Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Manuel Aurélio dos Santos e Dr.ª Adelaide Moura (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-08-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., com o número único de pessoa colectiva e de matricula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, doravante abreviadamente designada por "Requerente", veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pretende que sejam declarados «ilegais os actos de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas, porque ilegais as correcções técnicas (meramente aritméticas) efectuadas à matéria tributável dos exercícios de 2013, 2014 e 2015 e consequentes liquidações adicionais do IRC e Juros Compensatórios e compensações, que deverão ser anuladas, sendo restituídos, pela Autoridade Tributária à Requerente, os valores de € 1.381,84 e € 7.766,80, acrescidos dos competentes juros indemnizatórios, com as demais consequências legais, nomeadamente com os efeitos previstos no art. 24.º do RJAT».
Subsidiariamente, a Requerente pretende que o presente pedido de pronúncia arbitral seja «julgado parcialmente procedente por provado, declarando-se ilegais os actos de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas, assim como as correcções técnicas (meramente aritméticas) efectuadas à matéria tributável dos exercícios de 2013, 2014 e 2015 da A..., S.A., ora Requerente, na parte que corresponde aos valores de € 66.327,30, € 65.746,36 e € 65.539,51, (respectivamente respeitantes aos juros c Imposto do Selo referentes aos créditos obtidos junto do Banco B..., em 20.02.2009, e C..., em 26.10.2010), indevidamente desconsiderados como gastos/encargos dedutíveis para efeitos fiscais, e consequentes liquidações do IRC e Juros Compensatórios e compensações, que deverão ser parcialmente anuladas, sendo restituídos, pela Autoridade Tributaria à Requerente, os valores por esta pagos em excesso, acrescidos dos competentes juros indemnizatórios, com as demais consequências legais, nomeadamente com os efeitos previstos no art. 24.º do RJATI».
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-06-2018.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 06-08-2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 28-08-2018.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 12-12-2018 foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
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A Requerente encontra-se inscrita, para o exercício da actividade de “ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIOS”, a que corresponde o código CAE 68322 e para o exercício de “COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS” com o código CAE 68100, desde 2015-12-28, sendo as acções detidas na sua totalidade pela Sociedade D... SGPS SA, com o NIF..., cujo objecto social do sujeito passivo é a exploração, concessão, administração e gestão de propriedades imobiliárias independente dos fins a que se destinam, nomeadamente: área de armazenagem, industriais, de escritórios e de habitação; investimentos nas mesmas áreas; compra de prédios para revenda; prestação de serviços conexos com as actividades e propriedades mencionadas, designadamente: serviços de guarda, manuseamento de bens e mercadorias e serviços de logística em geral;
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A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, relativa aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, com base nas ordens de serviço OI2017.../OI2017.../OI2017...;
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No Relatório elaborado nessa inspecção, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.1. Correções em sede de IRC
III.1.1. Encargos Financeiros não aceites fiscalmente
Financiamentos obtidos
Da análise efectuada aos elementos contabilísticos dos exercícios de 2013, 2014 e 2015, bem como às declarações entregues pelo sujeito passivo, nomeadamente as IES dos referidos anos, verificou-se que o mesmo recorre a financiamentos através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário, o qual se encontra contabilizado nas diversas subcontas da conta SNC "25 - Financiamentos Obtidos" (cfr. Anexo 3), que apresentam os seguintes saldos finais.
Encargos Suportados com Empréstimos Bancários
Analisadas as contas de gastos, nomeadamente as subcontas SNC "681220 - Imposto de Selo" e "69111 - Gastos e Perdas de financiamento/de empréstimos bancários" (vd. anexo 3), verifica-se que a A... suportou, nos anos em análise, os seguintes encargos:
Empréstimo Concedido
Para além dos empréstimos que contraiu, e relativamente aos quais o sujeito passivo suportou os juros acima referidos, a A... concedeu, entre 2013 e 2015, crédito a uma entidade que detém a totalidade do seu capital social, contabilizado na subconta SNC "268 1 – D... SGPS SA" -junta ao presente relatório como anexo 3, conforme se pode ver no quadro seguinte, onde se apresentam os saldos referentes ao final de cada ano.
O empréstimo celebrado entre a A... S. A. e D... SGPS S. A., tem como suporte um contrato de mútuo, a título gratuito, celebrado em 31/12/2004, com as alterações efetuadas em 31/12/2010, 31/12/2012 e 31/12/2014,
Deste contrato e das posteriores alterações destacam-se os seguintes pontos:
CONTRATO - celebrado em 31/12/2004
"Primeira Contraente: A..., S.A., pessoa colectiva nº..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número 2614, (...). Segunda Contraente: D...-SGPS, S,A., pessoa colectiva nº..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número ..., (...).
1. A Segunda Contraente é a única accionista da Primeira Contraente, detendo, consequentemente, a totalidade do respectivo capital social;
2. A Segunda Contraente, por carecer de liquidez para a prossecução do respectivo objecto social, tem vindo a obter da Primeira Contraente - dada a relação existente entre ambas e a capacidade financeira desta - empréstimos de dinheiro, a título gratuito, prevendo-se a necessidade deste financiamento nos próximos anos;
3- Entre as Contraentes ficou estabelecido que o valor emprestado pela Primeira à Segunda Contraente não poderá exceder o montante anual de € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros) e que, com referência ao mesmo, o valor em dívida pela Segunda à Primeira Contraente não poderá ultrapassar em momento algum a quantia total de €5.000.000,00 (cinco milhões de euros);
4. As Contraentes pretendem reduzir a escrito tal acordo, ratificando as entregas de dinheiro já efectuadas.
Cláusula Primeira
Um - Pelo presente documento, as partes acordam no empréstimo a longo prazo, gratuito, até 31 de Dezembro de 2010, pela Primeira Contraente à Segunda Contraente, de dinheiro até ao montante anual de € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), nas seguintes condições:
a) Em momento algum, durante o período de vigência do presente contrato, poderá o valor em dívida pela Segunda à Primeira Contraente ultrapassar o valor de €5.000.000,00 (cinco milhões de euros);
b) A Segunda Contraente poderá a qualquer momento amortizar a totalidade ou parte do capital que lhe tiver sido emprestado;
c) A totalidade do valor emprestado ao abrigo do presente contrato deverá ser restituída, pela Segunda à Primeira Contraente, até ao dia 31 de Dezembro de 2010."
