Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Sofia Ricardo Borges e Ana Teixeira de Sousa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
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No dia 03 de Abril de 2018, A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., n.º 2017... e n.º 2017..., relativos, respectivamente, aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, e respectivas liquidações de juros compensatórios, no valor global de €67.966,80, bem como do acto de indeferimento da reclamação graciosa que teve aqueles actos como objecto.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
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Estarem verificadas as condições exigidas pela alínea r) do artigo 23.º-A do Código do IRC, pelo que deverão ser considerados gastos as importâncias pagas à sociedade “B...”, com sede em território sujeito a regime fiscal claramente mais favorável;
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Estar preenchida a condição de dedutibilidade exigida pela alínea c) do artigo 23.º do CIRC, por forma a permitir a dedução dos custos com financiamento das suas participadas, por si incorrido.
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No dia 04-04-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 23-05-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 14-06-2018.
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No dia 03-09-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 11-10-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente, e prorrogado prazo a que alude o art.º 21.º/1 do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT, prorrogado.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 2, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente exerce, a título principal, a actividade de instalação de máquinas e de equipamentos industriais (CAE 33200).
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A Requerente assume a forma de sociedade anónima.
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A Requerente está sujeita, em sede de IRC, ao regime geral de tributação.
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Em 31-08-2015, a Requerente registou na conta “312132 – Aquisições em países terceiros”, o montante de €100.000,00, resultante de 4 facturas emitidas pela sociedade “B...”, relativas a comissões (Management Fee).
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A “B...” é uma sociedade residente nos Emirados Árabes Unidos.
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A Requerente considerou as importâncias pagas à “B...”, como gasto para efeitos de determinação do lucro tributável contabilístico e fiscal.
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Não existe qualquer acordo escrito que formalize um contrato de intermediação com a sociedade “B...”.
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O Grupo G... integra, pelo menos, três sociedades (C..., D... e E...) que entre 2012 e 2015, adjudicaram equipamentos e prestações de serviços à Requerente num valor que ascende a €2.500.000,00.
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O primeiro contacto entre a Requerente e aquele Grupo, que deu origem aos contratos de fornecimento de equipamentos e prestações de serviços referidos, foi promovido por um cidadão angolano de nome F..., sendo que, sem a intervenção deste, o referido contacto não se teria dado.
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Por email datado de 30-05-2015, um responsável da sociedade angolana G...remeteu à Requerente, para pagamento, as facturas emitidas à “B...”.
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As referidas facturas foram emitidas após conferência de contas com o grupo G... e verificação de que os valores de negócio entre este e a Requerente haviam sido alcançados.
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Foram trocadas algumas mensagens entre os responsáveis da G... e da Requerente, relativamente ao enquadramento fiscal das mencionadas facturas, em especial quanto à questão da dupla tributação.
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Nos exercícios de 2013, 2014 e 2015, a Requerente registou na conta “25 – Financiamentos obtidos” valores relativos a financiamentos obtidos junto de instituições de crédito e sociedades financeiras.
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Parte do financiamento obtido pela Requerente junto da banca foi utilizado no financiamento da “H..., S.A.” (doravante, H... ).
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Nos mesmos exercícios, a Requerente registou na conta “26117 –H..., S.A.” valores respeitantes a empréstimos concedidos à empresa participada H... .
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Os referidos empréstimos não foram efectuados com fixação de uma taxa de juro.
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Em 2013, 2014 e 2015 a Requerente considerou, respectivamente, como gasto o montante de €129.776,16, de €93.016,08 e de €106.278,61 relativo a juros de financiamentos obtidos, que registou na conta “6911 – Juros de financiamentos obtidos”.
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A Requerente detém 99,1% da sociedade H..., entidade constituída para actuar na área do imobiliário e que tem no seu activo um parque imobiliário de vários armazéns que formam um complexo industrial de 15.000m2.
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A gestão da H... tem sido feita pela Requerente, cujos administradores são, igualmente, administradores da participada.
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Os empréstimos efectuados à H... permitem que a Requerente realize um conjunto de investimentos que contribuem para a sua própria valorização, permitindo à Requerente a subsequente recepção de rendimentos, por via de dividendos por ela (H...) distribuídos.
