Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Magda Feliciano e Henrique Nogueira Nunes, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
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No dia 25 de Julho de 2018, A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., salas ... a..., ...-... Porto, na qualidade de sociedade incorporante, na sequência de uma operação de fusão por incorporação da sociedade B..., LDA., titular do NIPC..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade das seguintes liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, referentes aos anos de 2013 a 2016, no valor global de €167.453,79:
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Tipo
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Nº de liquidação/ demonstração de acerto de contas
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Período
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Valor a pagar
|
Data acerto de contas
|
Data limite de pagamento
|
2013
|
IVA
|
2018...
2018...
|
201303T
|
8.726,70€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018...
2018...
|
201303T
|
1.746,29€
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04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201306T
|
16.962,71€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201306T
|
3.200,93€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201309T
|
13.985,11€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201309T
|
1.736,00€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201312T
|
15.037,27€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201312T
|
2.550,98€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
2014
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201403T
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9.613,84€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201403T
|
1.538,21€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201406T
|
21.716,63€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201406T
|
1.526,74€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../ 2018...
|
201409T
|
8.566,08€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201409T
|
1.196,90€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201412T
|
7.909,73€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201412T
|
1.026,31€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
2015
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201503T
|
5.594,18€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201503T
|
671,91€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201506T
|
6.156,47€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201506T
|
676,03€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201509T
|
6.979,95€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201509T
|
696,84€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201512T
|
7.220,27€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201512T
|
648,83€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
2016
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201603T
|
5.269,97€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201603T
|
421,02€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201606T
|
6.345,73€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018... /
2018...
|
201606T
|
442,98€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201609T
|
5.405,03€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201609T
|
323,41€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201612T
|
2.987,12€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201612T
|
573,62€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
-
Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
-
A tese apresentada pela AT, não tem respaldo nem na letra, nem no espírito da norma sobre a qual versa, sendo ainda manifestamente atentatória dos princípios que regem o IVA, designadamente do denominado princípio da neutralidade que se opõe a que prestações de serviços similares, que se encontram em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA;
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resulta inequívoco da letra da lei que a isenção não depende da hospitalização/internamento, mas apenas com a prestação de serviços de assistência médica, desde que prestadas por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
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o internamento/hospitalização não é requisito da isenção da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º da Sexta Directiva, pois os dispensários não são estabelecimentos que prestem serviços médicos que envolvam o internamento dos pacientes, e se a norma abrange os dispensários por serem estabelecimentos da "mesma natureza", também terá de abranger, por maioria de razão, as clínicas pois estas são mais do que estabelecimentos da "mesma natureza" sendo subsumíveis no conceito de "centros de assistência médica e de diagnóstico", pelo que as clínicas médicas (nas quais se incluem as clínicas dentárias) estão isentas ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA e, como tal, podem renunciar à isenção nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do mesmo diploma.
-
No dia 26-07-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
-
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 12-09-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
-
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 02-10-2018.
-
No dia 02-11-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
-
Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
-
Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
-
Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo a que alude o art.º 21.º/1 do RJAT.
-
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 2/b), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
-
A Requerente, na sequência de uma operação de fusão registada a 22-12-2016, incorporou na sua esfera a sociedade “B..., Lda.”.
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Por força da referida fusão, a Requerente assumiu a qualidade de titular de todos os direitos e deveres da “B..., Lda.”, sociedade incorporada.
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A “B..., Lda.” é uma sociedade comercial que, nos exercícios em questão, e até à sua incorporação na Requerente, se dedicava à actividade de medicina dentária e actividades conexas.
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A ora Requerente tem como actividade a prestação de serviços de medicina dentária e odontologia em estabelecimento aberto ao público, que se consubstancia na realização de consultas médicas e de todo um conjunto de tratamentos e/ou actos cirúrgicos no âmbito da medicina dentária, bem como exames complementares de diagnóstico, tais como radiografias sem, em caso algum, envolver a hospitalização ou o internamento dos pacientes.
-
Em 01-10-2012, a “B..., Lda.” apresentou uma declaração de Alterações de Actividade, nos termos da qual renunciou à isenção do IVA.
-
Com base nessa informação, o Serviço de Finanças competente integrou a “B..., Lda.” no regime normal trimestral daquele imposto.
-
Em consequência de referido enquadramento, a ora Requerente sujeitou a IVA a totalidade das operações efectuadas no âmbito das actividades desenvolvidas, bem como deduziu a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços.
-
A “B..., Lda.” foi objecto de uma acção de inspecção tributária, de âmbito geral, abrangendo os exercícios de 2013 a 2016, credenciada pelas Ordens de Serviço n.º OI2017..., OI2017..., OI2017... e OI2017... .