ALTERAÇÃO A CONTRATO - celebrado em 31/12/2010
"Considerando que:
1. Entre as ora Contraentes foi celebrado, em 31 de Dezembro de 2004, um contrato de mútuo, o qual se encontra em vigor,
2. Atendendo às necessidades de tesouraria que ainda se verificam por parte da Segunda Contraente, pediu a mesma para prorrogar o contrato referido no ponto anterior,
3. As Partes pretendem alterar o prazo estipulado no número Um da Cláusula Primeira do contrato referido em 1. supra para 31 de Dezembro de 2012, é acordada e levada a efeito a presente alteração ao contrato de mútuo acima identificado, que se rege pelo disposto nas cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira
Pelo presente documento, as Contraentes acordem alterar o número Um da Cláusula Primeira do contrato-promessa melhor identificado nos Considerandos supra, que passa a ter a seguinte redacção: Um - Pelo presente documento, as partes acordam no empréstimo gratuito, até 31 de Dezembro de 2012, pela Primeira Contraente à Segunda Contraente, de dinheiro, até ao montante anual de € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), nas seguintes condições:
a) Em momento algum, durante o período de vigência do presente contrato, poderá o valor em dívida pela Segunda à Primeira Contraente ultrapassar o valor de €5.000.000,00 (cinco milhões de euros);
b) A Segunda Contraente poderá a qualquer momento amortizar a totalidade ou parte do capital que lhe tiver sido emprestado;
c) A totalidade do valor emprestado ao abrigo do presente contrato deverá ser restituído, pela Segunda à Primeira Contraente, até ao dia 31 de Dezembro de 2012."
ALTERAÇÃO A CONTRATO - celebrado em 31/12/2012
"Considerando que:
1. Entre as ora Contraentes foi celebrado, em 31 de Dezembro de 2004, um contrato de mútuo;
2. (...) encontrando-se ainda em vigor;
3. Tendo em conta a difícil situação económica e financeira que o pais atravessa, com a redução dos resultados das verias empresas detidas pela Segunda Contraente e consequente diminuição de distribuição de resultados por parte das mesmas, principal fonte de receita da Segunda Contraente, vê-se a mesma obrigada a pedir à Primeira Contraente nova prorrogação de prazo do contrato supracitado;
4. As Partes pretendem alterar o prazo estipulado no número Um da Cláusula Primeira do contrato referido em 1. supra - na redação que lhe foi dada pela alteração efetuada e levada a efeito em 31 de Dezembro de 2010 -, para 31 de dezembro de 2014, é acordada e levada a efeito a presente alteração ao contrato de mútuo acima identificado, que se rege pelo disposto nas cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira
Peio presente documento, as Contraentes acordam alterar o número Um da Cláusula Primeira do contrato-promessa melhor identificado nos Considerandos supra, que passa a terá seguinte redacção: Um — Peio presente documento, as partes acordam no empréstimo gratuito, até 31 de Dezembro de 2014, peia Primeira Contraente à Segunda Contraente, de dinheiro, até ao montante anual de € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), nas seguintes condições:
a) Em momento algum, durante o período de vigência do presente contrato, poderá o valor em dívida pela Segunda à Primeira Contraente ultrapassar o valor de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros);
b) A Segunda Contraente poderá a qualquer momento amortizar a totalidade ou parte do capital que lhe tiver sido emprestado;
c) A totalidade do valor emprestado ao abrigo do presente contrato deverá ser restituída, pela Segunda à Primeira Contraente, até ao dia 31 de Dezembro de 2014."
ALTERAÇÃO A CONTRATO - celebrado em 31/12/2014 [1]
"Considerando que:
1. Entre as ora Contraentes foi celebrado, em 31 de Dezembro de 2004, um contrato de mútuo;
2. (...) encontrando-se ainda em vigor;
3. Consequência da situação económica e financeira do país, a Segunda Contraente, apesar das melhorias sentidas, não recuperou ainda as suas receitas habituais por forma a amortizar os valores em dívida à Primeira Contraente e a garantir a desnecessidade de financiamento da sua tesouraria, pelo que pede nova prorrogação de prazo do contrato supracitado;
4. As Partes pretendem alterar o prazo estipulado no número Um da Cláusula Primeira do contrato referido em 1. supra - na redação que lhe foi dada pela alteração efetuada e levada a efeito em 31 de Dezembro de 2012 - para 31 de Dezembro de 2016, é acordada e levada a efeito a presente alteração ao contrato de mútuo acima identificado, que se rege pelo disposto nas cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira
Pelo presente documento, as Contraentes acordam alterar o número Um da Cláusula Primeira do contrato-promessa melhor identificado nos Considerandos supra, que passa a ter a seguinte redacção: Um - Pelo presente documento, as partes acordam no empréstimo gratuito, até 31 de Dezembro de 2016, pela Primeira Contraente à Segunda Contraente, de dinheiro, até ao montante anual de € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), nas seguintes condições:
a) Em momento algum, durante o período de vigência do presente contrato, poderá o valor em dívida pela Segunda à Primeira Contraente ultrapassar o valor de €5.000.000,00 (cinco milhões de euros);
b) A Segunda Contraente poderá a qualquer momento amortizar a totalidade ou parte do capital que lhe tiver sido emprestado;
c) A totalidade do valor emprestado ao abrigo do presente contrato deverá ser restituída, peia Segunda à Primeira Contraente, até ao dia 31 de Dezembro de 2016."
