Acórdão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros, Maria Fernanda dos Santos Maças (árbitro-presidente), Nina Aguiar e António Alberto Franco, designados pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam em proferir o seguinte acórdão arbitral:
I – RELATÓRIO
1. A..., S.A., pessoa coletiva..., com sede na ..., n.º..., ...– ... a ..., ...-... Porto, na qualidade de Requerente e de sociedade incorporante, na sequência de uma operação de fusão por incorporação, das sociedades «B..., LDA.», titular do NIPC..., «C..., LDA.», titular do NIPC..., e «D..., LDA.», titular do NIPC..., apresentou, em 18-04-2018, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo. 102º do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade de liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado e respetivos juros compensatórios, relativas aos anos de 2013 a 2016, no valor global de 2.374.936,42 €, bem como a indemnização pela eventual prestação de garantia bancária, bem como o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no caso de vir a pagar a totalidade ou parte do imposto objeto do pedido arbitral
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-04-2018.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo legal.
3.2. Em 14-06-2018 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 04-07-2018.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a requerente alega, em síntese, o seguinte:
Na sequência de uma operação de fusão registada a 22 de Dezembro de 2016, incorporou na sua esfera três outras sociedades, pelo que quem dispõe de legitimidade para reagir contra a legalidade da totalidade das liquidações emitidas não só a si – A...- como às Sociedades Incorporadas, é ela própria.
A Requerente e as Sociedades Incorporadas pela Requerente foram objeto de ações inspetivas levadas a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através das quais foram propostas correções em sede de IVA e que se prendem todas com a mesma questão jurídico-fiscal, ou seja, o enquadramento da actividade de medicina dentária/odontologia na isenção em sede de IVA prevista no n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA e a possibilidade de os sujeitos passivos procederem à respetiva renúncia ao abrigo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 12.º do Código do IVA.
As Requerente e, bem assim, as sociedades Incorporadas pela Requerente são sociedades comerciais que se dedicam à actividade de medicina dentária e atividades conexas, desde o início da sua actividade.
A A... e as sociedades incorporadas, apresentaram declarações de Alterações de Actividade, nos termos das quais aquelas, formal e corretamente, renunciaram à isenção do IVA, com base no que os Serviços de Finanças competentes as enquadraram no Regime normal mensal de IVA.
Não obstante, a AT convergir na decisão de realização de correções ao IVA deduzido nos anos em análise em virtude de a A... não poder renunciar à isenção do IVA, por inexistência de norma legal que o permitisse fazer, porquanto “a renúncia à isenção prevista na alínea b do n.º 1 do art.º 12.º do CIVA só se aplica à isenção do n.º 2 do n.º 2 do art.º 9.º do CIVA” e não à isenção do n.º 1 do mesmo preceito, onde alegadamente a Requerente estará enquadrada.
Ora, não pode a Requerente – e as Sociedades Incorporadas pela Requerente identificadas – concordar com o teor das fundamentações nem, consequentemente, com as correlativas liquidações adicionais, por entender que as mesmas são ilegais e injustas, padecendo de erro no preenchimento dos pressupostos tanto de facto como de direito da invocada realidade tributável, vem agora enunciar os evidentes e insofismáveis fundamentos que suportam a sua pretensão.
Entende a AT que “a actividade de Medicina Dentária / Odontologia exercida em contexto diverso do serviço de assistência em meio hospitalar, deve ser enquadrada no n.º 1 do art.º 9.º do CIVA”.
Acresce que relativamente à sociedade D... defende a AT que esta não terá – mesmo que tal fosse permitido – renunciado validamente à isenção, existindo, portanto, aqui, um vício formal na renúncia à isenção.
Para a AT, toda a jurisprudência comunitária e doutrina que invocou apontam num mesmo e exato sentido: só poderão renunciar à isenção do IVA as entidades que se enquadrem na isenção prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA, i.e., na óptica da AT, aquelas que ofereçam internamento, em “meio hospitalar”.