-
A inspecção tributária foi motivada por um pedido de reembolso de IVA submetido pela “B...”, no valor de € 8.691,57, referente ao período de 201612T.
-
Em 2018, a Requerente foi notificada da conclusão do procedimento de inspecção.
-
Do Relatório final do procedimento de inspecção tributária, consta, para além do mais, o seguinte:
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Na sequência da referida inspecção, foram notificadas à Requerente, em representação da “B..., Lda.”, as seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, no montante global de €167.453,79:
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Tipo
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Nº de liquidação/ demonstração de acerto de contas
|
Período
|
Valor a pagar
|
Data acerto de contas
|
Data limite de pagamento
|
2013
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201303T
|
8.726,70€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201303T
|
1.746,29€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201306T
|
16.962,71€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201306T
|
3.200,93€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201309T
|
13.985,11€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201309T
|
1.736,00€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201312T
|
15.037,27€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201312T
|
2.550,98€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
2014
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201403T
|
9.613,84€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201403T
|
1.538,21€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201406T
|
21.716,63€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201406T
|
1.526,74€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../ 2018...
|
201409T
|
8.566,08€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201409T
|
1.196,90€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201412T
|
7.909,73€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201412T
|
1.026,31€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
2015
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201503T
|
5.594,18€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201503T
|
671,91€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201506T
|
6.156,47€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
201800004389957
|
201506T
|
676,03€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201509T
|
6.979,95€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201509T
|
696,84€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201512T
|
7.220,27€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201512T
|
648,83€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
2016
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201603T
|
5.269,97€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201603T
|
421,02€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201606T
|
6.345,73€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201606T
|
442,98€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201609T
|
5.405,03€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201609T
|
323,41€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
IVA
|
2018.../
2018...
|
201612T
|
2.987,12€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
JC
|
2018.../
2018...
|
201612T
|
573,62€
|
04-06-2018
|
12-07-2018
|
A.2. Factos dados como não provados
-
Que a Requerente haja pago as liquidações objecto da presente acção arbitral.
-
Que a Requerente haja prestado garantia para suspensão de processo executivo relativo às liquidações objecto da presente acção arbitral.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Os factos dados como não provados devem-se à inexistência de prova a seu respeito.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
No âmbito da presente acção arbitral cumpre a este Tribunal verificar a legalidade das liquidações de IVA impugnadas, acima identificadas.
A questão a decidir foi já suscitada e apreciada nos processos n.º 168/2015-T, n.º 782/2015-T, n.º 681/2016, n.º 682/2016 e n.º 169/2017 tendo os tribunais arbitrais julgado matéria em tudo idêntica à dos presentes autos, cujas conclusões seguimos de perto por com elas concordarmos.
Em primeiro lugar, torna-se necessário concluir sobre a legalidade da decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre o enquadramento da actividade da Requerente, em sede de IVA, e, desse modo, decidir se a mesma é susceptível de ficar abrangida pelo disposto no n.º 1 ou n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA e, consequentemente, se é susceptível de renúncia à isenção do imposto.
Interessa, para tal, atentar nos artigos 9.º e 12.º do CIVA:
Artigo 9.º
Isenções nas operações internas
Estão isentas do imposto:
1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;
2) As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares;
(...)
Artigo 12.º
Renúncia à isenção
1 - Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:
(...)
b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas;
(...)
2 - O direito de opção é exercido mediante a entrega, em qualquer serviço de finanças ou noutro local legalmente autorizado, da declaração de início ou de alterações, consoante os casos, produzindo efeitos a partir da data da sua apresentação.
3 - Tendo exercido o direito de opção nos termos dos números anteriores, o sujeito passivo é obrigado a permanecer no regime por que optou durante um período de, pelo menos, cinco anos, devendo, findo tal prazo, no caso de desejar voltar ao regime de isenção:
a) Apresentar, durante o mês de Janeiro de um dos anos seguintes àquele em que se tiver completado o prazo do regime de opção, a declaração a que se refere o artigo 32.º, a qual produz efeitos a partir de 1 de Janeiro do ano da sua apresentação;
b) Sujeitar a tributação as existências remanescentes e proceder, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º, à regularização da dedução quanto a bens do activo imobilizado.
O artigo 9.º do Código do IVA transpôs para a ordem jurídica nacional o artigo 132.º da Diretiva n.º 2006/112/CE, de 28-11-2006 onde se lê que:
1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:
(...)
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa; (…)
Assim, a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA permite apenas a renúncia à isenção das entidades isentas enquadradas no n.º 2 do artigo 9.º desse mesmo código.