Da análise efectuada aos elementos remetidos verificou-se o seguinte:
• A subconta "268 1 D... SGPS S.A." apresenta saldos finais devedores de € 3.791.485,58, em 2013, € 3.821.623,34 em 2014 e € 3.927.078,49 em 2015, sendo que a D... SGPS, S.A. detém a totalidade do capital da A... .
• O valor que se encontra em dívida, ao longo dos três exercícios, não vence juros, tal como é referido no próprio contrato de mútuo, não existindo assim qualquer rendimento ou ganho associado a este crédito concedido.
Assim, verifica-se que o sujeito passivo, nos anos em análise, ao mesmo tempo que suportou encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes dos empréstimos que contraiu, concedeu empréstimos a uma empresa que detém a totalidade do seu capital, não tendo obtido qualquer remuneração pelo valor dos empréstimos concedidos.
Enquadramento legal dos gastos financeiros
Face ao facto de o sujeito passivo estar a suportar encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes de empréstimos que o mesmo contraiu e de, simultaneamente estar, nos exercícios em análise, a conceder empréstimos não remunerados a uma entidade que detém a totalidade do seu capital, importa avaliar se estes encargos são ou não aceites fiscalmente, face ao disposto no artigo 23º do CIRC.
Nos termos do nº 1 do referido artigo, na redação aplicável até 2013 "...Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (..,)
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração..."
Por seu turno, o artigo 23.º do Código do IRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro, que republicou este Código, e aplicável aos exercícios de 2014 e 2015, determina os gastos aceites para efeitos da determinação do lucro tributável.
Assim "Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC."
Podemos então concluir que tanto na redação em vigor em 2013, como após a republicação do CIRC em 2014, são requeridos três requisitos essenciais para que os encargos financeiros suportados sejam valorados e aceites como gasto fiscal: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto.
O primeiro requisito reporta à efetividade da realização dos custos a qual consiste em várias formas de apoio escriturai aos lançamentos contabilísticos, ou seja à sua prova documental.
O segundo requisito faz depender a dedutibilidade fiscal do custo de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro.
O terceiro requisito que compõe a cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo Código do IRC, é o da exigência de ligação aos "ganhos sujeitos ou à manutenção da fonte produtora". Decorre do princípio geral do artigo 23.º do CIRC que as despesas realizadas pelo contribuinte, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos ganhos sujeitos a imposto, ou à manutenção da fonte produtora.
Esta cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo código do IRC, é o da exigência de ligação aos "rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora". Decorre do princípio geral do artigo 23º do CIRC que as despesas realizadas pelo sujeito passivo, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora.
No caso em análise, verifica-se que o sujeito passivo contraiu empréstimos, suportando encargos com os mesmos, e, simultaneamente "concede" financiamento, não remunerado, a uma entidade que detém a totalidade do seu capital.
Daqui resulta que dos referidos encargos não estão diretamente relacionados com a atividade do sujeito passivo. Ao não estarem relacionados com a atividade do sujeito passivo, não se mostra cumprido o requisito de indispensabilidade dos encargos financeiros contabilizados pelo sujeito passivo, conforme estabelecido no artigo 23º do CIRC.
Pelo que, relativamente aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, não serão de aceitar fiscalmente a totalidade dos juros de empréstimos bancários suportados pelo sujeito passivo.
Determinação dos gastos financeiros não aceites fiscalmente
Para determinação dos encargos financeiros não aceites, para efeitos fiscais, considerou-se o seguinte:
• Foram considerados os juros contabilizados nas subcontas "68122099 - Imposto de Selo/Outros" e "69111 -juros financiamento obtidos/de empréstimos bancários";
• Atendendo a que o montante de empréstimos concedidos é sempre superior aos empréstimos obtidos, resultando um rácio "empréstimos concedidos/empréstimos obtidos" superior a um, não serão aceites a totalidade encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo.
Pelo exposto propõe-se o acréscimo dos montantes não aceites como gasto fiscal, para apuramento do resultado tributável, nos montantes que a seguir se indicam, que resultam do somatório dos valores inscritos nas subcontas "68122099 - Imposto de Selo/Outros" e "69111 -juros financiamento obtidos/de empréstimos bancários:
• € 245.618,33, para o exercício de 2013;
• € 141.845,48, para o exercício de 2014;
• € 130.107,27, para o exercício de 2015.
(...)
IX DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
No dia 29 de março do corrente ano, pelo ofício n.º... (registo dos CTT - RD ... PT), enviado para sede da sociedade, o sujeito passivo foi notificado do Projeto de Conclusões do Relatório da Inspeção Tributária, nos termos do art.º 60.º da LGT, e do art.º 60.º do RCPITA, a fim de exercer o direito de audição.
Em 2017-04-17, exerceu esse direito através de correio, ficando o mesmo registado com o número 2017..., alegando o que a seguir se refere, de forma sucinta.
O sujeito passivo entende que a Inspeção Tributária não pode efetuar as correções propostas, ao abrigo do disposto no art.º 23.º do Código do IRC.
A fundamentação para este entendimento baseia-se essencialmente no facto de a A... ter recorrido a empréstimos bancários "para fazer face às respetivas necessidades de tesouraria" e para "proceder a investimentos, nomeadamente na conservação e manutenção do seu elevado património imobiliário".