Ora, no caso concreto da Requerente e das sociedades incorporadas pela Requerente, em caso algum os serviços prestados envolvem a hospitalização ou o internamento dos pacientes e que os serviços prestados pelas ditas Sociedades não são efetuados em meio hospitalar, pelo que não poderiam ter renunciado à isenção, deveriam ter continuado enquadradas no regime de isenção previsto no art.º 9.º do CIVA, o que implica “a não-aceitação da totalidade do IVA deduzido”.
Sucede que, para a Requerente, as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas, entre outras, estão abrangidas por uma isenção simples de IVA [n.º 1) do artigo 9.º do Código do IVA].
De uma forma geral, não é possível renunciar às isenções previstas no artigo 9.º do Código do IVA, sendo os casos em que tal se admite a exceção à regra. As situações, muito particulares e necessariamente tipificadas, em que se prevê a renúncia à isenção estão, por isso, expressamente previstas no artigo 12.º do Código do IVA.
Uma das isenções que contempla a possibilidade da sua renúncia é, precisamente, a isenção relativa às prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde [cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 12.º do código do IVA].
Estão, por isso, excluídas do direito a renunciar à isenção as pessoas singulares ou mesmo coletivas, que prestem serviços médicos fora do contexto de um estabelecimento de saúde, nos termos previstos no n.º 2 do mesmo artigo, estando também inviabilizada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA, a possibilidade de renúncia à isenção às instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde.
Ou seja, apenas se admite a renúncia à isenção para entidades privadas que prossigam fins lucrativos e que não sejam estabelecimentos que atuem em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos públicos.
Assim, para saber se uma qualquer entidade, designadamente nas condições das sociedades incorporadas pela Requerente, poderem ou não renunciar à isenção ao abrigo do disposto no artigo 12.º do CIVA cumpre, em primeiro lugar, subsumi-la num dos dois primeiros números do artigo 9.º do mesmo diploma e depois, uma vez concluindo-se pela integração no conceito de estabelecimento de saúde aí enunciado, determinar se se trata de um estabelecimento privado ou de um estabelecimento público ou a ele assimilado (aqui se incluindo, para este efeito, os estabelecimentos privados integrados no sistema nacional de saúde).
Sem qualquer margem para equívocos, a alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA faz menção a duas realidades distintas: por um lado à hospitalização e, por outro, à assistência médica, e, ainda, às operações com elas estreitamente relacionadas (quer com a hospitalização, quer com a assistência médica) prestadas por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos. A simples leitura desta norma permite perceber que esta isenção não depende da hospitalização/internamento, mas basta-se com a prestação de serviços de assistência médica, desde que a partir dos estabelecimentos nela mencionados.
Por outro lado, emerge do texto daquele preceito da Diretiva que do confronto das duas alíneas aqui sob análise, é o de que a alínea c) “somente pode ser aplicada a situações em que a actividade médica ou paramédica é imputada indivíduos e não a organismos, não sendo concebível a ideia de que um «organismo» na aceção da diretiva possa beneficiar da isenção prevista na alínea c) sob pena de se esvaziar de conteúdo útil os restantes requisitos previstos na alínea b)”.
Não se pode ignorar que a alínea c) – tal como o n.º 1 do artigo 9.º do CIVA - faz referência a “profissões” em contraponto com a expressão “organismos e estabelecimentos” constante da alínea b), e que o recurso àquele primeiro vocábulo surgiu com a atual Diretiva do IVA, sendo que na sua predecessora a expressão utilizada era “actividade”. A Diretiva recortou, assim, um critério distintivo entre as duas alíneas baseado no conceito de “organismo”.
É notório que a alínea b) se aplica a “organismos” e a alínea c) está pensada para situações em que a actividade é prosseguida por pessoas físicas que exerçam profissões médicas.
É por demais evidente que se pretendeu abranger nesta específica isenção diversos tipos de estabelecimentos que prestam serviços de saúde, não podendo ser confinada, de modo algum, aos hospitais ou estabelecimentos que permitam o internamento/hospitalização.
É absolutamente inequívoco que as clínicas médicas (nas quais se incluem as clínicas dentárias) estão isentas ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA e que, como tal, podem renunciar à isenção nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do mesmo diploma.