Concretizando, e tal como é referido no Processo 681/2016-T, “a renúncia à isenção de IVA só é possível caso a actividade desenvolvida pela Requerente seja a de «prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares» e desde que a Requerente se enquadre no conceito de “estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas.”.
Sustenta a Autoridade Tributária e Aduaneira, alicerçada no caso Kügler (acórdão do TJUE de 10 de Setembro de 2002, proferido no Processo C-141/00) que “a isenção prevista no n.º1 do artigo 9.º do CIVA, opera independentemente da natureza jurídica do prestador de serviços, nomeadamente, do facto de se tratar de uma pessoa singular ou colectiva uma vez que aquela isenção tem por base a alínea c) do nº1 do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro.(…)”(Ponto 22 da Resposta da Requerida), e que destina-se a isentar as prestações de serviços de carácter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer outro lugar. E, por outro lado, que o n.º 2 do artigo 9.º do CIVA, que isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas em meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, transpõe para a ordem jurídica interna a alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da referida Diretiva 2006/112/CE.
Considerando que a actividade da Requerente é exercida fora do meio hospitalar, vem a Autoridade Tributária e Aduaneira defender que a isenção que se lhe aplica o é nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA.
No entanto, não se retira do referido acórdão que, tal como a Autoridade Tributária e Aduaneira afirma, só os hospitais estejam abrangidos pelo alcance da alínea b) do artigo 132.º acima citado.
Em nosso entender e na senda dos anteriores Acórdãos proferidos no CAAD, o TJUE, no acórdão L.u.P. (de 8 de Junho de 2006, proferido no processo n.º C-106/05), posterior ao acórdão referido pela Requerida, esclareceu que «O artigo 13.°, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, (...) deve ser interpretado no sentido de que análises clínicas que tenham por objecto a observação e o exame dos pacientes a título preventivo, que sejam efectuadas, como as que estão em causa no processo principal, por um laboratório de direito privado externo a um estabelecimento de assistência médica sob prescrição de médicos generalistas, são susceptíveis de ser abrangidas pela isenção prevista por essa disposição enquanto cuidados médicos dispensados por outro».
Neste acórdão L.u.P., o TJUE entendeu que «uma vez que as análises clínicas são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de «assistência médica» previsto no artigo 13.°, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva, um laboratório como o que está em causa no processo principal deve ser considerado um estabelecimento da «mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na acepção dessa disposição» (ponto 35).
Vem em reforço do exposto, o que se retira do ponto 35 do acórdão De Fruytier, de 02-07-2015, proferido no processo n.º C-334/14 do TJUE, em que se citam os acórdãos L.u.P., C‑106/05, pontos 18 e 35 e CopyGene, C‑262/08, ponto 60, afirmando-se «que um laboratório de direito privado que efetua análises clínicas deve ser considerado um estabelecimento «da mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na aceção dessa disposição, uma vez que essas análises são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de «assistência médica».
É assim, suficientemente clara nesta matéria a jurisprudência comunitária, no sentido de que, como se escreveu na decisão do processo arbitral 168/2015-T, que “a isenção prevista na alínea b) do artigo 132.º abrange os serviços prestados por entidades dos tipos que presta a Requerente, independentemente de a prestação ocorrer ou não em meio hospitalar, interpretação que está em manifesta sintonia com o texto desta norma, ao fazer referência à isenção das operações estreitamente relacionadas com a hospitalização e a assistência médica asseguradas aos «centros de assistência médica e de diagnóstico».”.
Como já se referiu, o direito europeu permite aos Estados isentar, quer “a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”, quer “as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa”.
No Código do IVA, estão isentas “as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”, e “as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estritamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.
As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas, podem ser efectuadas em qualquer lugar, incluindo o domicílio, do profissional ou do paciente, sem intermediação de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.
Como é referido na Decisão do CAAD no processo n.º 169/2017-T “As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estritamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares não são efectuadas directamente pelos profissionais ao paciente, nem os profissionais as facturam a este. Os profissionais de saúde vendem os seus serviços ao estabelecimento, e é este quem os fornece e factura aos pacientes”.
A Requerente presta, em consultórios e clínicas – e não em outro qualquer local -, serviços de medicina dentária e odontologia, aí realizando também exames complementares de diagnóstico.
Desta forma, a Requerente detém condições subjectivas que são fundamentais à isenção da alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva. Sendo que, tal como é defendido pela Requerente, esta não é um organismo que desempenhe a sua actividade em condições sociais análogas à atividade de organismos de direito público.
Quanto ao seu enquadramento no direito nacional, a Autoridade Tributária e Aduaneira interpreta, erradamente, a referência a “dispensários e similares” na isenção prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA. Porquanto deve ser nesta referência “dispensários e similares” que são incluídos outros estabelecimentos nos quais «centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza», também de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva n.º 2006/112/CE.
