Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 253/2018-T
Data da decisão: 2019-01-29  IRS  
Valor do pedido: € 21.836,54
Tema: IRS - Retenção na Fonte sobre Mais-Valias respeitantes de Liquidação de Fundos de Investimento Imobiliário Fechados e Liquidação de Juros Compensatórios.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. Em 18 de maio de 2018, o A..., S.A.NIPC..., doravante designado por Requerente, com sede em Portugal, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
  2. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pelas suas mandatárias, Dr.ª B... e Dr.ª C..., e a Requerida é representada pelas juristas, Dr.ª D... e Dr.ª E... .
  3. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, o Requerente pretende a declaração de ilegalidade, e consequente anulação do ato de liquidação de juros compensatórios com o n.º 2017..., de 04.07.2017, no montante de € 21.836,54 (vinte e um mil, oitocentos e trinta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos).
  4. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo o Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
  5. O signatário aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 30 de julho de 2018, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
  6. Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 28 de setembro de 2018, a sua resposta, na qual apresentou a sua defesa, por exceção e por impugnação.
  7. Por despacho de 2 de outubro de 2018, o Tribunal, no respeito pelo princípio do contraditório, notificou o Requerente para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela Requerida.
  8. No dia 19 de outubro de 2018, em resposta ao despacho indicado em 7 supra, o Requerente apresentou um requerimento em cumprimento ao mesmo.
  9. Não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, no despacho que proferiu a 23 de outubro de 2018, concedendo, no mesmo, um prazo sucessivo de 10 dias para o Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito.
  10. Nesse despacho, o Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 30 de janeiro de 2019 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido o Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  11. O Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações, a 6 de novembro de 2018 e a 19 de novembro de 2018, respetivamente.

 

I. O Requerente sustenta os seus pedidos, em síntese, da seguinte forma:

 

  1. O Requerente sustenta o pedido de anulação do ato de liquidação de juros compensatórios a que foi sujeito, por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:
  1. Vício de nulidade do ato impugnado, por entender que a demonstração de liquidação de juros presente nos autos é apenas «uma demonstração de liquidação não é uma liquidação.» Acrescentando que «uma demonstração de acerto de contas – sem que se perceba que contas ou acertos foram feitos – também não pode servir de liquidação.»
  2. Vício de falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, invocando o Requerente que não foi «notificado de qualquer Liquidação, nos termos da Lei

 

Nesta aceção, refere, o Requerente, ter recebido dois documentos denominados ”Demonstração da liquidação de juros compensatórios” e “Demonstração de acerto de contas”, sem que dos mesmos conste informação «que se perceba que contas ou acertos foram feitos», rematando que «não pode servir de liquidação. Muito menos pode cumprir a função de notificação a efectuar o pagamento do saldo apurado(?) de acordo com a demonstração de compensação junta(?). Nem serve, ainda, para avisar que, não sendo feito o pagamento, é instaurado processo executivo. Todavia, a Execução foi, efectivamente, instaurada e o Requerente citado. Ora, foi precisamente, através da citação que o Requerente tomou conhecimento do n.º da liquidação:... . Se não tivesse sido citado nos autos de impugnação, nem o número da liquidação era conhecido pelo Banco, aqui Impugnante.»

 

Refere, ainda, o Requerente que:«  (…) não foi notificado de qualquer Liquidação, nos termos da Lei. E à questão sobre se aqueles documentos, em que são feitas referências a Juros Compensatórios, poderiam funcionar como notificação de uma Liquidação, a resposta tem de ser, obviamente, negativa: omitem, em absoluto a fundamentação factual e legal, a indicação dos meios de defesa, as normas aplicáveis.»

 

Concluindo quanto a esta matéria no sentido de que: «(…) a – eventualmente efectuada, mas nunca notificada – liquidação de juros compensatórios, deve ser anulada, por violação da exigência constitucional de fundamentação, prevista no n.º 3 do art.º 268.º da CRP e das exigências legais expressamente consagradas, em geral, no n.º 2 do art.º 77.º da LGT, e, em especial, no n.º 9 do art.º 5.º da LGT.»

 

  1.  Vício de erro sobre os pressupostos de facto, manifestando, o Requerente, o entendimento de que «(…) sobre si nunca impendeu qualquer obrigação de efectuar qualquer retenção na fonte (…)», porquanto, «o ora impugnante, na sua qualidade de Banco Depositário do Fundo de Investimento Imobiliário “F...-FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO”- o qual reveste a natureza de Organismo de Investimento Colectivo (abreviadamente OIC), nos termos e para os efeitos do Regime Geral dos Organismos e Investimento Colectivo (aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro), constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, portanto, abrangido pelo regime previsto no artigo 22.º-A do EBF, em cumprimento das suas funções de depositário do fundo e de registador das unidades de participação da titularidade dos respectivos participantes, aquando da liquidação do fundo, e conforme instruções da respectiva entidade gestora, entregou os montantes, legal e contratualmente devidos aos participantes. »

 

Mais refere, o Requerente, que «(…) a operação de resgate é conatural aos fundos abertos, constituindo a operação inversa da operação de subscrição, esta como operação de entrada no fundo, aquela como saída do fundo. Ora, não há lugar a operações de resgate nos fundos fechados, mas apenas de compra e venda, e, a final, de liquidação do próprio fundo, que foi o que se verificou no presente caso

 

Acrescenta, no que à liquidação de juros compensatórios em crise, o Requerente no sentido de que «(…) o regime estabelecido no artigo 22.º-A do EBF, veio substituir um regime com mais de vinte anos de vigência, tendo entrado em vigor em Janeiro de 2015, imediatamente após a Reforma do IRS (aprovada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro), tendo esta qualificado os ganhos decorrentes do resgate de unidade de participação em fundos de investimento como mais-valias (sub alínea 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS) e na mesma norma foi feita a qualificação os ganhos do “liquidação” como “mais-valias”. Tal qualificação dos ganhos do “resgate” contrariou a qualificação que a AT, tradicionalmente, vinha sustentando, a saber, a de “rendimentos de capitais”. Cumpre evidenciar que esta solução do artigo 22.º-A do EBF se traduziu na consagração de uma solução inovadora no sistema fiscal português quanto a tributação de mais-valias mobiliárias, qual seja, a de estabelecer “retenção na fonte sobre mais-valias”, tendo circunscrito a solução às “mais-valias” do resgate.»

