Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 195/2016-T
Data da decisão: 2019-01-16  Selo  
Valor do pedido: € 15.224,94
Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 TGIS – Terrenos para construção. Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão). -Substitui a Decisão Arbitral de 22 de outubro de 2016
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Decisão Arbitral

- Revista após Acórdão do Tribunal Constitucional -

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 13 de junho de 2016, vem, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional de 09.08.2018[1], que decidiu conceder provimento ao recurso apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira da decisão proferida em 22.10.2016, julgando não inconstitucional a norma constanta da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00, reformar a decisão anteriormente proferida, a qual passa a ser a seguinte:

RELATÓRIO

 

  1. Enquadramento processual

 

No dia 29-03-2016, a sociedade A..., S.A., NIPC..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 11-04-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 25-05-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 13-06-2016.

O Tribunal proferiu decisão sobre o processo no dia 22.10.2016, tendo o processo sido arquivado em 24.10.2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou um pedido de cópia do processo a 25.10.2016 e um requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional a 31.10.2016, sobre o qual foi proferido despacho no dia 02.11.2016.

A decisão sumária do Tribunal Constitucional foi recebida e notificada a 20.09.2018.

  1. Síntese dos fundamentos invocados pela Requerente

No presente processo, pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e inconstitucionalidade do ato de liquidação de imposto do selo referente ao ano de 2014, que identifica através das suas três prestações, com os números 2015..., 2015... e 2015..., no valor total de € 15.224,94, com vista à sua anulação, bem como do despacho da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa (em substituição), de 28.12.2015, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente relativamente ao ato de liquidação adicional em causa, pedindo ainda a consequente restituição dos montantes indevidamente pagos acrescidos de juros indemnizatórios.

A sociedade requerente desenvolve a sua atividade na área da construção de edifícios residenciais e não residenciais, sendo proprietária de um lote de terreno para construção descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia dos ..., concelho de Lisboa, com o número ..., e com o valor patrimonial tributário de € 1.522.493,70.

O ato de liquidação praticado foi-o ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, que a Requerente considera ser, na redação atual introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária na medida em que “não se encontra justificação plausível, dentro do espírito do legislador, quanto à discriminação negativa feita pela verba 28.1 da TGIS quanto aos terrenos com afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00 relativamente à tributação de prédios habitacionais edificados e que se achem constituídos em propriedade horizontal, ou em propriedade vertical, cujas frações autónomas ou unidades de afetação individual não excedam, no respetivo VPT, o valor de € 1.000.000,00, mas cujo VPT total seja igual ou superior a esse mesmo valor, uma vez que de tal resulta que o titular do direito de propriedade de um terreno para construção, destinado a habitação, com um valor superior a € 1.000.000,00 sofre uma tributação agravada relativamente àquela a que virá a estar sujeita a partir do momento em que tenha procedido à edificação de prédio habitacional sobre o terreno para construção.”

Considera que o princípio da igualdade tributária é violado porquanto sujeitos passivos com a mesma capacidade contributiva são tributados não consoante a sua riqueza, mas consoante o destino dos seus prédios e, ainda, porque o valor da propriedade não edificada não é o mesmo da propriedade edificada, não podendo, portanto, as duas realidades ser tributadas de forma idêntica.

Refere ainda a Requerente que, entendendo o STA que, quando os edifícios são constituídos por frações suscetíveis de utilização independente, é o valor de cada uma delas que releva para a aferição da tributação nos termos da verba 28.1 da TGIS, então, quanto aos terrenos para construção, o critério deverá ser o do valor de cada uma das frações autorizadas ou previstas.

Por fim, sustenta que há que atender ao fim a que se destina a construção, diferenciando as situações em que a construção é para utilização daquelas em que a construção, tendo em conta a atividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, se destina à posterior venda, sendo o terreno um fator de produção e não um elemento indiciador de riqueza (sendo esse o caso da Requerente, que prossegue a atividade de investimento imobiliário, adquirindo terrenos para posterior venda da edificação). Acrescenta ainda que o IS não tem em conta o rendimento das empresas, aplicando-se mesmo que estas apurem prejuízos fiscais, o que também gera o tratamento desigualitário das empresas comercializadoras de terrenos para construção.

A par da inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, a Requerente entende também verificar-se a inconstitucionalidade da norma da verba 28.1 da TGIS por violação do princípio da proibição da dupla tributação face à tributação em sede de IMI e de IS da situação em apreço, o que, em seu entender, justificaria a anulação do ato tributário impugnado.

