DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
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Relatório
1. A..., SGPS, S.A., titular do número de identificação fiscal..., matriculada na ... Conservatória do Registo Predial/Comercial de Loures sob o mesmo número, com sede social em ..., freguesia e concelho de ..., doravante designada por Requerente, apresentou, em 29 de janeiro de 2018, pedido de pronúncia arbitral, tendo por objecto o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 6 de julho de 2017 contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2017..., de 9 de janeiro de 2017 (e respetivas demonstrações de acerto de contas e de liquidação de juros compensatórios, todas associadas à compensação n.º 2017..., de 11 de janeiro de 2017), relativa a IRC do ano de 2012, no valor de € 17.250,26 (dezassete mil duzentos e cinquenta euro e vinte e seis cêntimos), sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.
2. A pretensão do objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão da AT de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, determinando a anulação da demonstração de liquidação de IRC, demonstração de acerto de contas e demonstração de liquidação de juros, por vícios de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
3. Pede, ainda, a Requerente o reembolso das importâncias indevidamente pagas a título de IRC no valor total de € 17.250,26 (dezassete mil duzentos e cinquenta euros e vinte e seis cêntimos), bem como proceder-se à anulação da compensação indevidamente efectuada, bem como seja proferida decisão a ordenar o levantamento da garantia bancária prestada no processo de execução fiscal, o pagamento de indemnização pela prestação da garantia indevida e o pagamento de indemnização pelos prejuízos causados (juros indemnizatórios) resultantes do pagamento voluntário da liquidação adicional de IRC, e correspondentes juros compensatórios.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 30 de janeiro de 2018, e posteriormente notificado à AT.
5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 9 de fevereiro de 2018, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.
6. Em 15 de março de 2018, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.
7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 5 de abril de 2018.
8. Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
8.1. Que “a correção ao resultado tributável de IRC por si autoliquidado no período de tributação de 2012 resulta da não aceitação, por parte da AT, de encargos financeiros (juros) alegadamente suportados pela Requerente com a aquisição de partes de capital, em virtude da interpretação que aquela faz da conjugação do regime previsto no n.º 2 do art.º 32.º do EBF (na redação à data dos factos) e o disposto na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, emitida pela Direção de Serviços do IRC (“Circular n.º 7/2004”)”.
8.2. Que “no entendimento da Autoridade Tributária, a Requerente deveria ter aplicado de forma cega a fórmula prevista na referida Circular n.º 7/2004, ignorando qual a natureza subjacente aos juros incorridos no período, no valor de € 779.418,66.”
8.3. Que “não só a Autoridade Tributária não questionou à partida (como seria imperioso) se os gastos de financiamento incorridos diziam respeito a financiamentos contraídos para a aquisição de partes de capital ou para suprir necessidades de tesouraria da Requerente e suas participadas, como não efetuou qualquer diligência no sentido de averiguar se os empréstimos contraídos se destinaram à aquisição das participações sociais detidas pela mesma”.
8.4. Que “Com base na informação disponibilizada pela Requerente no âmbito da ação inspetiva em causa, a Autoridade Tributária procedeu ao apuramento dos encargos financeiros suportados pela mesma, bem como à determinação dos ativos e passivos existentes à data do balanço do exercício de 2012 e determinou o valor que entendia como fiscalmente não dedutível através da aplicação da referida fórmula de cálculo estabelecida na Circular n.º 7/2004.”
8.5. Que “Apesar de, no entender da ora Requerente, da leitura do n.º 2 do art.º 32.º do EBF resultar uma interpretação clara, certo é que, aquando da entrada em vigor deste regime especial de tributação aplicável às SGPS, a DSIRC entendeu relevante a emissão da Circular n.º 7/2004, de 30 de março (“Circular n.º 7/2004”), que teve por objetivo suprir as alegadas dificuldades em estabelecer uma relação direta entre os empréstimos obtidos por aquelas sociedades e os seus ativos financeiros.”
8.6. Que “ao arrepio da lei e extravasando os limites da interpretação da norma, veio a DSIRC sancionar o entendimento de que a afetação dos encargos financeiros à aquisição de participações sociais deveria ser efetuada através da aplicação da fórmula criada para o efeito através da referida Circular n.º 7/2004.”
8.7. Que “foi precisamente através da aplicação desta metodologia criada pela DSIRC que a Autoridade Tributária veio apurar o montante € 210.281,40 relativo a encargos financeiros não aceites para efeitos fiscais por se encontrarem, alegadamente, afetos à aquisição de partes de capital.”
8.8. Que “Tendo tal metodologia sido criada através de uma Circular e alicerçando-se numa interpretação extra legem que, no entender da Requerente, de vários Autores ilustres e dos Tribunais Administrativos e Arbitral, é manifestamente ilegal e inconstitucional (…)”.
9. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta e remeteu o “processo administrativo” (adiante designado apena por PA).
