Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 420/2018-T
Data da decisão: 2019-01-15  IMI  
Valor do pedido: € 91.615,39
Tema: AIMI – Inconstitucionalidade - Princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
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Decisão Arbitral

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Dr. Alexandre Andrade (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-11-2018, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

            A..., S.A., Pessoa Colectiva n.º..., com sede com sede em ..., ...-..., ... (doravante designada por "Requerente") veio ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a anulação da liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.º 2017 ... do ano de 2017, quanto ao valor de €91.615,39.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-09-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23-10-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13-11-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente e que deve ser notificada ao Ministério Público a decisão final.

Por despachos de 11-12-2018 e de 17-12-2018 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

Apenas a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que desenvolve a sua actividade no sector imobiliário;
  2. A Requerente tem como objecto promoção e realização de empreendimentos turísticos, exploração da indústria hoteleira e similares em estabelecimentos próprios, ou arrendados ou utilizados por qualquer título, entre outras actividades:
  3. A Requerente e outras sociedades do Grupo B... celebraram com o Estado Português e outras entidades públicas, em 16 de Maio de 2000, um contrato de investimento cujo teor foi aprovado pela resolução do Conselho de Ministros n.º 22/2000, de 8 de Maio ( [1]) – o qual aprova os termos do contrato de investimento relativo a um projecto a realizar na ...;
  4. Em tal contrato ficou convencionado, além do mais. que «o projecto de investimento a implementar, configurando uma vocação eminentemente turística, cujo valor global de investimentos se estime em cerca de 40 milhões de contos, prevê, nomeadamente, a recuperação, requalificação e conclusão de estruturas e infra-estruturas já existentes, a demolição de edificações consideradas desajustadas do conceito urbanístico e qualitativo a desenvolver, bem como a construção de novos empreendimentos turísticos, de um centro de congressos, de um casino, de uma marina, de um parque de recreio aquático, de um centro desportivo, de um centro equestre, de um núcleo ambiental destinado à monitorização do sistema ambiental e à sua gestão e ainda da execução de obras de recuperação e restauro das ruínas romanas de ... .»;
  5.  A Requerente é proprietária dos prédios urbanos mencionados na liquidação impugnada, designadamente os seguintes:

i- Imóvel sito em ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º U-...;

ii- Terreno para construção sito em ..., inscrito na matriz sob os artigos n.º U-... e U-...

iii- Fracções sitas em..., inscritas na matriz sob os artigos n.º U-...-..., U-...-..., U-...-..., U-...-..., U-...-..., U-...-..., U-...-..., U-...-..., U-...-..., U-...-..., U-...-... e U-...-...;

iv- Terreno para construção sito em Portimão, inscrito na matriz sob o artigo n.º U-...;

v- Imóvel sito em..., inscrito na matriz sob os artigos U-...-... e U-...-...;

vi- Fracções sitas em..., inscritas na matriz sob os artigos n.º U-...-..., U-...-..., U-...-... /..., U-...-..., U-...-..., U-...-..., U-...-..., U-...-...;

vii- Fracções sitas em ..., inscritas na matriz sob os artigos n.º U-..., U-...-..., U-... a..., U-...-... a ..., U-...-... a ..., U-...-... a..., U-...-... a ..., U-...-... a ... e U-...-... a...;

viii- Terrenos para construção sitos em ..., inscrito na matriz sob os artigos n.º U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... .

  1. Os imóveis referidos nos pontos vi, vii, viii integram o referido projecto imobiliário de ...;
  2. A Requerente adquiriu todos os imóveis causa com o fito de neles promover edificações à medida das suas capacidades financeiras e promover à sua exploração mediante as circunstâncias do mercado;
  3. A Requerente foi notificada da liquidação de AIMI n.º 2017..., emitida em 30-06-2017, relativa ao ano de 2017, no valor global de €119.537,06 – a qual engloba os prédios aqui em questão, com apuramento da respectiva colecta no valor de €91.615,39 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 29-09-2017, a Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 2);
  5. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida que foi tramitada na Direcção de Finanças de ... sob o n.º ...2018... (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. A reclamação graciosa foi inferida por despacho de 23-04-2018, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de ... documento n.º 1);
  7. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa remete para a fundamentação do projecto de decisão que consta do documento n.º 1, em que se refere, além do mais o seguinte:

APRECIAÇÃO DO PEDIDO

O AIMI foi introduzido no ordenamento jurídico-tributário português pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Orçamento de Estado para o ano de 2017), e é um imposto pessoal, de base cadastral, sobre o património imobiliário.