A este propósito apresenta um quadro onde reproduz os empréstimos bancários obtidos e a sua finalidade, a fim de comprovar a necessidade dos mesmos.
Por outro lado refere o sujeito passivo não existir qualquer "evidência probatória que consubstancie o alegado pela inspeção tributária, que se limita a tentar enquadrar os supostos factos (empréstimos à D...) no art.º 23.º do CIRC, não exibindo quaisquer elementos dos quais decorram a necessária correlação"
Conclui dizendo que "as finalidades dos empréstimos foram exclusivamente para fazer face às necessidades financeiras da A...", não devendo proceder a AT às correções propostas.
Atento o exposto, cumpre analisar se assiste razão ao sujeito passivo, ou seja, se se encontram reunidos os requisitos essenciais para que os encargos financeiros suportados sejam aceites corno gasto fiscal, mais concretamente, analisar se estão relacionados com a atividade operacional da empresa e são indispensáveis à obtenção de rendimentos sujeitos a IRC (uma vez que não está posto em causa a sua comprovação - suporte documental).
No caso em apreço, tal como já se encontra referido no capítulo III, está em causa a utilização de capitais alheios, que geram custos para a própria entidade e ao mesmo tempo a concessão de empréstimos a uma entidade, que detém a totalidade do capital do sujeito passivo, sem que se encontre estipulada qualquer remuneração.
Daqui resulta que os referidos encargos, não obstante terem subjacentes financiamentos para fazer face às necessidades do sujeito passivo no âmbito da sua atividade, tal como o próprio indica na sua exposição, nem todos são indispensáveis a essa mesma atividade, pois não existiria necessidade de parte desses financiamentos se o sujeito passivo não concedesse empréstimos, o que consequentemente diminuiria a sua necessidade de financiamento através de capitais alheios e o peso dos encargos financeiros a eles associados.
Nesta medida está posta em causa a dedutibilidade dos encargos financeiros, por não se mostrar cumprido o requisito de indispensabilidade da totalidade dos mesmos, conforme estabelecido no artigo 23º do CIRC.
Relativamente a esta matéria da dedutibilidade dos encargos suportados com financiamentos obtidos quando simultaneamente são concedidos empréstimos, não remunerados e que, por via disso, originam vantagens patrimoniais para terceiros, existem três acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que apontam, indubitavelmente, no sentido da não-aceitação dos encargos financeiros como gasto dedutível (Acórdão de 20 de Maio de 2009, processo nº 1077/08, Acórdão de 30 de novembro de 2011, Processo nº 0107/11 e o Acórdão de 30 de Maio de 2012, processo nº 0171/11).
Sustenta o STA que, mesmo quando exista uma relação de dependência ou domínio, as sociedades têm personalidade e capacidade tributárias distintas e que a não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.
Ou seja, o STA fundamenta as suas decisões, sublinhando o carácter autónomo do sujeito passivo, na ponderação dos seus gastos, vertido na elucidativa expressão: "têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades".
Por outro lado, tal como é também referido pelo STA, a lei não proíbe que uma empresa assuma compromissos em função de outra(s), quando existam relações entre elas, no entanto deverá debitar às empresas beneficiárias os respetivos encargos derivados do empréstimo.
Isto significa que não pode uma sociedade, só porque tem uma relação de grupo, substituir-se a outra na assunção de passivos, resultando daí efeitos fiscais diferentes dos que se obteriam caso o financiamento estivesse alocado à sociedade que dele necessita, para o exercício da sua atividade, nem mesmo aceitando que a aplicação dos capitais assim cedidos à D... poderá contribuir para a atividade de exploração das sua participante e, desta forma, permitir aumentar a respetiva capacidade de gerar rendimentos de que o sujeito passivo poderá, eventualmente, vir a beneficiar no futuro.
Conclusões
De acordo com aquilo que foi exposto, parte dos encargos financeiros suportados, não representam para a A..., um gasto indispensável à realização dos proveitos sujeitos a imposto nem para a manutenção da sua fonte produtora, atendendo a que não seriam necessários na parte em que o sujeito passivo canaliza recursos financeiros para outra entidade.
Assim, atendendo a que não assiste razão ao sujeito passivo, nem resultem alterações às correções propostas no Projeto de Conclusões do Relatório de Inspeção, estas deverão estas passar a definitivas.