 

O último fundamento invocado pela Requerente para a anulação do ato de liquidação em apreço é o de violação da própria verba 28.1 da TGIS, pelo facto de o terreno em causa não ser um terreno cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação na medida em que o mesmo não está licenciado apenas para efeitos habitacionais e que apenas uma parte do edifício a construir se destinará a habitação, sendo a outra destinada a serviços. Consequentemente, entende, a parte do terreno que irá ser afeta a serviços e não a habitação, não pode ser tributada ao abrigo da verba 28.1 da TGIS.

  1. Síntese da contra-argumentação da AT

O que está em causa é uma liquidação que resulta da aplicação direta da norma legal, e que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária. Assim, consultada a certidão de teor do prédio urbano que está na base da presente liquidação, verifica-se que os terrenos para construção estão afetos à habitação.

O facto de, na norma de incidência – verba 28.1 da TGIS – se ter positivado o prédio com afetação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação, cf. artigo 41 do CIMI, que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.

Não existindo em sede de IS definição do que se entende por ‘prédio urbano’, ‘terreno para construção’ e ‘afetação habitacional’ é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67º, n.º 2 do CIS na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10.

A classificação dos prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, está dependente do respetivo licenciamento, ou na sua falta, do destino normal para o fim em causa e não da sua afetação (cf. n.º 2 do art.º 6.º do CIMI).

Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do n.º 2 do art. 45.º do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no art.º 41.º do CIMI.

Donde, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação, decorrendo de tal asserção que a consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido a seguinte ordem de considerações:

a) na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exato sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art.º 9.º do Código Civil, ex vi art.º 11.º da Lei Geral Tributária (LGT);

b) o artigo 67.º, n.º 2, do CIS, manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI;

c) a afetação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

d) a própria verba 28 da TGIS remete para a expressão ‘prédios com afectação habitacional’, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.

O legislador não refere ‘prédios destinados a habitação’, tendo optado pela noção ‘afetação habitacional’, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, n.º 1, alínea a) do CIMI. Um prédio licenciado ou destinado a habitação não é o mesmo que um prédio com afetação habitacional.

Alega a requerente que o prédio impugnado possui afetação habitacional conjuntamente com serviços, pelo que a tributação efetuada nos moldes em que o foi é ilegal. Porém, verifica-se que a este prédio corresponde apenas a afetação de habitação (a principal e preponderante). Efetivamente de acordo com os dados de avaliação constantes da caderneta predial do prédio resulta que ao dito prédio foi atribuída apenas uma única afetação – a habitação. Pese embora a requerente tenha apresentado reclamação matricial, em 31-12-2015, a liquidação em discussão reporta-se a 2014 e não consta como resolvida.

A AT considera ainda inexistir inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade na medida em que o legislador da verba 28.1 da TGIS definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efetivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adoptado) exigida para o pagamento deste imposto. A diminuição de desigualdades presidiu à apresentação da Proposta de Lei n.° 96/XII (2.a), na qual pretendeu o legislador distribuir os sacrifícios impostos pela austeridade, por todos, permitindo a discriminação de patrimónios, sem que, tal como pretende a Requerente, ofenda disposições constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade, quer de per si, quer na sua vertente da capacidade contributiva, pois que daqui não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes, pois que são tratadas de forma diferente situações diferentes, ao arrepio daquele princípio constitucional.

Ou seja, o facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite.

Com efeito, a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, ou até a um prédio rústico, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa (habitação/serviços/comércio/indústria/atividade agrícola), a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

Com a verba 28.1 TGIS o legislador assumiu como uma medida de uma medida de igualdade, que se destinava a «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento», sendo que a igualdade na repartição dos sacrifícios visada com a verba 28.1 da TGIS pelo «esforço fiscal exigido» aos proprietários de «prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor» comparava com «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho».

O legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era suscetível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a verba 28.1 da TGIS sobre a posse de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas fiscais (e não só).

Em concreto quanto ao pedido de juros indemnizatórios, entende a Requerida que, atendendo a que a liquidação efetuada o foi com base na lei aplicável, à qual a Administração está vinculada, visando a Administração tributária, nos termos do artigo 55º da LGT e no seguimento do princípio vertido no artigo 266º n.º 1 e 2 da CRP, «… a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos» e estando os seus «… órgãos e agentes administrativos … subordinados à Constituição e à lei …» e devendo «… atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé», estando assim, a Administração tributária vinculada ao princípio da legalidade, não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico e também por força do disposto no artigo 55º da LGT.

O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais. Uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.

II. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo (PA) junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

III.1. Factos provados

 

  1. A requerente é proprietária de um terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia dos ..., concelho de Lisboa, com o número..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 1.522.493,70.
  2. Nos termos da respetiva caderneta predial, o terreno em questão tem como tipo de coeficiente de localização a “habitação”.
  3. A sociedade requerente desenvolve a sua atividade na área da construção de edifícios residenciais e não residenciais.
  4. A AT emitiu um ato de liquidação de imposto do selo, referente ao ano de 2014, que incidiu sobre o terreno identificado em a., o qual foi cobrado em três prestações, com os números 2015..., 2015... e 2015..., no valor total de € 15.224,94.
  5. A Requerente apresentou reclamação graciosa do referido ato de liquidação em 27.08.2015.
  6. Através de despacho da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa (em substituição), de 28.12.2015, a reclamação graciosa foi indeferida.
  7. A requerente procedeu ao pagamento do imposto em questão.
  8. Em 30.12.2015, a Requerente apresentou um pedido de reclamação matricial, tendo pedido a revisão da afetação e a discriminação do valor patrimonial tributário por divisão de utilização autónoma.

III.2. Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.

 

IV. THEMA DECIDENDUM

 

As questões que importa apreciar no presente processo são, no essencial, as seguintes:

  1. Saber se a norma constante da verba 28.1 da TGIS, no que concerne à tributação dos terrenos para construção, deverá ser considerada inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária;
  2. Saber se se deverá considerar verificada a existência de uma dupla tributação ao abrigo do IS e do IMI nos casos em que seja aplicável a verba 28.1 da TGIS e que repercussões é que terá tal constatação, a verificar-se a mesma;
  3. Saber se, no caso concreto, o ato de liquidação se baseou numa aplicação ilegal da norma constante da verba 28.1 da TGIS por não estar em causa um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.

 

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

A primeira questão suscitada pela Requerente prende-se com a alegada violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, na vertente da igualdade tributária, pela interpretação da norma prevista na verba 28.1 da TGIS nos termos da qual a mesma incide sobre terrenos para construção para os quais não esteja prevista a edificação de unidades habitacionais de valor superior a € 1.000.000,00.

 

Foi sobre esta questão que incidiu a decisão do Tribunal Constitucional, a qual, por remissão para os fundamentos constantes do Acórdão n.º 378/2018, de 04 de julho, julgou não inconstitucional a norma constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000.

 

Assim, impõe-se decidir a questão da inconstitucionalidade suscitada pela Requerente em seu desfavor, isto é, não conferindo provimento ao argumento suscitado.

 

Quanto à questão de saber se se deverá considerar verificada a existência de uma dupla tributação ao abrigo do IS e do IMI nos casos em que seja aplicável a verba 28.1 da TGIS, não nos parece que ocorra qualquer ilegalidade por essa via. Efetivamente, sendo o IMI um imposto municipal que incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios, rústicos e urbanos, situados no território português e aplicando-se a verba 28.1 da TGIS, à data, à propriedade de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação e cujo valor patrimonial tributário fosse igual ou superior a € 1.000.000, verificava-se que um mesmo proprietário podia estar sujeito aos dois impostos. No entanto, tal não consubstancia qualquer ilegalidade, na medida em que se tratava de dois impostos distintos, que tributavam, à data, circunstâncias distintas e de forma diferenciada. O simples facto de um mesmo proprietário estar sujeito a ambos não redunda em ilegalidade.

 

Relativamente à questão, também suscitada pela Requerente, de saber se, no caso concreto, o ato de liquidação se baseou numa aplicação ilegal da norma constante da verba 28.1 da TGIS por não estar em causa um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, na medida em que o terreno não está licenciado apenas para efeitos habitacionais porque parte do futuro edifício se encontra afeto a serviços, vejamos.

 

A norma em que se fundamenta a tributação é a norma que resulta da alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, à verba 28 da TGIS. O texto legislativo faz incidir a tributação sobre “terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação” e cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000. No caso presente, não está em dúvida que o valor patrimonial tributário do terreno suscita a tributação. O que está em causa é saber se a coexistência de duas afetações previstas para os edifícios a construir – habitação e serviços – é suscetível, por si só, de afastar a norma de incidência.

 

Ora, se não contestamos que essa poderia, em tese, ser ponderada como uma das interpretações possíveis do enunciado normativo em questão, entendemos que ela não deve ser, por um conjunto de razões, a interpretação a adotar em função dos critérios interpretativos estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, designadamente: (i) letra da lei; e (ii) reconstituição, a partir dos textos, do pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta (ii1) a unidade do sistema jurídico, (ii2) as circunstâncias em que a lei foi elaborada e (ii3) as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 

Com efeito, quanto ao elemento literal, a norma não se refere apenas a terrenos cuja edificação, presente ou futura, seja exclusivamente habitacional. A norma apenas exige que venha a existir uma edificação afeta a habitação. Ou seja, o elemento “edificação para habitação” não aparece no texto normativo em termos exclusivos, o que não nos permite excluir com segurança da norma de incidência casos como o presente, em que, a par da edificação habitacional, poderão vir a existir outras.