Consagra o n.º l do art.º 135º-A do CIMI que são sujeitos passivos "... as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.", concretizando o n.º 3 do mesmo preceito que "A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao Imposto municipal sobre Imóveis respeita.".

Refira-se que o n.º 4 do art.º 8º do CIMI define um desses critérios, estabelecendo a presunção que é "proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz."

O n.º 1 do art.º 135º-B do Código do IMI dispõe que "O adicional ao imposto municipal sobre Imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.".

E, o n.º 1 do art.º 135º-C do Código do IMI consagra que o valor tributável do AIMI "corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo".

Ainda o n.º 1 do art.º 135º-G prevê que o AIMI é anualmente liquidado "... com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos suje/tos passivos que constem das matrizes em 1 de janeiro do ano a que o mesmo respeita.".

Logo, o cômputo do imposto vai-se basear num registo administrativamente mantido e que engloba a informação necessária ao lançamento do mesmo e à determinação da prestação tributária.

Para o efeito, a AT dá iniciativa oficiosa aos procedimentos de liquidação com base nos dados inscritos nas matrizes prediais e com efeitos à data do facto tributário - l de janeiro do aro a que respeita o imposto - recorrendo aos valores patrimoniais tributários (matéria tributável) e aos sujeitos nela averbados como titulares dos direitos reais de gozo dos imóveis (incidência subjetiva).

Relativamente ao alegado pela reclamante de que a legislação invocada é manifestamente inconstitucional (por violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade) importa desde logo referir que não cabe à AT, nos termos do art.º 281º da Constituição da República Portuguesa (CRP) apreciar o alegado vício de inconstitucionalidade das normas que sustentam a liquidação do AIMI -, constatando-se que a lei da qual aquelas constam foi promulgada e mandada publicar pelo Presidente da República nos termos da alínea b) do n.º l do art.º 134º da CRP, pelo que cabe à AT liquidar e cobrar o tributo em causa, na qualidade de sujeito ativo da relação tributária.

Efetivamente, cabendo, como cabe, aos Tribunais a apreciação da (in)constitucionalidade, não pode a administração tributária, que se encontra na dependência hierárquica do executivo, substituir-se aos tribunais, e sindicar a constitucionalidade das leis que lhe cumpre aplicar.

No sentido do que foi supra referido importa trazer à colação o Acórdão de STA de 2009-01-21, Proc. 0811/08, que nos diz que "A norma em questão consta do Decreto-Lei, que é um ato legislativo proveniente do exercício pelo Governo da função legislativa. E, nessa medida, não há dúvida que estamos perante uma norma legislativa, pelo que, a apreciação e declaração da sus eventual ilegalidade ou inconstitucionalidade cabe ao Tribunal Constitucional (art.º 281º n.º 1 alíneas a) e b) da CRP), estando excluída da jurisdição administrativa e fiscal".

Pelo contrário, à luz do princípio da legalidade, a que está subordinada na sua atuação, a AT não pode deixar de aplicar a lei e cumpri-la.

Efetivamente, estando a AT sujeita ao princípio da legalidade (art.º 266º n.º 2 da CRP e art.º 55º da LGT) não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, tais como as que se referem a direitos, liberdade e garantias, vide Acórdão do STA de 04-03-2015, Proc. 01529/14.

No mesmo sentido podemos ver Vieira de Andrade, em Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág, 270, que nos diz que "Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa lei possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos [...]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da Inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição.".

A mesma posição defende João Caupers, que nos diz que "... a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º (hoje 204.º) e 266º, n. 2 da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas Inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.".

Do exposto resulta pois que, no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a AT se recusar a obedecer a uma norma, mesmo que eventualmente a considere inconstitucional, substituindo-se aos órgãos ed fiscalização da constitucionalidade.