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A Requerente foi objecto de um procedimento de inspeção, de âmbito geral, aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, em cumprimento das Ordens de Serviço OI2016..., OI2016... e OI2016... .
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Em 16-01-2017, no âmbito da acção inspectiva, a Requerente foi notificada para remeter elementos que demonstrassem que as importâncias pagas à sociedade “B...” correspondiam a operações efectivamente realizadas e não possuíam um carácter anormal ou um montante exagerado.
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A Requerente respondeu à notificação da AT, através de um documento que remeteu por correio em 15-02-2017.
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Em Maio de 2017, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção.
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Do relatório de inspecção, relativamente às questões em causa neste processo arbitral, consta o seguinte:
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Na sequência das correcções efectuadas em sede de inspecção a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IRC n.º 2017..., relativa ao ano de 2013, n.º 2017..., relativa ao ano de 2014 e n.º 2017..., relativa ao ano de 2015.
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A Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto as supra referidas liquidações.
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Em sede de reclamação graciosa, a Requerente juntou “prints” de e-mails trocados entre a Requerente e o grupo Angolano I..., entre 12-03-2015 e 17-09-2015.
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A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
A.2. Factos dados como não provados
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A “B...” é uma empresa com ligações ao grupo G... .
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Ao conceder empréstimos à sua participada, a Requerente pretende promover o aumento do valor do capital que detém, através do reforço do potencial económico da sociedade participada.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Em especial, os factos dados como provados nos pontos 9 e 11 assentam na prova testemunhal produzida, que demonstrou clareza e objectividade no que ao teor dos referidos factos diz respeito, não deixando qualquer dúvida razoável ao Tribunal, quanto à respectiva verificação.
Os factos dados como não provados, decorrem da ausência de prova a seu respeito.
Assim, o primeiro dos factos não provados, não foi corroborado por prova documental ou testemunhal, sendo que o que resultou desta foi que os contactos entre a Requerente e o Grupo G... foram promovidos por um cidadão angolano de nome F..., sendo a B... desconhecida daquele grupo, até ao momento da emissão da facturação em causa nos autos, que veio em nome daquela sociedade.
Quanto ao segundo dos factos dados como não provados, não foi apresentada qualquer prova documental a seu respeito, e não foi, igualmente, o mesmo objecto da prova testemunhal produzida.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
a. dos pagamentos e entidade sujeita a regime fiscal mais favorável
Conforme indica a Requerente, e aceita a Requerida, a primeira, e fundamental, questão a decidir nos presentes autos, radica em saber se os encargos facturados no ano de 2015 pela sociedade B..., com sede no ..., Emiratos Árabes Unidos, à ora Requerente, e por esta pagos, relativos a serviços de intermediação nas relações comerciais entre a Requerente e o Grupo G..., correspondem a operações efectivamente realizadas sem carácter anormal ou montante exagerado.
Questão esta que se coloca, porquanto a referida B... se trata uma entidade sediada nos Emiratos Árabes Unidos, que consta na Portaria no 292/2011, que define a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis.
O epicentro normativo da questão jurídica a resolver situa-se no artigo 23.º-A/1/r) do CIRC vigente à data que dispunha que:
“1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (...)
r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)
7 - O disposto na alínea r) do n.º 1 aplica-se igualmente às importâncias indiretamente pagas ou devidas, a qualquer título, às pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento do seu destino, presumindo-se esse conhecimento quando existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º, entre o sujeito passivo e as referidas pessoas singulares ou coletivas, ou entre o sujeito passivo e o mandatário, fiduciário ou interposta pessoa que procede ao pagamento às pessoas singulares ou coletivas.
8 - A Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias.”.
No caso, conforme resulta da matéria de facto provada, a Requerente deduziu para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas à sociedade B..., inquestionavelmente uma pessoa colectiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável.
