Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
I – Relatório
1. No dia 16.12.2015, a Requerente, A…– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede no …, n.º…, …, …-… Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas Coletivas (doravante “IRC”) relativa ao exercício de 2012, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, do pagamento especial por conta efetuado em sede de IRC, e, bem assim, a ilegalidade parcial do referido ato de autoliquidação quanto ao valor de € 15.301,78 ou, subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, que seja declarada a ilegalidade da liquidação das tributações e consequentemente anuladas por ausência de base legal para a sua efetivação.
A Requerente, alegando ter pago o valor da autoliquidação em causa, peticiona ainda o reembolso da quantia de € 15.301,78 correspondente ao afastamento das deduções à coleta acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal calculados sobre esse montante desde 31 de Maio de 2013.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 22.02.2016.
3. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.
4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:
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São incontáveis as decisões arbitrais que afirmaram e reafirmaram que as tributações autónomas são IRC e, mais ainda, que por isso se lhes aplica não só o artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC (na versão em vigor em 2012/13), mas também o artigo 89.º e seguintes, entre outras normas dirigidas à liquidação e pagamento do IRC.
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Aplica-se, pois, igualmente, à coleta das tributações autónomas aqui em causa, a norma dirigida à coleta do IRC constante da alínea c) (atual d)) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, por não se vislumbrar obstáculo a tanto na “sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis”.
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Quanto em especial ao PEC, se ele é IRC, se o PEC é adiantamento por conta do IRC, se está previsto o seu abate à coleta do IRC, e se a tributação autónoma é IRC, como é, o resultado da interpretação declarativa da lei, solidamente ancorada em abundantíssima e uníssona jurisprudência, é de que o PEC é dedutível à coleta do IRC gerada pela tributação autónoma.
5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese com os fundamentos seguintes:
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A integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes.
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Num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.
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A liquidação das tributações autónomas é efetuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto pois num caso a liquidação opera mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria coletável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e no outro caso são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.
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A delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita de forma coerente sendo-lhe consequentemente atribuído, em ambos os preceitos, um sentido unívoco o que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria coletável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código.
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A interpretação do n.º 2 do art.º 90.º em coerência com a natureza e conteúdo das deduções previstas nas suas alíneas, entre as quais figura o PEC, deve ser feita à luz dos objetivos gerais do IRC que se reconduzem, na sua essência, à tributação do rendimento das pessoas coletivas, determinado em conformidade com as regras do capítulo III do respetivo código sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à coleta produzida pelas tributações autónomas.
6. A Requerente apresentou alegações escritas reiterando o já sustentado em sede de pedido de pronuncia arbitral, e alegando ainda, face ao estabelecido no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, em síntese:
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Quanto em especial à intervenção efetuada pela LOE 2016 em sede de tributação autónoma em IRC, aquela Lei se por um lado reafirmou que o artigo 89.º do CIRC se aplica à tributação autónoma (parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC), por outro lado excluiu a tributação autónoma do n.º 2 do artigo 90.º seguinte (parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC). E a ambas estas prescrições, de sentido contrário, atribuiu, à primeira vista, e contraditoriamente, carácter interpretativo. Esta aparência não resiste, porém, à análise, pelas razões que se sumariarão infra, devendo concluir-se que o artigo 135.º da LOE 2016 se refere apenas à parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC,
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Acresce que a atribuição de natureza interpretativa a uma norma fiscal não desencadeia por si só a aplicação do regime de aplicação de leis no tempo previsto no Código Civil. Concretizando, e sintetizando, o regime de aplicação de leis no tempo previsto no Código Civil (onde se inclui por direito próprio o seu artigo 13.º), não se aplica no que respeita a matérias que disponham de um regime privativo para o efeito, em obediência a princípios distintos, como é o caso dos impostos: cfr. artigo 12.º da LGT e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
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Em qualquer caso o artigo 13.º do Código Civil e a prescrição de retroatividade que aí se contém só se aplica a normas interpretativas, por oposição a falsas normas interpretativas. E a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC é, supondo que foi realmente intenção do legislador atribuir-lhe carácter interpretativo, uma falsa norma interpretativa.