Por último, refira-se ainda que não nos é conhecida qualquer intervenção em termos da fiscalização preventiva ou sucessiva da constitucionalidade do AIMI, que possa colocar em causa os atos tributários praticados em virtude do mesmo.

CONCLUSÃO

Consequentemente, a liquidação do AIMI n.º 2017... ora reclamada não padece de qualquer erro sobre os seus pressupostos, pelo que é de indeferir a presente reclamação graciosa.

 

  1. Em 31-08-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona qualquer dos factos alegados pela Requerente.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente expõe a sua interpretação sobre a aplicação do AIMI e conclui que «o AIMI incide sobre os imóveis com afetação habitacional, bem como os terrenos para construção, independentemente da sua afetação – na medida em que os mesmos não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência» (artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral).

A Requerente entende que o artigo 135.º -B n.º 1 do CIMI padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na sua vertente da capacidade contributiva, bem como por violação do princípio da proporcionalidade.

A Requerente alega, em suma, o seguinte:

– este regime enferma de ilegalidade por violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, quando estão em causa imóveis detidos por empresas no âmbito da sua actividade e por causa dela;

– nestas situações falha em absoluto o pressuposto de que a propriedade sobre tais imóveis possa constituir manifestação de uma (ou de uma acrescida) capacidade contributiva que, por si só, deva ser sujeita a ablação por via tributária;

– pelo que a tributação em AIMI deve fazer uma destrinça entre, por um lado, titularidade de património imobiliário que, só por si, constitua uma manifestação de uma acrescida abastança económica e titularidade de direitos reais sobre imóveis destinados ao exercício de uma actividade económica e que, como tal, possam ser reconhecidos como factores de produção;

– neste último caso, a dimensão e valor patrimonial de tais imóveis não constitui, nem pode constituir, a manifestação de uma riqueza que deva ser tributada mas, outrossim, materializa apenas um conjunto de elementos necessários e essenciais ao desenvolvimento de uma actividade económica;

– está assim criada, sem qualquer fundamento de base, uma gritante desigualdade no plano material entre as empresas que tenham decidido prosseguir uma actividade económica que pressuponha a detenção de imóveis, em relação a outras empresas cuja actividade não decorra da detenção de imóveis;

– mais do que isso, estão legalmente criadas as condições para a constituição de manifestas situações de desigualdade material entre a Impugnante e empresas que, detendo bens imóveis, prossigam nos mesmos uma actividade comercial, industrial ou de prestação de serviços;

– o regime do AIMI não salvaguarda devidamente as empresas que, para o desenvolvimento da sua actividade económica, carecem de deter imóveis – o que contribui decisivamente para a sua discriminação negativa no plano fiscal, sem qualquer justificação de base;

– não se vislumbra qualquer motivo para discriminar negativamente os imóveis detidos por empresas que tenham por escopo social a realização de operações imobiliárias;

– com o acto tributário em causa, o sector imobiliário é o único sector de actividade efectivamente tributado pela propriedade de bens de produção como pretensa manifestação de capacidade contributiva acrescida;

– o valor considerado para aplicação do imposto não é um custo efetivo de produção, apurado e registado na contabilidade, mas sim o VPT determinado para efeitos fiscais;

– os imóveis detidos por empresas que prosseguem actividades imobiliárias não são “património imobiliário de luxo”;

– a tributação em causa constitui uma violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade - na medida em que o facto de a Impugnante ter no seu inventário imóveis para construção, exploração ou venda, em nada exterioriza uma relevante capacidade contributiva digna de ser (diferente e autonomamente) tributada, o que é tão mais evidente quando se constata que outras empresas detentoras de imóveis de idêntico ou superior VPT, igualmente afectos à sua actividade económica, não estão sujeitas a semelhante tributação;

– o incidir sobre a propriedade de imóveis destinados ao exercício de uma actividade económica, sem qualquer fundamento bastante, deve ser desaplicado o artigo 135.º-B, n.º 2, do CIMI por inconstitucionalidade material, na medida em que viola o princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da CRP;

– a norma legal em causa é manifestamente desequilibrada, desconforme e desadequada à prossecução do fim legal, a mesma é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade;

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, com aparente deficiente percepção sobre o que está em causa no processo (extensiva as alegações), aborda longamente hipotéticas questões que não foram suscitadas sobre a interpretação de normas do regime do AIMI (designadamente sobre terrenos para construção cujo fim potencial não seja habitação, situação que nem sequer se verifica no caso em apreço).