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Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as seguintes correcções:
– a correcção da matéria tributável em sede de IRC, no que se refere ao exercício de 2013, compreendia o valor dos juros de financiamento obtido de empréstimos bancários de € 236.179,23 e o Imposto do Selo no valor de € 9.439,10, perfazendo o referido total de € 245.618,33;
– a correcção da matéria tributável em sede de IRC, no que se refere ao exercício de 2014, compreendia o valor dos juros de financiamento obtido de empréstimos bancários de € 135.934,17 e 0 Imposto do Selo no valor de € 5.911,31, perfazendo o referido total de € 141.845,48;
– a correcção da matéria tributável em sede de IRC, no que se refere ao exercício de 2015, compreendia o valor dos juros de financiamento obtido de empréstimos bancários de € 124.186,39 e o Imposto do Selo no valor de € 5.920,88, perfazendo o referido total de € 130.107,17;
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Na sequência da notificação daquele Relatório de Inspecção Tributária, a Requerente foi notificada:
a) com referência ao exercício de 2013:
i) da demonstração de liquidação (adicional) de IRC (Documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
ii) da demonstração de liquidação de juros compensatórios (decorrentes de alegado retardamento na liquidação do referido imposto) (Documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), e
iii) da demonstração de acerto de contas, da qual resultava o valor a pagar de € 1.381,84; (Documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
b) com referência ao exercício de 2014:
i) da demonstração de liquidação (adicional) de IRC (Doc. 15);
ii) da demonstração de liquidação de juros compensatórios (decorrentes de alegado retardamento na liquidação do referido imposto) (Documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), e
iii) da demonstração de acerto de contas, da qual resultava o valor a pagar de 6 7.766,80; (Documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
c) com referência ao exercício de 2015:
i) da demonstração de liquidação (adicional) de IRC (Documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e
ii) da demonstração de acerto de contas, da qual resultava não haver valor a pagar (Documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente procedeu em 09.11.2017 e 11.08.2017, respectivamente, ao pagamento do imposto e juros compensatórios liquidados relativamente aos exercícios de 2013 e 2014 (Documentos n.ºs 20 e 21 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Em 03-10-2017, a Requerente apresentou reclamações graciosas das liquidações referida a que foram atribuídos os seguintes números:
a) ...2017..., referente à liquidação adicional relativa ao exercício de 2013;
b) ...2017..., referente à liquidação adicional relativa ao exercício de 2014, e
c) ...2017..., referente à liquidação adicional relativa ao do exercício de 2015. (Documentos n.ºs 22 a 24 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Em 20-02-2009, a Requerente contraiu um empréstimo junto do Banco B... (actualmente, E...), no valor de € 250.000,00, destinando-se a repor a liquidez daquela que ficara abalada com o investimento que fizera em 16-07-2008, pelo preço de € 180.000,00 (a que acresceu Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis, no Valor de € 11.700,00, e Imposto do Selo, no valor de € 1.465,00, para além dos competentes emolumentos notariais), na aquisição da fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano actualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia do ..., concelho de Lisboa (Documentos n.ºs 7, 22 a 24 e 25 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
-
Em 26-10-2010, a Requerente contraiu um empréstimo junto do C..., no valor de € 722.500,00, destinado a repor a sua liquidez que ficara abalada com o investimento que fizera em 05-02-2010, na aquisição, pelo preço global de € 950.000,002 (a que acresceu Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis, no valor de € 48.445,00, e Imposto do Selo, no valor de € 7.600,00, para além dos competentes emolumentos notariais), do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Cascais, e do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo ... da Secção 41 da freguesia de ..., concelho de Cascais (Documentos n.ºs 8, 22 a 24 e 26 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Relativamente aos créditos referidos nas alíneas anteriores, a Requerente suportou os seguintes encargos:
a) no ano de 2013, o montante total de € 66.327,30 (do qual € 5.055,78 respeitam ao crédito contratado com o B.../E... e € 61.271,52 ao crédito contratado com o C...) a título de juros e o montante total de € 2.655,74 (do qual € 204,85 respeitam ao crédito contratado com o B.../E... e € 2.450,89 ao crédito contratado com o C...) a título de Imposto do Selo; (Documentos n.ºs 1 e 22 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
b) no ano de 2014, o montante total de € 65.746,36 (do qual € 3.745,40 respeitam ao crédito contratado com o B.../E... e € 62.000,96 ao crédito contratado com o C...) a título de juros e o montante total de € 2.639,68 (do qual € 159,65 respeitam ao crédito contratado com o B.../E... e € 2.480,03 ao crédito contratado com o C...) a título de Imposto do Selo; (Documentos 1 e 23 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
c) no ano de 2015, o montante total de € 65.539,51 (do qual € 4.251,14 respeitam ao crédito contratado com o B.../E... e € 61 188,37 ao crédito contratado com o C...) a título de juros e o montante total de € 2.631,69 (do qual € 180,13 respeitam ao crédito contratado com o B.../E... e € 2.451,56 ao crédito contratado com o C...) a título de Imposto do Selo. (Documentos 1 e 24 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Os imóveis referidos continuam propriedade da Requerente;
-
Em 25-03-2018 foram proferidas decisões idênticas de indeferimento das reclamações graciosas, nos três processos referidos (documentos n.ºs 36, 37 e 38 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
-
Nas decisões de indeferimento das reclamações graciosas, refere-se, além do mais o seguinte:
4.2 - No entanto, não obstante o alegado, face aos elementos apresentados não ficou comprovado o nexo de causalidade entre estes dois financiamentos obtidos e a sua aplicação para fazer face às necessidades de tesouraria resultantes da aquisição dos prédios.
Também não assiste razão ao reclamante quanto à alegação de que caso os empréstimos obtidos se tivessem destinado na sua totalidade ao financiamento da D... SGPS SA (ainda que sem qualquer remuneração), os juros relativos à sua obtenção estariam enquadrados no artigo 23º do Código do IRC, tendo em conta uma estratégia de grupo.
De facto, mesmo quando exista uma relação de grupo ou domínio as sociedades integrantes do mesmo não perdem a sua personalidade e capacidade tributária, devendo as suas contabilidades estarem organizadas com independência em relação às outras, o que implica que cada sociedade tenha os seus próprios gastos e assim, na presente situação, a A... não se pode substituir à D... SGPS SA, na assunção daquele montante de € 245.618,33, e tanto mais que também não se pode deixar de concluir que no caso de não haver empréstimos à D... SGPS SA a A... não teria necessidade, na sua tesouraria, de recorrer aos empréstimos que geraram os encargos em discussão.
Assim, face ao exposto afigura-se que as correções efetuadas pelos SIT se encontram corretas, não sendo de atender à pretensão do requerente no sentido da anulação da liquidação nº 2017 ... e da respetiva liquidação de Juros compensatórios.
(...)
