DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maças (Árbitro Presidente), João Taborda da Gama e Carla Castelo Trindade, designados no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., ..., ...-..., ..., concelho de ..., na qualidade de sociedade dominante do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”) do grupo B..., apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade do indeferimento das reclamações graciosas deduzidas contra os actos de liquidação de IRC, relativos aos exercícios de 2015 e 2016, na parte em que não admitem a dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) no montante de
€ 655.761,20.
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Fundamenta o pedido nos seguintes termos:
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A Requerente dispóes de créditos fiscais apurados nos exercícios de 2009 e seguintes no âmbito do SIFIDE que nunca foram deduzidos por insuficiência de colecta.
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No exercício de 2015 e 2016 não foi possível deduzir os créditos fiscais na parte referente à colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas, redundando no pagamento indevido de €544.678,71 e €111.082,49, respectivamente.
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Na óptica da requerente os montantes pagos a título de tributação autónoma deveriam ter sido integralmente compensados com os valores de SIFIDE disponíveis, nomeadamente a imputação do crédito de 2009 ao exercício de 2015 e do de 2010 ao exercício de 2016.
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Entende a requerente que a colecta a considerar para efeitos para efeitos de processamento da liquidação do IRC deve contemplar também a derrama e a Tributação Autónoma, independentemente das restrições impostas pelo sistema informático da AT aquando do preenchimento da Declaração Modelo 22.
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Considera a requerente que a dedutibilidade de benefícios fiscais ao montante apurado nos termos do artigo 90º do CIRC não exige a existência de lucro tributável, apenas exige que haja colecta de IRC que pode existir mesmo sem lucro tributável, por força da tributação designadamente autónoma.
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Quanto à norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não obsta à dedução à colecta de IRC das tributações autónomas, já que, pela sua natureza inovadora e não interpretativa, não se entende aplicável a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nomeadamente, ao exercício fiscal de 2015, nem ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 30 de Março de 2016.
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Considera ainda que o benefício fiscal criado pelo SIFIDE pela sua natureza excepcional, não pode ser objecto de uma interpretação restritiva à luz do disposto no artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Pelo que não é possível contornar, por efeito da interpretação da lei, a intenção legislativa de atribuir uma vantagem fiscal ao contribuinte e interpretar a lei de forma que restrinja o aproveitamento dos benefícios fiscais em causa, pois feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal e seria contrária ao princípio da confiança e consequentemente ao Estado de Direito.
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Pede em consequência a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento das reclamações graciosas, e a anulação parcial da liquidação de IRC referentes a 2015 e 2016 na parte em que não permitiu a dedução à colecta produzida pelas tributações autónomas do benefício fiscal.
9. A Autoridade Tributária, na sua resposta, considera que a inclusão das tributações autónomas no Código de IRC, pela sua natureza, finalidade e caracter autónomo pela especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, tem como corolário lógico a aplicação das normas gerais próprias desse imposto que não contendam com a sua especial forma de incidência, conferindo uma natureza dualista ao sistema normativo do imposto que se corporiza no apuramento separado das respectivas colectas de acordo com diferentes regras.
10. Havendo assim lugar a dois cálculos distintos, que, embora processados nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, são efectuados com base na aplicação de diferentes taxas às respectivas matérias colectáveis que são determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
11. A liquidação do IRC opera mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada nos termos do capítulo III do Código, ao passo que em relação à liquidação da tributação autónoma são apuradas diversas colectas de acordo com as taxas previstas no artigo 87.º, resultantes do disposto nos artigos 88.º e 89.º, consoante a diversidade dos factos que originam a liquidação da tributação autónoma, não podendo, por conseguinte, falar-se num sistema unitário de tributação em IRC.
12. E nesse sentido o montante apurado nos termos da alínea a) do artigo 90.º do CIRC comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades diferentes, pelo que as deduções previstas no n.º 2 desse artigo só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista correspondência directa.
13. De outro modo, a dedução de benefícios fiscais à colecta resultante da tributação autónoma teria um efeito contraditório, permitindo que a concretização de objectivos de incentivo fiscal viesse a eliminar a tributação autónoma em relação a despesas que o legislador pretende desincentivar.
