Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 160/2018-T
Data da decisão: 2019-03-04  IRC  
Valor do pedido: € 1.589.518,61
Tema: IRC – Cessão de créditos abaixo do valor nominal – Juros – Imparidades.
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Os árbitros Juiz Conselheiro Dr. Carlos Alberto Cadilha (árbitro-presidente), Doutor Tomás Cantista Tavares e Dr. Henrique Fiúza (árbitros vogais), designados, respetivamente, pelo Conselho Deontológico do CAAD, pela Requerente e pela Requerida para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A... SGPS SA, pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., ..., Cascais (doravante A... ou requerente), apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 6.º, n.º 2, al. b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de IRC, na qualidade de sociedade dominante, com o n.º 2017..., relativa ao ano de 2013, com o valor a pagar de imposto e juros de 1.589.518,61€ (doc. n.º 1, do Requerimento inicial).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação.

 O tribunal coletivo foi constituído em 5/7/2018. Por motivo de doença de um dos árbitros, a decisão foi prorrogada por dois meses (art. 21.º, n.º 2, do RJAT).

A AT respondeu, por impugnação, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por desnecessidade e acordo entre as partes, foi dispensada a reunião do artigo 18.º do RJAT. As partes apresentaram alegações escritas.  

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no art. 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. A A... é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, entidade que exerce (e exerceu à data dos factos), por imposição legal, a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma de exercício de atividades económicas (art. 1.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 495/88, de 30/XII).
  2. Em 2013, a A... era a sociedade cúpula de um perímetro de empresas que optou por submeter-se ao Regime Especial de Tributação do Grupo de Sociedades, que integrava a sociedade dominada B..., Unipessoal, Lda (doravante B...).
  3. Até 2013, a A... detinha 8,38% do capital social da C..., SA e tinha efetuado (i) prestações acessórias, (ii) suprimentos e empréstimos de várias dezenas de milhões de euros a essa empresa participada.
  4. A C... detinha como principal ativo a D..., o quarto operador fixo de telecomunicações.
  5. A D... estava numa frágil situação económico-financeira (muito endividada e com capitais próprios negativos de 59 milhões de euros) e operacional (a empresa não arrancava com o negócio das telecomunicações, cujo mercado estava já saturado, porque tomado, em feroz concorrência, pelos três grandes operadores existentes [.../...,.../...,...).
  6. Em 2013, a A... vendeu ao grupo E... todos os seus interesses na C... (capital social, prestações acessórias, suprimentos e demais empréstimos), por um valor muito inferior ao do investimento efetuado.
  7. Entre outros, vendeu os empréstimos (F... e suprimento de 2012): o preço de venda foi de 10.655.690,00€; e o respetivo custo de aquisição, pelo valor dos mútuos concedidos e não reembolsados de 24.500.000,00€ + 14.695.897,15€ + 1.312.000,00€; o que perfez um gasto total de 29.852.708,15€.
  8. Em 2011, perante as dificuldades financeiras do devedor (C...) fez-se uma terceira emenda ao contrato da F..., pelo qual só serão devidos juros, no caso de haver cash-flow disponível, o que não ocorreu nos anos de 2011 a 2013.
  9. Em 2013, a devedora C... contabilizou, como gasto, os juros sujeitos a essa condição.
  10. Em 2013, a credora (Requerente), na listagem dos créditos cedidos ao grupo E..., incluiu também esse valor destes rendimentos (juros da F..., após 3ª emenda).
  11. A B... (sociedade que integra o grupo fiscal da requerente) constituiu certas perdas por imparidade, não apenas com base na mera passagem do tempo (prazo da mora), mas tendo em atenção a situação concreta de cada crédito – na ponderação que fez sobre a incobrabilidade de cada um desses créditos.
  12. Sempre que se efetuou uma imparidade em termos fiscais, a mesma já havia sido ou foi efetuada em termos contabilísticos (pelo mesmo valor); não há imparidades fiscais sem reconhecimento prévio ao nível contabilístico (existência e quantitativos).
  13. Nunca se efetuaram imparidades por mora, em percentagem superior ao valor que em cada momento é aceite em termos fiscais.
  14. Para os seguintes clientes, houve diligências de cobrança: Cliente H... (1.152,81€) – os e-mails e correspondência (doc. n.º 15 da PI) comprovam reuniões entre credor e devedor para tentativas de cobrança; negociações com esse propósito; formas possíveis de entendimento com pagamento escalonado e em cenário de pré contencioso; Cliente G... (7.733,25€) – as cartas trocadas e e-mails (doc. n.º 16 da PI) comprovam as diligências do credor na tentativa de cobrança e negociação para pagamentos das dívidas.