 

Quanto à reconstituição do pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, conduz-nos à mesma conclusão. Recorde-se o contexto de dificuldades financeiras do Estado português em que a norma foi elaborada, a necessidade de aumento das receitas fiscais e o recurso a esta forma de tributação “extraordinária” como forma de auxílio financeiro ao Estado por parte daqueles contribuintes que se entendeu estarem em condições mais privilegiadas para o fazer[2]. É verdade que, na alteração ocorrida por via do Orçamento do Estado para 2014 se quis ajustar a tributação ao abrigo da verba 28.1, nomeadamente em face dos problemas suscitados pela redação anterior. Mas os seus fundamentos não se alteraram, nem se alterou a perspetiva de que, quem era, grosso modo, proprietário de prédios habitacionais ou que pudessem vir a tornar-se prédios habitacionais de valor superior a € 1.000.000 deveria ser chamado a ajudar o Estado através desta forma de tributação. A introdução de referência explícita aos terrenos para construção visou dar resposta às dúvidas interpretativas que se haviam suscitado quanto à respetiva inclusão, ou não, na norma de incidência originária. Ou seja, visou eliminar dúvidas de que os terrenos para construção de valor igual ou superior a € 1.000.000 que pudessem vir a dar origem a habitações, deveriam ser tributados da mesma forma que os edifícios já construídos. Não nos parece, portanto, face também a este elemento, que se deva considerar que o legislador quis excluir os terrenos para construção que permitissem a coexistência de edificações para habitação e para serviços.

 

Assim, não existem motivos para se considerar inconstitucional ou ilegal a tributação ocorrida no presente caso, pelo que os atos impugnados deverão manter-se na ordem jurídica. Fica, assim, prejudicada a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.

 

VI. DECISÃO

Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de imposto do selo impugnada;
  2. Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT;
  3. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

Valor: em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 315.º do CPC, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e com o n.º 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 15.224,94.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, a suportar pela Requerente nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 16 de janeiro de 2019

A Árbitro,

Raquel Franco

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 13 de junho de 2016, decide nos termos que se seguem:

  1. RELATÓRIO

 

  1. Enquadramento processual

 

No dia 29-03-2016, a sociedade A..., S.A., NIPC..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 11-04-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 25-05-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 13-06-2016.

  1. Síntese dos fundamentos invocados pela Requerente

No presente processo, pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e inconstitucionalidade do ato de liquidação de imposto do selo referente ao ano de 2014, que identifica através das suas três prestações, com os números 2015..., 2015... e 2015..., no valor total de € 15.224,94, com vista à sua anulação, bem como do despacho da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa (em substituição), de 28.12.2015, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente relativamente ao ato de liquidação adicional em causa, pedindo ainda a consequente restituição dos montantes indevidamente pagos acrescidos de juros indemnizatórios.

A sociedade requerente desenvolve a sua atividade na área da construção de edifícios residenciais e não residenciais, sendo proprietária de um lote de terreno para construção descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número ... da freguesia de..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia dos ..., concelho de Lisboa, com o número..., e com o valor patrimonial tributário de € 1.522.493,70.

O ato de liquidação praticado foi-o ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, que a Requerente considera ser, na redação atual introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária na medida em que “não se encontra justificação plausível, dentro do espírito do legislador, quanto à discriminação negativa feita pela verba 28.1 da TGIS quanto aos terrenos com afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00 relativamente à tributação de prédios habitacionais edificados e que se achem constituídos em propriedade horizontal, ou em propriedade vertical, cujas frações autónomas ou unidades de afetação individual não excedam, no respetivo VPT, o valor de € 1.000.000,00, mas cujo VPT total seja igual ou superior a esse mesmo valor, uma vez que de tal resulta que o titular do direito de propriedade de um terreno para construção, destinado a habitação, com um valor superior a € 1.000.000,00 sofre uma tributação agravada relativamente àquela a que virá a estar sujeita a partir do momento em que tenha procedido à edificação de prédio habitacional sobre o terreno para construção.”

Considera que o princípio da igualdade tributária é violado porquanto sujeitos passivos com a mesma capacidade contributiva são tributados não consoante a sua riqueza, mas consoante o destino dos seus prédios e, ainda, porque o valor da propriedade não edificada não é o mesmo da propriedade edificada, não podendo, portanto, as duas realidades ser tributadas de forma idêntica.

Refere ainda a Requerente que, entendendo o STA que, quando os edifícios são constituídos por frações suscetíveis de utilização independente, é o valor de cada uma delas que releva para a aferição da tributação nos termos da verba 28.1 da TGIS, então, quanto aos terrenos para construção, o critério deverá ser o do valor de cada uma das frações autorizadas ou previstas.