Invoca jurisprudência arbitral no sentido que propugna e face à qual não deve retirar-se outra conclusão que não a da ilegalidade das liquidações nesta sede sindicadas.
Conclui, por isso, a Requerente pela ilegalidade das liquidações impugnadas.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, tendo sustentado em síntese:
A Requerente tem como atividade, a prestação de serviços de Medicina Dentária e Odontologia em estabelecimento aberto ao público, que se consubstancia na realização de consultas médicas e de todo um conjunto de tratamentos e/ou atos cirúrgicos no âmbito da medicina dentária, bem como exames complementares de diagnóstico, tais como radiografias, sem, em caso algum, envolver a hospitalização ou o internamento dos pacientes. Ora, nos termos do artigo 9º, nº 1, do Código do IVA, tal atividade encontra-se isenta, na medida em que decorre daquele preceito normativo que estão isentas de imposto «As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas».
Atendendo à natureza e características destes serviços, só se pode concluir que a ora Requerente considerou indevidamente que os mesmos se reportassem a operações que conferem o direito à dedução, pois, ao contrário do que pretende, não pode considerar a atividade exercida na área da medicina Dentária e Odontologia sujeita e não isenta de imposto, porquanto a mesma se enquadra no nº 1 do artigo 9º do Código do IVA e não no n.º 2 do mesmo artigo, como pretende.
O artigo 132º da Diretiva de IVA, consagra a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito, isentando, tal como se refere no Acórdão proferido no processo C- 141/00 de 10 de Setembro de 2002, “ A alínea b) desta disposição (…) todas as prestações efetuadas no meio hospitalar, ao passo que a alínea c) se destina a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio do paciente, ou em qualquer outro lugar”.
A isenção prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA opera independentemente da natureza jurídica do prestador de serviços, nomeadamente, do facto de se tratar de uma pessoa singular ou coletiva uma vez que aquela isenção tem por base a alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro (que reformulou a Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio, vulgarmente denominada Sexta Diretiva.
Pese embora o articulado apresentado pela Requerente, a única interpretação estrita que se coaduna com o sentido literal, em harmonia com a boa interpretação das normas de isenção, e que visa o objetivo da sua consagração (a necessidade de reduzir as despesas médicas e de favorecer o acesso à proteção médica), é a que é efetuada pela ora Requerida, plasmada nos RITs e evidenciada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.
A isenção de IVA isenção abrange as prestações de serviços médicos e sanitários (atos de saúde) que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando doenças ou quaisquer anomalias de saúde e as operações com elas conexas, efetuadas pelos estabelecimentos expressos na referida norma ou por estabelecimentos similares (hospitalização/internamento).
Por outro lado, consideram-se estabelecimentos similares, para efeitos da isenção referida, os estabelecimentos, públicos ou privados, que diagnostiquem e tratem doenças ou qualquer outra anomalia de saúde, ou seja, os estabelecimentos que efetivamente realizem operações que revistam na natureza de serviços de saúde.
Enquanto a alínea b) – que corresponde ao nº 2 do artigo 9º do Código do IVA – isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas no meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, a alínea c) – que corresponde ao nº 1 do artigo 9º do Código do IVA – destina-se a isentar as prestações de serviços de caráter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer outro lugar.
Ainda que os tratamentos hospitalares sejam prestados por uma pessoa coletiva, se não o forem no âmbito da assistência médica hospitalar, enquanto serviços acessórios à hospitalização, internamento, terão de se considerar isentos nos termos da alínea c) do artigo 132º da Diretiva (a que corresponde o nº1 do artigo 9º do Código do IVA). Assim, contrariamente ao defendido pela Requerente a aplicação da isenção prevista no nº 1 do artigo 9º do Código do IVA, a que corresponde o artigo 132º nº1 alínea c) da Diretiva, não depende nem pode depender da forma jurídica do prestador dos serviços como pessoa singular (pessoa física na terminologia da Requerente) ou pessoa coletiva (organismo na mesma terminologia).