Enfim, a partir do artigo 168.º (centésimo sexagésimo oitavo) da Resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira acaba por se pronunciar, em alguma medida, sobre as questões suscitadas pela Requerente, dizendo em suma, o seguinte:

– o princípio da igualdade concretiza-se e possui, assim, diversas dimensões, como sejam (i) a proibição do arbítrio, (ii) a proibição da discriminação e (iii) a obrigação de diferenciação;

– a capacidade contributiva, para além do rendimento e da utilização de bens, também se exprime, nos termos da lei, através da titularidade de património, conforme consagra o artigo 4.°/1 da LGT;

– a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional, face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa;

– o imposto em sindicância não visa uma tributação genérica do património, que não é exigida pelo artigo 104.º, n.º 3, da CRP;

– no quadro de uma tributação parcelar do património, in casu, incidente sobre terrenos para construção, os termos que adequadamente devem ser tomados como base de comparação, para aferir da observância do princípio da igualdade, são os patrimónios de entidades com o mesmo objeto social;

– pois só assim existe um confronto entre situações objetivamente iguais, sendo, portanto, de afastar que o cotejo seja estabelecido entre realidades patrimoniais de entidades que se dedicam a actividades económicas diferentes (empresas cuja actividade não decorra da detenção de imóveis ou “empresas que se dedicam à comercialização de imóveis de outras categorias”), bem como das pessoas singulares (que têm uma taxa bastante superior);

– o AIMI respeita uma tributação parcelar do património, sem visar especificamente empresas ou um tipo de empresas específico, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais enunciados sobre os prédios em causa, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades, fundações, associações, pessoas singulares;

– o dever de contribuir para os gastos públicos por via dos impostos é um limite imanente aos direitos de propriedade e de liberdade de iniciativa económica;

– não será, pois, a circunstância de outros contribuintes detentores de património imobiliário identicamente valioso ficarem isentos do tributo, que justificará uma específica censura constitucional à norma em sindicância;

– tratamento discriminatório a que é dado relevo encontra justificação nas diferenças existentes entre as realidades imobiliárias em confronto, logo não constitui uma lesão ao princípio da igualdade na dupla vertente de uniformidade e generalidade;

– o AIMI é, além do mais, um gasto dedutível, influenciando negativamente o lucro tributável do exercício, ou é dedutível à colecta do IRC quando os prédios na matéria coletável sejam incluídos rendimentos gerados por imóveis, a ele sujeitos, no âmbito de actividade de arrendamento ou hospedagem (artigo 135.º-J, n.º 1 e nº 2, do CIMI);

 

 

 

3.2. Apreciação das questões suscitadas pela Requerente

 

A Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017) aditou ao CIMI o capítulo XV, com os artigos 135.º-A a 135.º-K, de que consta o regime do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI).

No Relatório desse Orçamento refere-se:

As medidas de aumento de receita, além da atualização dos IECs e ISV em 3%, centram-se na introdução de duas novas tributações: um adicional progressivo sobre o IMI e um alargamento da base do IABA aos refrigerantes. As duas medidas representam em conjunto apenas cerca 0,5% do total da receita fiscal. Em ambos os casos a receita é consignada.

A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema.

(...)

 

A tributação progressiva do património imobiliário

O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo.

Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património.

Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.

 

            No artigo 135.º-A define-se a incidência subjectiva deste imposto, estabelecendo-se que «são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português», sendo «equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis».

            O artigo 135.º-B define a incidência objectiva deste imposto adicional estabelecendo o seguinte:

 

Artigo 135.º-B

Incidência objectiva

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

 

            Na redacção que constava da proposta de Orçamento este n.º 2 tinha a seguinte redacção:

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino.

 

O artigo 6.º do CIMI estabelece o seguinte:

 

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

 a) Habitacionais;

 b) Comerciais, industriais ou para serviços;

 c) Terrenos para construção;

 d) Outros.

 

 2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

 

 

            A redacção do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica.