5.1 - Alegações em direito audição:
O Reclamante alega em sede de direito de audição, sucintamente:
• A compra dos prédios, efectuada em períodos muito anteriores, não foi feita directamente com recurso a tais financiamentos, com base nos dados e perspectivas existentes naqueles momentos, entendeu a administração da reclamante não ser essa a melhor opção, tendo posteriormente vindo a sociedade a carecer de recorrer ao financiamento;
• Relativamente à interpretação do art. 23º do CIRC no que concerne aos custos decorrentes de empréstimos no caso de o sujeito passivo ter financiado sociedade sua única participante, reitera-se tudo o alegado na reclamação e conclui-se pela inadmissibilidade da efectuada pela AT que conduz inexoravelmente à incompatibilidade entre o regime instituído pelo Código das Sociedades Comerciais e o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, o que se tem por inaceitável.
5.2 - Análise em direito de audição:
• Das alegações apresentadas, a reclamante não demonstra nem justifica a relação existente entre os financiamentos obtidos e a sua aplicação para fazer face às necessidades de tesouraria resultantes da aquisição dos prédios;
• Mesmo existindo uma relação de grupo ou domínio as sociedades integrantes do mesmo não perdem a sua personalidade e capacidade tributária, devendo as suas contabilidades estarem organizadas com independência em relação às outras, o que implica que cada sociedade tenha os seus próprios gastos. A reclamante não se poderia substituir à D... SGPS SA, na assunção dos empréstimos.
-
A Requerente contraiu os seguintes empréstimos entre 2005 e 2012:
Documentos n.ºs 5 a 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
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A actividade principal da Requerente era a exploração arrendamentos designadamente de imóveis em condomínios de tipo industrial auferindo rendas que eram a sua maior fonte de receita (depoimento da testemunha F...);
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A Requerente recorria a financiamentos para fazer investimentos, designadamente compra de terrenos, para desenvolver mais tarde (depoimento da testemunha F...);
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A Requerente geria os condomínios, fazendo melhorias, ampliando alguns dos empreendimentos (depoimento da testemunha F...);
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D... SGPS SA foi constituída da Requerente para efectuar negócios que verticalizem e maximizassem os ganhos da Requerente e tornassem o negócio mais resiliente às crises económicas, variando as fontes de receita com actividades diferentes, mas conexas (nas crises há clientes que entram em mora e não pagam rendas ou ficam insolventes) (depoimento da testemunha F...);
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Com a D... SGPS SA, a Requerente pretendeu obter mais receitas, através de diversificação de actividade, para reduzir a sua exposição às condicionantes do mercado imobiliário, designadamente clientes que entram em mora e não pagam rendas ou ficam insolventes (depoimento da testemunha F...);
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Foi criada uma empresa de logística no âmbito da SGPS, por a Requerente não estar vocacionada para a actividade de gestão de participações sociais (depoimento da testemunha F...);
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Essa empresa logística que foi durante muito tempo o principal cliente da Requerente ocupando cerca de 30% da área do principal parque industrial da Requerente) (depoimento da testemunha F...);
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A Requerente obtinha através da ocupação do seu parque imobiliário retorno dos financiamentos que fez à D... SGPS SA (depoimento da testemunha F...);
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A Requerente comprou imóveis para aumentar o parque imobiliário, designadamente escritórios em Lisboa, terrenos em Cascais, que se lhe afiguraram boas oportunidades de investimento (depoimento da testemunha F...)
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A Requerente tinha alguns fundos próprios que utilizou para a aquisição de terrenos e financiou-se para não ficar sem meios para a actividade corrente de manutenção dos imóveis, que tem custos elevados, para além de precisar de folga, dispondo de dinheiro para oportunidades de negócio que pudessem aparecer (depoimento da testemunha F...);
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A Requerente não recorreu a financiamentos bancários para conceder empréstimos à D... SGPS SA (depoimento da testemunha F...);
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Os empréstimos à D... SGPS SA em 2013, 2014 e 2015 destinaram-se à actividade desta que gerava receita para a Requerente, designadamente a logística, em que foi equipado um armazém completo (depoimento da testemunha F...);
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A Requerente tinha um interesse indirecto nestes financiamentos à D... SGPS SA, pois financiava negócios que tinham retorno por via da ocupação do imobiliário da Requerente (depoimento da testemunha F...);
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A totalidade do capital das D... SGPS SA é detida pela Requerente;
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A Requerente pagou em 09-11-2017 a quantia de € 1.381,84 relativa à liquidação referente ao ano de 2013 e em 11-08-2017 a quantia de € 7.766,80 referente à liquidação respeitante ao ano de 2014 (documentos n.ºs 20 e 21 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Em 18-06-2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base no alegado pela Requerente, nos documentos por ela juntos e o que consta do processo administrativo.
Nos pontos em que tal foi referido, a fixação da matéria de facto baseou-se no depoimento da testemunha F... que aparentou depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos que referiu.
Esta testemunha foi administrador da Requerente até 2014 e, depois, continuou a colaborar com a empresa, trabalhando com a Requerente há mais de 20 anos.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente em que constatou que, nos exercícios de 2013. 214 e 2015 suportou encargos financeiros com empréstimos bancários, tendo efectuado empréstimos não remunerados a uma sociedade de que detém a totalidade do capital social, a D... SGPS SA.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, na página 17 do Relatório da Inspecção Tributária, que «relativamente aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, não serão de aceitar fiscalmente a totalidade dos juros dos empréstimos bancários suportados pelo sujeito passivo» (isto é, em nenhuma medida os encargos referidos seriam dedutíveis ao lucro tributável), à face do preceituado no artigo 23.º do CIRC.
Posteriormente, após o exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que «os referidos encargos, não obstante terem subjacentes financiamentos para fazer face às necessidades do sujeito passivo no âmbito da sua atividade, tal como o próprio indica na sua exposição, nem todos são indispensáveis a essa mesma atividade, pois não existiria necessidade de parte desses financiamentos se o sujeito passivo não concedesse empréstimos, o que consequentemente diminuiria a sua necessidade de financiamento através de capitais alheios e o peso dos encargos financeiros a eles associados».