Para aferir da legitimidade dessa dedução, não aceite pela AT, e sujeita a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º/8 do CIRC aplicável, torna-se, portanto, necessário aferir se:
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tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas; e
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não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
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Como se acaba de ver, a primeira questão a verificar relativamente à legitimidade, ou não, da dedução de custos efectuada pela Requerente, e em causa nos presentes autos de pronúncia arbitral, prende-se com a demonstração de que os encargos deduzidos correspondem a operações efectivamente realizadas.
A este respeito, a Requerente fez um esforço probatório direcionado no sentido de demonstrar, em suma, que efectivamente levou a cabo operações comerciais com o grupo angolano G..., operações essas que apenas foram possíveis pela intermediação a que se reporta a facturação em causa.
Face à matéria de facto dada como provada, não quedam, neste processo, dúvidas que, efectivamente, as relações da Requerente com o Grupo G... foram, inicialmente intermediadas, que tal intermediação foi fundamental para o estabelecimento daquelas relações e que tais relações vieram a gerar proveitos tributáveis (significativos) na esfera da Requerente.
Não obstante, entende este Tribunal que tal prova não exaure o ónus probatório que sobre a Requerente impendia.
Considera-se, antes, que a prova de que “tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas” não se limita à simples prova de que as operações a que correspondem os encargos ocorreram na realidade objectiva, mas implica ainda a demonstração de que as mesmas, tendo-se efectivamente dado na realidade, tiveram como sujeitos o contribuinte que suportou o encargo, por um lado, e a pessoa singular ou colectiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, por outro.
Dito de outro modo, a prova da efectividade das operações a que correspondem os encargos deduzidos, relativos a pagamentos feitos a pessoa singular ou colectiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, pressupõe uma dimensão objectiva – ou seja, a prova de que na realidade as operações em causa se deram – e uma dimensão subjectiva – ou seja, a prova de que a mesma se deu entre o contribuinte que pretende deduzir o encargo, e a entidade sujeita a regime fiscal mais favorável, que o facturou e recebeu.
A não ser assim, de resto, estar-se-iam a admitir dois tipos de situações objectivamente intoleráveis do ponto de vista racional e sistemático, a saber:
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situações em que um contribuinte suporte um encargo correspondente a operações que não lhe digam respeito;
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situações em que um contribuinte realizasse operações com uma determinada entidade (por exemplo, residente em território nacional), e depois fizesse o pagamento a uma outra entidade, residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável.
Acresce que o regime dos pagamentos feitos a entidades sujeitas a regime fiscal claramente mais favorável, tem subjacente uma finalidade dissuasora da realização de pagamentos a entidades sitas em tais jurisdições, por razões ligadas à prevenção da fraude e branqueamento de capitais, de onde decorre a especial relevância da segurança de que as entidades referidas prosseguem, efectivamente e na realidade uma actividade económica, e não sejam meras fachadas para retirar proveitos indesejados dos regimes próprios das localizações onde se sedearam.
Assente isto, ou seja, que a prova da efectividade das operações a que correspondem os encargos deduzidos, relativos a pagamentos feitos a pessoa singular ou colectiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, pressupõe uma dimensão objectiva e uma dimensão subjectiva, forçosamente se terá de concluir que a Requerente claudicou no cumprimento cabal do ónus probatório que lhe assistia.
Com efeito, não resulta do acervo fáctico apurado que as operações a que correspondem os encargos deduzidos, e cuja dedução foi corrigida pela AT, foram realizadas com a B... .
Os factos apurados vão, inequivocamente, no sentido de que a intermediação em causa foi sempre executada pelo cidadão angolano que se apresentou como F..., nunca, até ao momento da facturação, tendo sido conhecida qualquer intervenção da referida sociedade, ou em nome dela, quer junto da Requerente, quer junto da contraparte G..., notando-se que, mesmo a facturação veio remetida pelos serviços deste grupo, e não por qualquer via que se relacione com a referida B... .
Por outro lado, nada se apura quanto a esta sociedade, para lá do surgimento da facturação com os seus dados, não se apurando, designadamente, qualquer indício, e muito menos prova, que seja uma entidade com existência fáctica, e com actividade real.