O facto de vários profissionais atuarem enquanto trabalhadores de uma pessoa coletiva que presta os cuidados de saúde em apreço, num espaço exatamente igual (exceto no número de gabinetes) a um “consultório de médico dentista” e sob o nome de clínica, não altera materialmente os serviços que são prestados, nem a razão pela qual os destinatários a tais serviços recorrem.
Como está bom de ver, a aplicação de uma ou outra norma de isenção, a uma determinada realidade factual, não pode ficar entregue à vontade quer do sujeito passivo quer da Autoridade Tributária, mas antes e sim, a critérios objetivamente definidos tendo tal diferenciação em vista, tal como se observa nas conclusões da Advogada Geral, no processo C-45/01 que transcreve.
Se as isenções revestem um carácter excecional, a sua renúncia, embora em termos práticos reconduza os seus efeitos aos do regime geral (por restaurar o direito a deduzir o imposto), não deixa de corresponder, do ponto de vista concetual, a um regime ainda mais excecional do que o da própria isenção (que tem natureza obrigatória), pelo que o regime da renúncia (constituindo uma faculdade) deverá ser cuidadosa e especificamente ponderado atento o quadro jurídico interno (consabidamente divergente do enquadramento comunitário), em detrimento de generalizações vãs que poderão colidir com a neutralidade do imposto.
Assim, e sendo a atividade de prestação de serviços na área da Medicina Dentária e Odontologia, efetuada fora do meio hospitalar, está a mesma isenta de IVA, nos termos do artigo 9º nº 1 do Código do IVA, pelo que é insuscetível de renúncia.
A propósito da neutralidade do imposto, sustenta que os operadores isentos, ao optarem pela renúncia à isenção, passam a ter direito a deduzir o imposto suportado, dando-lhes assim a ocasião de escolher entre ficar isento e suportar esse imposto como custo da atividade ou passar a ser tributado em termos normais, como os demais operadores sujeitos ao imposto, libertando-se do IVA a montante e reduzindo assim os custos fiscais da actividade.
Porém, neste caso, os apregoados efeitos deletérios da isenção não se verificam, já que esta não ocorre numa fase intermédia do circuito económico e os hospitais públicos pertencentes ao Estado ou a quaisquer pessoas coletivas públicas não a podem afastar, através do mecanismo da renúncia, ou seja, não podem libertar-se dos custos fiscais da actividade, onerando assim o custo final dos serviços que prestam.
Parece também ser certo que a possibilidade de renúncia, sendo residual, por permitir escapar da obrigatoriedade da isenção, é benéfica exclusivamente para o prestador do serviço (que assim acede à possibilidade de deduzir o IVA suportado nas aquisições), pelo que apenas poderá ser concedida quando não provoque distorções relativamente aos restantes prestadores.
Na verdade, a assunção pelo Estado, ainda que de forma parcial, dos custos com a prestação de determinados cuidados de saúde prestados por estas entidades privadas, implica, necessariamente, o seu reconhecimento para efeitos da aplicação da isenção, tal como delimitada pela AT. Não sendo dessa forma, seria frustrado o princípio da neutralidade, do qual decorre dever existir a igualdade de tratamento dos operadores económicos que efetuem as mesmas operações.
A possibilidade de renúncia à isenção encontra-se limitada aos sujeitos passivos cuja atividade se enquadre no n.º 2 do artigo 9º do Código do IVA, o que não é o caso da Requerente que, exercendo a Medicina Dentária e Odontologia, está enquadrada no artigo 9º nº 1, pelo que não subsiste a possibilidade de renúncia ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 12º do Código do IVA. Trata-se de uma condição formal enunciada pelo legislador como requisito essencial/ fundamental para que o sujeito passivo possa optar pela tributação de determinadas operações.
Conclui, por isso, a Requerida pela legalidade dos atos tributários em crise, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, não sendo, em qualquer circunstância, devidos juros indemnizatórios.
6. Foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, tendo a Requerente apresentado alegações em que reiterou o alegado no requerimento inicial.
II – Saneamento
7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Legitimidade que, da parte da Requerente, resulta do facto de ter procedido à incorporação por fusão das sociedades B..., LDA (NIF...), C..., LDA (NIF...) E D..., LDA (NIF ... [art. 112º, a) do Código das Sociedades Comerciais].