No entanto, apesar de ter reconhecido que alguma parte dos financiamentos foram contraídos para «fazer face às necessidades do sujeito passivo no âmbito da sua atividade» e que apenas «parte dos encargos financeiros suportados, não representam para a A..., um gasto indispensável a realização dos proveitos sujeitos a imposto nem para a manutenção da sua fonte produtora, atendendo a que não seriam necessários na parte em que o sujeito passivo canaliza recursos financeiros para outra entidade» («Conclusões» do Relatório da Inspecção Tributária), a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve o entendimento que constava do projecto de Relatório da Inspecção Tributária que em nenhuma medida, os encargos financeiros suportados poderiam ser dedutíveis.
Foi também este o entendimento que foi mantido nas decisões das reclamações graciosas.
Referiu ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que, «mesmo existindo uma relação de grupo ou domínio as sociedades integrantes do mesmo não perdem a sua personalidade e capacidade tributária, devendo as suas contabilidades estarem organizadas com independência em relação às outras, o que implica que cada sociedade tenha os seus próprios gastos. A reclamante não se poderia substituir à D... SGPS SA, na assunção dos empréstimos».
3.1. Conceito de indispensabilidade de gastos
Nos termos do artigo 23.º do Código do IRC (na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, vigente em 2013), «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».
Com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC passou a estabelece que «para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».
O conceito de indispensabilidade tem sido repetidamente apreciado pela jurisprudência arbitral, designadamente no que concerne ao reforço do investimento por uma sociedade a suas participadas, pelo que se vai adoptar em linhas gerais essa jurisprudência, designadamente a fundamentação do acórdão de 13-02-2015, proferido no processo n.º 585/2014-T.
«A noção legal de indispensabilidade recorta-se (...) sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.» (…) «A indispensabilidade subsume-se a todo e qualquer acto realizado no interesse da empresa (…) A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro”. [2]
«Indispensabilidade não significa, pois, um nexo de causalidade obrigatória com rendimentos/proveitos, nem que, a posteriori, se devem verificar ou comprovar necessariamente efeitos económicos lucrativos decorrentes de tais gastos. Desde que os gastos resultem de actos de gestão que, com base na informação conhecida aquando da sua execução, pudessem ter como objectivo a obtenção esperada de rendimentos ou a manutenção da fonte produtora (física, intangível, financeira ou outra) tal deverá conduzir à aceitação da sua dedutibilidade». [3]
Refere-se no acórdão proferido no processo n.º 585/2014-T o seguinte:
«A indispensabilidade surge como um factor determinante para a admissibilidade dos custos. A sua delimitação é, pois, fundamental para se aferir se os encargos foram contraídos no interesse da sociedade participante.
É que não se deve excluir sempre a possibilidade de dedução de custos de investimento de sociedades nas suas participadas.
O conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC deve corresponder aos custos incorridos no interesse da empresa, aos gastos suportados no âmbito das actividades abrangidas pelo seu fim estatutário, no caso de uma sociedade.
Não é, assim, necessária uma ligação aos proveitos, um obrigatório nexo de causalidade entre despesas e proveitos. Por outro lado, não relevam para aquele efeito os juízos da Administração Tributária sobre o acerto das decisões de gestão, bastando que as mesmas sejam tomadas no âmbito do interesse da empresa.
O Tribunal Central Administrativo Sul, no proc. n.º 06754/13 CT- 2º Juízo de 16.10.2014 aponta para a seguinte solução “É entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr. Ac. S.T.A. -2ª.Secção, de 21.04.2010, rec. n.º 774/09; Ac. S.T.A. -2ª.Secção, de 13.02.2008, rec. n.º 798/07; Ac. T.C.A. Sul -2ª Secção, de 17.11.2009, proc.3253/09).
Ora, um «activo é um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros» - ponto 49 (a) da Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística homologada pelo despacho publicado no Aviso n.º 15 652/2009, Diário da República, II Série, de 7 de setembro.
Assim, a “atividade” de uma empresa não se esgota no conjunto de operações produtivas ou operacionais. “Atividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras. Tanto será atividade a gestão de um ativo físico, como a de um intangível, como a de um ativo não corrente detido para venda, como a de um ativo financeiro.
A atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.
Nos casos de investimento de uma sociedade numa sua participada, o financiamento provindo da participante será feito no interesse deste caso sirva para que daí decorra uma expetativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes.
A dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto dos financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro).
O facto de decisões tomadas na esfera da participante influenciarem o património da participada não quer dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros. Elas são tomadas a partir do interesse da participante em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento na participada.
A participada usa fundos que lhe são aportados, mas esse aporte de fundos é feito no interesse da participante, ou seja, no contexto de atos normais de gestão que se podem englobar no seu escopo ou propósito lucrativo.
Nas situações em que a participante detém a totalidade do capital da participada e, por isso, detém total possibilidade de intervir na gestão da participada e assegurar que o investimento é utilizado no seu interesse, o investimento na participada reconduz-se a gestão da participação e consubstancia exercício indireto pela participante da atividade económica que a participada leva a cabo, cujos reflexos positivos ou negativos se acabam por repercutir totalmente na esfera jurídica da participante através da valorização ou desvalorização da sua participação, pelo que os encargos necessários para assegurar o investimento potenciador da obtenção de futuros benefícios enquadram-se no conceito de indispensabilidade económica, com o referido sentido de despesas integralmente efetuadas no interesse da empresa.»
É também neste sentido a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo, como ode ver-se pelo acórdão do Pleno de 27-06-2018, proferido no processo n.º 01402/17, tirado por unanimidade, em que se entendeu que «o conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados».