Reportando-nos, uma vez mais, ao Acórdão proferido no processo arbitral n.º 168/2015-T:
“A referência a «dispensários» abrange inequivocamente prestação de serviços de saúde fora desse meio hospitalar, pois o significado de «dispensário» é o de «estabelecimento de beneficência, para tratamento de doentes com dificuldades económicas, dando-lhes acesso a consultas e medicamentos gratuitos» (...), ou «estabelecimento para dar, gratuitamente, cuidados e medicamentos aos doentes pobres que podem ser tratados no domicílio» (...).
Por outro lado, a referência a «similares», interpretada em consonância com a norma paralela da alínea c) do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, que faz referência a «centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza», permite concluir que caberão também nesse conceito entidades do tipo da Requerente, que presta serviços de saúde de análises clínicas e de diagnóstico em conexão com estabelecimentos hospitalares.
Assim, não tem suporte textual a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que a isenção aplicável aos estabelecimentos do tipo da Requerente não está prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.”.
Sendo, assim, a norma aplicável o n.º 2 do artigo 9.º do CIVA, e porque vem aqui permitir o enquadramento num regime de sujeição, não se pode afastar a possibilidade de renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA.
Como se refere no Processo 682/2016-T, “O facto de os serviços prestados pela Requerente o serem em regime ambulatório, não incluindo, em nenhum caso, internamento hospitalar, é irrelevante, pois tal internamento não constitui exigência nem da lei comunitária nem da nacional – designadamente, não é factor de exclusão da previsão do nº 2 do artigo 9º do CIVA ou de inclusão na do seu nº 1.”.
Deste modo, conclui-se que as liquidações efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira enfermam em vício de erro de aplicação da lei.
Não obsta a esta conclusão a argumentação da Requerida em sede arbitral (cfr. pontos 61 e ss. da sua Resposta), relativa à eventual violação do princípio da neutralidade decorrente da opção pelo regime de isenção consagrado no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do CIVA, na medida em que tal não integra os fundamentos de facto e de direito dos actos tributários cuja legalidade ora cumpre sindicar, dado que tais actos assentaram na não aplicabilidade daquela norma, por considerar preenchidos os pressupostos de facto do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, e não do n.º 2 do mesmo artigo.
Argumenta, por fim, a Autoridade Tributária e Aduaneira que “a opção pela tributação das operações realizada pela Requerente só seria admissível caso as mesmas fossem enquadradas no âmbito do n.º 2 do art.º 9.º do CIVA e a mesma fosse previamente comunicada, mediante a entrega da Declaração de início de actividade ou de alterações, consoante os casos, produzindo efeitos, sempre a partir da data da sua apresentação” (ponto 79.º da Resposta).
Relativamente à primeira premissa da alegação em causa, verifica-se, como se viu, que as operações realizadas pela Requerente são enquadráveis no âmbito do n.º 2 do art.º 9.º do CIVA.
Relativamente à segunda premissa, verifica-se, conforme resulta dos factos dados como provados, que em 01-10-2012, a “B..., Lda.” apresentou uma declaração de Alterações de Actividade, nos termos da qual renunciou à isenção do IVA, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, tendo ficado enquadrada no regime normal de tributação de IVA, com periodicidade trimestral, passando, por conseguinte, a liquidar e a deduzir IVA.
Acresce que não se encontra provado que a Requerente tenha indicado na declaração referida no ponto 5 dos factos dados como provados, que no exercício da sua actividade iria efectuar transmissões de bens e/ou prestações de serviços que conferem o direito à dedução.
Face ao exposto, não assiste, também nesta parte, razão à AT, sendo que nenhuma similitude existe entre a situação dos presentes autos e a julgada pelo TCA-Sul no âmbito do processo 05235/11, na medida em que, para além do mais, no respectivo acórdão se faz constar que “a impugnante assumiu comportamento inadequado, incapaz de possibilitar a afirmação, conscienciosa, de ter agido como “sujeito passivo integral”, durante todo o tempo, compreendido entre janeiro de 2000 e junho de 2006.”.
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A Requerente formulou, cumulativamente, pedidos eventuais de juros indemnizatórios ou de indemnização por prestação indevida de garantia.
No entanto, não se provando que haja efectuado qualquer pagamento por força das liquidações ilegais, nem que haja prestado qualquer garantia para suster a respectiva execução, não se poderá reconhecer nenhum daqueles direitos.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
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Anular as liquidações objecto da presente acção arbitral tributária;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €167.453,79, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 8 de Janeiro de 2019
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Magda Feliciano)
O Árbitro Vogal
(Henrique Nogueira Nunes)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.