14. Conclui pela improcedência do pedido.
15. Em alegações, as partes reiteraram as suas anteriores posições.
16. No dia 10-05-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
17. A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Dr. João Taborda da Gama, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro a Exm.ª Sr.ª Dr.ª Carla Castelo Trindade.
18. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.
19. Por despacho de 20-07-2018, e na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designado árbitro-presidente, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.
20. Em 20-07-2018, as partes foram notificadas das referidas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
21. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 09-08-2018.
22. No dia 01-10-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
23. Atendendo a que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação pelas partes.
24. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
25. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.
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A requerente é uma sociedade que integra e lidera o grupo B...;
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Na qualidade de sociedade dominante do grupo B..., recai sobre a Requerente a responsabilidade pelo pagamento do imposto, nos termos do actual artigo 115.º do Código do IRC;
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A Requerente dispõe de créditos fiscais apurados nos exercícios de 2009 e seguintes no âmbito do SIFIDE que nunca foram deduzidos por insuficiência de colecta;
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A Requerente apresentou declaração Modelo 22 de IRC, referente aos exercícios de 2015 e 2016, procedendo à liquidação de tributações autónomas no montante de € 655.761,20;
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No exercício de 2015, a Requerente apurou um montante total de colecta no valor de € 960.149,46 ao qual não foi possível deduzir os créditos fiscais na parte referente à colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas, redundando no pagamento indevido de € 544.678,71;
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A Requerente dispunha no exercício de 2015, de um saldo de créditos fiscais referentes aos exercícios de 2009 a 2015 ainda não caducado, no âmbito do SIFIDE de € 79.693.282,94, mais € 8.557.598,74 do próprio ano;
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No exercício de 2016, a requerente apurou um montante total de colecta no valor de € 287.200,52 ao qual não foi possível deduzir os créditos fiscais na parte referente à colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas, redundando no pagamento indevido de € 111.082,49;
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No exercício de 2016 a requerente dispunha de créditos fiscais referentes aos exercícios de 2010 a 2015 no montante total de € 79.037.892,00;
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Na óptica da requerente os montantes pagos a título de tributação autónoma deveriam ter sido integralmente compensados com os valores de SIFIDE disponíveis, nomeadamente a imputação do crédito de 2009 ao exercício de 2015 e do de 2010 ao exercício de 2016;
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A Requerente apresentou reclamações graciosas contra a liquidação de tributações autónomas do referido exercício de 2015 e 2016, que foram analisadas e indeferidas sob os processos n.ºs ...2017... e ...2017... .
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.
B. DO DIREITO
O Tribunal não acompanha a tese defendida pela Requerente desde logo porque resulta de uma interpretação jurídica que não leva em linha de conta os elementos teleológico e racional das figuras da tributação autónoma e do IRC ao admitir que decorre do artigo 4.º, n.º 1 do respetivo diploma do SIFIDE, conjugado com o artigo 90.° do Código do IRC, que ao cálculo das tributações autónomas se efetua nos termos do artigo 90.º do Código do IRC e portanto podem ser deduzidos benefícios fiscais ao montante a pagar de tributações autónomas.
Para compreendermos o que se diz e, consequentemente, o porquê da negação do pedido da Requerente, começar-se-á então por explicar de forma resumida a distinção estrutural e dogmática entre as figuras do IRC e da tributação autónoma. Tudo para depois concluir que no cálculo das tributações autónomas não cabem quaisquer deduções sendo a liquidação das tributações autónomas efectuada nos termos do artigo 88.º e 89.º do Código do IRC recorrendo-se unicamente ao n.º 1 do artigo 90.º do Código para efeitos de procedimento da liquidação. Nunca ao n.º 2 e seguintes do artigo 90.º do Código porquanto estes encerram instrumentos aplicáveis unicamente ao IRC.
Depois avançar-se-á para a análise de regime do SIFIDE para se concluir que os regimes de apoio ao investimento que são concretizados em deduções à coleta do IRC se reportam à coleta de IRC stricto sensu para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas.
Vejamos.
Começando pela divergência (fundamental) relativa à natureza das tributações autónomas.
Aqui, este Tribunal acompanha a posição uniforme e reiterada quer da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo quer da Doutrina.
As tributações autónomas são um imposto sobre a despesa diferente e distinto do IRC que, indiscutivelmente, é um imposto sobre o rendimento. Isto sem se discutir se as tributações autónomas têm ou não natureza – semelhanças – com o IRC. É que independentemente das possíveis semelhanças não há dúvida que são impostos diferentes.