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Admitindo, a benefício de raciocínio, que a norma objeto de interpretação seja o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, a pergunta relevante passa então a ser esta: que ambiguidade se deteta na referência aí ao IRC que não fosse partilhada então também e na mesma medida quer pelo precedente n.º 1 do mesmo artigo 90.º, quer pelo precedente artigo 89.º?
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Que se veja, nenhuma ambiguidade ou opacidade: todas estas normas se dirigem à liquidação do IRC, sem qualquer ambiguidade, na fase pós regulamentação da coleta primária (que se obtém pela aplicação das taxas de IRC às matérias coletáveis de IRC, nos termos dos antecedentes artigos 1 a 88.º do CIRC) o que nos leva a mais uma forte razão para considerar que a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC não é interpretativa para efeitos de aplicação da lei no tempo, isto é, para efeitos de ativar o disposto no artigo 13.º do Código Civil.
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Se, não obstante todas as razões que acima se elencaram, se entender ainda assim que o artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) atribuiu natureza interpretativa também à parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, isto é, também ao segmento normativo “não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global [de tributação autónoma em IRC] apurado”, introduzido pela mesma LOE 2016 (pelo seu artigo 133.º), e que daí resultaria a aplicação do artigo 13.º do Código Civil enquanto prescreve a aplicação retroativa das leis interpretativas, está-se em crer que se estará então perante uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroatividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa.
7. A Requerida apresentou também alegações escritas, em que reiterou o já sustentado em sede de resposta e alegou, ainda, face ao o artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), em síntese:
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A norma constante do Orçamento de Estado para 2016 que atribuiu carácter interpretativo ao nº 21, do art. 88º, do CIRC, limita-se a evidenciar aquele que sempre foi o espírito da norma.
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Esta norma tendo um carácter interpretativo integra-se na lei interpretada (cfr. art.º 13.º do Código Civil), formando ambas um conjunto incindível, pois considera-se que tem carácter interpretativo «a lei que sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida vem consagrar uma solução a que a jurisprudência, por si só, poderia ter adoptado» (Baptista Machado, in Aplicação das Leis no Tempo no Novo Código Civil, pág. 286 e segs.).
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Se bem analisarmos o predito diploma legal, este mais não faz do que aclarar num raciocínio interpretativo, de integração sistemática e de coerência com o espírito da matéria em apreço (tributações autónomas), pelo que atribuir a esta lei um qualquer carácter retroativo não tem qualquer sustentáculo legal.
8.O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
II – A matéria de facto relevante
9. Consideram-se provados os seguintes factos:
1.Em 23 de Maio de 2013 a ora requerente procedeu à apresentação da declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2012, no montante de € 40.765,03, valor que se encontra pago em parte por compensação com valor de IRC a recuperar no valor de € 4.092,16 e, em parte, pelo pagamento, em 31.05.2013, do valor restante de € 36.672,87.
2.Em 21 de Maio de 2015 a requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação.
3.À data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral havia decorrido o prazo de quatro meses previsto na lei para efeito de presunção de indeferimento tácito, sem que tivesse sido proferida, até àquela data, decisão da reclamação graciosa.
4.O sistema informático da Requerida, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas o pagamento especial por conta, para efeitos do apuramento do imposto a pagar.
5.Em sede de pagamentos especiais por conta efetuados pela Requerente subsistia, à data da autoliquidação em causa, um montante acumulado por deduzir à coleta do IRC de € 15.301,78 e que corresponde a pagamentos realizados nos anos de 2008 a 2012, conforme o seguinte quadro:
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados
10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.
-III- O Direito aplicável
11 A questão essencial que se pretende ver esclarecida é a de saber se tem, ou não, a Requerente, o direito de deduzir à coleta de IRC, produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, os pagamentos especiais por conta.
A Requerente formula ainda um pedido subsidiário para a hipótese de se entender que o artigo 90º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, pedindo que seja anulada a autoliquidação dos períodos de tributação de 2012, na parcela correspondente às tributações autónomas, pelo facto de as mesmas terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito.