 

2.2. Factos não provados

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pelas partes, no consenso destas (também em relação aos documentos, valores e datas dos pagamentos), nas informações oficiais e demais documentação constante do processo administrativo.

 

3. Matéria de direito

3.1. Questão a decidir e argumentos das partes

Como é aceite pelas partes, são três os blocos de questões a decidir nos presentes autos.

a) Aceitação ou não-aceitação fiscal (nos termos do art. 23.º e 41.º do CIRC) de perdas com a venda a terceiro de créditos de suprimentos sobre a C... abai­xo do valor nominal (no valor de 29.852.708,15€ de correção à matéria coletável).

A AT não aceita esse gasto, em termos fiscais, por dois requisitos cumulativos: por não estar alegadamente provada a indispensabilidade do gasto, nos termos do art. 23.º do CIRC; e porque decorrendo os suprimentos de créditos não resultantes da atividade normal, os mesmos só seriam dedutíveis fiscalmente se acaso se verificassem os requisitos tributários dos créditos incobráveis do art. 41.º do CIRC, o que não sucederia in casu, na perspetiva da AT, designadamente por o devedor não ter um processo de insolvência ou afim.

A Requerente argui, ao invés, que esse gasto deve ser fiscalmente dedutível, por preenchimento dos requisitos do art. 23.º do CIRC (gasto real e indis­pen­sá­vel para a requerente) e pela não aplicação ao caso do teor do art. 41.º do CIRC, dadas as diferenças materiais, económicas e jurídicas entre essa situação e a cessão (venda) de ativos.

 

b) Alegados rendimentos do exercício de 2013 não declarados (nos termos do art. 17º, 18.º e 20.º do CIRC), resultantes de juros por remuneração da F... (2.076.623,64€ de correção à matéria coletável).

A requerente desistiu e não contestou os temas (i) de juros por remuneração do su­pri­mento de 1.312.000€ (69.537,10€ de correção à matéria coletável) e (ii) rendi­mentos de fees de gestão (com 181.451,61€ de correção à matéria coletável) – cfr. art. 102.º e seguintes do Requerimento arbitral.

A AT considera que existe um rendimento de juros em 2013, apesar da 3ª emenda ao contrato, que a condicionou à verificação de um cash-flow disponível, por duas razões essenciais: (i) a C... (devedor) contabilizou essas quantias como um gasto do exercício, apesar do não cumprimento/verificação da condição; (ii) a Requerente ao incluir esses juros nos ativos transacionados, está a assumir a sua existência: ninguém pode alienar um bem que previamente não lhe pertença.

A Requerente advoga, em sua defesa, essencialmente que o tratamento con­ta­bilístico e fiscal da C... está errado e não a compromete (pois não é ela que tomou os coordenou essa decisão); por outro lado, o Acórdão arbitral no processo 78/2017-T (que anulou a liquidação de 2012 com base na imputação de juros da F..., porque não verificada a condição que fazia subordinar a sua existência) reforça a sua tese e imporia a anulação da liquidação impugnada (IRC de 2013).

 

c) Correções à matéria coletável de B..., que inclui: i) excesso de constituição/reforço de perdas por imparidade, no valor total 131.274,65€; ii) e alegada não comprovação de diligências efetuadas, de 8.886,06€.

Para o excesso na constituição/ reforço de perdas por imparidade, a AT entende que o prazo da mora (25% por seis meses, 50% entre 6 e 12 meses…) é obrigatório para a constituição da imparidade; e se tal não ocorrer, constitui uma quota perdida que não pode ser recuperada nos anos seguintes.

A requerente advoga, ao invés, que a lei fiscal não deve ter esse significado, não se compagina com uma interpretação tão fechada: o contribuinte só tem de constituir a imparidade quando concluir pela probabilidade de incobrabilidade do crédito; e nesse momento tem de respeitar a percentagem de imparidade imposta pela lei fiscal, contabilizando essa imparidade, pelo mesmo valor (nesse exercício ou em anterior).