Esta jurisprudência foi iniciada há já 7 anos no tribunal constitucional com o voto de vencido do Exmo. Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010. No Acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho, o Tribunal Constitucional reformulou a doutrina do Acórdão n.º 18/11 aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes.
Esta jurisprudência foi mais tarde reafirmada pelo Plenário, no Acórdão
n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e, recentemente, no Acórdão n.º 197/2016, proferido no âmbito do processo n.º 465/2015.
No mesmo sentido tem andado o Supremo Tribunal Administrativo como se confirmará, entre outros, no Acórdão de 21/3/2012, processo 830/11, de 21/3/2012.
A doutrina também acompanha esta posição.
De Sérgio Vasques, em nota de rodapé 60, página 342, do seu Manual de Direito Fiscal Almedina, 2015, a Rui Morais nos Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203, passando pelo Professor Casalta Nabais no seu Direito Fiscal, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 542 e pela Professora Ana Paula Dourado nas Direito Fiscal, Lições, 2015, pp. 237 ss. Todos reiteram a posição já sufragada pelos tribunais portugueses. A tributação autónoma e o IRC são impostos diferentes.
Tem sido este o entendimento seguido em várias decisões, nomeadamente a decisão arbitral proferida pelo colectivo presidido pelo Senhor Conselheiro Carlos Alberto Cadilha no âmbito do processo n.º 7/2018-T de 3 de Julho de 2018: “A tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas)”.
Esta tese foi transposta para a lei de forma inequívoca pelo próprio legislador quando na redacção introduzida ao artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, se passa a dizer que “não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável» «o IRC, incluindo as tributações autónomas”. Que sentido faria deixar claro na lei que a tributação autónoma e o IRC não são dedutíveis ao lucro tributável se as tributações autónomas fizessem parte do IRC? Se assim fosse os Acordos para Evitar a Dupla Tributação teriam as tributações autónomas incluídas onde se refere o IRC o que, como se sabe, não sucede. Essa é de resto a razão pela qual Portugal tem vindo a incluir as tributações autónomas na lista de impostos abrangidos. Assim, em face do exposto pode desde já concluir-se, de forma singela, que se o legislador fiscal entendesse que o IRC incluía as tributações autónomas não teria tido necessidade de distinguir as duas realidades, pois esse IRC já incluiria necessariamente as tributações autónomas.
E não é pelo facto de a tributação autónoma estar inserida no Código do IRC que as duas realidades se devem confundir.
Recorde-se que a tributação autónoma foi introduzida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, não tendo sido imediatamente inserida no Código IRC. O legislador só 10 anos depois do surgimento da tributação autónoma decidiu introduzi-la no Código IRC através da Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro. O que o legislador procurou com esta sistemática foi um efeito anestesiador, já que, não obstante as tributações autónomas serem liquidadas independentemente do IRC, são autoliquidadas juntamente com a declaração do IRC, através do modelo 22. Quanto a esta questão o Tribunal Constitucional considerou, nos Acórdãos n.ºs 18/2009 e 85/2010, que a tributação autónoma poderia estar inserida em qualquer outro código ou diploma autónomo.
E as realidades são diferentes desde logo porque os objectivos são diferentes.
No IRC visa-se a tributação do rendimento sob o escrutínio da capacidade contributiva.
Já a tributação autónoma teve, pelo menos originariamente, dois objectivos bem diferentes sempre sob a legitimação do princípio da igualdade tributária.
O primeiro o de tributar na esfera das empresas o que não se consegue tributar em sede de IRS e o segundo o de desincentivar a realização de certas despesas ou de certos comportamentos. A este propósito o professor Saldanha Sanches chegou mesmo a afirmar que “Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial” acrescentando ainda que na “«(...) designação de “tributações autónomas", escondem-se realidades muito diversas (...)»” (Manual de Direito Fiscal, 3.“ edição (2007), Coimbra Editora, pág. 406/7). O Professor Guilherme de Oliveira Martins afirma que as tributações autónomas “(…) cumprem, no essencial, duas funções: por um lado, evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos; outros tipos de tributações autónomas visam, pura e simplesmente, penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos dos sujeitos passivos, consubstanciando um mecanismo antiabusivo.”.