7.3. A cumulação de pedidos é legal, atendendo a que está em causa a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito (art. 3º, n.º 1 do RJAT).
7.4. O processo não enferma de nulidades.
7.5. Não foram suscitadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – QUESTÕES A DECIDIR
São as seguintes as questões a analisar e decidir neste processo:
-
Se uma sociedade comercial titular de estabelecimentos de clínica dentária se enquadra, quanto aos serviços aí prestados, na al. 1) ou na al. 2) do art.º 9º do CIVA;
-
Se a mesma sociedade pode, quanto a tais serviços, renunciar à isenção de IVA nos termos do artigo 12º do CIVA;
-
Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, se a Requerente, ou mais precisamente, no caso, as sociedades que esta incorporou, exerceram validamente o direito a renunciar referida isenção.
IV – MATÉRIA DE FACTO E DE DIIREITO
8.1. Matéria de facto
Tendo presente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida, consideram-se provados os seguintes factos:
FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) Na sequência de operação de fusão, a Requerente incorporou as seguintes sociedades:
-B..., Lda., titular do NIPC...;
-C..., Lda., titular do NIPC...;
-D..., Lda., titular do NIPC... .
b) A Requerente desenvolve a actividade de prestação de serviços de cuidados médicos, na especialidade de Medicina Dentária, a que corresponde o CAE 86230.
c) A Requerente –A..., SA - apresentou em 2011 declaração de alterações à sua actividade, tendo renunciado à isenção de IVA.
d) A sociedade incorporada B..., Lda. apresentou em 2013 declaração de alterações à sua actividade, tendo renunciado à isenção de IVA.
e) A sociedade incorporada C..., Lda. apresentou em 2012 declaração de alterações à sua actividade, tendo renunciado à isenção de IVA.
e) A sociedade incorporada D..., Lda. apresentou em 2007 declaração de início de actividade, onde renunciou à isenção de IVA.
f) A Requerente e as sociedades incorporadas foram objeto de ações de inspeção externa, em sede de IVA, que abrangeram os anos de 2015 e 2016 da D..., Lda e os anos de 2013 a 2016, das restantes sociedades.
f) Na sequência daquelas inspeções, a AT procedeu à emissão das seguintes liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios:
À A..., SA: juntas como doc. 2 ao requerimento inicial, no valor global de 2.099.809,63 €, sendo 1.943.918,25 € de IVA e 155.891,38 €, de juros compensatórios;
- À B..., Lda: juntas como doc. 3 ao requerimento inicial, no valor global de 59.276,65 €, sendo 54.114,37 € de IVA e 5.162,28 €, de juros compensatórios;
- À C..., Lda: juntas como doc. 4 ao requerimento inicial, no valor global de 106.835,94 €, sendo 97.196,41 € de IVA e 297,70 €, de juros compensatórios;
- À D..., Lda: juntas como doc. 5 ao requerimento inicial, no valor global de 109.014,20 €, sendo 102.065,05 € de IVA e 6.949,15 €, de juros compensatórios;
g) A Requerente não procedeu ao pagamento do imposto;
h) Para suspender os processos de execução apresentou garantias sob a forma de fiança (docs 10 a 12) e ofereceu à penhora diversos estabelecimentos comerciais (doc 13.).
8.1.2. Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.
8.1.3. A matéria dada por provada e não provada teve como base os documentos juntos ao processo pela Requerente, bem como o processo administrativo junto aos autos.
8.2. Matéria de direito
8.2.1 A QUESTÃO DO ENQUADRAMENTO DA ATIVIDADE DA REQUERENTE NA ALÍNEA 1) OU NA ALÍNEA 2) DO ART. 9º DO CIVA
O artigo 9º do CIVA contém um elenco de situações de isenção incompleta de imposto, isto é, isenções que impedem o sujeito passivo isento de deduzir o imposto suportado a montante.
Várias das isenções previstas nessa disposição referem-se a serviços relacionados com saúde, sendo que ao assunto dos presentes autos interessam as isenções estabelecidas nas alíneas 1) e 2) do referido art. 9º.