Por fim, sustenta que há que atender ao fim a que se destina a construção, diferenciando as situações em que a construção é para utilização daquelas em que a construção, tendo em conta a atividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, se destina à posterior venda, sendo o terreno um fator de produção e não um elemento indiciador de riqueza (sendo esse o caso da Requerente, que prossegue a atividade de investimento imobiliário, adquirindo terrenos para posterior venda da edificação). Acrescenta ainda que o IS não tem em conta o rendimento das empresas, aplicando-se mesmo que estas apurem prejuízos fiscais, o que também gera o tratamento desigualitário das empresas comercializadoras de terrenos para construção.

A par da inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, a Requerente entende também verificar-se a inconstitucionalidade da norma da verba 28.1 da TGIS por violação do princípio da proibição da dupla tributação face à tributação em sede de IMI e de IS da situação em apreço, o que, em seu entender, justificaria a anulação do ato tributário impugnado.

O último fundamento invocado pela Requerente para a anulação do ato de liquidação em apreço é o de violação da própria verba 28.1 da TGIS, pelo facto de o terreno em causa não ser um terreno cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação na medida em que o mesmo não está licenciado apenas para efeitos habitacionais e que apenas uma parte do edifício a construir se destinará a habitação, sendo a outra destinada a serviços. Consequentemente, entende, a parte do terreno que irá ser afeta a serviços e não a habitação, não pode ser tributada ao abrigo da verba 28.1 da TGIS.

  1. Síntese da contra-argumentação da AT

O que está em causa é uma liquidação que resulta da aplicação direta da norma legal, e que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária. Assim, consultada a certidão de teor do prédio urbano que está na base da presente liquidação, verifica-se que os terrenos para construção estão afetos à habitação.

O facto de, na norma de incidência – verba 28.1 da TGIS – se ter positivado o prédio com afetação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação, cf. artigo 41 do CIMI, que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.

Não existindo em sede de IS definição do que se entende por ‘prédio urbano’, ‘terreno para construção’ e ‘afetação habitacional’ é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67º, n.º 2 do CIS na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10.

A classificação dos prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, está dependente do respetivo licenciamento, ou na sua falta, do destino normal para o fim em causa e não da sua afetação (cf. n.º 2 do art.º 6.º do CIMI).

Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do n.º 2 do art. 45.º do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no art.º 41.º do CIMI.

Donde, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação, decorrendo de tal asserção que a consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido a seguinte ordem de considerações:

a) na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exato sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art.º 9.º do Código Civil, ex vi art.º 11.º da Lei Geral Tributária (LGT);

b) o artigo 67.º, n.º 2, do CIS, manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI;

c) a afetação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

d) a própria verba 28 da TGIS remete para a expressão ‘prédios com afectação habitacional’, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.

O legislador não refere ‘prédios destinados a habitação’, tendo optado pela noção ‘afetação habitacional’, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, n.º 1, alínea a) do CIMI. Um prédio licenciado ou destinado a habitação não é o mesmo que um prédio com afetação habitacional.

Alega a requerente que o prédio impugnado possui afetação habitacional conjuntamente com serviços, pelo que a tributação efetuada nos moldes em que o foi é ilegal. Porém, verifica-se que a este prédio corresponde apenas a afetação de habitação (a principal e preponderante). Efetivamente de acordo com os dados de avaliação constantes da caderneta predial do prédio resulta que ao dito prédio foi atribuída apenas uma única afetação – a habitação. Pese embora a requerente tenha apresentado reclamação matricial, em 31-12-2015, a liquidação em discussão reporta-se a 2014 e não consta como resolvida.

A AT considera ainda inexistir inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade na medida em que o legislador da verba 28.1 da TGIS definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efetivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adoptado) exigida para o pagamento deste imposto. A diminuição de desigualdades presidiu à apresentação da Proposta de Lei n.° 96/XII (2.a), na qual pretendeu o legislador distribuir os sacrifícios impostos pela austeridade, por todos, permitindo a discriminação de patrimónios, sem que, tal como pretende a Requerente, ofenda disposições constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade, quer de per si, quer na sua vertente da capacidade contributiva, pois que daqui não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes, pois que são tratadas de forma diferente situações diferentes, ao arrepio daquele princípio constitucional.

Ou seja, o facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite.

Com efeito, a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, ou até a um prédio rústico, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa (habitação/serviços/comércio/indústria/atividade agrícola), a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

Com a verba 28.1 TGIS o legislador assumiu como uma medida de uma medida de igualdade, que se destinava a «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento», sendo que a igualdade na repartição dos sacrifícios visada com a verba 28.1 da TGIS pelo «esforço fiscal exigido» aos proprietários de «prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor» comparava com «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho».

O legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era suscetível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a verba 28.1 da TGIS sobre a posse de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas fiscais (e não só).

Em concreto quanto ao pedido de juros indemnizatórios, entende a Requerida que, atendendo a que a liquidação efetuada o foi com base na lei aplicável, à qual a Administração está vinculada, visando a Administração tributária, nos termos do artigo 55º da LGT e no seguimento do princípio vertido no artigo 266º n.º 1 e 2 da CRP, «… a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos» e estando os seus «… órgãos e agentes administrativos … subordinados à Constituição e à lei …» e devendo «… atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé», estando assim, a Administração tributária vinculada ao princípio da legalidade, não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico e também por força do disposto no artigo 55º da LGT.

O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de fatualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais. Uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.

II. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo (PA) junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

III.1. Factos provados

 

  1. A requerente é proprietária de um terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Lisboa, com o número..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 1.522.493,70.
  2. Nos termos da respetiva caderneta predial, o terreno em questão tem como tipo de coeficiente de localização a “habitação”.
  3. A sociedade requerente desenvolve a sua atividade na área da construção de edifícios residenciais e não residenciais.
  4. A AT emitiu um ato de liquidação de imposto do selo, referente ao ano de 2014, que incidiu sobre o terreno identificado em a., o qual foi cobrado em três prestações, com os números 2015..., 2015... e 2015..., no valor total de € 15.224,94.
  5. A Requerente apresentou reclamação graciosa do referido ato de liquidação em 27.08.2015.
  6. Através de despacho da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa (em substituição), de 28.12.2015, a reclamação graciosa foi indeferida.
  7. A requerente procedeu ao pagamento do imposto em questão.
  8. Em 30.12.2015, a Requerente apresentou um pedido de reclamação matricial, tendo pedido a revisão da afetação e a discriminação do valor patrimonial tributário por divisão de utilização autónoma.

 

III.2. Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.

 

IV. THEMA DECIDENDUM

 

As questões que importa apreciar no presente processo são, no essencial, as seguintes:

  1. Saber se a norma constante da verba 28.1 da TGIS, no que concerne à tributação dos terrenos para construção, deverá ser considerada inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária;
  2. Saber se se deverá considerar verificada a existência de uma dupla tributação ao abrigo do IS e do IMI nos casos em que seja aplicável a verba 28.1 da TGIS e que repercussões é que terá tal constatação, a verificar-se a mesma;
  3. Saber se, no caso concreto, o ato de liquidação se baseou numa aplicação ilegal da norma constante da verba 28.1 da TGIS por não estar em causa um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.

 

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

A primeira questão suscitada pela Requerente prende-se com a alegada violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, na vertente da igualdade tributária, pela interpretação da norma prevista na verba 28.1 da TGIS nos termos da qual a mesma incide sobre terrenos para construção para os quais não esteja prevista a edificação de unidades habitacionais de valor superior a € 1.000.000,00, sendo essa a primeira questão à qual este tribunal se dedicará.

 

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que entrou em vigor no dia 30 de outubro seguinte, aditou uma verba à TGIS então em vigor, com a seguinte redação:

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

•          28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

•          28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.”

 

Mais tarde, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduziu uma nova redação à verba 28 da TGIS, que passou a incluir os terrenos para construção e que estabelecia o seguinte:

“28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %”.

           

A alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, entrou em vigor no dia 01.01.2014, sendo, portanto, aplicável ao período de tributação a que diz respeito a liquidação que é objeto do presente processo.

 

De acordo com a verba 28.1 da TGIS, em 2013, estavam sujeitos a esse imposto, a propriedade, o usufruto e o direito de superfície sobre prédios urbanos com afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, fosse igual ou superior a € 1.000.000. Mais tarde, com a alteração ocorrida em 2013 e que se repercutiu nos exercícios de 2014 e seguintes, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, passaram a estar também sujeitos a tributação à taxa de 1%.

 

No âmbito de vigência dessa anterior redação da verba 28.1 da TGIS, concluiu-se em diversos processos de arbitragem tributária que a expressão “afetação habitacional”, constante do texto da norma então em vigor, se referia a uma “utilização” habitacional, ou seja, a prédios urbanos que tivessem uma efetiva utilização para fins habitacionais (cf., nomeadamente, os processos 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 53/2013-T, 75/2013-T, 144/2013-T e 158/2013-T).

           

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma constante da verba 28.1 da TGIS, todas norteadas à obtenção de receita fiscal suplementar e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental então vivido de forma extrema pelo país. Introduziram-se medidas de reforço do combate à fraude e evasão fiscal e criou-se, no âmbito do Imposto do Selo, a tributação de situações jurídicas (expressão aditada ao n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo), que se entendeu serem demonstrativas da capacidade dos respetivos titulares para suportar um esforço fiscal acrescido, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes. É isto que resulta da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, que esteve na origem da referida Lei n.º 55-A/2012:

«A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa.

Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respetivas taxas de 25% para 26,5% em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35%.

Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

Finalmente, este diploma introduz uma medida de reforço de combate a fraude e a evasão fiscais, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos (IRS) e às transferências de e para paraísos fiscais. Em primeiro lugar, reforça-se a operacionalização da liquidação do IRS com base em manifestações de fortuna, reduzindo-se o diferencial de 50% para 30% entre as manifestações de fortuna e os rendimentos declarados em sede de IRS. Por outro lado, as transferências de e para paraísos fiscais efetuadas entre contas do sujeito passivo, não declaradas nos termos da lei, passam a ser consideradas uma manifestação de fortuna e, nessa medida, sujeitas a tributação em sede de IRS por métodos indiretos

 

A simples extensão de uma norma de incidência a situações para as quais ela não foi pensada inicialmente encerra o risco de se passar a sujeitar a um mesmo regime de tributação situações que são em si mesmas distintas e que mereceriam, portanto, diferenciação na tributação. No caso da verba 28.1 da TGIS, se a tributação de imóveis de luxo com afetação habitacional poderá ser considerada constitucional justamente porque, havendo uma efetiva utilização dos mesmos pelos respetivos proprietários, essa situação revela um comportamento materialmente relevante do ponto de vista da aferição da riqueza do proprietário, o mesmo não se poderá dizer do caso da tributação dos terrenos para construção, em que, enquanto não existirem quaisquer construções suscetíveis de utilização para habitação e como tal licenciadas pelas autoridades competentes, os terrenos em si se encontram, objetivamente, impossibilitados de ter tal afetação. Ora, coisa totalmente diferente da utilização efetiva de um imóvel para habitação é a expetativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma “afetação habitacional” – sendo justamente essa expetativa que carateriza os terrenos para construção. Com efeito, os terrenos para construção, porque não estão edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios “com afetação” (seja ela qual for).  Neles não existe mais do que a expetativa, ou potencialidade, de um prédio poder, após a respetiva edificação, vir a ter uma “afetação”. Por conseguinte, somente quando essa “afetação” se concretizar, o que nunca sucederá antes da sua edificação, é que poderemos considerar que o terreno para construção passa a apresentar alguma semelhança com o prédio urbano, nomeadamente por permitir ao respetivo titular dele retirar algum proveito.

 

Nas palavras de JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expetativa jurídica, consubstanciada num direito de nele vir a construir um prédio com determinadas caraterísticas e com determinado valor.” (cf. “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, Almedina, 2010, p. 101). Um terreno para construção, não obstante a sua classificação como prédio urbano para efeitos de IMI, é caraterizado sobretudo pela sua viabilidade construtiva, a qual mais não dá ao seu proprietário do que a possibilidade de nele vir a construir um prédio com as caraterísticas permitidas pelos instrumentos de gestão urbanística aplicáveis.

 

Deste modo, se é verdade que o titular de um terreno para construção de valor superior a € 1.000.000,00 tem na sua esfera jurídica um bem de elevado valor, também é verdade que a sua situação é diferente da do proprietário de um prédio com afetação habitacional, que efetivamente tira partido do prédio de que é titular. Poderia dizer-se, a este propósito, que o facto de o proprietário do prédio com afetação habitacional poder retirar um rendimento do prédio enquanto o proprietário do terreno para construção não pode não é relevante neste âmbito por se tratar de tributação do património e não do rendimento. Porém, não é verdade que isso seja irrelevante. Por um lado, no caso do proprietário do prédio habitacional que não arrenda o imóvel, mas dele usufrui diretamente, o valor dos patrimónios de ambos é o mesmo, mas temos, ainda assim, duas situações totalmente distintas: a de um proprietário que usufrui de uma habitação de luxo, por um lado, e a do proprietário do terreno para construção, que não usufrui de nada. Poderá dizer-se ainda que o proprietário do terreno para construção pode vender o prédio de que é proprietário e realizar rendimento dessa forma e que é essa possibilidade que justifica a tributação em sede de imposto do selo. É verdade que pode. Porém, esse rendimento já será tributado em sede de IRS ou de IRC, conforme os casos. Além disso, também o proprietário do prédio rústico de valor igual ou superior a 1 milhão de euros pode vender o prédio e não é por isso que é tributado pela verba 28.1 da TGIS.