Neste sentido, a decisão arbitral proferida pelo colectivo presidido pelo Senhor Conselheiro Carlos Alberto Cadilha no âmbito do processo n.º 641/2017-T: “as taxas de tributação autónoma têm a natureza de normas anti-abuso e destinam-se a desencorajar certas situações especiais que visem obter uma diminuição da carga fiscal mediante a dedução de custos que se presume não serem determinados por uma causa empresarial”.
A tributação autónoma visa apenas certas despesas tipificadas na lei fiscal, e não a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respectivo exercício económico, visam então tributar uma vantagem patrimonial obtida, via de regra, através da realização destas despesas e que se traduz, consequentemente, na diminuição do lucro tributável. O IRC visa, por seu turno, tributar o rendimento real do sujeito passivo atendendo à sua capacidade contributiva.
Há que lembrar que é unanimemente aceite quer pela jurisprudência, quer pela doutrina, que as taxas autónomas de IRC (e IRS) são um tributo de obrigação única distinto dos próprios IRC e IRS, impostos de formação sucessiva. Há também que relembrar que a autonomia das taxas autónomas resulta de possuírem um facto gerador radicalmente distinto do IRS/IRC, de obedecerem a regras de liquidação próprias e de servirem finalidades muito específicas.
O legislador tem vindo a alargar o âmbito da tributação autónoma, tendo passado a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estes cessem funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas ultrapassem certos limiares. O que se mostra justificado como uma forma de assegurar “uma distribuição mais justa dos encargos tributários e a uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas”.
Com efeito, as finalidades das tributações autónomas são hoje variadas mas, no que têm de mais importante, insista-se, elas servem para garantir a igualdade tributária garantindo a sujeição a imposto de valores que, sendo despesa na esfera das empresas, prefiguram rendimento na esfera de terceiros e prevenindo o planeamento abusivo pelo recurso a paraísos fiscais. Estes objectivos são de superlativa importância para garantir a justa distribuição dos rendimentos e da riqueza a que apela o artigo
103.º, n.º 1, CRP.
Em face do exposto, se há razões que justificam a admissão de deduções gerais à colecta do imposto (IRC), permitidas por lei por força do princípio da tributação do rendimento real e efectivo enquanto elemento revelador da capacidade contributiva, o mesmo não acontece em relação à colecta devida por tributações autónomas. A dedução à colecta é uma realidade do IRC (e do IRS) enquanto imposto legitimado pelo princípio da capacidade contributiva. Nas tributações autónomas, não são estas as preocupações e os elementos enformadores do imposto. Seria mesmo ilógico e, arrisca-se, contrário ao princípio da igualdade tributária, permitir a dedução de encargos quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anti abusivo que as caracteriza e que se resume ao desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime.
Em suma, as tributações autónomas, que incidem sobre certas despesas, funcionam de modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC, que tributa rendimentos, e, não obstante a inserção sistemática e a ligação funcional ao IRC, a verdade é que são cobradas no âmbito do processo de liquidação deste imposto sem, no entanto, se descaracterizarem e perderem sua raiz dogmática próprias.
Visitado o substrato teórico olhemos agora à lei.
Nada se diz na lei se o que está no artigo 90.º do Código do IRC, sob a epígrafe “Procedimento e Forma de liquidação” se aplica às duas realidades – IRC e tributação autónoma – ou a uma só e a qual. Porém, no entender deste Tribunal duma interpretação teleológica e sistemática da lei resulta claro que o n.º 1 do artigo 90.º - que encerra o procedimento de liquidação – se aplica quer ao IRC quer às tributações autónomas. Já o n.º 2 do mesmo artigo – que encerra a forma de liquidação – reporta-se aos casos da matéria colectável referida no artigo 15.º do CIRC, ou seja, ao IRC.
Para melhor compreender esta conclusão será necessário perceber que foi estabelecido no então n.º 6 do artigo 109. ° do Código do IRC, actual artigo 117.°, que a obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos abrange as entidades isentas de IRC, quando estejam sujeitas a tributação autónoma. E para determinados efeitos – designadamente para efeitos das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90. ° do Código do IRC ou do cálculo dos pagamentos por conta ou ainda do Resultado da Liquidação (artigo 92.°) - ficou, então, ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de identificar a parte relevante de colecta do IRC. Isto extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto. Pois bem, é aqui que há que ter cautela.