Vejamos.
12. Os artigos 89.º e 90.º do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, estabeleciam o seguinte:
Artigo 89.º
Competência para a liquidação
A liquidação do IRC é efectuada:
a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;
b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.
Artigo 90.º
Procedimento e forma de liquidação
1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação internacional;
b) A relativa a benefícios fiscais;
c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo
106.º;
d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou
reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/10)
4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não
pode resultar valor negativo.
8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.
9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.
Como se pode ler na decisão arbitral proferida no processo 673/2015-T[1], que se acompanha:
“(…) os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.
Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
De resto, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º
De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
Aliás, como bem refere a Requerente ao formular o seu pedido subsidiário, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».
Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.
Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.
(…)
Assim, antes da Lei n.º 7-A/2016, as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que têm por alvo o «montante apurado nos termos do número anterior», aplicavam-se a esse único montante que de tal apuramento resultava, sempre que não se estivesse perante uma das situações especialmente previstas nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo, que não têm aplicação no caso dos autos.
A dedução dos pagamentos especiais por conta a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90.º, n.º 1, alínea a), resultava também do teor explícito do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que «a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º».
Com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedução das quantias pagas a título de pagamento especial por conta podem ser deduzidas até ao até ao 6.º período de tributação seguinte.
O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui os montantes relativos a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito, nem antes nem depois da Lei n.º 7-A/2016.
Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC.
Assim, em face do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obstava à dedução das quantias dos pagamentos especiais por conta à totalidade colecta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.
(…)
Por outro lado, se é certo que, à face do regime vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro ter alterado o n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, as quantias pagas a título de pagamento especial por conta nem sempre podiam ser deduzidas também o é que esse regime foi alterado por aquela Lei, sendo o reembolso admitido sem condições que não sejam a de o sujeito passivo o pedir, no prazo previsto.
Por isso, a interpretação que decorre mais linearmente do texto dos artigos 93.º, n.º 3, e 90.º, n.º 1, do CIRC, anteriores à Lei n.º 2/2014 é a da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada das tributações autónomas.
Mas também não deixa de ser certo que, em face do regime anterior de reembolso dos pagamentos especiais por conta, que revelava que o pagamento especial por conta tinha ínsita uma presunção de rendimentos não declarados, poder-se-ia aventar uma interpretação restritiva, relativamente ao pagamento especial por conta, no sentido de que não ser dedutível à colecta das tributações autónomas, como se entendeu na decisão arbitral de 30-12-2015, proferida no processo do CAAD n.º 113/2015-T, que invoca ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretendeu legislativamente atingir com a criação do pagamento especial por conta, que podiam justificar uma restrição da referência que no artigo 93.º, n.º 1, do CIRC se faz ao «montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º»:
(…)
À face da legislação vigente em 2012 e 2013, pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor:
– a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;
– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.
Por outro lado, ao contrário do que sucede com o CFEI, não há, no que concerne a dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta, preocupação de protecção de confiança, pois, os pagamentos especiais estão conexionados com o volume de negócios, não dependendo de qualquer específico comportamento que o sujeito passivo fosse levado a adoptar por lhe ser criada a expectativa de obter como contrapartida uma vantagem fiscal.
Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição, ao contrário do que defende a Requerente: segundo esta nova norma, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efectuadas deduções.
Aliás, foi precisamente com este sentido que foi elaborado o modelo 22 de declaração de IRC e foi aplicando o regime agora explícito no n.º 21 do artigo 88.º que a Requerente preencheu as declarações que se referem nos autos, sem qualquer contradição perceptível. Mas, sendo assim, como defende a Requerente, o obstáculo à aplicação do regime que resulta deste n.º 21 do artigo 88.º será apenas a sua eventual inconstitucionalidade, designadamente à face da regra da proibição de impostos com natureza retroactiva que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».
O Tribunal Constitucional tem adoptado uma interpretação restritiva do alcance desta proibição de impostos que tenham natureza retroactiva, entendendo que o «legislador da revisão constitucional de 1997, que introduziu a actual redacção do artigo 103.º, n.º 3, apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente» (acórdãos n.º 18/2011, de 12-01-2011, que segue jurisprudência adoptada no acórdão n.º 399/2010).