Em relação à não comprovação de diligências efetuadas: a AT entende que a requerente não comprovou diligências de cobrança (8.886,06€) em relação aos clientes H... e G..., exceto no que concerne, para este último, quanto ao valor de 5.287,25€, nas faturas 342, 343 e 344 (cfr. art. 121.º e 253.º da Resposta).

A requerente advoga, ao invés, que fez usuais tentativas externas de cobrança em relação aos créditos sobre esses dois clientes (e juntou documentação a comprová-lo – doc. n.º 15 e 16 do Requerimento inicial). 

 

Por facilidade sistemática, cada uma destas questões será decidida em capítulos autónomos a seguir desenvolvidos.

 

3.2. Aceitação ou não-aceitação fiscal (art. 23.º e 41.º do CIRC) de perdas com a venda a terceiro de créditos de suprimentos sobre a C... abai­xo do valor nominal (no valor de 29.852.708,15€ de correção à matéria coletável)

As Leis

Segundo o art. 23.º do CIRC (na redação e numeração à data dos factos), consi­de­ram-se custos ou gastos: “1. […] os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (…)

O art. 41.º do CIRC (na redação e numeração à data dos factos) indica que “1. Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação desde que: a) tal resulte de processo de insolvência e recuperação de empresas, de processo de execução de procedimento extrajudicial de conciliação para viabilização de empresas em situação de insolvência ou em situação económica difícil mediado pelo IAPMEI […], de decisão de tribunal arbitral no âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais ou de créditos que se encontrem prescritos de acordo com o respetivo regime jurídico de prestação de serviços públicos essenciais e, neste caso, o seu valor não ultrapasse os 750€ e b) não tenha sido admitida perda por imparidade ou sendo-o, esta se mostre insuficiente”.

 

Decisão:

Os factos provados permitem concluir que existiu, sem dúvida, a venda de ativos (suprimentos e créditos) por um preço inferior ao seu custo de aquisição, (i) no seio de um negócio global (a Requerente desfez-se de todos os interesses na C...– participações sociais e todos os créditos); (ii) com justificação económica (o devedor (C...) estava em dificuldades financeiras) – e, por isso, o preço de venda, apesar de inferior ao custo de aquisição desses ativos, revela o seu justo valor económico à data da transação – foi o preço que um terceiro imparcial (grupo E...) se predispôs a comprar esses ativos.

A venda do ativo em causa nestes autos (créditos de suprimentos) constitui um negócio não simulado (a AT não invoca isso), entre entidades sem relações especiais, em que cada uma das partes tentou o melhor acordo – e o preço arbitrado corresponde à normal capacidade negocial, em liberdade contratual, no “jogo” económico da oferta e da procura, perante o valor do bem a transacionar.

Não há dúvida, além disso, que a A... sofreu uma verdadeira e irreversível perda económica, com reflexo contabilístico: vendeu um conjunto de ativos (entre os quais créditos de suprimentos) e recebeu, por ele, um valor muito inferior ao seu custo de aquisição (e ao valor que emprestou à C...).

Em princípio, um verdadeiro custo económico e contabilístico é também um custo fiscal. Impõe-no a regra da dependência entre a contabilidade e o IRC (descrita no art. 17.º, n.º 1, do CIRC).

Por outro lado, não existe uma qualquer norma tributária específica (norma de ajuste) que impeça ou restrinja o efeito fiscal do gasto contabilístico com a cessão de créditos em causa (já nos referiremos adiante ao art. 41.º do CIRC).

O termo “indispensabilidade” do art. 23.º do CIRC não pode ser interpretado como contendo uma cláusula que permita à AT sindicar as opções dos contribuintes realizarem custos reais, ainda que pouco usuais ou de valor elevado. O princípio da liberdade de gestão (e não ingerência do Estado nas legitimas opções de venda ou não venda de ativos pelas empresas) implica a irrelevância da argumentação da fundamentação, quando discorre sobre a indispensabilidade do gasto, por alegada falta de oportunidade da cessão e quando opina sobre a atividade do contribuinte ou indica que a intenção deste negócio foi a de gerar uma perda fiscal. Advoga-se, assim, uma interpretação económica do vocábulo indispensabilidade, no sentido de que o gasto fiscal equivale aos gastos efetivos contraídos pelo contribuinte, na prossecução da sua atividade, e gerados no seio dessa organização – e que por isso terão sempre uma ligação causal necessária, em termos económicos, com os proveitos ou com a manutenção da organização. Aliás, a venda de qualquer ativo por um preço inferior ao custo de aquisição tem esse efeito conatural – e a decisão de cessão, com perda, encontra-se no reduto da liberdade total das empresas gerirem os seus interesses como melhor lhes aprouver, desfazendo-se dos ativos como desejarem gerir os seus interesses, para assim mudarem de ramo, saírem de negócio que correu mal, etc..