Quando se trata das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.° do Código IRC, parece defender a Requerente que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deva ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no artigo 87.° do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no artigo 88.°. Ora, o resultado desta interpretação implicaria desde logo e de uma forma muito singela que na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do artigo 105.º do Código do IRC, e em termos idênticos aos utilizados no n.º 2 do artigo 90. °, fossem incluídas as tributações autónomas. Com efeito, para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do artigo 87.º do respectivo Código. E aqui não há qualquer diferendo nem na Doutrina nem na jurisprudência. Pois que, é de salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do artigo 33.° da LGT são “as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário”, constituindo uma “(...) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte”. Portanto, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.
Aqui, este Tribunal acompanha o que defende a Requerida insistindo-se de que a única (e consistente) interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.º 2 do artigo 90. ° do Código do IRC, relativas a:
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créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (actuais alíneas a) e b));
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benefícios fiscais (actual alínea c));
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pagamento especial por conta (actual alínea d));
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e retenções na fonte (actual alínea e)).
Na realidade, faz-se notar que o traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.º 2 do artigo 90. ° do Código do IRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.
E diz-se assim porque para este Tribunal é claro que a liquidação a que o legislador se quis reportar no n.º 2 é à matéria colectável referida no artigo 15.º do Código do IRC. Ou dito de outro modo, o “pecado original”, nunca bem resolvido é verdade, está no facto de (ter de) se entender, interpretando teleológica e sistematicamente a lei, que o n.º 1 do artigo 90.º se aplica às tributações autónomas, situação que se mantém mesmo com a mais recente alteração que veio apenas estabelecer que não existirá qualquer dedução ao montante da liquidação que resultar das tributações autónomas.
Assim, no cálculo das tributações autónomas não cabem quaisquer deduções sendo a liquidação das tributações autónomas efectuadas nos termos do artigo 88.º e 89.º do Código do IRC e do n.º 1 do artigo 90.º do Código. Nunca nos termos do n.º 2. O disposto no n.º 2 do artigo 90.º aplica-se ao único imposto cujo funcionamento e substrato teórico-constitucional permite a sua aplicação – IRC. O procedimento de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC se aplica também às tributações autónomas. Porém dizer isto não significa aceitar que o mesmo se aplica ao n.º 2 do mesmo artigo. Não. Este preceito aplica-se unicamente ao IRC.
Posto isto há agora que olhar ao regime do SIFIDE para concluir então o que acima se deixou dito, isto é, que os regimes de apoio ao investimento que são concretizados em deduções à colecta do IRC se reportam à colecta de IRC stricto sensu para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas. Não concorrem nem poderiam concorrer porque ainda que o artigo 4.º, n.º 1 do respectivo diploma, remeta para o montante de imposto apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC está a referir-se aos montantes apurados nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC. E nestes temos, como sabemos os casos da matéria colectável referida no artigo 15.º do mesmo Código, i.e. IRC.
Para reforçar esta posição há que olhar ao Relatório do Grupo de Trabalho constituído pelo Despacho n.º 130/97-XIII do Ministério das Finanças onde se pode ler que o crédito de imposto ou dedução à colecta configura uma das modalidades, de entre as previstas no n.º 2 do artigo 2.° do EBF, que têm sido adoptadas sobretudo nas medidas de incentivos fiscais ao investimento. E são fundamentalmente duas as razões: uma, ligada à operacionalidade do benefício pela transparência e simplicidade do cálculo da despesa fiscal associada que, como é sabido, representa a receita fiscal (do IRC) cessante; e outra, que se prende com a filosofia subjacente aos benefícios, ou seja, a sua indexação à rendibilidade do investimento segundo a qual “a dedução de uma certa percentagem de um investimento à colecta de um imposto sobre lucros só se efectiva se houver lucro, o que premeia a rendibilidade do investimento” (Reavaliação dos Benefícios Fiscais in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 180, 1998, pp. 46-47).