A matéria de facto apurada é, assim, coerente com um contexto geral, onde se desenha um quadro no qual a B... surge, unicamente, como um centro de facturação off-shore, possivelmente utilizado para contornar restrições cambiais, e eventualmente fiscais, em Angola, para além de usufruir das vantagens inerentes à jurisidição priveligiada onde se sedeou, e que, eventualmente, terá sido imposto à Requerente, em função das relações comerciais em que se inseria e que procurou desenvolver.
Todavia, nenhuma destas circunstâncias é susceptível de relevar no regime do artigo 23.º-A/1/r) do CIRC aplicável.
Efectivamente, a Requerente sabia, ou devia saber, que a B... era residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, e que esta não lhe prestara quaisquer serviços, notando-se que não se demonstra, sequer, que, genericamente, a B... estivesse autorizada a operar em Angola.
Daí que, o consentimento da Requerente à facturação pela B..., consciente ou inconscientemente (o que na perspectiva do quadro normativo em causa é irrelevante), correspondeu ao assumir de um risco da indemonstrabilidade dos pressupostos do regime fiscal a que está sujeita.
Não obsta ao que se conclui o alegado pela Requerente, segundo a qual foi o cidadão angolano de nome F... quem decidiu, por iniciativa própria e exclusiva, facturar os serviços em causa nos presentes autos através de uma sociedade, eventualmente sua, sedeada nos Emiratos Árabes Unidos, desde logo porquanto sendo a sua contraparte livre de facturar o que lhe aprouver, à Requerente apenas se impõe pagar o que for devido por quem lhe fornecer serviços ou bens que utilize, pelo que deveria, para bom cumprimento da lei portuguesa (e provavelmente também da lei angolana, mas isso para o caso também não releva), a Requerente recusar o pagamento da facturação pela B... e exigir a facturação da parte do real prestador dos serviços.
Claudica, também, a conclusão da Requerente, segundo a qual fez prova de que houve uma operação real. Com efeito, a situação sub iudice, face aos factos provados, apresenta-se como um caso típico de simulação relativa, por interposição fictícia de pessoas[2].
Independentemente do mais, e em suma, ao não demonstrar, in casu, que as operações a que correspondem os encargos deduzidos, relativos a pagamentos feitos a pessoa singular ou colectiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, foram efectivamente realizadas por aquela, determina a ilegitimidade de tal dedução, bem como a sujeição de tais encargos a tributação autónoma, sendo que não tem ao caso aplicação a jurisprudência arbitral citada pela Requerente, na medida em que nos casos ali julgados nunca esteve em causa a efectividade das operações, mas, unicamente, o seu carácter normal ou montante não exagerado.
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b. dos gastos com financiamento gratuito a entidade participada
A segunda questão que se coloca nos presentes autos de processo arbitral, prende-se com a aferição da legalidade das correcções operadas pela AT, relativamente aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, relativamente a gastos financeiros da Requerente imputáveis a financiamentos a título gratuito por aquela a uma sua sociedade participada, da qual detinha 99,1% do capital social.
Nos termos da fundamentação lavrada pela AT, e subjacente às correcções em questão, as mesmas assentam no disposto no art.º 23.º, n.º 1/c) (período de 2013) e 23.º/1 e 2/c) (períodos de 2014 e 2015), ambos do CIRC, nas redacções aplicáveis aos referidos períodos, tendo, em suma, a AT entendido que não estão em causa encargos relativos a capitais alheios aplicados na exploração da actividade económica da Requerente.
A redacção da norma em questão, é a seguinte:
- Período de 2013:
“1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...)
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”;
- Períodos de 2014 e 2015:
“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”
A matéria em questão foi objecto de ampla apreciação e discussão, a nível jurisprudencial e doutrinal, sendo que, independentemente do mais, julga-se que o ponto de partida para a apreciação de qualquer questão que se apresente a decidir relativa à matéria em causa, deve ser, conforme formulado no Acórdão do STA de 04-06-2014, proferido no processo 01763/13, o de que “a relevância ou não de determinadas despesas como custos do exercício sempre teria que ser vista em concreto, caso a caso, em função do peculiar contexto empresarial em que se desenvolvem e das finalidades que prosseguem”.