 

Continuando o Requerente, sustenta que: «[n]o artigo 22.º-A do EBF, quanto a retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por participantes em OIC residentes em território nacional, apenas se encontra previsão sobre a retenção, à taxa de 28%, no caso de: ● ”rendimentos distribuídos” - al. a) do n.º 1; ● “rendimentos decorrentes do resgate” – a b) do n.º 1. Para os restantes rendimentos, na expressão legal, “nos restantes casos [os rendimentos são tributados] nos termos previstos no Código do IRS ou no Código do IRC – cfr. al. e) do n.º 1 do mesmo artigo 22.º-A do EBF. Não se encontra no Código do IRS qualquer norma que estabeleça retenção na fonte sobre eventuais ganhos da “liquidação” de fundos de investimento

 

Na verdade, segundo o Requerente, «[o] legislador reconhece e diferencia a existência de vários tipos de mais-valias que podem decorrer das participações em OIC (…).Tal distinção dos diversos tipos de “operações” está em consonância com o n.º 1 do artigo 10.º do CIRS que também distingue entre mais-valias da alienação, do resgate e da liquidação

 

  1. Conclui no sentido de que «[d]o que vai exposto, resulta claro que, do regime legal previsto no artigo 22.º-A do EBF, não decorre uma qualquer obrigação de retenção na fonte que o Impugnante devesse ter cumprido, aquando do pagamento dos montantes devidos na liquidação aos participantes, e enquanto depositária do fundo de investimento e registadora das unidades de participação de cada participante no fundo

 

E termina, referindo que «(…) as únicas mais-valias que o legislador sujeitou a retenção na fonte, são as MAIS VALIAS do RESGATE, consagrado e delimitado na alínea b) do n.º 1 do artigo 22.º-A do EBF.»

 

II. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

  1. Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se, por exceção e por impugnação: 
  1. Por exceção, invoca, a Requerida, por um lado, a incompetência material do tribunal arbitral face à redação da Portaria de Vinculação n.º 112-A/2011, de 22 de março; por outro, a incompetência material do CAAD para apreciação de questões relacionadas com a liquidação de juros compensatórios e extinção do processo executivo; por outro, ainda, a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral relativamente ao ato de retenção na fonte e à liquidação de juros compensatórios; e por último, a impropriedade do meio processual.

 

  1. Quanto à alegada exceção de incompetência material do tribunal arbitral face à redação da Portaria de Vinculação n.º 112-A/2011, de 22 de março, defende a Requerida que «[a]inda que não directamente impugnada, da apreciação pretendida pelo A quanto à alegada ilegalidade do acto de retenção na fonte. No termos do disposto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, a Administração Tributária vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos do disposto no artigo 132.º do CPPT.»

 

«Conforme resulta do processo administrativo instrutor, a Requerente não logrou apresentar o meio gracioso previsto no artigo 131.º do CPPT - reclamação graciosa.»

 

Ora, «[d]ispõe-se no artigo 2.º, alínea a) da referida Portaria n.º 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigo 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

 

Com efeito, acrescenta a Requerida que «[s]em conceder, o entendimento supra pugnado, de que os litígios que tenham por objecto actos de retenção na fonte estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º n.º 2 ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT. »

 

Mais referindo que «[e]fetivamente, os termos em que está redigido o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT impõem a conclusão de que a vinculação da AT está continuamente dependente e delimitadas pela vontade expressa na Portaria n.º 112-A/2011. E, atenta a natureza voluntária e convencional da tutela arbitral, aqui entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais de arbitragem resulta de regulamentação de natureza pública efetuada no RJAT, o intérprete não pode amplificar o objeto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT àquela jurisdição (…)»;

 

Concluindo no sentido de «(…) O Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o alegado em 8.º a 12.º do articulado. O que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, o qual obsta ao conhecimento do pedido e a absolvição do pedido e a absolvição da instância da AT nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.»

 

  1. No que toca à alegada exceção da incompetência material do CAAD para apreciação de questões relacionadas com a liquidação de juros compensatórios e extinção do processo executivo, defende a Requerida que dirigindo-se o pedido de constituição arbitral à anulação da liquidação dos juros compensatórios devidos pelo atraso na entrega do imposto, está o mesmo «(…) fora do âmbito material da arbitragem tributária nos termos moldados pelo legislador do RJAT (…)» não tendo desta forma, o «pedido (…) cabimento na presente instância arbitral, por não caber na competência dos tribunais arbitrais» prevista no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, porquanto, entende que desta norma legal resulta «(…) de forma inequívoca, ter o legislador optado por não contemplar (no RJAT) a possibilidade de apreciação do acto de liquidação de juros compensatórios, que não tenha a natureza de tributo

 

Terminando no sentido de que: «[t]ambém por esta via, e por força do que se explanou, se verifica a existência de excepção (dilatória) que, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Entidade requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea e) do Código do Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.»

 

  1. No que respeita à alegada exceção da intempestividade do pedido de pronuncia arbitral relativamente ao ato de retenção na fonte e à liquidação de juros compensatórios, refere a Requerida que «[a] a admitir-se, em tese, a apreciação, neste tribunal, da legalidade da retenção na fonte, não precedida de reclamação graciosa, sempre o pedido de pronúncia arbitral seria manifestamente intempestivo», porquanto, «foi praticado em 14/06/2017».(…) «Tendo a Requerente apresentado o pedido de pronuncia arbitral em 18/05/2018, afere-se que o mesmo é manifestamente intempestivo», face ao prazo estipulado para o efeito no artigo 10.º do RJAT, bem como o será segundo a Requerida no que respeita ao ato de liquidação de juros compensatórios.

 

Concluindo no sentido de que «[a]rguindo-se a excepção dilatória a que alude o disposto nos artigos 577.º e 278.º, ambos do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, devendo em consequência a Requerida ser absolvida da instância, com as devidas consequências legais.»

 

  1. Quanto à alegada impropriedade do meio processual, refere a Requerida que «a pretensão do A sempre deveria ser formulada no âmbito do processo de execução fiscal, por via da respectiva oposição, nos termos do art. 204.º do CPPT.»

 

  1. Por Impugnação, defende-se a Requerida, no que respeita ao invocado vício de falta de fundamentação, inicia a sua dissertação referindo que: «[a]o contrário do afirmado pela A, a demonstração da liquidação indica a base sobre a qual foram calculados os juros, o período e a taxa. Porém sempre se dirá que, tendo recepcionado a liquidação e o acerto de contas, e alegadamente não descortinado a que se referia poderia ter feito uso da faculdade que lhe é conferida pelo art. 37.º do CPPT (…).»

 

Ora, considera a Requerida que «[a] densidade da fundamentação varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias concretas. A fundamentação há-de ser suficiente e clara (…). E, no caso em concreto, «[n]ão restam, pois, dúvidas de que a Requerente, atento o teor do pedido de pronuncia arbitral que deduziu, não pode deixar de ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor da liquidação e as razões por que foram alcançados o valor de juros compensatórios. Ou seja, a Requerente tem elementos para perceber o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido no ato de liquidação notificado.»

 

Com efeito, assevera a Requerida que, caso se estivesse perante uma situação em que «(…) as notificações em crise [tivessem sido] efetuadas sem terem sido acompanhadas da fundamentação do respetivo ato, tratar-se-ia de uma notificação irregular», a qual «não se estende ao ato notificado, transformando-o num ato ilegal suscetível de ser anulado, mas apenas condiciona a eficácia do ato tributário transmitido, o qual, em virtude disso, só começará a produzir todos os seus efeitos a partir do momento em que a notificação se faça na forma determinada pela lei.»

 

Mais refere a Requerida que «[a] falta de comunicação dos fundamentos do ato de liquidação não se confunde com a falta de fundamentação do ato (…) sendo que enquanto esta constitui vício que invalida o ato administrativo e é suscetível de determinar a sua anulação, desde que pedida dentro dos prazos legais para o efeito, aquela, porque se situa já no exterior do ato, apenas poderá diferir o início do prazo para o recurso, desde que observado o disposto no artigo 37.º do CPPT. Assim, a notificação não é um elemento intrínseco do ato e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia.»

 

«A falta de comunicação dos fundamentos de um ato apenas determina a anulabilidade desse ato de comunicação, visto que não contende com a validade, mas apenas com a sua eficácia.»

 

Concluindo, quanto a esta matéria que «este fundamento da Requerente é improcedente.»

 

  1. No que respeita ao invocado vício de erro nos pressupostos de facto, esclarece a Requerida que: «[o] regime fiscal dos organismos de investimento colectivo foi revestido pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro e as alterações introduzidas entraram em vigor em 1 de julho de 2015. Se anteriormente a esta data se verificava isenção de IRS, sendo os rendimentos tributados na esfera do fundo (a título definitivo, mas com opção de englobamento no IRS), com o novo regime a tributação é feita «à saída». Generalizou-se o método de tributação à «saída», passando-se a tributar em IRS e IRC os rendimentos auferidos pelos investidores, respetivamente pessoas singulares ou pessoas coletivas.»

 

Mais alega a Requerida que «[o]s rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário (FII), incluindo as mais-valias que resultem da respetiva liquidação, equiparada ao resgate, passaram a ser considerados rendimentos de bens imóveis, ou seja, rendimentos da categoria G, mas agora como mais-valias imobiliárias Aplicando-se a taxa especial de 28% (prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS) para retenção na fonte a título definitivo a aplicar aos rendimentos decorrentes do resgate ou liquidação de unidades de participação auferidos por sujeitos passivos de IRS residentes em território português fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola. Isto é, os ganhos obtidos, resultantes da liquidação do Fundo, são qualificados como mais-valias nos termos do disposto no ponto 5) da alínea b) do n.º 1 do art. 10.º do Código do IRS.»

 

«Ora, atenta a equiparação do resgate à liquidação, efectuada pelo regime do IRS, e o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 22.º-A do EBF, as mais-valias resultantes da liquidação de FII estão sujeitos a retenção na fonte com carácter definitivo à taxa de 28%.»

 

Concluindo no sentido de que «[t]udo aquilatado, é manifesta a falta de procedência das pretensões da A».

 

 III. Saneamento

 

  1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

IV. Matéria de Facto

 

  1. Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente é o Banco depositário do Fundo de Investimento Imobiliário “F...-Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, com o NIPC...– por acordo das partes -;
  2. No dia 22 de abril de 2016 foram liquidadas as unidades de participação do Fundo A..., identificado em A., e o respetivo rendimento colocado à disposição dos participantes, ilíquido de qualquer imposto. – por acordo das partes – ;
  3. No âmbito do procedimento de inspeção interna, iniciado pela Ordem de Serviço n.º OI2017/... dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, foi o Requerente notificado, através do Ofício n.º 2017..., dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto para apresentar elementos/esclarecimentos sobre a liquidação do Fundo F... – págs. 3 a 6 do processo administrativo instrutor junto aos autos. - ;
  4. No dia 19 de junho de 2017, o Requerente entregou no junto da Autoridade Tributária e Aduaneira uma carta de resposta ao ofício indicado em C. supra. – cfr. pág. 7 a 71 do processo administrativo instrutor junto aos autos - ;
  5. No final de junho de 2017, o Requerente foi notificado do Relatório de Inspeção Tributária relativo à ação de inspeção identificada em C. supra. – cfr. pág. 72 a 79 do processo administrativo instrutor junto aos autos;
  6. No dia 4 de julho de 2017, o Requerente foi notificado da Demonstração de liquidação de juros n.º 2017..., de 04.07.2017, e da demonstração de acerto de contas n.º 2017..., no montante de € 21.836,54. – cfr. Doc. n.º 1 e 2 junto com o pedido de constituição arbitral - ;
  7. No dia 16 de julho de 2017, o Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 510.919,16 (quinhentos e dez mil, novecentos e dezanove euros e dezasseis cêntimos) a título de retenções na fonte (Rendimento de resgate de Unidades de Participação) – cfr. Anexo 4 do Doc. n.º 3 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral - ;
  8. No dia 20 de outubro de 2017, o Recorrente apresentou a reclamação graciosa contra o ato de liquidação de juros compensatórios identificado em F. supra – cfr. Doc. 1 junto com o requerimento apresentado pelo Requerente a 18.10.2018 - ;
  9.  Em setembro de 2018, o Requerente foi notificado para exercer o direito de audição prévia, ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária;
  10. Em 18 de maio de 2018, o Requerente apresentou, junto do CAAD, pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

V. Factos dados como não provados

 

  1. Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

VI. Motivação da matéria de facto dada como provada

 

  1. Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelas partes, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 110.º do CPPT.

 

De referir que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas, o dever de selecionar os factos que importem para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. artigo 123º, n.º 2 do CPPT e n.º 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29º, n.º 1, alíneas a) e d) do RJAT)].

 

Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados em função de sua relevância jurídica a qual é estabelecida em função das várias soluções da(s) questão (ões) de direito a descortinar. (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, n.º1, alínea e) do RJAT).

 

VII. Fundamentos de direito

 

  1. Questão prévia – Das exceções

 

  1. Exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

  1. Cabe, em primeiro lugar, apreciar a exceção deduzida no Capítulo I), a), da Resposta ao conhecimento do pedido oposta pela AT, que é a pretensa incompetência material do Tribunal Arbitral face à redação da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, dos Ministros das Finanças e da Justiça.

 

  1. O n.º 1 do art.º 2.º do RJAT determina que a competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito desse Regime compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

 

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 4.º do mesmo RJAT faz depender a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais funcionando no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) de Portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Justiça, especificando designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Essa viria a ser a referida Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

Dispõe a alínea a) do art.º 2º  da  Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja confiada, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos respetivamente dos art.ºs  131.º a 133.º do CPPT.

 

Sustenta a AT na sua Resposta, a apreciação pelo Tribunal Arbitral da pretensão do Requerente não ser legalmente possível, por não ter sido precedida de reclamação prévia deduzida nos termos do n.º 1 do art.º 132º do CPPT, aplicável à impugnação das retenções na fonte, o que resultaria da parte final da alínea a) do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

 

Essa exceção é, no entanto, improcedente.

 

  1. Na verdade, o ato impugnado não é qualquer retenção na fonte, que, nos termos do art.º 34.º da LGT, é a entrega pecuniária efetuada por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do substituído pelo substituto  tributário, ou seja, de acordo com o n.º 1 do art.º 20º da LGT, por dedução a qualquer prestação paga a pessoa diferente do contribuinte a quem, por imposição da lei, seja  exigida a prestação tributária.

 

  1. Resulta dos factos provados, que o reembolso das unidades de participação consequente da liquidação de “F... – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, com o NIPC..., de cujas unidades de participação o Requerente é banco depositário, ter sido ilíquido de qualquer imposto.

 

  1. O ato impugnado é antes uma liquidação autónoma de juros compensatórios da autoria da AT e não do sujeito passivo, resultante do incumprimento por este do dever de retenção definitiva do imposto, com a consequente não entrega da prestação tributária que deveria ter sido retida, no âmbito da substituição tributária.

 

Ato impugnado não é, assim, qualquer erro na retenção, mas antes, ao contrário, a liquidação proveniente da inexistência de qualquer retenção e consequente entrega do imposto retido, legalmente obrigatórias.

 

A impugnação dessa liquidação não está sujeita ao regime especial do n.º 1 do art.º 132.º do CPPT, mas segue o regime geral de impugnação dos atos tributários, não se aplicando o disposto na Secção VIII do Capítulo II do Título III do CPPT.

 

Não lhe é aplicável, assim, o ónus de reclamação prévia previsto no n.º 2 dessa norma legal.

 

  1. Apenas assim aconteceria, caso a pretensão do Requerente fosse a apreciação da legalidade da retenção na fonte. Sucede que o objeto da pretensão do Requerente não é, no entanto, uma inexistente retenção, mas uma liquidação oficiosamente promovida pela AT.

 

  1. Exceção de incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer questões relacionadas com a liquidação de juros compensatórios.

 

  1. Ainda que assim não fosse, prosseguiria, no entanto, a AT na sua Resposta, a liquidação autónoma dos juros compensatórios estar fora do âmbito da competência do Tribunal Arbitral  por, nos termos do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreender apenas  a apreciação da declaração de ilegalidade dos  atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, e dos  atos de fixação da matéria tributável quando não deêm origem à liquidação de qualquer tributo, dos atos de determinação da matéria coletável.

 

Ora, a pretensão do Requerente seria a apreciação da legalidade de ato de natureza não tributária, meramente administrativa, como seria a liquidação autónoma de juros compensatórios.

 

  1. Por outro lado, segundo a Requerida, no pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pediria a declaração de nulidade da instauração do processo de execução fiscal consequente da anulação da liquidação impugnada. 

 

Essa pretensão estaria, no entanto, por força do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, fora do âmbito da jurisdição arbitral, que não compreende a apreciação da legalidade dos atos da execução fiscal.

 

Também essa exceção, em primeiro lugar, na medida em que assenta numa suposta natureza não tributária da obrigação de juros compensatórios, não pode proceder.

 

  1. O n.º 8 do art.º 35º da LGT, na verdade, dispõe que os juros compensatórios se integram na própria dívida do imposto com a qual são conjuntamente liquidados.  

 

De acordo com essa norma legal, a obrigação tributária desdobra-se, assim, em obrigação de capital e obrigação de juros.

 

O facto de a liquidação dos juros compensatórios ser efetuada autonomamente, por o imposto já ter sido pago, não prejudica a natureza tributária intrínseca da obrigação de juros compensatórios, que sempre foi admitida pelos tribunais tributários.

 

A anulação da liquidação do imposto determina, por isso, automaticamente, a nulidade do ato consequente da liquidação dos juros compensatórios, sem que o Tribunal Arbitral tenha que apreciar a legalidade de qualquer ato da execução fiscal entretanto instaurada.

 

É o que resulta da dependência da obrigação de juros da obrigação do capital.

 

  1. Caso tenha sido instaurado processo de execução fiscal, a nulidade da liquidação de juros implica a nulidade do título executivo que servira de base a essa execução, nos termos do art.º 162.º do CPPT e dos atos da execução fiscal já praticados.

 

Tal efeito não depende, de acordo com o anteriormente exposto, de qualquer pronúncia arbitral, bastando a improcedência da impugnação.

 

Entretanto, importa referir que, a execução fiscal foi declarada extinta, em virtude do pagamento voluntário pelo executado, provado no presente processo.

 

  1. Impropriedade do meio.
  1. Do mesmo modo, ao contrário do sustentado pela Requerida no Capitulo I, a), iiii, da sua Resposta, o meio próprio para o conhecimento da pretensão do Requerente não é a oposição, nos termos do art.º 204.º do CPPT, já que não está em causa a inexigibilidade da dívida exequenda,  mas a  ilegalidade da sua liquidação, que apenas residualmente pode ser conhecida na execução fiscal, quando, nos termos da alínea a) do n.º 1 daquele preceito legal,  a lei não assegure qualquer outro  meio de reação contra a liquidação.

 

Já que a dívida exequenda foi paga e consequentemente extinta a execução, a procedência dessa exceção impossibilitaria, aliás, qualquer meio de reação contra a liquidação impugnada, com a consequente denegação do direito do Requerente a uma tutela jurisdicional efetiva, pelo que improcede, também esta exceção invocada pela Requerida.

 

  1. Intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
  1. No Capítulo A), iii da sua Resposta, a AT esgrime a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, com o argumento de que a retenção impugnada  data de 14 de junho de 2017, como  refere o art.º 50.º da Resposta,  e o pedido de pronúncia arbitral data de 18 de maio de 2018, muito para além do prazo de 3 meses a partir  da data do termo do prazo do pagamento voluntário, referido na alínea a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, ocorrido a 31 de dezembro de 2017.

 

  1. Recorde-se, no entanto, que o objeto do pedido de pronúncia arbitral não é qualquer retenção, mas uma liquidação oficiosamente promovida pela AT e notificada ao Requerente a 4 de julho de 2017, da qual este reclamou graciosamente a 20 de outubro de 2017, muito dentro do prazo referido no n.º 1 do art.º 70.º do CPPT.

 

Por outro lado, o pedido de pronúncia seria deduzido a 18 de maio de 2018, pelo que, segundo o Requerente, deve presumir-se tacitamente indeferida a reclamação graciosa, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 102º do CPPT.

 

  1. Nos termos do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma, incluindo, portanto, a presunção de indeferimento tácito, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.

 

A presunção de indeferimento tácito, enquanto incumprimento do dever legal de decidir, forma-se ao cabo de 4 meses, prazo no qual, nos termos do n.º 1 do art.º 57.º da LGT, o procedimento tributário deve ser concluído.

 

Esses 4 meses terminaram a 20 de fevereiro de 2018, data a partir da qual se iniciou a contagem do prazo de 90 dias para dedução do pedido de pronúncia arbitral por presunção de indeferimento tácito, que terminaram a 21 de maio de 2018, posteriormente, assim, à apresentação do pedido de pronúncia arbitral que, por isso, se deve considerar tempestivo.

 

  1. É, assim, o Tribunal Arbitral competente para o conhecimento do pedido, que cabe claramente no âmbito da jurisdição arbitral.

 

Outra solução, na medida em que o Requerente não podia reclamar de uma retenção que não fez, violaria o direito deste a uma tutela jurisdicional efetiva.

 

Não procedem, assim, nenhuma das exceções deduzidas pela Requerida.

 

 

 

  1. Nulidade do Acto Impugnado.

 

  1. Nos termos da prioridade conferida pela 1ª parte do n.º 1 do art.º 124.º do CPPT, passa-se a apreciar o primeiro dos vícios invocados pelo Requerente, a alegada nulidade do ato impugnado, por supostamente lhe faltarem requisitos essenciais à liquidação do imposto (juros).

 

Não seria liquidação, no entender do Requerente, por incompreensível, uma mera demonstração das operações realizadas para apuramento do imposto, a seguir designada “Demonstração da Liquidação de Juros”, e o acerto de contas correspondente, sem qualquer referência ao número de liquidação, ..., de que apenas posteriormente à notificação da Demonstração da Liquidação o Requerente tomaria conhecimento.

 

  1. Ainda que se abrace sobre um conceito amplo de liquidação, no sentido de não abranger apenas  a mera aplicação da taxa à matéria coletável, mas também a todas as operações necessárias ao apuramento do imposto, a verdade é que todas essas operações, bem como o quantitativo do imposto (juros) a pagar,  constam da  referida Demonstração da Liquidação, da qual o Requerente admite  ter sido notificado.

 

Por outro lado, por número de liquidação deve entender-se o número do documento de cobrança, integrante do respetivo talão de controlo, que acompanhava a Demonstração da Liquidação.

 

Com base nesse documento, o Requerente procederia ao pagamento da dívida exequenda, o que lhe seria impossível caso não tivesse havido liquidação.

 

Tal número de liquidação seria, aliás, sempre acessível ao Requerente através do Portal das Finanças, que poderia consultar.

 

  1. No entanto, ao ato impugnado não são aplicáveis quaisquer das causas de nulidade do n.º 1 do art.º 161.º do CPA, designadamente a pretensa ininteligibilidade invocada pelo Requerente.

 

Na verdade, a liquidação impugnada resultou de procedimento inspetivo regulado no RCPIT, fundamentando-se, como prevê o n.º 1 do seu art.º 63.º, nas conclusões do relatório, que integram, com este, o processo instrutor.

 

É evidente que o Requerente compreendeu perfeitamente a liquidação impugnada, como resultaria sempre de a ter impugnado no presente processo arbitral.

 

II – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO IMPUGNADO.

 

  1. O segundo vício invocado, já causador de mera anulabilidade, caso essa invocação procedesse, é a falta de fundamentação do ato impugnado.

 

Segundo o n.º 2 do art.º 77.º da LGT, o ato tributário considera-se suficientemente fundamentado através da indicação das normas legais aplicáveis, da qualificação e quantificação do facto tributário, incluindo do período de tempo a que se reportam os juros compensatórios, e das operações necessárias ao apuramento do imposto e respetivo resultado.

 

Caso o ato tributário resulte de procedimento inspetivo, a fundamentação baseia-se, nos termos do n.º 1, do art.º 63.º do RCPIT, nas conclusões do relatório devidamente sancionadas pela entidade competente.

 

Do referido relatório sancionado pela entidade competente constam todos os elementos previstos no n.º 2 do art.º 77.º da LGT.

 

  1. Mesmo assim, para o Requerente, caberia adicionalmente à AT fundamentar o retardamento da entrega do imposto que devia ter sido retido lhe ser imputável.

 

É o que resultaria do n.º 1 do art.º 35.º da LGT, que fixa os pressupostos de incidência dos juros compensatórios, o retardamento da liquidação, imputável ao contribuinte.

 

Nos termos do art.º 6.º do Código Civil (CC), no entanto, a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.

 

É certo, no entanto, a liquidação de juros compensatórios pressupor um juízo de censura ao contribuinte por não ter cumprido o dever ou obrigação omitida, podendo fazê-lo.

 

Não é necessário, no entanto, à luz dessa norma do CC, que o contribuinte tenha representado a lesão dos interesses da AT causada por tal omissão.

 

Por outro lado, tal juízo de censura pode ser formulado, a partir da materialidade dos factos, de acordo com critérios de normalidade, as regras de experiência comum ou presunções naturais, sem prejuízo de, em caso de dúvida razoável sobre a culpabilidade do autor, a AT dever abster-se de efetuar a liquidação.

 

Assim, como resulta do art.º 6º do CC a simples má interpretação da lei, ou seja, a adoção de uma conduta, omissiva ou comitiva, que se viria a mostrar “contra-legem”, não prejudica a tanto a responsabilidade contraordenacional como por juros compensatórios.

 

  1. O erro sobre a ilicitude apenas exclui a culpa quando for desculpável, o que cabe ao contribuinte provar, nomeadamente apresentando elementos demonstrativos de que a sua conduta esteve de harmonia com a orientação notória da AT sobre o enquadramento dos factos em causa, não lhe sendo  exigível  conduta diversa (nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Fevereiro de 1975, in Acórdãos Doutrinais, n.º 169, pág. 62, ver ainda Alfredo José de Sousa, “Infrações fiscais: Crimes e Transgressões - O Processo de Transgressão Fiscal”, Lisboa, 198, págs. 62 e seguintes).

 

  1. No caso de particular complexidade da questão, o princípio da colaboração recíproca imporia, aliás, prudentemente, o recurso ao pedido de informação vinculativa regulado no art.º 68.º da LGT. Se  assim não fosse,  ou seja, se a complexidade da questão obstasse à liquidação de juros compensatórios e à responsabilidade penal do agente, ao  permitir que qualquer dúvida sobre o sentido e alcance da lei não fosse sancionada, o legislador teria encorajado comportamentos de risco e desincentivado a utilização do mecanismo de informação vinculativa, justamente consagrado para dissipar esse tipo de dúvidas e assegurar efetividade ao dever recíproco de colaboração entre contribuintes e a AT.

 

  1. Para o Requerente, ainda que assim não fosse, ou seja, caso o ato impugnado tivesse sido fundamentado, essa fundamentação não teria sido devidamente notificada ao Requerente.

 

  1. Resulta, no entanto, do n.º 1 do art.º 37.º do CPPT, que a ausência de qualquer requisito exigido pelas leis tributárias para a notificação, como a fundamentação e meios de defesa contra o ato notificado, não implica a nulidade deste, conferindo apenas ao interessado o direito de, no prazo de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio processual que da decisão caiba, requerer a notificação dos requisitos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha isenta de qualquer pagamento, contando-se a partir desse momento, nos termos do n.º 2 do art.º 37.º, o prazo de reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial.

 

Esse preceito legal apenas não é aplicável quando a notificação for omissa sobre a autoria, sentido e data da decisão.

 

  1. Tal autoria, sentido e data da decisão constam claramente da Demonstração de Liquidação e, consequentemente, do acerto de contas e do documento de cobrança já referido, enviado conjuntamente pela AT ao Requerente, com base no qual, aliás, este procedeu ao pagamento da dívida.

 

  1. No caso de o Requerente entender a notificação incompleta, caber-lhe-ia, assim, requerer à AT que a completasse.

 

A falta de comunicação da fundamentação não é causa da ilegalidade do ato.

 

  1. Como se referiu, tais conclusões foram notificadas, com todo o resto do Relatório, nos termos do n.º 2 do art.º 62.º do RCPIT, como, aliás, revela o pedido de pronúncia arbitral, em que o Requerente largamente evoca a argumentação utilizada pela AT na realização da liquidação.

 

Não foi, assim, impossibilitado, por a fundamentação do ato não ter sido incorporada na notificação, de atacar, como fez, a liquidação.

 

  1. Assim, não procedem os vícios invocados pelo Requerente da nulidade do ato impugnado, da falta de fundamentação e, subsidiariamente, da falta de notificação da fundamentação.

 

III – TRIBUTAÇÃO POR RETENÇÃO NA FONTE DOS RENDIMENTOS PROVENIENTES DA LIQUIDAÇÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO.

 

  1. É discutida no presente processo arbitral uma única questão de direito, a aplicabilidade da  alínea b), ii),  do n.º 1 do art.º 22º A do EBF , aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 3 de março, nos termos da qual, sem prejuízo da opção pelo englobamento prevista no n.º 3, aos rendimentos decorrentes do resgate de unidades de participação auferidos por sujeitos passivos de IRS residentes em território português fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território, são tributados por retenção na fonte a título definitivo à taxa prevista no n.º 1 do art.º 72.º do CIRS, ser aplicável aos rendimentos provenientes da liquidação de fundos de investimento imobiliário fechados.

 

Entende o Requerente, no n.º 9 do pedido de pronúncia arbitral, essa alínea b) limitar o referido dever de retenção na fonte a título definitivo aos rendimentos provenientes do resgate, deixando de lado os reembolsos provenientes da liquidação dos fundos de investimento.

 

  1. Considera a Requerida, nos n.ºs 85.º a 92.º da Resposta, as mais-valias provenientes da liquidação dos fundos de investimento imobiliário fechados, apesar de não referidas expressamente nessa alínea b), ii), do n.º 1 do art.º 22ºA do EBF, estarem abrangidas pelo regime aplicável às mais-valias provenientes do resgate.

 

Na verdade, segundo respetivamente os art.ºs 87.º e 88.º da Resposta, os rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário, incluindo as mais-valias que resultem da respetiva liquidação, equiparada ao resgate, passaram a ser considerados rendimentos de bens imóveis, ou seja, rendimentos da Categoria G do IRS, mas agora como mais-valias imobiliárias, aplicando-se-lhes a taxa especial de 28%  prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, desde que os rendimentos sejam auferidos por sujeitos passivos de IRS residentes em território português fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola[1].

 

É o que resultaria do ponto 5), alínea b), do n.º 1, do art.º 10.º do CIRS, que, na definição da incidência da Categoria G considera, mais–valias tanto os rendimentos provenientes do  resgate de unidades de participação em fundos de investimento como os rendimentos provenientes  da liquidação destes fundos, com a consequente  sujeição à  taxa especial de 28% , aplicável a todos os rendimentos de mais- valias, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 72.º do CIRS.

 

Dessa equiparação ao resgate resultaria também a inclusão de todos esses rendimentos no Campo 11, do Anexo G à Declaração Modelo 3 do IRS.

 

  1. Não está em causa  o enquadramento dos rendimentos provenientes da alienação onerosa das unidades de participação, a que se aplica a  norma residual da alínea e) do n.º 1 do art.º 22º-A do EBF, que remete a tributação dos rendimentos não referidos nas alíneas anteriores para o previsto no CIRS ou no CIRC, conforme  os casos.

 

Tais rendimentos têm também a natureza de mais-valias, mas não estão sujeitos a retenção na fonte, por não abrangidos nos art.ºs 98º e 101º do CIRS.

 

Tal enquadramento não seria alterado pelo Decreto-lei n.º 7/2015, de 23 de fevereiro, que procederia à revisão do regime fiscal dos organismos de investimento coletivo (RFOIC) e cujo art.º 3.º aditou o referido art.º 22.º-A ao EBF.

 

No entanto, a 2ª parte do n.º 9 do art.º 7.º desse Decreto-lei dispõe que, para efeitos de determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação ou das participações sociais, como valor de aquisição, o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao art.º  22.º do EBF pelo Decreto-lei n.º 7/2015, ou seja, 1 de julho de 2015, nos termos do art.º 9.º desse Decreto-lei, ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas.

 

  1. As partes não põem igualmente em questão a não aplicação às mais–valias em causa do regime transitório dos n.ºs 9 e 10º do art.º 7º do referido Decreto-lei n.º 7/2015, que visa obstar à dupla tributação económica, na esfera dos fundos e na esfera dos participantes, dos referidos rendimentos de mais-valias.

 

Segundo a 1ª parte desse n.º 9, a tributação dos rendimentos das unidades de participação ou das ações auferidos pelos participantes ou acionistas dos organismos de investimento coletivo, nos termos do novo art.º 22.º-A do EBF incide apenas sobre a parte dos rendimentos gerados a partir da data de início de produção de efeitos do Decreto-lei n.º 7/2015, solução idêntica à adotada para a transmissão de unidades de participação feita posteriormente a 30 de junho de 2015.

 

Acrescenta o n.º 10 que, para efeitos do n.º 9, consideram-se distribuídos ou resgatados aos participantes, em primeiro lugar, e até à sua concorrência (método FIFO), os rendimentos gerados até à data de início da produção dos efeitos do  Decreto-lei n.º 7/2015  e que, até essa data, não tivessem  sido distribuídos ou resgatados, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 2 a 5, 7, 10 e 14 da anterior redação do art.º 22.º.

 

  1. Nos termos do n.º 1 do art.º 5.º do CIRS, consideram-se rendimentos de capitais  compreendidos na  categoria E de IRS os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

 

Anteriormente à chamada reforma da tributação do rendimento das pessoas singulares, operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, essa categoria E abrangia os rendimentos das unidades de participação em fundos de investimento, incluindo, além dos rendimentos distribuídos, os provenientes do resgate dessas unidades de participação ou da liquidação desses fundos, que, nos termos do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS,  não tinham a natureza de mais- valias. No caso de tais rendimentos não estarem isentos, nos termos da alínea a) do n.º 14 do art.º 22.º do EBF, não lhes era aplicável qualquer retenção na fonte, salvo quando dispensada nos termos da alínea b) daquele n.º 1.

 

De acordo com a nova redação a essa alínea j) pelo art.º 3.º da Lei n.º 82-E/2014, apenas continuaram abrangidos pela Categoria G os rendimentos distribuídos pelos fundos de investimento, mantendo-se, quanto a estes, o anterior regime de retenção na fonte.

 

  1. Nos termos da nova redação do art.º 3.º n.º 1, alínea b), 5), do art.º 10.º do CIRS, dada pelo referido art.º 3.º da Lei n.º 82- E/2014, passaram a ser considerados mais-valias os rendimentos provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento e da liquidação destes fundos.

 

  1. Tais rendimentos, no entanto, não ficaram sujeitos a retenção na fonte, que, nos termos dos referidos art.ºs 98º a 101º do CIRS abrange apenas os rendimentos das Categorias A, B, E, F e H do CIRS e não os incrementos patrimoniais abrangidos pela Categoria G.

 

No entanto, porque tais rendimentos eram tributados à entrada, aplicava-se-lhes o regime da redação do art.º 22.º do EBF anterior à dada pelo art.º 2.º do Decreto-lei n.º 7/2015, com a consequente não tributação, por isenção, à saída. 

 

  1. Ao dizer que, sem prejuízo da opção pelo englobamento prevista no n.º 3, os rendimentos decorrentes do resgate de unidades de participação auferidos por sujeitos passivos de IRS residentes em território português fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território, são tributados por retenção na fonte a título definitivo à taxa prevista no n.º 1 do art.º 72.º do  CIRS, a alínea b) do n.º 1 do art.º 22º- A, introduzida pelo Decreto-lei n.º 7/2015, ampliaria, assim, o mecanismo de retenção na fonte a uma categoria de rendimentos até então não abrangidos, os incrementos patrimoniais resultantes do resgate de unidades de participação  tributados  pela Categoria G.

 

Tal alargamento não pode deixar de ser considerado uma exceção perante a regra geral de inexistência de dedução na fonte sobre rendimentos de mais-valias.

 

  1. O conceito de resgate referido nessa norma legal é o jurídico, nos termos do art.º 11º da LGT.  

 

Na verdade, de acordo com o seu n.º 1, na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

 

Acrescenta o n.º 2 que, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

 

Apenas, segundo o n.º 3, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender‑se à substância económica dos factos tributários.

 

Finalmente, de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo, as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.

 

Salvo outro sentido não decorrer diretamente da lei fiscal, deve, assim, entender-se que o Direito Tributário, que é fundamentalmente um direito de sobreposição, utiliza os conceitos elaborados por outros ramos de direito no mesmo sentido que aí têm, não tendo o intérprete - aplicador a faculdade geral de o alterar, a pretexto de o Direito Tributário atender primordialmente à substância económica.

 

Inexiste, pois, quanto às regras a seguir sobre a interpretação das leis, qualquer autonomia ou independência absolutas do Direito Tributário perante o direito comum, designadamente o Direito Privado, não obstante a alegada natureza não formalista do Direito Tributário.

 

A subordinação do Direito Tributário aos princípios acolhidos noutros ramos do Direito justifica-se, assim, pela necessária unidade da ordem jurídica e concorre para o próprio aperfeiçoamento do Direito Tributário.

 

A subordinação do Direito Tributário aos conceitos elaborados por outros ramos do Direito não é, no entanto, absoluta e, em conformidade, o n º 2 do art.º 11º da LGT ressalva os casos em que resulte das suas normas o afastamento dessa subordinação. É esse o alcance da expressão “salvo se outro não decorrer diretamente da lei”.

 

Na dúvida, deve entender-se que o legislador fiscal acolheu o termo ou conceito no mesmo sentido que tem no ramo de direito que o elaborou.

 

  1. Nos termos do n.º 2 do art.º 9.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RFOIC, aprovado pelo art.º 2º da Lei n.º 16/2015, de 4 de Fevereiro) a qualidade de participante  nos fundos de investimento adquire-se no momento da subscrição das unidades de participação com o pagamento do respetivo valor, ou da respetiva aquisição em mercado, e cessa no momento da extinção das unidades de participação no âmbito de operação de resgate, reembolso, liquidação ou fusão do organismo de investimento coletivo, ou da alienação em mercado.

 

O resgate é, como o reembolso, liquidação ou fusão do organismo de investimento coletivo, bem como a alienação em mercado, uma das causas de cessação da qualidade de participante no fundo.

 

Nos termos do n.º 1 do art.º 10.º do RGOIC, os organismos de investimento coletivo podem ser abertos ou fechados, consoante as unidades de participação sejam, respetivamente, em número variável ou em número fixo.

 

Segundo o n.º 2 dessa norma legal, as unidades de participação de organismos de investimento coletivo abertos são emitidas e resgatadas a pedido dos participantes, de acordo com o estipulado nos documentos constitutivos e em regulamento da CMVM.

 

Por resgate deve, assim, ser entendido o ato jurídico da iniciativa do titular das unidades de participação, que investe o participante no direito de receber uma fração do valor patrimonial líquido do fundo, correspondente aos valores mobiliários resgatados.

 

O direito de resgate é exercido sobre o valor das unidades de participação.

 

Com efeito, segundo o n.º 6 do art.º 18º do RGOIC, no valor da unidade de participação para efeitos de subscrição e de resgate ou reembolso é, de acordo com os documentos constitutivos, o divulgado nos termos do n.º 3 do art.º 143.º do RGOIC em momento posterior ao pedido[2]

 

  1. Já a causa do reembolso das unidades de participação em caso de liquidação não é qualquer manifestação de vontade do seu titular. Tal liquidação é consequência da dissolução do fundo e não de qualquer iniciativa do titular das unidades de participação.

 

  1. Por outro lado, o montante reembolsado não é o valor das unidades de participação, mas a quota parte no património líquido do fundo a distribuir.

 

  1. No entanto, de acordo com o n.º 3, as unidades de participação de organismos de investimento coletivo fechados não podem ser objeto de resgate, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 62.º, que não é aplicável aos factos que suscitaram o presente pedido de pronúncia arbitral[3].

 

Tal entendimento de as unidades de participação dos fundos de investimento imobiliário fechados não poderem ser objeto de resgate [4] já era aplicável, antes do RGOIC, nos termos do n.º 3 do art.º 32º n.º 249/95, de 17 de Novembro (nesse sentido, Paulo Câmara, “Manual de Direito dos Valores Mobiliários”, Coimbra, 2009, pág. 833) e ver o 5.1. do Regulamento de Gestão da “A...– Fundo de Investimento Fechado”, disponível no sítio da Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários na Internet).

 

Os titulares das unidades de participação em fundos de investimento fechado apenas podem, assim, antes da liquidação, realizar o seu valor pela venda em mercado secundário.

 

  1. Assim, os rendimentos decorrentes da liquidação dos fundos de investimento fechado, como é o caso, não estão mencionados na referida alínea b) do n.º 1 do art.º 22.º-A do EBF, que é de âmbito limitado aos rendimentos provenientes do resgate.

 

  1. Se, aliás, os conceitos de mais-valias provenientes do resgate e  de mais-valias provenientes da liquidação dos fundos fossem idênticos, ou seja, se o modo específico da partilha dos fundos fosse necessariamente o resgate das respetivas unidades de participação, não faria sentido a menção separada, na alínea b) do n.º 1 do art.º 22.º- A, a mais- valias do resgate e da liquidação.

 

  1. Quando o legislador, na tributação dos participantes, pretendeu  que o regime do resgate se aplicasse à liquidação, teve o cuidado de fazê-lo expressamente, como fez na alínea d) do n.º 1 do referido art.º 22º-A do EBF, nos termos do qual no caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou de participações sociais em sociedades de investimento mobiliário a que se aplique o regime previsto no art.º  anterior (21º do EBF), incluindo as mais-valias que resultem do respetivo resgate ou liquidação, cujos titulares sejam não residentes em território português sem estabelecimento estável aí situado ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, os mesmos estão isentos de IRS ou de IRC.

 

  1. Assim, resgate e liquidação são conceitos jurídicos distintos.

 

O facto de os rendimentos provenientes do resgate e liquidação serem mais- valias prediais, com a consequente consideração em apenas 50 % do seu saldo para efeitos de IRS, nos termos do n.º 2 do art.º 43º do CIRS, não significa a homogeneização desses rendimentos para efeitos de retenção na fonte, posição sustentada pela AT mas que contraria o teor literal da alínea b), i) , do n.º 1 do art.º 22.º-A do EBF.

 

Tal solução legal não é particularmente chocante, já que é também aplicável a todos os rendimentos de partilha considerados de mais-valias, nos termos do n.º 1, alínea b), 3), do art.º 10.º do CIRS.

 

  1. Não estando abrangidos por essa alínea b) do n.º 1 desse art.º 22.º- A, tais rendimentos estão abrangidos pela residual alínea e) desse mesmo art.º 22º-A.

 

Inexiste qualquer caso omisso que deva ser suprido por via da integração analógica, aliás proibida no art.º 11.º do CC quanto às normas de natureza excecional, como é essa alínea b), relativamente à não sujeição a retenção na fonte dos rendimentos de mais-valias.

 

  1. Ao contrário, a posição da Requerida contraria a interpretação da própria AT inequivocamente expressa a II), 1), ii), do Ofício – circulado n.º 20.190, de 25 de maio de 2016, da DSIRC e, em particular, do iii) do n.º 20 da Circular n.º 6/2015, que expressamente declara ser efetuada nos termos do CIRS ou do CIRC, conforme os casos, a tributação dos rendimentos de mais-valias de unidades de participação em fundos de investimento não abrangidas na alínea b) do n.º 1 do art.º 22º-A do EBF.

 

 

 

  1. Concluindo:

 

a) A obrigação de retenção na fonte do banco depositário prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 22.º-A do EBF, aditado pelo art.º 3º do Decreto-lei n.º 7/2015, abrange apenas os rendimentos provenientes do resgate das unidades de participação nos fundos de investimento e não os reembolsos provenientes da liquidação desses fundos;

 

b) Fora do caso previsto no n.º 1 do art.º 62º do RGOIC, tal norma não é aplicável aos rendimentos de fundos de investimento imobiliário, insuscetíveis de resgate.

 

c) As mais-valias provenientes da liquidação dos fundos de investimento imobiliário fechado são tributadas nos termos do CIRS ou do CIRC e não nos termos dessa alínea b) do n.º 1 do art.º 22.ºA do EBF.

 

 

DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

  1. Julgar improcedentes as exceções da incompetência material do tribunal arbitral face à redação da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março; da incompetência material do CAAD para apreciação de questões relacionadas com a liquidação de juros compensatórios e extinção do processo executivo; da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral relativamente ao ato de retenção na fonte e à liquidação de juros compensatórios; e por último, da impropriedade do meio processual invocadas pela Requerida;
  2.  Julgar procedente o pedido formulado pelo Requerente, em consequência, anular a liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., de 04.07.2017 no montante de € 21.836,54 (vinte e um mil, oitocentos e trinta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), com a consequente declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento (tácito) da reclamação graciosa.

 

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 21.836,54 (vinte e um mil, oitocentos e trinta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.224,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 29 de janeiro de 2018

***

O Árbitro

 

 

(Jorge Carita)

 



[1]  Com o consequente englobamento do seu rendimento em apenas 50%, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 43º do CIRS.

[2] Segundo o n.º 1 desse art.º 18º, no resgate, a carteira do organismo de investimento coletivo é valorizada ao seu justo valor, de acordo com as regras fixadas nos documentos constitutivos, nos termos definidos em regulamento da CMVM. De acordo com o n.º 3 dessa norma legal, para esse efeito, o valor das unidades de participação é divulgado em todos os locais e meios de comercialização. Anteriormente , nos termos do n.º 4 do art.º 33º do Decreto-lei n.º 294/95,  o valor de cada unidade de participação deverá, para efeitos de resgate, corresponder ao último valor conhecido e divulgado na data do respetivo pedido ou na data a que este se refere, salvo se o regulamento de gestão determinar que esse valor seja o da primeira avaliação subsequente ou o da data do reembolso.

[3] De acordo com o n.º 1 dessa norma, os   organismos de investimento alternativo fechados de duração determinada não podem exceder 10 anos, sendo permitida a sua prorrogação, uma ou mais vezes, por período não superior ao inicial, mediante deliberação da assembleia de participantes nesse sentido com uma antecedência de seis meses em relação ao termo da duração do organismo. Sendo deliberada a prorrogação, nos termos do n.º 2, o resgate das unidades de participação apenas é permitido aos participantes que tenham votado contra a prorrogação. Estabelece o n.º 4   o valor da unidade de participação, cujo resgate seja pedido ao abrigo do disposto no n.º 2, corresponder ao do último dia do período inicialmente previsto para a duração do organismo de investimento alternativo fechado, confirmado por parecer do auditor do organismo de investimento. A liquidação de “F...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, de cujas unidades de participação o Requerente é banco depositário, não foi efetuada, no entanto, nos termos dessa norma legal.

[4] Assim, o banco depositário das unidades de participação do fundo de investimento fechado, ainda que em nome da sociedade gestora, não pode cobrar comissões de resgate.