O SIFIDE II permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede de IRC, proporcional à despesa de investimento em investigação e desenvolvimento (ao nível dos processos, produtos e organizacional) que consigam evidenciar, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido (Cfr Lei n.° 55- A/2010 de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 82/2013 de 17 de Junho e Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro). Concretamente, o benefício a obter com o SIFIDE II traduz-se na possibilidade de deduzir à colecta de IRC apurada no exercício, um montante de crédito fiscal que resulta do somatório das seguintes parcelas: Taxa base: 32,5% das despesas realizadas no exercício; Taxa incremental: 50% do acréscimo das despesas realizadas no exercício face à média aritmética simples das despesas realizadas nos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1.500.000, ou seja e em síntese: os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência” e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de colecta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas “poderão ser deduzidas até ao 6.° exercício imediato”.
Ou seja, o legislador do regime do SIFIDE, ao fazer essa referência expressa ao montante apurado nos termos do artigo 90.° do Código do IRC, está a reportar-se à colecta de IRC propriamente dita para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas precisamente porque não entram no apuramento nem do lucro tributável, nem da matéria colectável, e, como consequência, não concorrem para o IRC liquidado.
É perceptível que, apesar do artigo do SIFIDE se referir ao artigo 90.º como um todo refere-se ao montante apurado nos termos do n.º 2 do artigo 90.º, e este só se aplica, como já se sabe, ao IRC.
A dedução relativa a benefícios fiscais (alínea b) do n.º 2 do artigo 90.°), quando se trata de benefícios ao investimento - como é o caso do SIFIDE -, tem subjacente a filosofia de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois quanto mais elevado foi o lucro/matéria colectável do IRC maior será a capacidade para efectuar a dedução. E é esta a lógica do benefício fiscal do SIFIDE que justifica e legitima a derrogação ao princípio da igualdade tributária.
Assim, não subsiste qualquer erro conceptual nem tão pouco qualquer contradição entre o acabado de expor e o facto de o regime do SIFIDE estabelecer que os mesmos são concretizados em deduções à colecta dos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, i.e., do IRC. É porque no entender deste tribunal quer as tributações autónomas quer o IRC são liquidados nos termos do n.º 1 do artigo 90.° do Código do IRC. Porém das duas realidades a única que é passível de dedução à colecta – isto é de concretização do benefício é, quer por razões literais (porque o n.º 2 do artigo 90.º se aplica unicamente ao IRC) quer por razões materiais (o benefício só se efectiva se houver lucro de modo a premiar a rendibilidade do investimento), é a colecta do IRC que como vimos é diferente e distinta da tributação autónoma. O resultado das tributações autónomas, apurado de forma autónoma/independente/separada não concorre para a colecta do IRC, pelo contrário, há-de acrescer ao IRC liquidado para efeitos de apuramento do valor a pagar ou a recuperar, o que consubstancia um resultado bem diferente. Note-se a este propósito que são desde logo devidas tributações autónomas (agravadas) no caso de sujeitos passivos que apresentem prejuízos fiscais.
Em face de tudo o exposto, e atenta em especial a natureza e razão de ser das tributações autónomas, não é possível admitir a dedução de benefícios fiscais à colecta de tributação autónoma, sob pena de violação do princípio da igualdade tributária.
Admitir esta possibilidade leva a que um sujeito passivo pudesse efectuar a dedução a título de SIFIDE ou outros benefícios fiscais ao montante de tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas subvertendo por completo a função dessas tributações na prevenção ou evitação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.
Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas maxime uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não vê este Tribunal por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se em prol de um benefício fiscal. Não se vê como é que comportamentos como os de relações com paraísos fiscais possam ser desconsiderados e aproveitados em função de benefícios fiscais ao investimento o que sucederá ao possibilitar-se a dedução à colecta das tributações autónomas incentivos fiscais como aponta a presente decisão: Este resultado é no mínimo paradoxal. Seria admitir que os créditos fiscais resultantes de incentivo ou benefício fiscal pudessem neutralizar o efeito sancionatório da tributação autónoma, desvirtuando o próprio conceito de benefício fiscal e os princípios da capacidade contributiva e da justa repartição da carga fiscal.
É que aqui há ainda que relembrar que os benefícios fiscais são normas absolutamente excepcionais no sistema fiscal, na medida em que encerram uma derrogação ao princípio da igualdade tributária, resultante do artigo 13.º CRP. Só podem sobreviver, portanto, a um juízo de inconstitucionalidade se a derrogação que trazem ao princípio da igualdade se mostrar necessária, adequada e proporcionada à tutela dos fins extrafiscais em jogo, o que não acontece no caso.