            A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas.

São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.

Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI).

A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações.

Porém, não resultam explicitamente do Relatório do Orçamento para 2017 nem da sua discussão parlamentar as razões que estarão subjacentes à distinção, para efeitos de tributação em AIMI, entre os valores patrimoniais dos prédios classificados como habitacionais ou terrenos para construção (independentemente da sua efectiva afectação a esses fins) e os dos prédios urbanos que têm outras classificações, à face do artigo 6.º do CIMI.

Relativamente aos prédios que têm a classificação de «outros» à face do artigo 6.º, n.ºs 2, alínea d), e 4, do CIMI, poderá ver-se uma razão para distinção no facto de se tratar essencialmente de prédios que não têm como finalidade actividades geradoras de rendimentos, designadamente os terrenos situados em aglomerados urbanos que não reúnem os requisitos necessários para a sua classificação como terrenos para construção nem estão a ser utilizados para fins agrícolas ou silvícolas e os edifícios destinados a espaços ou infra-estruturas ou equipamentos públicos. ( [2] )

No que concerne ao afastamento da tributação relativamente aos prédios destinados a comércio, indústria ou serviços poderá entrever-se uma explicação na finalidade invocada para a criação desta nova tributação, que é ao financiamento da Segurança Social, assegurado através da consignação de receitas do AIMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, prevista no n.º 2 do artigo 1.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro.

Não se pretende com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituídos por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor, mas sim criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP.

A sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social, sempre em dúvida, é uma preocupação permanente que tem justificado plúrimas iniciativas, bem evidenciadas nas Grandes Opções do Plano para 2017 (Lei n.º 41/2016, de 28 de Dezembro,) e para 2018 (Lei n.º 113/2017, de 29 de Dezembro) ( [3] ) entre as quais se inclui a diversificação das fontes de financiamento, que constitui um princípio há muito adoptado nas Leis de Bases da Segurança Social (artigo 78.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, artigo 107.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).

A essência do princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consiste na ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra (artigo 79.º da Lei n.º 17/2000, artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o que pode explicar que não seja aplicada a nova tributação do AIMI às pessoas colectivas detentoras de prédios destinados a actividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas colectivas estar normalmente associada ao exercício dessas actividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras [artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 4/2007, e artigos 3.º, alínea a), e 14.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro].

Desta perspectiva, em que o legislador, carente de financiamento para a Segurança Social, privilegia a veste de cobrador de impostos à preocupação com o equilíbrio da tributação das empresas, poderá vislumbrar-se algum fundamento para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão actividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social (que já contribuirão para esse financiamento) e a detenção de imóveis não destinados a essas actividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade.

O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [4] )

Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objectiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento.

Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60), compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

A capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam» (...) Os impostos sobre o património justificar-se-ão por permitirem transferir recursos em benefício da classe trabalhadora, instituindo uma "progressividade qualitativa" complementar da progressividade em quantidade dos impostos sobre o rendimentos pessoais». ( [5] )

Por outro lado, se é certo que os diferentes destinos dos imóveis não implicam necessariamente distinção de nível de capacidade contributiva, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontrará outra justificação (para além do já referido presumível maior contributo destas actividade para a Segurança Social por via das contribuições), pois reconduz-se, em última análise, a favorecimento destas actividades, que se harmoniza (e, por isso, terá fundamento constitucionalmente aceitável) com a obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP]. Sendo esta uma incumbência constitucionalmente considerada prioritária, a primeira elencada nesta norma, decerto que não será incompatível com a CRP dar-lhe protecção preferencial quando confrontada com os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação indicados no artigo 65.º da CRP, que, obviamente, também são protegidos através do bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza.

Assim, se é certo que o regime do AIMI cria situações de discriminação da tributação de empresas com a mesma capacidade contributiva evidenciada pelo património, no pressuposto de que há necessidade de dinheiro e tem de se encontrar novas formas de o arrecadar (como se refere no Relatório do Orçamento para 2017), haverá alguma justificação para que seja imposta da tributação a umas empresas e não a outras com mesma ou maior capacidade contributiva inerente ao património, sobretudo à luz da jurisprudência maioritária constitucional citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que revela que é tolerável constitucionalmente que os interesses do Estado cobrador de impostos (neste caso, a sustentabilidade da Segurança Social, reclamada pelos princípios da confiança e segurança) se sobreponham ao respeito rigoroso do princípio da igualdade.