10. Na sua resposta, a AT invocou, em síntese, o seguinte:
10.1. Que “a sociedade A... SGPS SA, enquanto sociedade individual, suportou encargos financeiros sem as correspondentes regularizações no quadro 07 da declaração de rendimentos de IRC – Mod. 22, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF”.
10.2. Que “a requerente deveria ter acrescido ao resultado líquido do exercício os encargos financeiros imputáveis a partes de capital, como lhe era imposto pelo artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção aplicável à data dos factos e segundo o critério de imputação previsto na circular nº 7/2004”.
10.3. Que “como o nº 2 do art. 32º do EBF estabelece a regra de que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital cujas mais-valias estão isentas não são dedutíveis, a circular nº 7/2004, na impossibilidade dessa afectação específica, apenas contempla uma interpretação face a essa mesma impossibilidade”.
10.4. Que “na impossibilidade de afectação específica ou directa, é legítimo à AT, face à letra e ao espírito do nº 2 do art. 32º do EBF, aplicar um método de afectação indirecta ou não específica, o constante circular nº 7/2004”.
10.5. Que “não há qualquer ilegalidade na aplicação do nº 2 do art. 32º do EBF, na fórmula constante da circular nº 7/2004, ainda que não seja possível à AT e ao contribuinte proceder a a uma afectação específica ou directa”.
10.6. Que “improcedem todos os argumentos invocados pela requerente, pelo que, não pode, agora, ser aceite a dedutibilidade dos encargos financeiros que foram, e bem, acrescidos no apuramento do seu lucro tributável do ano/exercício de 2012, improcedendo, em consequência o pedido arbitral”.
10.7. Que “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.
11. Por despacho de 12 de junho de 2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.
12. No mesmo despacho de 12 de junho de 2018, foi indicado o dia 2 de Outubro de 2018 para prolação da decisão arbitral.
13. As Partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram as posições assumidas nas peças processuais iniciais.
14. Por despacho de 2 de Outubro de 2018, o Tribunal decidiu prorrogar o prazo para a prolação da decisão arbitral por um período de dois meses, indicando que a decisão arbitral seria emitida e notificada às partes até 30 de novembro de 2018.
15. Por despacho de 30 de novembro de 2018, o Tribunal decidiu prorrogar o prazo para a prolação da decisão arbitral por um novo período de dois meses, indicando que a decisão arbitral seria emitida e notificada às partes até 30 de janeiro de 2019.
II. Saneamento
1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
3. O processo não enferma de nulidades.
4. Da tempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral
A reclamação graciosa que precede o presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada num momento em que o prazo de decisão expressa da Administração Tributária é de quatro meses, findos os quais se presume o indeferimento tácito do pedido (artº. 57.º nºs 1 e 5 da LGT).
Por conseguinte, volvidos quatro meses após a apresentação da reclamação graciosa, presume-se o indeferimento tácito da reclamação graciosa, momento esse, por sua vez, relevante para o cálculo e início da contagem do prazo de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial, segundo o disposto no art. 57.º, n.º 5, da LGT e 106.º do CPPT.
Nos termos do art. 57.º, n.º 3, da LGT, "no procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do Código Civil".
Ainda nos termos do art. 20.º, n.º 1, do CPPT, "os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do art. 279.º do Código Civil", assim deixando clara a natureza procedimental destes prazos, para efeito da sua contagem.
Tendo a reclamação graciosa dado entrada no serviço competente no dia 6 de julho de 2017, o cômputo do termo – 4 meses – fixa-se a 6 de novembro de 2017, de acordo com o art. 279.º, alínea d) do Código Civil.
No caso em apreço, formou-se indeferimento tácito em 6 de novembro de 2017, sendo no dia seguinte que se inicia o prazo para deduzir pedido de constituição do tribunal arbitral.
Em caso de presunção de indeferimento tácito, o prazo para formular o pedido de constituição de tribunal arbitral é de 90 dias, de acordo com o art. 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
Por conseguinte, o pedido de constituição do tribunal arbitral é tempestivo, uma vez que este deu entrada no dia 29 de janeiro de 2018.
5. Da impugnação de indeferimentos tácitos e da competência do Tribunal
Como ensina o Conselheiro Jorge Lopes Cardoso, “o indeferimento tácito não é um ato, mas uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação administrativo e contenciosos, como decorre do preceituado no nº 5 do artigo 57º da LGT.
Apesar de o artigo 2º, nº 1, do RJTA fazer referência apenas a declaração de igualdade de atos, é inequívoco que nela se abrange a declaração de igualdade de indeferimentos tácitos, pois o nº 1 do seu artigo 10º do RJAT faz referência aos «factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do Código de procedimento e de Processo Tributário» e a «formação da presunção de indeferimento tácito» vem indicada na alínea d) do nº 1 deste artigo 102º.” (in Guia da Arbitragem Tributária, 3ª Edição, Almedina, pág. 132).