Uma tal interpretação das normas do Código do IRC não apenas escamoteia o facto gerador e procedimento de liquidação muito próprios das taxas de tributação autónoma, mas sobretudo, uma tal interpretação das normas do Código do IRC atribui às regras do SIFIDE e aos benefícios fiscais em geral uma dignidade constitucional que não possuem no confronto com o princípio da igualdade tributária. Interpretadas as normas do Código do IRC e do SIFIDE deste modo, parece manifesto que a lesão que trazem ao artigo 13.º da CRP não se mostra necessária, adequada nem proporcionada ao objectivo de promoção da ciência que está subjacente ao SIFIDE.
Assim, o Tribunal realiza não uma interpretação restritiva do artigo 4.º do SIFIDE II mas tão só uma interpretação teleológica e sistemática do previsto quer no SIFIDE quer no Código do IRC de forma a salvar o regime do teste de conformidade constitucional designadamente no que em concreto respeita à violação do princípio da igualdade tributária. É que não nos podemos nunca olvidar que as normas que disciplinam benefícios como o SIFIDE possuem natureza excepcional e só podem reconhecer-se como válidas quando a derrogação que tragam ao princípio da igualdade seja necessária, adequada e proporcionada ao fim extrafiscal que lhes está subjacente.
Não vale, portanto, a pena entrar na discussão, por despicienda, de saber se estamos ou não perante um benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais. Claro que sim, caso contrário não se teria aprovado o regime do SIFIDE. A questão é a de saber que receita fiscal é que foi cedida em função de investimento? Receitas decorrentes de um imposto que admite deduções e que obedece ao princípio de capacidade contributiva e que premeia quem investe, mas quem gera imposto admitindo que quem mais lucro obtiver mais pode investir. Ou o que se quis (e se admitiu) foi ceder receita decorrente de um imposto sobre a despesa que sob a alçada do princípio da igualdade tributária obriga a quem tem comportamentos desviantes – como pagamento com ajudas de custo ou despesas de representação, ou mesmo pagamentos a entidades residentes em paraísos fiscais – deixe de pagar esse imposto em virtude de ter despesas de investimento?
Não restam dúvidas que foi o primeiro.
Tanto assim é que a alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2018 alterou a redacção do artigo 88.º do Código do IRC no sentido de que não são efectuadas quaisquer deduções ao montante devido das tributações autónomas ainda que estas provenham de legislação especial como o SIFIDE. Ora, mesmo sem se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo legislador novamente ao n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC é claro que o legislador – que relembre-se, é sempre o mesmo, a Assembleia da República –, quis elucidar o que de resto já resultava da lei.
E até aqui, se não havia qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como é o SIFIDE II, é agora claro com a nova redacção do n.º 21 do artigo que não são permitidas quaisquer deduções à colecta das tributações autónomas mesmo que estas provenham de legislação especial.
Na tese que este Tribunal sufraga, o legislador, ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, com o conteúdo mencionado, limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes.
Atento o exposto, conclui-se, desta forma, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à coleta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado em especial ao artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, nos termos do qual nos termos do qual “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”
Finalmente, não sendo aplicadas no caso em apreço as normas cuja inconstitucionalidade vem questionada, deixa de fazer sentido as invocadas inconstitucionalidades materiais suscitadas pela Requerente, em especial por violação do princípio da retroatividade da lei, proibido pelo artigo 103.º, nº3, da CRP.
Assim, pelas razões expostas, este Tribunal nega provimento ao pedido arbitral de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, na parte produzida pelas tributações autónomas, com a sua consequente manutenção na ordem jurídica.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedentes os pedidos arbitrais formulados e, em consequência, manter os actos tributários objecto da presente acção arbitral.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 655.761,20, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa 10 de Janeiro de 2019
O Árbitro Presidente
(Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs)
O Árbitro Vogal
(João Taborda da Gama –
Vencido. Teria julgado procedentes os pedidos, nos termos, nomeadamente, da decisão no Processo n.º 428/2017-T, que subscrevi, e para cuja fundamentação remeto)
O Árbitro Vogal
(Carla Castelo Trindade)