Nos termos da al. 1) do art.º 9º, estão isentas do imposto “As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”;
Nos termos da al. 2) do mesmo preceito, estão isentas do imposto “As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.
Por seu turno, o art. 12º do CIVA prevê a possibilidade de renúncia ao regime de isenção do imposto em algumas das situações para as quais o art. 9º estabelece um regime de isenção.
No caso em apreço interessa-nos apenas a al. b) do nº 1 do art. 12º, nos termos da qual podem renunciar à isenção “Os sujeitos passivos referidos no n.º 2) do artigo 9.º, que não sejam pessoas coletivas de direito público, relativamente às prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas, que não decorram de acordos com o Estado, no âmbito do sistema de saúde, nos termos da respetiva lei de bases”.
A Requerente alega que reunia – ou melhor, que todas as sociedades por ela incorporadas reuniam – todas as condições para renunciar à isenção do imposto nos termos da norma transcrita (al. b) do nº 1 do art.º 12º do CIVA) e que exerceram eficazmente o direito à renúncia.
Para que as sociedades incorporadas pela Requerente pudessem renunciar à isenção de imposto nos termos da al. b) do nº 1 do art. 12º, era necessário:
-
Que se enquadrassem na al. 2) do art. 9º do CIVA;
-
Que não fossem pessoas coletivas de direito público;
Verificadas tais condições, a renúncia só abrangeria as prestações de serviços que não decorressem de acordos com o Estado, no âmbito do sistema de saúde, nos termos da respetiva lei de bases.
A principal questão que divide as posições da Autoridade Tributária e da Requerente é a verificação da primeira das condições indicadas, o enquadramento da atividade das sociedades na al. 2) do art. 9º do CIVA, que se aplica às “prestações de serviços médicos e sanitários e às operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.
A Autoridade Tributária considera que as sociedades não podiam enquadrar-se nesta norma, mas sim na al. 1) do art. 9º, que se aplica às “prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.
Para sustentar a sua posição, Autoridade Tributária afirma que “a isenção do nº 2 do art. 9º abrange a prestação de serviços médicos e sanitários (atos de saúde) que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando doenças ou quaisquer anomalias de saúde e as operações com elas conexas, efetuadas pelos estabelecimentos expressos na referida norma ou estabelecimentos similares (hospitalização/internamento).”
Neste passo, o RIT deixa implícita, através do que se coloca entre parêntesis, a ideia de que a isenção da al. 2) do art. 9º apenas se aplica a estabelecimentos de saúde com possibilidade de hospitalização ou internamento.
Recorre em seguida o RIT à jurisprudência do TJUE, para consolidar esta posição.
Com efeito, o atual art. 9º do CIVA tem por base o art. 132º da Diretiva IVA[1].
Neste, a al. b) estabelece a isenção da “hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos, estando esta disposição na base da al. 2) do art. 9º do CIVA.
Já a al. c) do art. 132º da Diretiva estabelece a isenção das “prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”, estando na base da al. 1) do art. 9º do CIVA.
É, portanto, na jurisprudência do TJUE quanto à interpretação destas duas disposições – as alíneas b) e c) do art. 132º da Diretiva IVA – que o RIT se apoia, com plena legitimidade, para defender a sua interpretação restritiva da al. 2) do art. 9º do CIVA.
O RIT começa assim por citar o Acórdão do TJUE de 10 de setembro de 2002, processo C-141/00 (Kugler), em que o Tribunal afirma (par. 36) que “as alíneas b) e c) do artigo 13.°, A, n.° 1, da Sexta Diretiva, cujos âmbitos são distintos, têm por objetivo regulamentar a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito. A alínea b) desta disposição isenta todas as prestações efetuadas no meio hospitalar, ao passo que a alínea c) se destina a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente, ou em qualquer outro lugar.”[2]
Contudo, o próprio RIT contrapõe a este acórdão um outro – o acórdão do TJUE de 8 de junho de 2006, processo C-106/05 (Lup), que contradiz aquela primeira afirmação. Neste acórdão, o TJUE diz: “uma vez que as análises clínicas são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de «assistência médica» previsto no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b), da Sexta Diretiva, um laboratório como o que está em causa no processo principal deve ser considerado um estabelecimento da «mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na aceção dessa disposição.”