“O indeferimento tácito presume-se que se baseia em razões de mérito e não em obstáculos processuais. Ao deixar de se pronunciar sobre a pretensão do contribuinte em que imputa ilegalidades ao ato impugnado, a administração tributaria indeferiu-a, presumindo-se que não reconheceu nesse ato as ilegalidades que lhe foram imputadas. Está em causa apreciar mediatamente, a legalidade do ato impugnado, saber se, fosse proferida decisão ela devia ou não ser deferida.” (idem, pág. 137)
Por conseguinte, o Tribunal é competente.
III. Matéria de facto
1. Factos provados
Dão-se como provados os seguintes factos com potencial relevo para a decisão:
A) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais;
B) A Requerente é a sociedade dominante do grupo B..., sujeito a tributação nos termos do regime especial de tributação dos grupos de sociedades;
C) A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC e figura como sociedade dominante de um grupo de sociedades – o Grupo B...– tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”).
D) Em 30 de maio de 2013, a Requerente submeteu a declaração individual de rendimentos Modelo 22 do IRC, referente ao período de tributação de 2012 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E) Em 31 de maio de 2013, a Requerente submeteu a declaração Modelo 22 do Grupo, enquanto sociedade dominante do RETGS, referente ao período de tributação de 2012 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária externa de âmbito parcial, incidente sobre o IRC relativo ao período de tributação de 2012, levado a cabo pela divisão de Inspeção Tributária – Departamento B – Divisão IV da Direção de Finanças de Lisboa, sob a Ordem de Serviço n.º OI2015... .
G) Nesta sequência da ação de inspeção, foi a ora Requerente notificada, através do Ofício n.º ... da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 12 de novembro de 2015, do projeto de correções do relatório de inspeção tributária, nos termos do qual foi proposta uma correção ao resultado tributável de IRC por si autoliquidado no período de tributação de 2012, no montante de € 222.294,70 – (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) Em 2 de janeiro de 2017, através do Ofício n.º..., datado de 30 de dezembro de 2016, a Requerente foi notificada do relatório de conclusões da inspeção tributária, de âmbito parcial, com incidência sobre o período de tributação de 2012 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
No decurso da ação de inspeção, realizada aos exercícios de 2011 e de 2012, às áreas contabilístico – fiscais selecionadas e analisadas de acordo com os métodos e procedimentos adotados e com a profundidade considerada adequada em cada situação, foram detetadas as seguintes situações, as quais despoletaram as propostas de correção ao apuramento do resultado tributável que, infra, se sistematizam e legalmente se fundamentam.
III.1 – DA ANÁLISE EFETUADA
Foram objeto de análise todos os valores inscritos pelo sujeito passivo no quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, tendo-se constatado que os mesmos respeitam a registos evidenciados nos elementos contabilísticos, não se encontrando nestes, inconformidades suscetíveis de correção.
As participações financeiras estão valorizadas pelo método de equivalência patrimonial, utilizando a sociedade para as participações financeiras em empresas não cotadas, o método do custo.
III.2. ENCARGOS FINANCEIROS NÃO ACEITES FISCALMENTE À LUZ DO ARTIGO 32.º DO ESTATUTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS (EBF)
III. 2.1. - Quadro legal do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)
Dispõe o n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação em vigor à data dos factos ora sindicados pela Inspeção Tributária (dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06), que: "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período nunca inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".
Com este preceito o legislador quis consagrar a regra geral da exclusão da tributação das mais-valias realizadas na transmissão onerosa de partes detidas pelas SGPS (independentemente do negócio jurídico que lhe deu causa: se adquiriu as ações por compra ou por subscrição, se o seu valor aquisitivo foi ou não objeto de valorização, por incorporação de outros activos, nomeadamente fusão...), por período igual ou superior a um ano, qualquer que seja o título por que a mesma se opere, e concomitantemente, entendeu o legislador que, não concorrendo as mais-valias para o lucro tributável, deixassem de concorrer os encargos financeiros suportados seja com a aquisição, reforço, ou manutenção (empréstimos de capital) dos capitais próprios das participações detidas.
Através da instrução n.º 7/2004 de 30/03/2004 da Direção de Serviços do IRC, a Administração Tributária, vem esclarecer que:
- O novo regime, relativamente aos encargos financeiros, é aplicável “nos períodos iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data” (ponto 5).
- O exercício em que os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, "dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para aplicação do regime especial de tributação das mais-valias ..." (ponto 6).
- No que diz respeito ao método de cálculo e imputação a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais, dispõe o ponto 7, que "dada a extrema dificuldade de utilização... de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula, que atenda ao seguinte: os passivos remunerados da SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estes concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente, participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição".
III.2.2. – A análise dos encargos financeiros suportados
A factualidade decorrente da análise efetuada aos elementos remetidos pelo SP, em cumprimento das suas obrigações declarativas, implica que, se objetive que no exercício em causa, foram incorridos encargos financeiros.
De seguida, procede-se ao cálculo do total dos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do art.º 32 n.º 2 do EBF, conjuntamente com o estipulado na Circular 7/2004 de 30/03.
