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DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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Constituição do tribunal
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A..., NIF..., com morada na Rua ..., n.º..., ...-... Ovar (doravante, o “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação oficiosa do Imposto Único de Circulação (doravante, “IUC”), ao Barco de Recreio com a matrícula ..., efetuada através do Ofício n.º..., de 15 de dezembro de 2017, relativa aos anos de 2015, 2016 e 2017, correspondente, respetivamente, ao documento n.º 2015... (referência para pagamento n.º...), no montante de €2.998,74, incluindo juros compensatórios no montante de €294,84, documento n.º 2016... (referência para pagamento n.º...), no montante de €2.952,98, incluindo juros compensatórios no montante de €207,32, e, por último, documento n.º 2017 ... (referência para pagamento n.º...), no montante de €2.864,77, incluindo juros compensatórios no montante de €98,23, bem como na condenação ao reembolso das quantias indevidamente pagas acrescidas dos juros indemnizatórios.
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O Requerente optou por não designar árbitro e, nos termos do disposto na alínea a) n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o Signatário Leonardo Marques dos Santos, que aceitou a referida designação no prazo legal.
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O tribunal arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 05-03-2018, nos termos do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, para apreciar e decidir as matérias objeto do presente processo.
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O Tribunal, em atenção à complexidade das questões suscitadas no processo, prorrogou o prazo para a decisão arbitral por dois períodos sucessivos de dois meses, em conformidade com o previsto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.
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Saneamento
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O Tribunal é competente.
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O processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
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O Requerente invoca, em síntese, que:
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É proprietário de uma embarcação de recreio denominada “...” (casco n.º IT-..., doravante, “embarcação”).
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No final do ano 2014, contactou o Registo Internacional de Navios da Madeira (doravante, “RINM-MAR”) para se informar relativamente à sua forma de funcionamento e aos benefícios que lhe seriam atribuídos caso registasse a sua embarcação no RINM-MAR.
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De acordo com o parecer da Direção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, as embarcações registadas no RINM-MAR gozavam de uma isenção de IUC que implicava o pagamento de uma taxa de €500,00, por ano à SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, entidade que tutela a gestão do RINM-MAR.
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Uma vez que procurava uma fiscalidade mais favorável para o IUC da sua embarcação, o Requerente registou, em 2014, a sua embarcação no RINM-MAR, à qual foi atribuído o registo... .
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Consequentemente, o RINM-MAR emitiu uma declaração na qual isentava a embarcação do “pagamento do Imposto Único de Circulação, pelo facto de ser um benefício fiscal da natureza automática das embarcações de recreio registadas neste Registo consagrada em legislação específica (art. 1º D.L. 192/2003, de 22 Agosto, conjugado com nº 2 do art. 24º D.L. 96/89, de 28 de Março e da alínea a) do art. 7º do D.L. 165/86, de 26 de Junho).”.
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No dia 13 de outubro de 2017, o Requerente foi notificado pelo Serviço de Finanças de ... de que iriam liquidar IUC relativamente à embarcação e de que dispunha de prazo para exercer o seu direito de audição prévia.
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Ora, no dia 25 de outubro de 2017, exerceu o seu direito de audição, tendo sido notificado da decisão final, no dia 6 de novembro de 2017, na qual a AT sustentou que “o regime fiscal da Zona Franca da Madeira não contempla qualquer benefício fiscal em sede de IUC” e que “o Código do IUC prevê benefícios fiscais para outras categorias de veículos relacionados com a Zona Franca da Madeira, sem incluir a categoria F”.
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No dia 15 de dezembro de 2017, o Requerente foi notificado da nota de liquidação, tendo realizado o pagamento tempestivo de €8.816,49.
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Da conjugação do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, e do artigo 24.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, resulta uma equiparação legal entre os navios registados no RINM-MAR e as empresas sedeadas na Zona Franca da Madeira.
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O IUC é um imposto local dado que a receita pertence a uma autarquia local, i.e., os municípios.
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Às embarcações de recreio registadas no RINM-MAR aplica-se nos termos do Decreto-Lei n.º 192/2003, de 22 de agosto, o regime da Zona Franca da Madeira (artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, por força da remissão do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 192/2003, de 22 de agosto).
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A AT liquidou o IUC relativo aos exercícios de 2015, 2016 e 2017 apesar da isenção aplicável, pelo que há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
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Por seu turno, a AT defende que:
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O RINM-MAR é um registo nacional de veículos, de caráter especial, insular e ultraperiférico, cujos veículos aí registados arvoram bandeira portuguesa.