Fazendo nossas as claras ideias do Acórdão arbitral n.º 37/2016-T (que anulou uma liquidação num caso semelhante ao dos autos): “o conceito de indispensabilidade de custos que consta do artigo 23.º n.º 1, do CIRC, não exige uma ligação causal entre custos e proveitos, bastando que as despesas tenham uma relação com o objeto da empresa, sejam incorridas no âmbito da sua atividade ou evidenciem um business purpose. É às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses. Na verdade, não há qualquer suporte legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira afastar a dedutibilidade de gastos por considerar que as opções de natureza empresarial das empresas não correspondem aos atos de gestão que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera preferíveis”.

A dimensão da perda não cria nem exige requisitos acrescidos em termos fiscais, no sentido da não indispensabilidade do gasto.

No caso concreto, a requerente limitou-se a desfazer de um ativo, pelo preço que conseguiu obter no mercado, registando um gasto efetivo, na sua liberdade de gestão – que, por esse efeito, é indispensável para a sua organização, na obtenção de proveitos ulteriores (o produto dessa venda será afeto a nova atividade da requerente) e manutenção da fonte produtora (criar um stop loss, por opção livre de gestão, que a AT e os tribunais têm de respeitar).

Além disso, a argumentação do art. 41.º do CIRC é irrelevante para o caso dos autos: desde logo, porque não se pode afirmar que os suprimentos (e sua gestão, via constituição, pagamento ou cessão) são créditos que não resultam da atividade normal de uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, como o é a requerente (art. 5.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, do Dec. Lei n.º 495/88, de 30-XII).

E depois, porque uma coisa é a constituição de uma perda, sem a realização (sem a venda a terceiro) do ativo, por imparidade ou créditos incobráveis e outra é a venda (cessão do ativo).

Ali, na constituição da perda sem realização ou venda, o legislador pode criar requisitos fiscais acrescidos para a aceitação fiscal da perda (art. 41.º do CIRC), justamente porque não houve realização e venda. As razões são duplas: ou é ainda uma perda potencial; ou efetiva-se fora do modelo de uma venda (cessão) do ativo, ou seja fora do quadro típico da realização, que é o ato que legitima, por excelência, o registo fiscal da perda ou do ganho, em termos qualitativos (ato jurídico-económico que sustenta o facto tributário no IRC – cfr. art. 18.º, n.º 1 e 3, do CIRC) e em termos quantitativo (o preço de venda baliza o valor do rendimento ou do gasto).

Todavia, na venda ou cessão de créditos não ocorre a situação factual do art. 41.º do CIRC – e por decorrência, esse preceito não se aplica ao caso dos autos, pelo elemento literal e teleológico (não se verificam as razões legitimadoras do art. 41.º do CIRC).

Na venda de créditos com perda, o regime fiscal aplicável nunca pode ser o das imparidades ou créditos incobráveis, justamente por diferença de requisitos de base. Ocorrendo uma venda, como no caso, verifica-se uma perda efetiva, com cessão a terceiro, com preço arbitrado na bissetriz da oferta e procura – e não se aplica o regime dos créditos incobráveis do art. 41.º do CIRC, que pressupõe a não venda do ativo.

Com a venda do ativo, a perda passa a ser efetiva e irreversível (com um valor chancelado por terceiro imparcial, a contraparte negocial, que a lei fiscal tem de aceitar e respeitar). Nos créditos incobráveis do art. 41.º do CIRC não há uma venda – mas o crédito perde valor objetivamente, sem a venda. E tal preceito tem de regular as situações de aceitação fiscal da perda, nesse cenário. E o que diz, no fundo, é que sem a venda só é aceite a perda se ocorrer um dado objetivo e externo (em termos quantitativos e qualitativos) – em processo de insolvência ou afim, pelo valor aí arbitrado.