 

É inegável que o que o legislador pretendeu, quando criou a verba 28.1 da TGIS, foi tributar as propriedades habitacionais de luxo; no entanto, estamos em crer que, ao introduzir-se os terrenos para construção no âmbito de aplicação da norma, se desvirtuou o regime inicial, alargando-o a situações totalmente distintas das que o mesmo inicialmente visava. A alteração introduzida na verba 28.1 da TGIS em 2014 tem, aliás, a virtualidade de clarificar a distinção entre a realidade “prédio habitacional” e a realidade “terreno para construção”, demonstrando que uma e a outra não são a mesma.

 

O alargamento da norma de incidência aos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, não veio acompanhado de uma distinção atinente ao valor da construção edificada, razão pela qual, aplicando-se as normas gerais, mesmo quando a construção autorizada ou prevista para o terreno seja habitação em várias frações, é o valor patrimonial do terreno, o único que existe antes de ser concretizada a edificação e que é «utilizado para efeito de IMI», que é relevante para aferir da incidência do imposto.

 

Esta circunstância coloca questões de constitucionalidade da norma em questão, as quais aqui se analisam de forma muito próxima à constante do acórdão proferido no âmbito do processo 507/2015-T. Assim, em termos sintéticos:

- o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação», sendo que «o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas» (artigo 45.º, n.ºs 1 e 2, do CIMI).

- em relação a terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação apenas com unidades habitacionais de valor inferior a € 1.000.000,00, a justificação da elevada capacidade contributiva revelada pela detenção de tal património não vale pois o facto de o terreno ter valor igual ou superior àquele não permite identificar um sujeito passivo com uma capacidade contributiva a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa».

- a titularidade de direitos sobre um terreno para construção de frações suscetíveis de utilização independente até revela menos capacidade contributiva do que a revelada pela titularidade de direitos sobre o prédio já construído, pelo que não se pode encontrar uma justificação racional para ser tributada a titularidade de direitos sobre o terreno, quando este tiver valor igual ou superior a € 1.000.000,00, e não a titularidade dos direitos do mesmo sujeito passivo sobre o prédio já construído, quando todas as frações tenham valores inferiores àquele.

- carece de justificação racional tributar com base em hipotética capacidade contributiva elevada as situações em que há titularidade de direitos sobre terrenos para construção em que estão autorizadas ou previstas edificações exclusivamente constituídas por frações de valor individual inferior a € 1.000.000,00 e não aplicar a mesma tributação às situações em que no terreno já foram construídas essas edificações, com enorme aumento do valor patrimonial tributário da edificação, já que «o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas».

- quanto aos terrenos para construção destinados a edificação de habitações autónomas de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, a titularidade de direitos sobre terrenos com esta finalidade revela, só por si, uma situação de riqueza, a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa».

 

A verba 28.1 da TGIS, na parte relativa a terrenos para construção, não faz qualquer distinção em função do valor das habitações autorizadas ou previstas, pelo que tem de se concluir que apenas faz depender a sua aplicação do valor patrimonial tributário do próprio terreno. Sendo assim, é de concluir que a norma da verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, enunciado genericamente no artigo 13.º da CRP, por se aplicar a terrenos para construção de valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer fração suscetível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.

 

Fica, assim, prejudicada a apreciação das restantes questões invocadas pela Requerente.

 

Em virtude da inconstitucionalidade material de que padece a norma contida na verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, por violação do princípio constitucional da igualdade, a liquidação que é objeto do presente processo enferma de vício de violação de lei, consubstanciado em erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d) do CPPT e, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, a restituição do imposto indevidamente pago.

 

Já quanto ao pedido de juros indemnizatórios, formulado pela Requerente nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, entendemos assistir razão à Requerida na medida em que o fundamento da anulação se prende com a inconstitucionalidade da norma em que se fundamenta a liquidação e não em erro imputável à Requerida – que não podia desaplicar a norma por sua iniciativa por não estar em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados[3].

           

VI. DECISÃO

Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar a inconstitucionalidade consequente da liquidação de imposto do selo impugnada, com a consequente anulação dessa mesma liquidação;
  2. Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

Valor: em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 315.º do CPC, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e com o n.º 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 15.224,94.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € € 918,00, a suportar pela Requerida nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 22 de outubro de 2016

A Árbitro,

Raquel Franco

 



[1] O Tribunal Constitucional pronunciou-se através de uma decisão sumária dada a simplicidade da questão jurídica em análise, sobretudo em face da prolação prévia, em 04/07/2018, do Acórdão n.º 378/2018, do Plenário.

[2] Na apresentação e discussão da Proposta de Lei na Assembleia da República, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais esclarece que o Governo propõe “a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. (…) Esta taxa será de (…) 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a € 1.000.000.”

[3] Neste sentido, cf. o Acórdão do STA de 26.02.2014, processo n.º 0481/13.