O RIT procede seguidamente a uma interpretação das normas com base no princípio da neutralidade do IVA. Diz o órgão de inspeção: de acordo com a jurisprudência do Tribunal das Comunidades (nº 42 do Acórdão Dornier, de 6/11/2013), “...a interpretação dos termos utilizados nesta disposição deve estar em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. (...) Resulta da jurisprudência que o objetivo de reduzir o custo dos cuidados de saúde e tornar esses cuidados mais acessíveis aos particulares é comum quer à isenção previstas no art. 13º, A, nº 1, a. b), da Sexta Diretiva, quer à prevista no mesmo número, al. c).
Além disso, prossegue o RIT, é referido no nº 44 do Acórdão Dornier que “o princípio da neutralidade fiscal se opõe, designadamente, a que operadores que efetuem a mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança de IVA”.
Então, conclui o RIT, não se compreende que as prestações de serviços realizadas por um médico dentista, no exercício da sua profissão, tenham enquadramento no nº 1 do art. 9º do CIVA e as prestações de serviços realizadas por uma clínica dentária (agregadora de vários médicos dentistas) tenham enquadramento no nº 2 do CIVA, já que ambas as entidades prestam os mesmos serviços, mas apenas a clínica dentária poderia renunciar à isenção.
O RIT invoca ainda, em apoio da sua tese, várias informações da Direção de Serviços do IVA e o Ofício Circulado 30183, de 28-10-2016.
Começando por estas últimas, é consabido que as instruções administrativas da administração tributária, bem como as informações dela provenientes, não são fonte de direito, “não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam e carecendo de força vinculativa heterónoma para os particulares,” como se reitera uma vez mais no recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-06-2017, no proc. nº 0364/14.
Quanto ao princípio da neutralidade: defende a Requerida AT que não faz sentido que uma clínica dentária possa renunciar à isenção (ao abrigo do art. 12º, nº1, al. b)), quando um dentista em prática individual não o pode fazer, pois isso constituiria uma violação do princípio da neutralidade.
Concordamos que esta diferenciação não é a mais conforme com o princípio da neutralidade fiscal.
Porém, sendo que a questão que nos ocupa é a de saber se a atividade da clínica dentária se enquadra na al. 1) ou na al. 2) do art. 9º, o ponto de partida deste enquadramento tem que ser a interpretação desses mesmos preceitos. Ou seja, terá que ser, em primeiro lugar, nas normas que definem as situações de isenção que teremos que achar a base do enquadramento de uma situação no regime de isenção que lhe corresponde.
Voltemos então à al. 2) do art. 9º do CIVA, nos termos da qual estão isentas de imposto “as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.
A tese defendida pela Autoridade Tributária é que apenas os estabelecimentos hospitalares, ou seja, os estabelecimentos em que é possível a hospitalização ou o internamento, serão de enquadrar nesta isenção.
Contudo, a redação da norma é clara no sentido de que não apenas os estabelecimentos hospitalares, mas também as clínicas, os dispensários e similares são abrangidos por esta isenção.
Se nas “clínicas” poderá, em certos casos, haver internamento, noutros casos não existe, e não existe nunca nos “dispensários”, termo que designava antigos estabelecimentos de saúde correspondentes aos atuais “centros de saúde”.
Portanto, a primeira conclusão que devemos acentuar é que o elemento literal da norma da al. 2) do art. 9º não permite restringir o seu âmbito aos estabelecimentos que dispõem de internamento.
Poderia dar-se o caso de a norma da lei portuguesa estar em contradição com a sua correspondente no Direito da UE. Mas vejamos.
A al. b) do nº 1 do art. 132º da Diretiva IVA estabelece a isenção da “hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.
Também aqui a literalidade do preceito normativo não permite restringir o seu âmbito de aplicação aos estabelecimentos que dispõem de internamento. Bem pelo contrário, a norma é clara ao referir, ao lado da hospitalização, a assistência médica, dentro das atividades isentas ao seu abrigo. E em seguida, ao lado estabelecimentos hospitalares, refere os centros de assistência médica e de diagnóstico e outros.