Posto isto, “constitui jurisprudência consolidada do S.T.A. que à luz do artº.23, do C.I.R.C., não são de considerar como fiscalmente relevantes, além do mais, os custos com juros de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas”[3].
Com efeito, reiteradamente, tem afirmado o STA que “À luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas.”[4] e que “Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos”[5].
O referido entendimento tem sido reafirmado por aquele Superior tribunal, ao longo dos anos e até ao presente, tendo nos acórdãos de 19-04-2017 e de 28-02-2018, proferidos, respectivamente, nos processos 0925/16 e 01206/17, sido exarado que:
- “I - Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos.
II - Mantendo-se a recorrente autonomamente como sujeito passivo de IRC e as empresas a si associadas igualmente autónomas e igualmente sujeitos passivos em sede de IRC os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas a si associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”;
- “I - Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica a decisão de efectuar a prestação suplementar não é exercício da sua actividade empresarial porque ela não tem por objecto, também, a gestão de participações sociais.
II - O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objecto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da actividade social da impugnante.
III - Não se trata de aferir da bondade dos actos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objecto social, não são um acto de gestão da sua actividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.
IV - O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efectuadas pela impugnante não são exercício da actividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa das realizações de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.”.
Por seu lado doutrina relevante, como dá conta a Requerente, emergiu em várias sedes de forma crítica em relação à jurisprudência assinalada, pugnando que os financiamentos gratuitos de uma sociedade a uma outra, sua participada, poderão ainda considerar-se como exercício da actividade empresarial daquela.
No processo arbitral 695/2015T[6], é revista doutrina e jurisprudência anterior sobre a matéria, análise para a qual se remete.
Em síntese, no referido aresto arbitral, quanto ao conceito de activo e de fonte produtora, conclui-se que quanto à questão “Uma sociedade participante que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, cobrando-lhes juros nulos, ou inferiores aos pagos, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?, deverá considerar-se que “a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro)”.
Entendeu-se assim, naquele caso, que quando a participante financia as participadas (seus activos financeiros), na contabilidade da participante “a alocação de fundos às participadas tem como contrapartida o incremento do valor do investimento contabilizado na conta "41-Investimentos financeiros". A fonte produtora que é financiada, na qual se reforça a posição da investidora é, em primeira linha, o conjunto de ativos financeiros” da participante.
Mais se julgou que “a fonte produtora materializa-se jurídica e contabilisticamente no ativo da [participante], que concentra legal, económica e financeiramente as características de uma fonte produtora da [participante]: é um conjunto de ativos previamente adquirido por esta entidade, que lhe outorga direitos sobre as participadas, e dele se esperam rendimentos na esfera da adquirente.”.
Ainda no acórdão arbitral em questão, acabou-se por concluir que: “… a AT corrige apenas o diferencial de juros e não a totalidade dos juros pagos pela [participante]. …, esta lógica de ajustamento fiscal afigura-se desajustada. Querendo-se questionar o diferencial de preços (taxas de juro) pagos e cobrados, seriam as normas de preços de transferência as que se deveriam aplicar, e não as do artigo 23.º do CIRC”.
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Ponderados os vários argumentos das posições antagónicas acima apresentadas, propende-se para o entendimento de que os financiamentos de uma sociedade a uma sua participada, da qual detinha 99,1% do capital social, deverão reputar-se como integrando o âmbito da actividade empresarial da primeira.
Com efeito, será notório, crê-se, que numa situação dessas a “saúde” financeira da sociedade participada se revista de capital importância para a sociedade participante, como notório será que o bom desempenho económico da sociedade participada é susceptível de gerar ganhos sujeitos a IRC para a sociedade participante, quer ao nível do aumento do valor económico das participações, com o consequente aumento do património e da robustez financeira da sociedade participante, e todas as vantagens, em termos de mercado, que daí advêm, quer ao nível da eventual geração de dividendos e/ou mais-valias.
Deste modo, não se julga que se deva colocar em causa que a disponibilização de meios financeiros, num caso como o dos autos, por uma sociedade participante a uma sua participada, seja alheio, por regra, ao interesse empresarial da primeira.