O Acórdão arbitral no proc. 717/2016-T (que decidiu matéria semelhante à dos autos) confirma as ideias expostas, de forma muito clara:   “A distinção entre as duas situações é clara e é corretamente efectuada pela Requerente, com suporte no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29-11-2013, proferido no processo n.º 1666/07.6BEPRT […] na página 60: “Créditos incobráveis” e cedência de créditos a um valor inferior ao contabilizado são realidades diferentes com tratamentos fiscais distintos. Uma coisa é ter um “crédito perdido”, cuja incobrabilidade sabe-se que é definitiva por resultar de um qualquer daqueles processos judiciais previstos no artigo 39.°. Outra, é ceder um crédito por valor inferior ao contabilizado. Estes casos pressu­põem que a dívida é cobrável, mas a empresa decide ceder o crédito com perda”.

Por todos estes motivos, anula-se a liquidação de imposto, nesta parte, por violação de lei e errada interpretação e aplicação do art. 23.º e 41.º do CIRC.

 

3.3. Rendimentos de 2013 não declarados (art. 17º, 18.º e 20.º do CIRC): juros por remuneração da F... (2.076.623,64€ de correção à matéria coletável).

Leis relevantes com aplicação ao caso:

O art. 18.º, do CIRC indica, no n.º 1: “os rendimentos […] são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos […], independentemente do seu recebimento […], de acordo com o regime da periodização económica”; e o n.º 3, al. a) dispõe: “para efeitos de aplicação do n.º 1: a) os réditos relativos a vendas consideram-se em geral realizados […] na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade”.

Por seu turno, o art. 20.º do CIRC explicita que “consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: a) os rendimentos relativos a venda ou prestações de serviços […]; c) de natureza financeira, tais como juros […]”.

 

Decisão:

Conforme decorre dos factos provados h) a K), em 2011, as partes (credor a re­querente e devedor a C...), em liberdade contratual com vista à justa composição dos seus interesses, decidiram, em terceira emenda, que os créditos da F... deixariam de vencer juros, dadas as dificuldades financeiras do devedor (C...). Ou melhor dito, que só venceriam juros, se o devedor atingisse determinada performance financeira, o que não veio a ocorrer nos anos de 2011 a 2013.

No processo arbitral n.º 78/2017-T discutia-se se a requerente teria ou não de registar (contabilística e fiscalmente) esse proveito de juros, não obstante a não verificação da condição. A Sentença conclui (e bem), que em relação ao ano de 2012, “à face do contrato, na versão da 3ª emenda, e do posterior direito aos juros, tem de se concluir que nunca se integrou na esfera jurídica da requerente o direito aos juros, pois não se verificou a condição a que se fez subordinar a sua existência”.

Este princípio indicado na Sentença está correto: não existe proveito em 2012, porque não se constituiu o direito aos juros. Segundo o art. 18.º, n.º 1 do CIRC, o proveito não foi obtido em 2012.

Não é essa, todavia, a questão do presente processo. Em 2013, a requerente vendeu ao grupo E... os créditos que tinha sobre a C...– e incluiu (e vendeu) também os juros da F... dos anos de 2011 até à data da venda.

Ora, só se pode vender um bem, se anteriormente for detido pelo contribuinte. A Requerente só pode vender um crédito se anteriormente o considerar na sua esfera jurídica. Ou nos exercícios passados se já constituído anteriormente; ou no exercício da venda, se acaso ele só se constitui com a venda e por efeitos da venda a terceiro, por acordo entre as partes. Assim, em 2013, imediatamente antes da venda, o requerente teria de considerar possuir esse juro (e por isso teria de registar esse rendimento em termos fiscais, e deveria ter declarado como proveito tributário o valor de 2.076.623,64€). E daí a legalidade da liquidação adicional, neste segmento da decisão. Em 2013, com a venda a terceiro, o proveito desses juros tem de se considerar obtido pela requerente, nos termos do art. 18.º, n.º 1 e 3 al. a), do CIRC.

Esta interpretação e posição não ofende os princípios constitucionais de igualdade (e proibição do arbítrio), neutralidade, capacidade contributiva, rendimento real, direito à propriedade privada e proporcionalidade (em si, e como emanações do princípio do Estado de direito democrático). Se alguém vende um ativo (direito ao juro de 2011 a 2013) – é porque antes o teve de considerar como seu, como encaixado e como proveito nas suas contas. Ou em exercício anterior (se vencido) ou no exercício da venda (é considerado obtido pelas partes, na mira de ser vendido). E então, a obtenção implica a sua tributação como um rédito – e a venda seguinte, abaixo do valor nominal, corresponde a um gasto, como se viu, pelo valor negativo da diferença entre o valor do crédito e o preço de cedência.