As normas que prevêem os pagamentos especiais por conta não eram, em princípio, normas de incidência de IRC, mas sim sobre a sua liquidação e pagamento, pelo que, nessa medida, não estarão abrangidas pela proibição constitucional de retroactividade. Mas, antes da redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao n.º 3 do artigo 93.º, na inviabilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta no período a que se reportam e nos períodos subsequentes, aquelas normas podiam acabar por se conduzir criar uma situação de incidência de IRC, autónoma em relação a qualquer outro facto tributário, se não viesse a ser permitido o reembolso nos termos do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, que dependia do preenchimento de condições.
No entanto, com a redacção dada ao referido n.º 3 do artigo 93.º pela Lei n.º 2/2014, deixaram de ser exigidas condições, pelo que os pagamentos especiais por conta apenas implicam, por si mesmos, o pagamento definitivo de imposto quando o sujeito passivo não diligenciar no sentido de obter o reembolso, no prazo previsto.
E, mesmo nesta hipótese, estar-se-á perante um facto tributário complexo de formação sucessiva, que é constituído pelo volume de negócios no ano a que se reportam os pagamentos especiais por conta conjugado com a inviabilidade de dedução nos períodos previstos na lei e o não reembolso nos termos previstos no artigo 93.º, n.º 3, do CIRC.
À face deste regime, a situação jurídica criada com os pagamentos especiais por conta efectuados nos anos de 2012 e 2013 ainda não está estabilizada, o que, desde logo, afasta a violação da proibição de retroactividade das leis fiscais, na visão do Tribunal Constitucional, pois o facto tributário que a lei nova pretende regular não se verificou integralmente nem produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga: «um caso em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga e um outro caso em que o facto tributário tenha ocorrido ao abrigo da lei antiga, mas os seus efeitos, designadamente os relativos à liquidação e pagamento, ainda não estejam totalmente esgotados não terão necessariamente o mesmo desvalor constitucional, uma vez que a primeira situação é do ponto de vista da eventual afectação da situação jurídica do contribuinte mais grave que a segunda» (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, de 27-10-2010).
Assim, terá de se concluir que a interpretação autêntica que se faz no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reconduz à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas, não ofende o princípio da não retroactividade na criação de impostos, entendido como reportando-se apenas à retroactividade autêntica, reportada a factos tributários que se completaram e produziram todos os seus efeitos no passado.
Porém, aquela regra da irretroactividade das normas que criem impostos não esgota as preocupações constitucionais de segurança jurídica, impostas pelo princípio do Estado de direito democrático, como ensina CASALTA NABAIS:
«O princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, está longe, porém, de ter sido totalmente absorvido por esse novo preceito constitucional. É certo que ele deixou de servir de balança na ponderação dos bens jurídicos em presença quando estamos perante um imposto afectado de retroactividade verdadeira ou própria. Quando tal acontecer, a solução está agora ditada, urbi et orbi, na Constituição, não podendo os órgãos seus aplicadores, sem violação dela, proceder a uma ponderação casuística.
Mas o princípio em causa tem inequivocamente um lastro bem maior. É que ele também serve de critério de ponderação em situações de retroactividade imprópria, inautêntica ou falsa, bem como em situações em que, não se verificando qualquer retroactividade, própria ou imprópria, há que tutelar a confiança dos contribuintes depositada na actuação dos órgãos do Estado».
No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à colecta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adoptada pelos tribunais, como foi pelo Tribunal Arbitral que proferiu a decisão no processo do CAAD n.º 113/2015-T. ”
13. No caso em apreço, à data do facto tributário em causa, à luz do art. 93º do CIRC, no que se refere aos pagamentos especiais por conta efetuados nos anos de 2009 a 2012, a situação jurídico-tributária criada por tais pagamentos ainda não se encontrava estabilizada.