A situação da Requerente e da sua participada D... SGPS SA é fundamentalmente idêntica à apreciada neste acórdão, pois o capital deste é detido na totalidade pela Requerente, e, por isso, todos efeitos dos investimentos efectuados acabam por se repercutir na esfera patrimonial da Requerente, através da valorização ou desvalorização das participações, pelo que é óbvio o seu interesse em efectuá-los.
«A participada não é um qualquer ente estranho à actividade e interesses da participante. Não há um gasto na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. O gasto com juros incorridos com capitais obtidos e, posteriormente aportados à participada, é feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de um activo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento».[4]
No caso em apreço, resulta da prova produzida que os investimentos foram efectuados pela Requerente tendo em vista não só obter receitas através da valorização das suas participações sociais, mas também directamente, através das rendas que lhe eram pagas pela empresa de logística que a SGPS detinha e que ocupava parte importante d património imobiliário da Requerente.
É, assim, claro que os empréstimos à D... SGPS SA foram efectuados no interesse da Requerente.
Do exposto decorre que as correcções efectuadas relativas à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2013, 2014 e 2015 para financiar a sua participada violam o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, o que constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação das liquidações.
3.2. Erro na apreciação dos pressupostos das liquidações
Para além disso, a prova produzida contraria parcialmente os pressupostos fácticos subjacentes às liquidações.
Na verdade, a prova produzida não permite concluir que os empréstimos que geraram os encargos financeiros suportados em 2013, 2014 e 2015 tivessem sido contraídos apenas para efectuar os empréstimos à D... SGPS SA.
Os financiamentos bancários foram obtidos entre 2005 e 2012, num montante global de € 3.453.827, como se conclui dos documentos n.ºs 5 e 9 e do quadro que consta da alínea N) da matéria de facto fixada.
Como salientou a testemunha F..., alguns dos empréstimos estiveram conexionados com a aquisição de imóveis, identificados nas alíneas H) e I) da matéria de facto fixada, pelo que não há fundamento para concluir que a totalidade dos empréstimos contraídos tenham sido realizados para efectuar os financiamentos à D... SGPS SA.
Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu no Relatório da Inspecção Tributária que não existiu «qualquer rendimento ou ganho associado a este crédito concedido» e a testemunha F... explicou, coerentemente, o interesse da Requerente na realização desses empréstimos, que permitiam à D... SGPS adquirir e manter a empresa logística que pagava rendas à Requerente, obtendo esta, por essa via, retorno pecuniário dos empréstimos que efectuou.
Assim, não se pode concluir que, se não tivesse efetuado os empréstimos à D... SGPS SA, a Requerente não teria obtido os proveitos e obteve nos anos de 2013, 2014 e 2015.
Pelo exposto, conclui-se que a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de erro sobre os pressupostos de facto, ao ter subjacente o entendimento de que a Requerente não obteve nenhum rendimento conexionado com os empréstimos efectuados.
Por outro lado, à face do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, tanto na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho (vigente em 2013), como na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, para a dedutibilidade de gastos não é imprescindível que os gastos estejam indispensáveis para a realização ou obtenção dos rendimentos, pois basta que tenham sido destinados à «manutenção da fonte produtora» ou «garantir os rendimentos» (respectivamente).
No caso em apreço, como resulta da prova produzida, designadamente do depoimento da testemunha F..., os financiamentos da D... SGSP SA visaram não só à obtenção directa de rendimentos (rendas devidas pela ocupação de parte do parque imobiliário da Requerente), mas também assegurar a fonte de rendimentos que constituía esta sociedade, cujo capital era integralmente detido pela Requerente.
Pelo exposto, as liquidações impugnadas enferma enfermam de vícios por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justificam a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Juros compensatórios
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as liquidações de IRC, pelo que enfermam dos mesmos vícios, justificando-se também a sua anulação.
4. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios
A Requerente pagou em 09-11-2017 a quantia de € 1.381,84 relativa à liquidação referente ao ano de 2013 e em 11-08-2017 a quantia de € 7.766,80 referente à liquidação respeitante ao ano de 2014 e pede a restituição dessas quantias, acrescidas de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga indevidamente acrescida de juros indemnizatórios.
Na sequência da ilegalidade da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou indevidamente.
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
(...)
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
No caso em apreço, na sequência da anulação das liquidações, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
No que concerne aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, foi a Autoridade Tributária e Aduaneira quem efectuou as liquidações impugnadas, por sua iniciativa, pelo que as ilegalidades que as afectam lhe são imputáveis.
Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva contados desde 09-11-2017 no que concerne à quantia de € 1.381,84 relativa à liquidação referente ao ano de 2013 e desde 11-08-2017 no que respeita à quantia de € 7.766,80, até integral reembolso, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, do CPPT, e art. 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular os seguintes actos:
– liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2017... de 09-06-2017 e compensação n.º 2017... de 12-06-2017;
– liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2017... de 09-06-2017 e compensação n.º 2017... de 14-06-2017, e
– liquidação de IRC n.º 2017... de 06-09-2017 e compensação n.º 2017 ... de 14-06-2017.
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Condenar à Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 9.148,64;
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Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não tendo sido questionado o valor indicado pela Requerente, fixa-se ao processo o valor de € 139.255,91.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 29-01-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(José Manuel Aurélio dos Santos)
(Adelaide Moura)
[1] Por lapso, no Relatório da Inspecção Tributária refere-se a data de “31/12/2012”.
[2] TOMÁS TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, páginas 136-137.
[3] Acórdão arbitral de 21-04-2015, proferido no processo n.º 644/2014-T, proferido sobre uma situação de financiamentos gratuitos a participadas.
[4] Acórdão arbitral do processo n.º 264/2016-T.