Esta estatuição decisória torna irrelevante ponderar a argumentação da necessidade de inscrição do rendimento em 2013, pelo facto do devedor ter registado o gasto desses juros devidos no seu IRC de 2013.

Por todos estes motivos, deve ser mantida a liquidação impugnada, nesta parte.

 

3.4. Correções à matéria coletável de B...: i) excesso de constituição/reforço de perdas por imparidade (131.274,65€); ii) e alegada não comprovação de diligências de cobrança (8.886,06€).

Quanto ao tema de constituição/reforço de perdas por imparidade (131.274,65€)

O ato impugnado labora no entendimento de que o prazo temporal da mora (25% por seis meses, 50% entre 6 e 12 meses…) seria obrigatório para a constituição da imparidade. Assim, por exemplo, se há mora por 6 meses, ter-se-ia de fazer obrigatoriamente uma imparidade de 25% (desde que não ocorressem evidentemente as circunstâncias objetivas da al. b) e c) do n.º 1 do art. 36.º do CIRC), e assim sucessivamente face às crescentes percentagens acumuladas descritas no n.º 2 do art. 36.º do CIRC; e se a requerente não efetuasse (como não efetuou no tema agora em análise) tal percentagem de imparidade perante a mora objetiva do crédito (pela antiguidade), constitui uma quota perdida que não pode ser recuperada nos anos seguintes. Se entre os 6 e 12 meses, não criasse uma imparidade fiscal (e contabilística) de 25% – essa quota ficaria perdida e nunca mais poderia ser levada a gasto fiscal.

Não é essa, porém, a correta interpretação dos artigos 35.º e 36.º do CIRC (redação e numeração à data dos factos). O tribunal seguirá aqui, mutatis mudandis, o teor do Acórdão TCA Sul de 23/11/2010 (proc. 03869/10).

O art. 35.º, n.º 1, do CIRC dispunha: “Podem ser deduzidas para efeitos fiscais, as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores”: a) as relacionadas com créditos resultantes da atividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser consideradas de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”.

O art. 36.º do CIRC estipulava: “1. Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na al. a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos: c) os créditos estejam em mora há mais de 6 meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento”. 2. O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na al. c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora: a) 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses; b) 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses; c) 75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses; d) 100% para créditos em mora há mais de 24 meses”

A lei (art. 35.º, n.º 1, al a) e art. 36.º, n.º 2, do CIRC) indica, e estamos em presença do elemento literal, que os contribuintes “podem” efetuar imparidades; não impõe que “devem” ou “têm”. Tal significa que podem não efetuar a imparidade, por mero decurso do tempo: tudo dependerá, afinal, de um juízo de gestão: se a empresa entender que apesar do tempo da mora, ainda não há risco de incobrabilidade, então não tem de registar a imparidade, apesar do prazo de mora.

O elemento literal/sistemático confirma esta ideia: o requisito fulcral do registo fiscal da imparidade é a existência de “provas objetivas de imparidade” (art. 36.º do CIRC) para lá do prazo da mora. Ou seja, não basta a passagem do tempo – exige-se provas objetivas de imparidade (assunção pelo credor que o crédito está em mora e consequentes tentativas de cobrança) e além disso, que a imparidade seja registada na contabilidade, nesse período ou em anteriores.

Assim sendo, se acaso se tiver ultrapassado o prazo de mora (por exemplo, mais de 6 meses) mas não houver provas objetivas de imparidade, o contribuinte não deve efetuar a imparidade. E efetua-a quando entender verificada a probabilidade de incobrabilidade, mas neste caso, tem de registar contabilisticamente a imparidade, mas sem nunca superar a percentagem da imparidade descrita na lei fiscal, perante o prazo da mora. Por exemplo: se entre os 18 e 24 meses constata, pela primeira vez, que existem provas de incobrabilidade, então tem de fazer a imparidade, se preenchidos os demais requisitos (tentativas de cobrança e contabilização), mas a imparidade não pode ser superior, nesse caso, a 75% do crédito.