Por outro lado, não sendo objectivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de “um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objectivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade.

Desta perspectiva, afigura-se que esta nova tributação não é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, pois é adequada ao fim em vista (propicia o aumento de receitas que se pretende obter), é necessária (à face da opção legislativa de aumentar as receitas da Segurança Social com diversificação de fontes) e não é ultrapassada uma medida razoável, designadamente quanto às pessoas colectivas, pois as taxas do novo imposto não são elevadas (e são menores para as pessoas coletivas do que para as pessoas singulares, nos termos do artigo 135.º-F), o imposto pago é dedutível a matéria tributável de IRC (artigo 135.º-J), são deduzidos valores consideráveis ao valor tributável (artigo 135.º-C) e não está demonstrado, nem há razão para crer, que os montantes arrecadados ultrapassem o que é necessário para a finalidade de reforçar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social.

Por isso, afigura-se que não se demonstra que seja violado o princípio da proporcionalidade.

Pelo exposto, a tributação do AIMI não é incompaginável com os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, invocados pelas Requerentes, com base nos artigos 13.º, 18.º e 104.º, n.º 3, da CRP.

 

 

4. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.

Não sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, não se pode concluir pela existência de pagamentos indevidos e, consequentemente, não se justifica a anulação das liquidações nem a restituição da quantia paga nem o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 91.615,39.

 

 

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

 

Lisboa, 15-01-2019

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(Rita Guerra Alves)

 

                          

 

 

 

(Alexandre Andrade)

 

 

 

 

 



[1] Publicada no Diário da República, I Série B, n.º 106, de 08-05-2000.

[2] Sobre os prédios urbanos integráveis na categoria «outros» pode ver-se ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDOM JOSÉ MARTINS BRÁS, Tributação do Património, Almedina, 2015, página 47.

Sinteticamente, terão a classificação de «outros»:

– terrenos que estejam situados dentro de um aglomerado urbano e que não possam ser considerados terrenos para construção, designadamente que, por imperativo legal, só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e não estejam, de facto, a ter essa concreta afectação ou que se destinem a zonas verdes, ou áreas protegidas, ou a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos;

– edifícios e construções licenciados para fins diferentes dos habitacionais, comerciais ou de serviços ou não licenciados mas afectos a esses fins.

[3]  Como se vê pelas Grandes Opções do Plano para 2018, a consignação da receita do AIMI ao Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social foi uma entre várias medidas: «têm vindo a ser desenvolvidas pelo Governo várias iniciativas no plano da sustentabilidade e estabilidade do sistema, designadamente: a reposição do mecanismo de atualização de pensões e garantia de não alteração das regras de cálculo das prestações já atribuídas a título definitivo; a definição do fator de sustentabilidade para 2017 em cumprimento da legislação em vigor e que veio estabelecer a idade normal de reforma para 2018; a reavaliação de todo o regime das pensões antecipadas por flexibilização, com discussão em sede de concertação social, tendo-se avançado em 2017 com o regime de proteção das muito longas carreiras contributivas através da eliminação das penalizações; a convergência do regime da Caixa Geral de Aposentações (CGA) com o regime geral de Segurança Social (RGSS) - para reforço desta convergência foram estabelecidas as condições de acesso e o cálculo das pensões do pessoal militar e militarizado e do pessoal com funções policiais».

[4]                     Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

      – n.º 143/88, de 16-6-1988, proferido no processo n.º 319/87, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 183;

      – n.º 149/88, de 29-6-1988, proferido no processo n.º 282/86, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 192;

      – n.º 118/90, de 18-4-90, proferido no processo n.º 613/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 396, página 123;

      – n.º 169/90, e 30-5-1990, proferido no processo n.º 1/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 397, página 90;

      – n.º 186/90, de 6-6-1990, proferido no processo n.º 533/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 81;

      – n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;

      – n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;

      – n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;

      – n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;

      – n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.

[5]              SÉRGIO VASQUES, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, n.º 23, página 36.