No que diz respeito à existência e quantificação da taxa de juro aplicada, com o referido acórdão arbitral proferido no processo 695/2015T do CAAD, julga-se que a questão deverá ser, nas situações em causa, aferida à luz do regime dos preços de transferência, regulada no art.º 63.º do CIRC, e não à luz da necessidade dos gastos, regulada no art.º 23.º do mesmo Código.
Não obstante, e como se viu, à luz da redacção vigente em 2013 da norma aplicanda (art.º 23.º/1/c) do CIRC então vigente), a jurisprudência do STA na matéria é clara e reiterada, no sentido de que “os encargos financeiros (...) suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas (...) associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”.
Efectivamente, julga-se que o problema fiscal da concessão de empréstimos por sociedades participantes a sociedades participadas, em situações como a dos presentes autos, reside, não na falta de interesse empresarial na operação, mas, antes, na possibilidade de esses interesses serem prosseguidos de maneira abusiva, permitindo a transferência de resultados entre as sociedades envolvidas, de forma não permitida pela lei, sendo que, de resto, o art.º 63.º do CIRC se refere expressamente a tais situações, ao incluir nas suas previsões as “operações financeiras”.
Não obstante, os tribunais em geral, e também os tribunais arbitrais, julga-se, estão vinculados ao dever de ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” (art.º 8.º/3 do Código Civil).
Por outro lado, e nos termos do art.º 25.º/2 do RJAT, “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”.
Daí que uma decisão, na matéria sub iudice, que vá contra a jurisprudência firmada pelo STA na matéria, verificando-se, como se verifica, identidade dos factos e do direito a aplicar a este, entre o presente caso, e os já julgados quer pelo STA, quer pelos Tribunais Centrais Administrativos, seria, não só susceptível de recurso nos termos do referido art.º 25.º/2 do RJAT, como, com um elevado grau de probabilidade, passível de ser revogada por aquele Alto Tribunal.
Assim, e em suma, não se crê que tivesse qualquer utilidade, pelo contrário (daria azo a tramitação processual adicional inútil e desnecessária), este Tribunal concluir de outra forma, no que diz respeito às correcções ora em apreço, relativas ao exercício de 2013, que não a reafirmada recorrentemente pelos Tribunais estaduais superiores, ou seja, que os encargos financeiros suportados pela Requerente com o financiamento da sua participada não têm acolhimento, no que à sua dedutibilidade diz respeito, no disposto no art.º 23.º do CIRC aplicável, por não se apurar que o objecto social da Requerente abranja a detenção e gestão de participações sociais.
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Já no que diz respeito às correcções de ora em seguida em apreço, relativas aos exercícios de 2014 e 2015, julga-se ser possível concluir de outra forma.
De facto, no ano de 2014, a norma em questão nos presentes autos, o art.º 23.º do CIRC, foi alterada na sua redacção, de modo significativo e intencional, passando a referir como critério geral da dedutibilidade dos gastos, que estes tenham sido incorridos “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, quando antes dispunha no sentido da necessidade de os mesmos serem “comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.
Conforme resulta, inequivocamente, do “Anteprojeto de Reforma” do Código do IRC[7], a alteração introduzida foi no sentido de deixar claro que “o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC” se destina a excluir os “encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios”.
À luz de tal critério, e do quanto se expôs anteriormente, não se julga que se possa considerar que a concessão de financiamento por uma sociedade participante a uma sociedade participada, em situações como a dos autos (99,1% de participação), se possa qualificar como não inserida na actividade da sociedade participante, e como tal veja os gastos subjacentes a tal operação qualificados como indedutíveis, à luz do art.º 23.º do CIRC aplicável.
De resto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição tributária estadual, na matéria em questão, emitida, toda a que é conhecida, à luz da redacção anterior da norma em causa, que, como se viu, foi alterada, acabou por reconduzir a questão à mera inserção da actividade de detenção e gestão de participações sociais no objecto social das sociedades participantes, conforme decorre, transparentemente, dos cotejo dos acórdãos do STA de 21-02-2018 e de 30-05-2018, ambos proferidos no processo 0473/13, e de 28-02-2018, proferido no processo 01206/17.