A requerente guiou-se por este referencial interpretativo: só registou imparidade quando entendeu a existência de probabilidade de incobrabilidade; fez sempre as imparidades, com reconhecimento contabilístico e com provas de tentativas de cobrança; e, em cada momento, nunca criou imparidades por percentagem superior ao descrito na lei, perante a antiguidade da mora.

Nesse sentido, impõe-se a anulação da liquidação impugnada, neste segmento.

 

Quanto à alegada não comprovação de diligências de cobrança (8.886,06€)

Neste ponto, a discrepância entre as partes é essencialmente factual. Ambos concordam na exigência do requisito de comprovação de tentativas de cobrança, para legitimar o registo fiscal da imparidade fiscal. O tribunal, compulsada a prova documental (doc. 15 e 16 do requerimento inicial), entende que a requerente efetuou diligências de prova, na tentativa de cobrança dos seus créditos perante os clientes H... e G... . Quer dizer: esses documentos (alguns internos e outros trocados com os clientes) denotam tentativas de cobrança, negociação sobre tentativas de se chegar a acordos de pagamento, “ameaças” pré contenciosas – tudo situações e diligências usuais para os credores se fazerem valer dos seus créditos. O tribunal entende que essas provas não têm de ser sacramentais ou com um elevado nível de densidade formal; na liberdade de prova, e perante as circunstâncias do relacionamento comercial entre fornecedor e cliente (na liberdade contratual) basta que da prova produzida se fique com a convicção de que o credor (requerente) efetuou diligencias com vista à cobrança dos seus créditos – o que sucedeu, manifestamente, nas duas situações dos clientes dos autos.

Assim, impõe-se a anulação da liquidação impugnada, nesta parte.

 

4. Tributação autónoma e indemnização por garantia indevida 

Perante a anulação parcial da liquidação impugnada, importa retirar as demais consequências:

  1. A requerente continuará a possuir prejuízos fiscais, mas menores do que os autodeclarados (em face dos valores não anulados neste processo de 2.076.623,64€ de correção à matéria coletável) – e assim sendo, mantém-se o agravamento em 10% das taxas de tributação autónomas conforme se dispõe no art. 88.º, n.º 14, do CIRC.
  2. Em 27/2/2018, a requerente prestou garantia bancária, no valo de 2.020.000,00€ para suspender o processo executivo associado às liquidações impugnadas nesta arbitragem (doc. 18 da PI). O contribuinte tem direito a ser indemnizado pelos custos totais da garantia, com os limites do art. 53.º da LGT, a quantificar em execução (espontânea ou judicial) de Sentença, pois à procedência parcial desta ação arbitral subjaz uma situação de verificação de prejuízos fiscais (e inexistência de liquidação com imposto a pagar e por isso de inexistência jurídica de prestação de garantia). Fica demonstrado que, em sede de impugnação judicial (a ação arbitral aplica-se a esta situação mutatis mutandis) houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, pois foram os serviços da AT que procederam a uma liquidação considerada ilegal por este tribunal.

 

5. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da li­qui­dação impugnada de IRC e Juros compensatórios de 2013, sobre a requerente, na qualidade de sociedade dominante, com o n.º 2017..., com o valor a pagar de imposto e juros de 1.589.518,61€ (doc. n.º 1, do Requerimento inicial).
  2. Anulando-se as seguintes correções impugnadas (relativas a (i) cessão de crédi­tos de suprimentos, de 29.852.708,15€ de correção à matéria coletável; (ii) perdas por imparidade, de 131.274,65€ de correção à matéria coletável; e (iii) imparidades e comprovação de cobrança, de 8.886,06€ de correção à matéria coletável;
  3. E não se anulando o tema dos juros por remuneração da F... (com 2.076.623,64€ de correção à matéria coletável)

E, em consequência:

  1. Condenar a AT a indemnizar a requerente pelos custos totais da garantia, com os limites do art. 53.º da LGT, a quantificar em execução (espontânea ou judicial) de Sentença

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.589.518,61.

Notifique-se

Lisboa, 4 de Março de 2019

Os Árbitros

 

Carlos Alberto Cadilha (árbitro-presidente),

 

Tomás Cantista Tavares (árbitro vogal)

 

 

Henrique Fiúza (árbitro vogal)

 

 (Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária)