e estabelecer procedimentos contabilísticos (…) tendo em vista a melhoria da qualidade da informação financeira das entidades que sejam obrigadas a aplicar o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), bem como promover as ações necessárias para que tais normas sejam efetiva e adequadamente aplicadas pelas entidades a elas sujeitas[13].

 

            A relevância e alcance das interpretações emitidas pela CNC a nível contabilístico são também evidentes quando se analisam as suas atribuições, que compreendem “[e]mitir normas contabilísticas e normas interpretativas que sejam, nos termos do SNC, de efeito obrigatório[14], bem como “[r]esponder […] a consultas relativas à aplicação ou interpretação do SNC, quando para tal for consultada[15].

 

            Nestes termos, e de acordo com a FAQ 9[16], foi colocada a seguinte questão:

 

            “Um ativo fixo tangível que em 31 de dezembro de 2009 se encontra totalmente amortizado, mas que continua a ser utilizado, deverá, na transição para o SNC, ser escriturado com valor zero ou tem de ser objeto de reavaliação?”

 

            Tendo a CNC emitido a seguinte posição:

 

Resposta (em 10FEV2010): - No caso em apreço não se está perante qualquer correção de erro, alteração de política contabilística ou modificação de estimativas e não existe, no novo normativo, qualquer disposição que impeça que o bem em causa possa migrar com quantia zero, nem que obrigue a que seja objeto de uma revalorização.

Porém, numa situação como a descrita e atentas a relevância e materialidade que possam estar envolvidas, é razoável que um ativo nessas condições seja expresso por uma quantia significante. Para esse efeito, à data da transição para as NCRF e nos termos da alínea b) do § 10.º da NCRF 3, deverá esse ativo ser mensurado ao justo valor (se fiavelmente determinável) que corresponda à situação do bem à data e que poderá ser dado ou por via do valor de mercado (se existir mercado ativo) ou pelo valor presente dos fluxos de caixa proporcionados pelo ativo no seu remanescente período de vida útil. A quantia assim apurada constituirá o custo considerado atribuído ao ativo, na sua mensuração inicial de acordo com as NCRF.”

 

            Concluindo-se assim que, no caso de ativos fixos tangíveis totalmente depreciados à data da transição para o SNC, mensurados de acordo com o modelo do custo, a quantia que resultar da sua reavaliação, quando da transição para SNC, deverá ser qualificada como o custo considerado (“deemed cost”).

 

            Sendo que o custo considerado é definido, nos termos do parágrafo 4 da NCRF – 3, como “a quantia usada como substituto para o custo ou para o custo depreciado numa data determinada. Uma depreciação ou amortização posterior assume que a entidade tinha inicialmente reconhecido o ativo ou o passivo numa determinada data e que o seu custo era igual ao custo considerado”.

 

            Adicionalmente, refere o parágrafo 6 da NCRF – 7 que o custo do ativo fixo tangível será “quando aplicável, a quantia atribuída a esse ativo aquando do reconhecimento inicial de acordo com os requisitos específicos de outras NCRF”.

                                                

            Na situação concreta, e conforme reconhecido pela própria Requerente, o navio em questão, à data da transição para o SNC, possuía valor económico, ainda que a respetiva vida útil tivesse já terminado.  Motivo pelo qual se procedeu ao reconhecimento de um valor residual sendo que “este valor corresponde “à quantia estimada que uma entidade obteria anualmente pela alienação de um ativo”, nas palavras da Requerente[17].

 

            Conclui assim este Tribunal Arbitral que, nesta situação particular, o valor de aquisição previsto é o “custo considerado” que resulta da aplicação da regra contabilística específica constante da NCRF – 3, convocada nos termos do entendimento expresso pela CNC, que determina que o justo valor mensurado àquela data (2010) “constituirá o custo considerado atribuído ao ativo, na sua mensuração inicial”, no caso € 696.098,85.

 

            Consequentemente, será este o custo considerado relevante para efeitos fiscais, seja para o apuramento das quotas de depreciação previstas no artigo 31.º do Código do IRC – situação não aplicável ao caso em concreto uma vez que a respetiva vida útil tinha já terminado – seja para efeitos do apuramento do coeficiente de desvalorização da moeda previsto no artigo 47.º, n.º 1 do mesmo Código.

 

            E se o valor de aquisição do ativo foi determinado, em virtude de uma regra especial, no exercício de 2010, deve, em conformidade, concluir-se que o coeficiente de desvalorização da moeda não pode deixar de ser apurado com referência ao mesmo ano, correspondendo a 1,07. Esta interpretação, para além de decorrer da adequada concatenação das regras contabilísticas e fiscais nos moldes acima explicitados, é aquela que se coordena com a finalidade e função do referido coeficiente, pois se o custo de aquisição relevante corresponde ao justo valor (de mercado) do bem em 2010, aplicar um coeficiente referente a 1996, que visa corrigir a desvalorização da moeda desde essa data (1996), certamente implicaria um resultado distorcido, pois o valor da moeda em 2010 não é o mesmo do que em 1996 nem tem o mesmo fator de correção monetária.

 

            Pelas razões expostas, não se dá assim, nesta correção, provimento ao pedido da Requerente, confirmando-se a validade do ajustamento efetuado pela AT.

 

            À face do exposto, e em síntese, os atos tributários de liquidação de IRC, relativos aos exercícios de 2013 e 2014, padecem de vício de violação de lei por erro nos pressupostos, relativamente à correção do benefício fiscal previsto no artigo 51.º, alínea a) do Código do IRC e à não aceitação dos encargos financeiros respeitantes aos empréstimos não remunerados e prestações suplementares realizadas em favor das sociedades participadas (subsidiárias e associadas), mantendo a sua validade no remanescente (empréstimos à casa mãe e menos-valias fiscais). Assim, devem ser parcialmente anulados na parte correspondente, em conformidade com o disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA” - com correspondência no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

 

 

2.5. Juros Compensatórios

 

            Na situação sub iudice, os juros compensatórios incidem sobre a dívida tributária de IRC que é parcialmente anulada, nos termos e pelas razões expostas. Estes juros integram a relação jurídica tributária e supõem o retardamento de uma prestação tributária devida (cf. artigos 30.º, n.º 1, alínea d) e 35.º, ambos da LGT), sendo a forma processual própria para a sua discussão a impugnação judicial.

 

            Dada a equiparação da ação arbitral ao processo de impugnação judicial, cabe nos poderes de cognição e pronúncia dos Tribunais Arbitrais a apreciação e declaração da (i)legalidade dos juros compensatórios (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e b) do RJAT), pelo que, perante a anulação parcial dos atos tributários de liquidação de IRC que constituem seu pressuposto, os atos de liquidação dos juros compensatórios inerentes partilham de idênticos vícios e desvalor invalidante, devendo, por isso, ser, de igual forma, parcialmente anulados, na parte correspondente (que incida sobre o IRC cuja liquidação é inválida). 

 

2.6. Sobre a Indemnização Por Prestação de Garantia Indevida 

 

            Constitui jurisprudência consolidada dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD que, relativamente aos atos tributários que dela sejam objeto, a ação arbitral é o meio próprio para conhecer e apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida, que, segundo o artigo 171.º, n.º 1 do CPPT deve ser requerido “no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.” – cf. por todas as Decisões Arbitrais n.ºs 695/2015-T, de 18 de maio de 2016, 508/2016, de 28 de junho de 2017, e 66/2013-T, de 4 de novembro de 2013.

 

            Os pressupostos do direito à indemnização estão fixados no artigo 53.º, nos seguintes termos:

 

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            […]”

 

            Na situação vertente, na parte em que os atos tributários são anulados, é manifesto que os erros de direito de que padecem são imputáveis à entidade Requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados. Deste modo, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, com referência ao valor cuja anulação for determinada.

 

            No entanto, não estando determinados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia, a fixação da indemnização terá de ser efetuada em execução da presente decisão arbitral.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

 

 

  1.  DECISÃO

 

            Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IRC supra identificados, referentes aos exercícios de 2013 e 2014, relativamente às seguintes correções:
    1. Benefício fiscal previsto no artigo 51.º, alínea a) do EBF;
    2. Dedução dos encargos financeiros respeitantes a empréstimos não remunerados e prestações suplementares efetuados às sociedades participadas pela Requerente;
  2.  Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação referente às liquidações de juros compensatórios, na medida em que incidem sobre a parte das liquidações de IRC anuladas;
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, na medida que respeite ao valor anulado de IRC e de juros compensatórios, a liquidar em execução da presente decisão;
  4. Julgar improcedente o remanescente, relativo às correções de encargos financeiros associados a empréstimos à sociedade mãe e à menos-valia fiscal da alienação de navio e respetivos juros compensatórios, bem como ao pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, na proporção correspondente,

 

            tudo com as legais consequências.

 

* * *

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 376.973,62 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            Custas no montante de € 6.426,00, a repartir na proporção do decaimento, € 3.598,56 a cargo da Requerida, e € 2.827,44 a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 7 de março de 2019

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

 

 

Pedro Miguel Abreu Marques

 

 

 

 

 

Ricardo Rodrigues Pereira

 



[1] A correção de perdas por imparidade, de € 709.147,12, foi aceite pela Requerente, não fazendo parte do objeto desta ação.

 

[2] A participação da sociedade-mãe na Requerente era de 99,75% em 2013 e de 99,79% em 2014, conforme informação constante do Relatório e Contas dos anos correspondentes – Documentos 16 e 17 juntos com o ppa.

[3] A jurisprudência dos tribunais superiores aqui referenciada está acessível em linha através do seguinte endereço: www.dgsi.pt.

[4] Acessível em linha no sítio da Ordem dos Contabilistas Certificados https://www.occ.pt/fotos/editor2/relatorioirc.pdf.

[5] Cf. Aviso n.º 8254/2015, de 20 de julho de 2015, da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças: “Pelo Despacho n.º 264/2015 -XIX do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 16 de julho de 2015, foi homologada a seguinte Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho” – publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 146, de 29 de julho de 2015.

[6] Sem prejuízo do regime de eliminação da dupla tributação económica previsto no artigo 51.º do Código do IRC.

[7] Cfr. parágrafo 165 do “2010 Report on the Attribution of Profits to Permanent Establishments”.

[8] A AT invoca ainda que foi intenção do legislador português, ao delimitar a isenção aos lucros exclusivamente da atividade de transporte marítimo, ultrapassar a controvérsia suscitada pela interpretação artigo 8.º, n.º 1 do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE (“MCOCDE”), refletida nos Comentários a este artigo, assinalando que Portugal, no parágrafo 28 dos Comentários ao artigo 8.º do MCOCDE reserva a sua posição quanto à aplicação do artigo aos rendimentos de atividades acessórias (V., Tradução Portuguesa do Modelo de Convenção  Fiscal sobre o Rendimento e o Património (versão 2014), publicada nos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 216, pág. 294). No entanto, afigura-se que o argumento não releva para a questão de saber se as atividades são ou não acessórias à luz do direito interno. Por outro lado, dificilmente a legislação interna poderá contribuir para a interpretação da Convenção Modelo, cujas normas são regras de repartição de competência tributária entre Estados, e não normas de incidência (de onde deriva a função negativa dos tratados que se “limitam” a operar uma remissão para as normas de incidência das ordens jurídicas internas dos Estados contratantes).

[9] Dispõe esta norma nos seguintes moldes: “2 - Para efeitos do presente diploma entende-se por armador aquele que, no exercício de uma atividade de transporte marítimo, explora navios de comércio próprios ou de terceiros, como afretador a tempo ou em casco nu, com ou sem opção de compra, ou como locatário.”

 

[10] In “Depreciações e Amortizações no SNC: Alterações Contabilísticas e Impacto Fiscal”, página 107.

[11] Sem prejuízo de, naturalmente, estas quotas de depreciação excessivamente baixas ou excessivamente elevadas poderem ser aceites, para efeitos fiscais, mediante autorização da AT.

[12] In obra citada, página 107.

[13] Cf artigo 3.º do mencionado regime.

[14] Cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do respetivo regime.

[15] Cf. alínea j) do n.º 1 do artigo 4.º do respetivo regime.

[16] Disponível no web site da CNC, em específico http://www.cnc.min financas.pt/_siteantigo/0_new_site/FAQs/sitecnc_faqs.htm#P09

[17] Cf. artigo 312.º do Pedido de Pronúncia Arbitral.