Ora, o objecto social não limita a licitude dos actos jurídicos das sociedades, nem a sua capacidade jurídica, nem, muito menos, a sujeição a imposto dos proveitos de tais actos ou actividades, dispondo o art.º 6.º/4 do C.S. Comerciais que “As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a capacidade da sociedade, mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objecto ou de não praticarem esses actos.”, de onde decorre que a prática por uma sociedade de actos de comércio que não estejam compreendidos no seu objecto, não são proibidos, nem, consequentemente, e de per si, ilícitos.
Assim, e ainda que estranhos ao objecto social, esses actos ou actividades são susceptíveis de “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” das sociedades, pelo que razão alguma se vê para excluir os gastos, decorrentes desses mesmos actos ou actividades, à luz da redacção do art.º 23.º/1 do CIRC, vigente em 2014 e 2015, unicamente por não se reconduzirem, formalmente, ao objecto social do sujeito passivo[8].
Face ao exposto, e tendo em conta que, como se referiu atrás, a jurisprudência conhecida do STA e dos Tribunais Centrais na matéria foi proferida no âmbito da redacção do art.º 23.º do CIRC, vigente até 31-12-2013, julga-se que as correcções em apreciação, referentes aos períodos de 2014 e 2015, a considerarem não dedutíveis os encargos financeiros suportados pela Requerente com empréstimos concedidos à sua participada, ainda que a título gratuito, viola o disposto no art.º 23.º/1 do CIRC, enfermando, como tal, de erro de direito e devendo, por isso, ser anuladas, procedendo, nessa parte, o pedido arbitral.
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Nas suas alegações a Requerente pede, a final, que seja “reconhecido o direito a juros indemnizatórios contados à taxa legal desde a data da correcção do imposto até à data do seu integral reembolso.”.
Não obstante, o certo é que no Requerimento inicial, que delimita o objecto da presente acção arbitral a Requerente não formulou qualquer pedido a esse respeito.
Por outro lado, os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento indevido do imposto, e não “desde a data da correcção do imposto até à data do seu integral reembolso.”, sendo certo que não resulta dos autos, desde logo por nada ter nada sido alegado nesse sentido, que tenha sido efectuado o pagamento do imposto correspondente à parte das liquidações que ora parcialmente se anulam, pelo que, sem prejuízo de em sede de execução de julgado se verificarem os referidos pressupostos, não pode na presente sede ser reconhecido o direito pretendido pela Requerente.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Anular parcialmente os actos de liquidação n.º 2017 ... e n.º 2017..., relativos, respectivamente, aos exercícios de 2014 e 2015 da Requerente, e respectivas liquidações de juros compensatórios, bem como do acto de indeferimento da reclamação graciosa que teve aqueles actos como objecto, na parte respeitante à desconsideração como gastos dos encargos financeiros suportados pela Requerente com o financiamento à sua participada H...;
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Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 2.200,00, a cargo da Requerente, e de € 248,00, a cargo da Requerida.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 67.966,80, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Sofia Ricardo Borges)
O Árbitro Vogal
(Ana Teixeira de Sousa)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] A este propósito, cfr., p. ex., o Ac. do STJ de 12-07-2001, proferido no processo 02B511 (disponível em www.dgsi.pt), onde lê, para além do mais, que “A interposição fictícia, verifica-se quando um negócio jurídico é realizado simultaneamente com uma pessoa, dissimulando-se nele um outro negócio (real), de conteúdo idêntico ao primeiro, mas celebrado com outra pessoa.”.
[3] Ac. do TCA-Sul, de 12-12-2013, proferido no processo 06826/13.
[4] Ac. do STA de 30-01-2011, proferido no processo 0107/11.
[5] Ac. do STA de 19-04-2017, proferido no processo 0925/16.
[8] Isto, claro está, sem prejuízo de, em situações como a dos autos, a dedutibilidade de tais gastos poder ser excluída por via das normas relativas aos preços de transferência, e/ou da limitação da dedutibilidade dos gastos financeiros, nos termos do art.º 67.º do CIRC.