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O registo é especial em virtude da sua específica alocação a uma área do território nacional, por oposição ao registo ordinário que se refere a todo o território nacional, e é insular e ultraperiférico pelas particulares caraterísticas do território em que se insere.
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As embarcações registadas no RINM-MAR beneficiam do regime fiscal da Zona Franca da Madeira, previsto para as empresas aí sedeadas.
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Nos termos do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, as empresas instaladas na Zona Franca da Madeira estão isentas de taxas e impostos locais, isenção que se estende às embarcações de recreio pela equiparação dos navios registados no RINM-MAR às empresas instaladas para efeitos fiscais por via dos artigos 8.º e 26.º, do Decreto-Lei n.º 96/89 de 28/03, pela equiparação dos navios registados no RINM-MAR às empresas instaladas para efeitos fiscais.
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Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, constituem sujeitos passivos do imposto, os proprietários dos veículos registados como tal, sendo que, apesar de o artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, determinar que o IUC é administrado pela AT, o artigo 3.º, n.º 1 do mesmo diploma legal refere que a receita do IUC relativa, entre outros, aos veículos da categoria F, é da titularidade do município de residência do sujeito passivo.
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No caso da embarcação em questão, apesar desta se encontrar, desde 2014, registada no RINM-MAR, a receita de IUC decorrente da sua tributação, é da titularidade do município da residência do seu proprietário, ou seja, ... .
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A titularidade a que se refere o artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, é apenas a titularidade da receita, sendo, por isso, o IUC um imposto de natureza estadual e o Estado o sujeito ativo da relação jurídico-tributária.
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Nem a Zona Franca da Madeira nem qualquer outro município são os sujeitos ativos da relação jurídico-tributária. Sendo o Estado o sujeito ativo este não prescindiu da receita de IUC relativa a embarcações, em prol da Zona Franca da Madeira.
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O artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei nº 165/86, de 26 de junho, ao referir-se a “taxas e impostos locais”, refere-se às taxas criadas no âmbito do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e aos impostos criados no âmbito das competências tributárias dos municípios, previstas no artigo 15.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais.
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O IUC não se enquadra no conceito de “taxas e impostos locais” nos termos e para os efeitos do referido Decreto-Lei nº 165/86, de 26 de junho.
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Em suma, o regime fiscal da Zona Franca da Madeira não prevê qualquer isenção em matéria de IUC.
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O Código do IUC não estabelece qualquer isenção de imposto para veículos da categoria F – embarcações de recreio de uso particular com potência motriz igual ou superior a 20 kW, registados desde 1986.
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O direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”), derivado da anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.
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O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade, mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais.
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Uma vez que, à data dos factos, a AT fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.
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DECISÃO
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MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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O Requerente é proprietário da embarcação de recreio denominada “...” e com o casco n.º ... .
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O Requerente é residente em ... .
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Em finais de 2014, o Requerente registou a embarcação no RINM-MAR com vista a beneficiar de um regime fiscal mais favorável no que toca ao IUC, i.e., isenção de imposto.
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O Requerente foi notificado da liquidação oficiosa de IUC, efetuada através do Ofício n.º..., de 15 de dezembro de 2017, relativa aos anos de 2015, 2016 e 2017, correspondente, respetivamente, ao documento n.º 2015... (referência para pagamento n.º...), no montante de €2.998,74, incluindo juros compensatórios no montante de €294,84, documento n.º 2016 ... (referência para pagamento n.º...), no montante de €2.952,98, incluindo juros compensatórios no montante de €207,32, e, por último, documento n.º 2017 ... (referência para pagamento n.º...), no montante de €2.864,77, incluindo juros compensatórios no montante de €98,23,
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Tendo procedido ao pagamento dos referidos montantes.
A.2. Factos dados como não provados
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Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
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Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (Cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
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Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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DO DIREITO
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De acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea f) do Código do IUC, o imposto incide sobre as embarcações de recreio de uso particular com potência motriz igual ou superior a 20kW, registados desde 1986 ou matriculados em território português, acrescentando o número 4 do mesmo artigo que “entende-se por uso particular o uso de uma embarcação ou de uma aeronave pelo seu proprietário (…)”.
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Quanto ao âmbito subjetivo de aplicação, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, os sujeitos passivos do imposto são “as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.”.