Dos empréstimos concedidos remunerados
Da análise à documentação contabilística e auxiliar (ver anexo a fls. 4), elencam-se de seguida, os empréstimos concedidos remunerados:
O valor dos empréstimos concedidos remunerados, nos anos de 2011 e 2012, são de €8.259.647,80 e €10.441.171,10, respetivamente.
Do valor de aquisição das participações sociais
Com base nos elementos contabilísticos (anexo a fls. 3 verso), elabora-se o quadro seguinte, relativo ao valor de aquisição das partes de capital:
Outros ativos não remunerados
Para o cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis, apurados os montantes relativos ao ativo remunerado (empréstimos concedidos remunerados), importa agora, com base no balancete analítico e balanço da sociedade, apurar o total do ativo não remunerado, conforme quadro seguinte:
O valor dos outros ativos não remunerados, nos anos de 2011 e 2012, são de €9.065.367,18 e €13.077.303,32, respetivamente.
Dos empréstimos obtidos remunerados
Da análise à documentação contabilística e auxiliar (ver anexo fls. 4), elencam-se de seguida, os empréstimos obtidos remunerados:
O valor dos empréstimos obtidos remunerados, nos anos de 2011 e 2012, são de €9.958.992,22 e €16.424.021,86, respetivamente.
Dos encargos financeiros suportados
O sujeito passivo, para os exercícios 2011 e 2012, revelou contabilisticamente (balancete analítico – conta 691), gastos / perdas, discriminados na tabela seguinte, que integram para efeitos do presente cálculo, o conceito de encargos financeiros, nos valores de €776.341,47 e €779.418,66, respetivamente.
Cálculo
Importa referir, para efeitos de cálculo do valor dos encargos financeiros não dedutíveis, de acordo com o estipulado na Circular 7/0 de 30/03, não são considerados os valores de partes de capital constantes do balanço, valorizadas pelo método de equivalência patrimonial e outros métodos de valorização.
Apurados os valores nos quadros antecedentes, referentes aos empréstimos concedidos remunerados, partes de capital (custo de aquisição), outros ativos não remunerados, empréstimos obtidos remunerados e encargos financeiros, prossegue-se à determinação do valor dos encargos financeiros a desconsiderar no apuramento do lucro tributável, (na linha 779 do quadro 7 da declaração modelo 22), conforme quadro seguinte:
Analisando o quadro 07 da DRM22 campo 779, verifica-se que o SP não acresceu qualquer valor de encargos financeiros, em conformidade com o estatuído no artigo 32º n.º 2 do EBF.
Aqui chegados a AT é conduzida a efetuar as necessárias correções, para o apuramento do Lucro Tributável, e acrescer ao quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, os gastos suportados, que não concorrem para a determinação do lucro tributável.
Neste sentido, os valores a acrescer ao resultado fiscal declarado pelo sujeito passivo, nos exercícios de 2011 e 2012, respetivamente, são €111.115,91 e €222.294,70 (apuramento no quadro supra).
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3. Correção
Face ao exposto, apresenta-se de seguida os valores da correção aos resultados fiscais declarados (declaração de rendimentos modelo 22, dos anos em análise), conforme o seguinte mapa resumo:
IX – Direito de audição
Em conformidade com o artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira, foi a sociedade A... SGPS SA notificada pessoalmente no dia 13-11-2015, para exercer no prazo de 15 dias, o direito de audição sobre o projeto de correções do relatório da Inspeção Tributária através do ofício n.º ... de 2015/11/12 – ver anexo folhas 5.
O sujeito passivo exerceu o direito de audição no prazo concedido, tendo remetido os elementos respeitantes ao mesmo, via CTT, que deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa no dia 2014/11/30 (Entrada nº 2015...) – ver anexo folhas 6 a 43.
Aos assinantes do documento que concretiza o direito de audição, é reconhecida a legitimidade para a prática do ato.
I – Alegações do sujeito passivo
No documento do direito de audição, constituído por 23 pontos, vem a sociedade A... SGPS SA, alegar, que por lapso, decorrer dos atos inspetivos, forneceu de forma involuntária uma informação incorreta à AT, relacionada como valor do custo de aquisição de partes de capital de uma sociedade participada, denominada D... S.A., NIPC:... .
A informação que o sujeito refere, encontra-se no documento e, anexo fls.3, verso, do presente relatório, na qual, consta que o valor de aquisição da sociedade participada identificada no parágrafo anterior, foi na ordem dos €20.931.000,00.
Vem agora a sociedade A... SGPS SA, alegar que o valor de aquisição das partes de capital da sociedade D..., S.A, foi na ordem dos €11.102.529,21, juntando os documentos de aquisição (documento 3 e 4, anexos ao documento de direito de audição), que a seguir se indicam:
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Cópia da escritura de aquisição da participação de 49%, datada de 1996, no valor de €427.719,21.
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Cópia da escritura de aquisição da restante participação de 51%, datada de 2009, pelo valor de €10.674.810,00.
II – Análise às alegações do sujeito passivo / Conclusão
Da análise ao documento do direito de audição e aos anexos que o integram verifica-se que o valor de aquisição da sociedade D... S.A., foi de €11.102.529,21.
Deste modo, face à nova realidade dos factos, procede-se de seguida ao recalculo do valor total das participações sociais adquiridas, e sequencialmente, ao recalculo do montante dos encargos financeiros não dedutíveis fiscalmente, relacionados com a aquisição de partes de capital, nos termos do art. 32.º do E.B.F., conjuntamente com as instruções contidas na circular 07/04 de 30/03.
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Recalculo do valor total das partes de capital
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Recalculo do montante dos encargos financeiros não dedutíveis fiscalmente
Deste modo, os valores a acrescer ao resultado final declarado pelo sujeito passivo, nos exercícios de 2011 e 2012, respetivamente, são €106.593,33 e €210.281,40 (apuramento no quadro supra).
Face ao exposto, apresenta-se de seguida os valores da correção aos resultados fiscais declarados (declaração de rendimentos modelo 22, dos anos em análise), conforme o seguinte mapa resumo:
Procede-se à elaboração dos respetivos documentos de correção e levantamento dos autos de notícia.
I) Em 11 de janeiro de 2017, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., de 9 de janeiro, relativa a IRC do período de tributação de 2012 (e das respetivas demonstrações de acerto de contas e de liquidação de juros, associadas à compensação n.º 2017...), emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
J) Em 6 de Julho de 2017, a Requerente deduziu reclamação graciosa, que não foi decidida até 6 de Novembro de 2017 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
L) A Requerente prestou garantia bancária para efeitos da suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2017..., de 29 de março de 2017, instaurado pela AT, para a cobrança coerciva da alegada dívida tributária.
M) A Requerente pagou, a título de IRC, o valor de € 17.250,26 (dezassete mil duzentos e cinquenta euros e vinte e seis cêntimos).
N) Em 29 de janeiro de 2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, cuja autenticidade não foi colocada em causa.
3. Factos não provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
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Matéria de Direito
1. Questão do regime aplicável aos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais
À data dos factos, o artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, estabelecia o seguinte:
2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
A Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços do IRC, estabelece no seu n.º 7 o seguinte:
Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais
7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.
O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, na l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].
Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial que não se reconduzia necessariamente em benefício, que se traduzia, em termos gerais, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.
No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela não dedutibilidade que aí se estabelece. (negritos nossos)
Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).
Como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.
No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003, anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos: (negritos nossos)
«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;
É manifesto que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.
Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.
Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais.
Assim, resulta claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.
Ora, sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).
Para além disso, a definição dos pressupostos da tributação é matéria sujeita ao princípio da legalidade, desde logo por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP que estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».
Este princípio da legalidade é reafirmado e ampliado pela LGT, no seu artigo 8.º.
É, assim, manifesto que as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efectiva oneração para os contribuintes.
A AT, no relatório de inspecção tributária, procedeu ao cálculo do montante dos encargos financeiros não dedutíveis fiscalmente, relacionados com a aquisição de partes de capital, nos termos do art. 32.º do E.B.F., conjuntamente com as instruções contidas na circular 07/04 de 30/03.
Ora, o ponto 7 da Circular n.º 7/2004, a ser aplicado pela Administração Tributária, com eficácia externa, de forma a afastar a dedutibilidade de encargos que não se prove estarem conexionados com a aquisição de participações sociais, consubstanciará uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC, criando situações de indedutibilidade de encargos financeiros não previstas na lei (aquelas em que não haja relação entre encargos desse tipo e a aquisição de participações sociais), pelo que será inválida por violação do princípio da legalidade.
É abundante a jurisprudência do CAAD e do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, com a qual concordamos, muito dela referida expressamente no pedido de pronúncia arbitral.
No Acórdão do STA de 24 de Janeiro de 2018, proc. nº 0227/16, que aqui se acolhe e subscreve na íntegra, é referido:
Da leitura atenta que se faz daquele ponto 7, cuja legalidade vem questionada nos presentes autos, pode-se surpreender com facilidade que o método escolhido pela AT se assume como um método indirecto de afectação dos encargos, em contraposição a um método directo, motivado pela dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou específica e pela possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria.
Ou seja, a AT, face às dificuldades sentidas de integração do disposto naquele artigo 32º do EBF, desinteressou-se pela obtenção da verdade dos factos, pilar da tributação sobre o rendimento real, cfr. artigo 104º, n,º 2 da CRP, e assumiu como único método aceitável o que parte de uma presunção de que os passivos remunerados das SGPS e SCR devem ser afectos liminarmente e de forma prioritária a empréstimos remunerados a participadas e outros investimentos geradores de juros e, no remanescente, aos demais activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.
Portanto, a recorrente ao seguir as orientações genéricas da AT, a que não estava obrigada, lançou mão de um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros, mas como bem refere a própria AT na decisão do recurso hierárquico, de nada lhe valeria (à recorrente) fazer de modo diferente porque, caso o fizesse, seria sempre corrigida a sua liquidação nos precisos termos daquelas orientações genéricas existentes, cfr. pág. 39 dos autos, parágrafo 2º.
Aliás, seguindo os contribuintes as orientações da AT, desde que conformes à lei, nas suas autoliquidações, evitam posteriormente dissabores e incómodos no tocante à regularização da sua situação tributária.
Na situação dos autos não vem concretamente explicada a razão pela qual (não) se poderia efectuar a afectação dos encargos financeiros por outro modo (directo), diferente daquele que foi efectivamente utilizado (indirecto), não o explica a recorrente, nem o explica a AT, ambas se limitam a referir que o método utilizado é o determinado pela Circular em questão. E a sentença bastou-se com o facto de a recorrente na autoliquidação ter seguido o método que para si não era obrigatório.
Tratando-se a avaliação indirecta de uma operação sem correspondência com a verdade dos factos, precisamente porque estes não são possíveis de determinar com segurança e certeza, ou porque há indícios muito fortes (a quase certeza) de que os factos evidenciados pelo contribuinte, e que devem servir de fundamento à determinação da matéria tributável, não são verdadeiros, previu o legislador, de forma taxativa, as concretas situações em que é possível o recurso a tais métodos indirectos nos artigos 87º a 90º da LGT.
Portanto, a “norma” emitida pela AT não pode ser considerada de per si, de forma isolada, sem qualquer relação com uma concreta situação de determinado contribuinte, como se tratando de método de afectação ilegal e proibido; se houver razões que justifiquem a sua aplicação, pode tratar-se de método idóneo a efectuar a respectiva afectação, mas se não se verificarem tais razões, trata-se de método inadequado de proceder a essa mesma afectação.
Já vimos que no caso dos autos nada se diz a esse respeito, isto é, nada se diz da possibilidade ou impossibilidade de aplicação de um método de afectação directo, tem-se por bom o método de afectação indirecto, de forma acrítica e sem conexão intima com a situação concreta da contribuinte.
Contudo, não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada de acordo com a mesma.
É certo que as “normas administrativas” constantes da circular que se analisa foram emitidas, precisamente, face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, n.º 2 da CRP, 81º, n.º 1 e 85º da LGT, e, como também já vimos, as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, n.º 5 da CRP.
Temos, assim, que concluir pela razão da recorrente no que toca a pretender que não se aplique à sua situação concreta o disposto naquele n.º 7 da dita Circular 7/2004, mostrando-se afectada por vício de violação de lei a autoliquidação efectuada.
De resto, o facto de a própria recorrente ter procedido à autoliquidação do imposto, segundo as regras estabelecidas pela AT, não implica que tal seja admissível ou lhe seja oponível, desde logo porque aos contribuintes não assiste o direito de apresentar as suas declarações de rendimentos lançando mão de métodos indirectos que não tenham uma correspondência directa e imediata com a sua realidade contabilística, o que se impõe por força dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade, segundo os quais, todos, e cada um, contribuirão coactivamente para a receita do Estado segundo as suas possibilidades e na medida do esforço que lhes possa ser exigido, cfr. artigo 103º, n.º 1, da CRP.
E já vimos que, o uso de tais métodos indirectos, apenas é consentido à AT nas situações enumeradas na lei e segundo os parâmetros legalmente estabelecidos, neste caso, para salvaguarda da receita do Estado, assim se conseguindo a distribuição do sacrifício, na medida do possível, por todos os contribuintes.». (sic)
É nosso entendimento que nada impede que a Autoridade Tributária e Aduaneira emita uma circular de que consta o seu entendimento sobre aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, para ser aplicável nos casos em que não seja viável uma determinação directa dos encargos derivados de financiamento utilizados na aquisição de participações sociais, pois tal possibilidade de emissão de orientações genéricas vinculativas para os seus serviços está prevista no artigo 68.º-A da LGT.
Como resulta do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT e tem sido pacificamente entendido, as circulares apenas têm eficácia vinculativa para a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo efeitos externos apenas de natureza informativa para os contribuintes, que podem saber antecipadamente qual o entendimento que será por aquela adoptado.
Nesta linha, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, de 09-01-2014, proferido no processo n.º 564/12, na esteira de Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, página 201, em que se refere:
Trata-se «de regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.
Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).
É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.
Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.
Por conseguinte, não sendo ilegal a emissão de circulares que interpretem diplomas legislativos com eficácia interna, a ilegalidade de actos em matéria tributária que apliquem os entendimentos nelas perfilhados não pode derivar da sua aplicação em si mesma, mas, apenas, da ilegalidade desse entendimento em face do regime legal aplicável previsto no diploma legislativo interpretado.
Não se pode afirmar a ilegalidade abstracta do método previsto no ponto 7. da referida Circular, se entendido como apenas sendo aplicável subsidiariamente, como método indirecto, nos casos em que não for viável a determinação directa do montante dos encargos conexionados com financiamentos utilizados na aquisição de participações sociais, como permitem os artigos 85.º, n.º 1, e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT.
Por isso, carece de suporte legal um método de «avaliação directa» não baseado no apuramento da real afectação dos encargos financeiros à aquisição de participações sociais, mas, antes, numa fórmula de cálculo que terá subjacente que a afectação acontece nos termos nela pressupostos e não comprovados.
E, como tal, a «extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica» que se invoca no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, como razão a utilização do método indirecto, não é, à face da regra da subsidiariedade da avaliação indirecta em relação à directa que impõe o artigo 85.º, n.º s 1 e 2, da LGT, fundamento para a utilização de um método indirecto.
Mesmo que se entendesse (como estará subjacente ao ponto 7 da Circular n.º 7/2004, mas também sem apoio no texto da lei) que aquele artigo 32.º, n.º 2, do EBF tem ínsita uma presunção de que há associação entre encargos financeiros e a aquisição de participações sociais, essa hipotética presunção sempre admitiria prova em contrário, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, que se reporta a normas de incidência em sentido lato, que abrange todas as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação».
Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria tributável ou colectável, a taxa e os benefícios fiscais.
Por isso, no caso em apreço, para concluir que os encargos financeiros referidos pela Requerente na declaração modelo 22 não deveriam ser deduzidos ao lucro tributável por força da parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, é nosso entendimento que deveria a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar que esses encargos foram suportados com a aquisição das participações sociais referidas pela Requerente.
Ou, pelo menos, a Autoridade Tributária e Aduaneira só poderia utilizar o método indirecto previsto no n.º 7. da Circular n.º 7/2004, se se demonstrasse a inviabilidade da utilização do método directo e na estrita medida em que não fosse aplicável método directo, como impõem as regras da subsidiariedade da avaliação indirecta em relação à avaliação directa, que constam dos n.ºs 1 e 2 do artigo 85.º da LGT.
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira, perante a alegação dada pela Requerente de que havia utilizado o método da imputação directa, não esboçou sequer apreciar se tal imputação directa estava ou não correcta, para apurar a afectação dos encargos financeiros aos financiamentos obtidos, limitando-se a afastar essa possibilidade, por entender que tal resultava da referida Circular.
Desse modo, no caso em apreço, para concluir que os encargos financeiros referidos pela Requerente na declaração modelo 22 não deveriam ser deduzidos ao lucro tributável por força da parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, deveria a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar que esses encargos foram suportados com a aquisição das participações sociais referidas pela Requerente.
Não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se impunha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada.
Conclui-se assim que, quanto aos encargos cuja dedutibilidade a Requerente alega, atendendo a que o ónus da prova da impossibilidade de recurso a método directo não foi satisfeito pela Requerida quanto a estes se deve considerar que não há lugar à aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, devendo tais encargos de financiamento ser considerados totalmente dedutíveis.
E também temos que concluir que o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, por ter assentado numa errada interpretação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.
Este vício justifica a anulação da liquidação impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
O indeferimento tácito (presumido) da reclamação graciosa enferma do mesmo vício, já que se mantém a liquidação, com os fundamentos que constam do Relatório da Inspecção Tributária.
Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que a liquidação de juros compensatórios é afectada pelo vício que afecta a liquidação de IRC.
Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2017..., de 9 de janeiro de 2017 (e as respetivas demonstrações de acerto de contas e de liquidação de juros compensatórios, todas associadas à compensação n.º 2017..., de 11 de janeiro de 2017), relativas a IRC do ano de 2012, no valor de € 17.250,26 (dezassete mil duzentos e cinquenta euro e vinte e seis cêntimos), são ilegais, devendo ser anuladas.
2. Questões prejudicadas
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, enferma de erro de interpretação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.
Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.
Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício de violação de lei que impede a renovação dos actos impugnados com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.
3. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios, com referência expressa aos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT.
A Requerida não põe em causa o pagamento do imposto (vide artº 2ª da Resposta), limitando-se a concluir que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede totalmente contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2017..., de 9 de janeiro de 2017 (e respetivas demonstrações de acerto de contas e de liquidação de juros compensatórios, todas associadas à compensação n.º 2017..., de 11 de janeiro de 2017), relativa a IRC do ano de 2012, no valor de € 17.250,26 (dezassete mil duzentos e cinquenta euro e vinte e seis cêntimos).
Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsado desta quantia, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia de € 17.250,26 (dezassete mil duzentos e cinquenta euro e vinte e seis cêntimos).
A ilegalidade desta liquidação imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.
Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que o Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
4. Questão do pedido de indemnização por garantias indevidas
No ponto J) das suas Conclusões do pedido de pronúncia arbitral consta:
“Adicionalmente, solicita a Requerente que seja ordenado o levantamento da garantia bancária por si prestada para efeitos da suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2017..., de 29 de março de 2017, instaurado pela AT, para a cobrança coerciva da alegada dívida tributária, e o pagamento da indemnização que se mostre devida nos termos do art.º 53.º da LGT e do art.º 171.º do CPPT.”.
E na parte do Pedido (iii.) a Requerente requer seja proferida “decisão a ordenar, nos termos do art.º 43.º da LGT e do art.º 61.º do CPPT, o levantamento da garantia bancária prestada no processo de execução fiscal e o consequente pagamento de indemnização pelos prejuízos causados resultantes do pagamento voluntário da liquidação adicional de IRC, e correspondentes juros compensatórios, que pelo presente se reclamam, no caso da procedência do presente pedido”.
Na sua Resposta (vide em especial o artº 2º), a AT não põe em causa ter sido prestada a garantia.
Com a constituição, apresentação, manutenção e cancelamento das garantias bancárias para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da quantia liquidada, a Requerente incorreu em despesas, cujo quantitativo não surge quantificado.
O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».
Seguindo de perto a decisão do Processo 239/2016-T do CAAD, parece inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação e sua imputabilidade.
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
A referência à «liquidação» na expressão «houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo» deve ser entendida em sentido lato, como reportando-se ao procedimento de liquidação, constituído pelo conjunto de actos tendentes à definição de uma obrigação de pagamento do montante de um tributo por um determinado sujeito passivo, abrangendo não só a liquidação stricto sensu (constituída pelo acto em que se determina a colecta, efectuando as operações aritméticas de cálculo do tributo a pagar), mas também a fase de lançamento (em que se determinam os sujeitos passivos e a matéria colectável ou tributável e a taxa a utilizar no caso de serem potencialmente aplicáveis mais que uma).
É com esse sentido lato que a expressão «liquidação» é utilizada, por exemplo, nos artigos 54.º, n.º 1, alínea b), da LGT e 10.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, em que não se indicam competências da Administração Tributária especificamente referentes ao lançamento dos tributos.
Mas, insere-se ainda no procedimento de liquidação a respectiva notificação ao destinatário, pois, antes da notificação, as operações realizadas são meros actos internos, livremente revogáveis, que não definem a posição da Administração Tributária em relação ao contribuinte.
Aliás, na maior parte dos casos, os erros dos actos de liquidação não resultam do próprio acto que concretiza as operações aritméticas de determinação do tributo a pagar, mas de outros actos do procedimento que lhe estão subjacentes pelo que não se compreenderia uma interpretação do termo «liquidação» utilizado no n.º 2 do artigo 53.º com o sentido restrito, pois não há razões para distinguir, para efeitos de indemnização pelos prejuízos sofridos com a prestação de garantia, entre as lesões provocadas por actos não renováveis em que os vícios se reportam ao próprio acto de liquidação e as que derivam de vícios de outros actos do respectivo procedimento de liquidação.
Para além disso, o sentido lato referido é a interpretação que melhor se compagina com a expressão «liquidação», a qual é adequada a referenciar todo o procedimento de liquidação - sendo antes utilizada para referenciar o sentido estrito, por mais precisa, a expressão «acto de liquidação».
A isto acresce que o artigo 53.º da LGT visa facilitar aos lesados por uma actuação ilegal da Administração Tributária a reparação a que constitucionalmente têm direito (artigo 22.º da CRP) e o princípio da igualdade impõe que esse direito seja reconhecido a todos os contribuintes que suportaram despesas com prestação de garantias, por ter sido praticado um acto de liquidação que enferme de uma ilegalidade que inviabiliza a sua renovação, como é o caso da caducidade do direito de liquidação.
Assim, tendo de presumir-se que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), é de concluir que aquela expressão «erro imputável aos serviços na liquidação do tributo», abrange todas as ilegalidades que afectem a validade da liquidação, inclusivamente as relativas à sua notificação, que é o acto final do procedimento de liquidação, como está subjacente ao regime do artigo 45.º, n.º 1, da LGT.
Por conseguinte, é de concluir que a Requerente tem direito a ser indemnizada, pois o erro que afecta a validade das liquidações é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, e a garantia foi prestada para suspender o processo de execução fiscal instaurado com base nessas liquidações inválidas.
Nestes termos, procede o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente, a título de indemnização, a quantia incorrida pelas despesas que suportou com a prestação da garantia bancária, a determinar em execução da sentença.
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Decisão
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:
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Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o indeferimento tácito (presumido) da reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 6 de julho de 2017 e a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2017..., de 9 de janeiro de 2017 (bem como as respetivas demonstrações de acerto de contas e de liquidação de juros compensatórios, todas associadas à compensação n.º 2017..., de 11 de janeiro de 2017), relativa a IRC do ano de 2012, com a consequente restituição do imposto pago no montante € 17.250,26 (dezassete mil duzentos e cinquenta euro e vinte e seis cêntimos);
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Julgar procedente o pedido na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente, em virtude do imposto indevidamente pago, desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, a concretizar em sede de execução da sentença.
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Julgar procedente o pedido de levantamento da garantia bancária prestada e de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento à Requerente de uma indemnização das despesas incorridas com a prestação e manutenção de garantia bancária para a suspensão do processo de execução fiscal n.º n.º ...2017..., em quantia a concretizar em sede execução da sentença.
V. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 17.250,26.
VI. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 1.224,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 30 de janeiro de 2019
O Árbitro,
Pedro Miguel Bastos Rosado