Diferentemente, no que se refere aos pagamentos especiais por conta referentes ao ano de 2008, à luz daquele artigo, na redação anterior à conferida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a situação já se encontrava estabilizada, uma vez que a dedução só poderia ser efetuada até ao quarto período de tributação seguinte (2012) pelo que, uma interpretação do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, no sentido da aplicação do regime previsto no art. 88º, nº 21º, do IRC, na redação dada por esta Lei, a estes pagamentos, violaria a proibição constitucional de retroatividade dos impostos consignada no art. 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa[2], pelo que não pode deixar de ser desaplicada, como impõe o artigo 204º deste diploma.
Assim sendo, não pode deixar de ser anulada a autoliquidação em causa na parte em que não foi considerada a dedução dos pagamentos especiais por conta efetuados no ano de 2008, no valor de € 3.145,84, mantendo-se a mesma na ordem jurídica na restante parte.
Tendo em conta o acima exposto, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário formulado pela Requerida.
14. A Requerente pede, ainda, o reembolso da quantia de € 15.301,78 correspondente ao afastamento das deduções à coleta acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre esse montante, desde 31 Maio de 2013.
Tal como se pode ler na já citada decisão arbitral proferida no processo 673/2015-T:
“No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.”
No caso em apreço, na sequência da anulação do ato de autoliquidação na parte relativa à não dedução do montante de € 3.145,84, há lugar a reembolso deste valor que devia ter sido deduzido, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Voltando à questão dos juros indemnizatórios, O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece que:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
A ilegalidade da presumida decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que omitiu a decisão expressa no prazo estabelecido na lei.
No que respeita à autoliquidação “sub judice”, é de entender que o erro que a afeta, na parte respeitante à não dedução dos pagamentos especiais por conta efetuados no ano de 2008, no valor de € 3.145,84, é imputável à Administração Tributária, pelo facto de se ter provado que o sistema informático da Requerida, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, o pagamento especial por conta.
Tal como se sustenta na citada decisão arbitral proferida no processo 673/2015-T: “trata-se de uma situação que, para efeito do n.º 2 do artigo 43.º da LGT, é equivalente ao preenchimento da declaração segundo «as orientações genéricas da administração tributária», pois estas estão subjacentes ao sistema informático de apresentação da declaração modelo 22(…)”
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios sobre a quantia de € 3.145,84, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde 31.05.2013, até reembolso.
Termos em que decide o Tribunal Arbitral:
- julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da decisão da reclamação graciosa e bem assim, da autoliquidação sub judice e anulá-las na parte na parte em que não foi considerada a dedução dos pagamentos especiais por conta efetuados no ano de 2008, no valor de € 3.145,84, julgando-se improcedente a pretensão deduzida quanto às restantes partes.
- condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 3.145,84 e a pagar-lhe juros indemnizatórios, sobre este montante, desde 31.05.2013 até ao seu reembolso.
Valor da ação: € 15.301,78 (quinze mil trezentos e um euros e setenta e oito cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerente e Requerida, na proporção de 79,441% e 20,559%, respetivamente, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 11.07.2016
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro
[1]https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=673%2F2015-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=1796
[2] Como escreve SALDANHA SANCHES “(…) Mesmo quando estamos perante uma lei verdadeiramente interpretativa, e não uma daquelas que o legislador designa de interpretativa “para tornar menos perceptível a retroactividade da lei” (…) estamos, em todas estas situações, perante casos abrangidos pela proibição constitucional da retroactividade.” (MANUAL DE DIREITO FISCAL, Coimbra Editora, 3ª Ed., pag. 195.No mesmo sentido escrevem JÓNATAS E. M. MACHADO e PAULO NOGUEIRA DA COSTA: “(…) também no caso das leis interpretativas das leis tributárias tem toda a aplicação a proibição da retroactividade. Relativamente àquelas, entende-se que, na medida em que vinculam os tribunais a uma determinada interpretação, entre várias em abstracto possíveis e já acolhidas por outros tribunais, elas implicam, inevitavelmente, uma aplicação retroactiva da lei interpretanda” (CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO, Coimbra Editora, 2009, pag. 61)