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Nos termos do artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho: “[a] competência relativa à administração do imposto sobre veículos, abreviadamente designado por ISV, e do imposto único de circulação, abreviadamente designado por IUC, cabe à Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e à Direção-Geral dos Impostos, respetivamente.”.
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Ainda, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 da referida Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, “[é] da titularidade do município de residência do sujeito passivo ou equiparado a receita gerada pelo IUC incidente sobre os veículos da categoria A, E, F e G, bem como 70% da componente relativa à cilindrada incidente sobre os veículos da categoria B, salvo se essa receita for incidente sobre veículos objeto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, caso em que deve ser afeta ao município de residência do respetivo utilizador”.
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Importa destacar, a este respeito, que a titularidade da receita do IUC é do município de residência do sujeito passivo e não do município ou região onde a embarcação se encontra registada.
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Neste sentido, ainda, o artigo 14.º, alínea c) da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro de 2013, que estabelece o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, sob a epígrafe “receitas municipais” dispõe que “[c]onstituem receitas dos municípios: c) A parcela do produto do imposto único de circulação que caiba aos municípios, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho”.
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Em todo o caso, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, “[o] regime fiscal aplicável às entidades referidas no artigo 8º é o previsto na legislação relativa à zona franca da Madeira”, acrescentando o número 2 do mesmo artigo que o “regime referido no número anterior aplica-se também aos navios registados no MAR”.
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Nos termos do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho “[a]s empresas instaladas na zona franca da Madeira gozam dos seguintes benefícios fiscais: Isenção de taxas e impostos locais;”
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Ora, sem prejuízo de o artigo 3.º, n.º 1, alínea b) da LGT distinguir entre tributos “estaduais, regionais e locais”, o referido diploma não apresenta um critério distintivo que permita identificar cada um dos três.
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Desta feita, a doutrina tem vindo a trabalhar os referidos conceitos sem que, contudo, seja unânime quanto ao critério que permite distinguir, em particular, um imposto estadual de um imposto local.
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Os critérios mais frequentemente apontados pela doutrina são o critério da administração do tributo e o critério da titularidade da receita.
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Neste sentido, Suzana Tavares da Silva refere que “[e]sta distinção radica na titularidade activa da relação jurídica fiscal e através dela pretende-se destacar que nem toda a receita dos impostos é destinada aos «cofres gerais do Estado». Com efeito a par dos impostos estaduais, aqueles cuja titularidade do crédito do imposto pertence ao Estado, sobressaem, a jusante do Estado, os impostos regionais e municipais, e a montante deste, os impostos europeus e internacionais.
A doutrina não é unânime quanto ao recorte a dar a esta classificação. Alguns autores sublinham que o facto de as operações de lançamento, liquidação e cobrança dos impostos serem efectuadas pelos serviços da Administração Fiscal (ex. art. 113.º do CIMI), não obstante a titularidade municipal da respectiva receita (ex. art. 1.º do CIMI), não é suficiente para que se possa falar em imposto municipal, o que só poderá acontecer quando os municípios optarem por promover a respectiva liquidação e cobrança nos termos do disposto no art. 13.º/2 da Lei das Finanças Locais (Casalta Nabais: 2012, pp. 78). Já outros autores atentam apenas no sujeito activo da relação do imposto, independentemente de quem procede à respectiva gestão, tendendo assim a classificar o imposto como municipal, desde que a lei estabeleça uma entidade diferente do Estado como o sujeito activo da respectiva relação de imposto.” (Suzana Tavares da Silva, Direito Fiscal – Teoria Geral, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013, p. 43).
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Repare-se que, também a legislação Portuguesa parece apresentar alguma flutuação quanto aos critérios utilizados.
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Veja-se, por exemplo, que enquanto o Decreto Legislativo Regional n.º 27/2008/M, de 3 de Julho, que “[a]prova a adaptação orgânica e funcional da legislação fiscal nacional à Região Autónoma da Madeira” apenas qualifica como “Impostos locais” o Imposto Municipal sobre Imóveis e o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (veja-se Secção II do referido Decreto Legislativo Regional), o Orçamento do Estado inclui o IUC no capítulo dos impostos locais (cf. Orçamento do Estado para 2019, aprovado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro).
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Contudo, no caso em análise, mais do que estabelecer um critério que permita qualificar um imposto como local ou estadual, importa sobretudo distinguir os impostos que sejam locais face a uma determinada circunscrição territorial i.e., se um pode ser considerado local no caso concreto do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.
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Não importará tanto determinar se o IUC se pode reconduzir a um qualquer conceito de imposto local (i.e., saber se é um imposto local em abstrato), já que, na opinião deste Tribunal, a isenção acima referida tem o seu âmbito de aplicação territorial limitado aos casos em que exista titularidade da receita, ou seja, não se aplica a todos os impostos que possam ser reconduzidos ao conceito de impostos locais em abstrato.
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Por outras palavras, a isenção não foi estabelecida para impostos locais em abstrato, exigindo antes uma ligação a uma determinada receita da qual se é titular.
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No caso concreto, porém, o titular da receita é o município de residência do sujeito passivo, i.e., o município de Ovar, e não o município ou região onde a embarcação se encontra registada, pelo que o Requerente não poderá beneficiar da isenção.
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Como escreve Nuno Sá Gomes, que dá como exemplo os benefícios fiscais concedidos às Zonas Francas da Madeira e da Ilha de Santa Maria, de “harmonia com o âmbito de ap[l]icação territorial dos impostos em que se inscrevem, os benefícios fiscais têm, paralelamente, âmbito nacional, continental, regional ou local.” (Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 165, Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1991, p. 140).
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Com efeito, ponderada a integração do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, no sistema jurídico-tributário nacional é esta a interpretação que nos parece mais consistente.
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Sem prejuízo da remissão operada pelo Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, importa não perder de vista o pendor marcadamente territorial do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.
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Com efeito, decorre, desde logo, do preâmbulo do diploma que “o Governo propôs e obteve da Assembleia da República autorização legislativa para rever os benefícios fiscais a conceder às empresas que se instalem nas zonas francas já criadas, o que ora se faz, em conjugação com outros benefícios cuja atribuição visa iguais propósitos.
Na concepção do esquema de incentivos agora consagrado teve-se já em consagração o atraso económico de ajuda à instalação de empresas definido em termos compatíveis com o disposto no n.º 3 do artigo 92º do Tratado de Roma e vocacionado para o desenvolvimento regional e para a melhoria das condições de concorrência por parte das empresas que se instalem na zona franca da Madeira (…)” (sublinhados e negritos nossos),
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Decorrendo também da parte dispositiva do referido diploma legal, de onde resulta logo do artigo 1.º que “[p]ara promoção e captação de investimentos na zona franca da Madeira poderão ser concedidos benefícios fiscais e financeiros de âmbito regional, (…)” (negritos e sublinhados nossos).
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Igualmente, nos termos do artigo 2.º, “[o]s incentivos a conceder para promover e captar investimentos na zona franca da Madeira serão definidos pelo Governo Regional, tendo em conta, designadamente, o seu contributo para o desenvolvimento económico e social da Região e os recursos de que o Governo Regional possa dispor para o efeito”. (negritos e sublinhados nossos).
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O próprio artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, aplica-se às “empresas instaladas na zona franca da Madeira (…)”, o que confirma a territorialidade da isenção.
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Repare-se que a instalação de empresas implica uma ligação ao território e uma materialidade que não é comparável com o mero registo de uma embarcação no RINM-MAR.
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Por outro lado, do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, resulta que o RINM-MAR foi criado tendo em vista a “competição internacional no sector da marinha de comércio” procurando-se “estancar os processos de saída de navios do registo principal para registos de conveniência, assim como atrair alguns novos armadores e navios aos novos registos, oferecendo a estes condições de custos semelhantes às dos registos mais competitivos”, tendo em consideração que a “marinha de comércio, pelo seu carácter verdadeiro e inteiramente internacional, reveste características muito especiais, dado que o essencial da actividade se desenvolve normalmente em águas internacionais ou de países diferentes dos de registo”.
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Assim, não parece o legislador, nomeadamente em face do disposto artigo 3.º, n.º 1 da referida Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, e do artigo 14.º, alínea d) da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, quer até em virtude do princípio constitucional da autonomia local – ter procurado incentivar o registo de barcos de bandeira nacional no RINM-MAR limitando o acesso dos restantes municípios a uma importante fonte de receita fiscal.
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Por outro lado, a limitação da isenção a uma determinada circunscrição territorial - que não abrange embarcações de recreio da propriedade de residentes no continente -, decorre ainda das singularidades da marinha de comércio do exercício desta atividade face ao uso de embarcações de recreio.
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Com efeito, a realidade e atividade da marinha de comércio é, conforme decorre do preâmbulo, acima transcrito, dotada de algumas especificidades. Desta feita, ainda que se considere aplicável o regime de isenção previsto no RINM-MAR a embarcações de recreio, por força do Decreto-Lei n.º 92/2003, de 22 de agosto, a aplicação do referido regime deve ser feita com particulares cautelas, já que o regime previsto no Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, assegura que o beneficiário da isenção tenha uma representação permanente na Região Autónoma da Madeira.
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Na verdade, resulta do artigo 17.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março: “[n]os casos em que se situe fora da Região Autónoma da Madeira o domicílio ou sede das entidades referidas no número anterior e que tenham por objecto a indústria de transporte marítimo ou da marinha de recreio, deverão ser cumpridos os requisitos a que aludem os n.ºs 2 e 3 do artigo 11º.”.
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Dispõe ainda o artigo 11.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, que “[n]os casos em que a sede social se situe fora da Região Autónoma da Madeira devem aquelas entidades dispor localmente de sucursal, delegação, agência ou qualquer outra forma de representação, dotada de todos os poderes necessários para, perante as autoridades do Estado ou da Região Autónoma da Madeira e perante terceiros, assegurar uma representação plena, com escolha de domicílio particular para o efeito.”.
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Em suma, a interpretação a fazer de “impostos locais”, na sua aplicação a embarcações de recreio, deve, assim, ter em consideração a integração sistemática e a razão de ser da própria isenção.
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Destaca-se ainda que a ligação da isenção a uma determinada área territorial sai reforçada pelo próprio artigo 15.º do referido regime que traça essa ligação (entre poder tributário e território):
“Os municípios dispõem de poderes tributários relativamente a impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nomeadamente:
(…)
b) Possibilidade de liquidação e cobrança dos impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nos termos a definir por diploma próprio;
c) Possibilidade de cobrança coerciva de impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nos termos a definir por diploma próprio;
d) Concessão de isenções e benefícios fiscais, nos termos do n.º 2 do artigo seguinte;
e) Compensação pela concessão de benefícios fiscais relativos a impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, por parte do Governo, nos termos do n.º 4 do artigo seguinte;
f) Outros poderes previstos em legislação tributária.” (sublinhados e negritos nossos).
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Acresce, nos termos do artigo 16.º, n.º 2 do mesmo regime, que “[a] assembleia municipal, mediante proposta da câmara municipal, aprova regulamento contendo os critérios e condições para o reconhecimento de isenções totais ou parciais, objetivas ou subjetivas, relativamente aos impostos e outros tributos próprios.”.
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A própria alínea b) do n.º 8 do artigo 5.º do Código do IUC efetua uma ligação entre isenção e território, referindo que: “[e]stão isentos de 50% do imposto os seguintes veículos: os veículos das categorias C e D que efetuem transporte exclusivamente na área territorial de uma região autónoma.”.
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Assim, sem prejuízo de nem o artigo 24.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, nem a alínea d) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, fazerem restrições quanto ao âmbito de aplicação territorial, da leitura conjugada dos referidos Decretos-Leis, bem como do Código do IUC e do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, resulta que não serão isentos impostos locais da titularidade de municípios do continente.
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Desta feita, considera-se que a isenção prevista no artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, não é aplicável no caso concreto, sendo de manter a liquidação oficiosa de IUC nos termos acima descritos.
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JUROS INDEMNIZATÓRIOS
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No caso em análise, não ocorrendo a anulação do ato de liquidação oficiosa, não há lugar a reembolso do imposto pago, por aplicação dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT.
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DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Manter a liquidação do IUC efetuada através do Ofício n.º..., de 15 de dezembro de 2017, relativa aos anos de 2015, 2016 e 2017, correspondente, respetivamente, ao documento n.º 2015... (referência para pagamento n.º...), no montante de €2.998,74, incluindo juros compensatórios no montante de €294,84, documento de pagamento n.º 2016... (referência para pagamento n.º...), no montante de €2.952,98, incluindo juros compensatórios no montante de €207,32, e, por último, n.º 2017... (referência para pagamento n.º...), no montante de €2.864,77, incluindo juros compensatórios no montante de €98,23, bem como na condenação ao reembolso das quantias indevidamente pagas acrescidas dos juros indemnizatórios;
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Condenar a Requerente nas custas do processo, fixando o montante de €918,00, a cargo da Requerente.
D. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €8.816,49, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de janeiro de 2019
O Árbitro
(Leonardo Marques dos Santos)
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