Perante esta menção expressa e clara a estabelecimentos que não são hospitalares nem de internamento, só pode concluir-se que, no acórdão Kugler, em que, aliás, a questão a decidir pelo TJUE em nada se parecia com a nossa, o Tribunal se expressou incorretamente, ao dizer que “a alínea b) desta disposição isenta todas as prestações efetuadas no meio hospitalar, ao passo que a alínea c) se destina a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente, ou em qualquer outro lugar”.
Já se disse, mas volta-se a sublinhar que, neste caso, o Tribunal não tinha que decidir se um estabelecimento clínico não hospitalar cabia ou não na norma de isenção (al. b) do art. 1º da Sexta Diretiva, correspondente à atual al. b) do nº 1 do art. 132º da Diretiva IVA). O Tribunal apenas estava preocupado em determinar se uma sociedade que não tinha qualquer estabelecimento, ie que prestava cuidados médicos exclusivamente em regime de ambulatório, podia beneficiar de alguma das isenções previstas no art. 13º A, nº 1, alíneas b) e c).
Já mais certa nos parece ser a posição do mesmo tribunal no acórdão LUP, no qual afirma que “um laboratório como o que está em causa no processo principal deve ser considerado um estabelecimento da «mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na aceção dessa disposição”, contrapondo, tal como faz a norma, os estabelecimentos hospitalares aos centros de assistência médica de diagnóstico. A questão apreciada neste caso é muito mais similar à nossa, pois tratava-se de saber se um laboratório de análises clínicas pode ser enquadrado na isenção correspondente à prevista na al. b) do art. 132º da Diretiva IVA.
Não vemos, assim, como não enquadrar uma clínica médica na isenção da al. 2) do art. 9º do CIVA, quando aí se referem expressamente “clínicas, dispensários e similares”.
Não podemos, portanto, acompanhar a Autoridade Tributária quando esta conclui, na sua Resposta, que, “destinando-se o artigo 9º nº 1 do Código do IVA a isentar as prestações de serviços de caráter médico fornecidos fora do ambiente hospitalar, seja no domicílio do prestador, do paciente, ou em qualquer outro lugar, e o artigo 9º nº 2 do CIVA a isentar as prestações de serviços de assistência efetuadas no meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, se se atender à actividade realizada pela Requerente, nos moldes em que a mesma é prestada, forçoso será concluir pela não aplicação do nº 2 do artigo 9º do Código do IVA.
De facto, se pudéssemos aceitar a premissa de que a al. 1) do art. 9º se aplica a todas as atividades médicas e conexas realizadas fora do meio hospitalar, que é a premissa basilar em que toda a posição da Autoridade assenta, essa conclusão seria própria.
Mas é justamente essa premissa que não se pode, em nossa opinião, considerar validada, sobretudo porque ela contradiz frontalmente a letra da al. 2) do art. 9º, que refere expressamente estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares (sendo os dispensários os correspondentes novecentistas dos atuais “centros de saúde”, em que, por definição, nunca existiu internamento).
A norma doméstica também não colide com a al. b) do nº 1 do art. 132º, seu fundamento de validade, ao referir-se ela própria a “estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”. Também aqui é evidente que o legislador não pretendeu limitar a isenção aos estabelecimentos hospitalares.
Pelo que só podemos concluir que, no acórdão Kugler, o TJCE se exprimiu incorretamente, ao afirmar, (par. 36) que “a al. b) desta disposição [art. 13º A), nº 1 da Sexta Diretiva] isenta todas as prestações efetuadas no meio hospitalar, ao passo que a alínea c) se destina a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito,” lembrando uma vez mais que, nesta sentença, o Tribunal se pronunciou sobre esta precisa questão a título secundário, pois a questão principal era de saber se uma associação de pessoas singulares sem personalidade jurídica – um “partnership” – que, além de não ter personalidade jurídica, não possuía um estabelecimento de prestação de cuidados de saúde, mas que reunia profissionais que prestavam tais cuidados, sem fins lucrativos, em regime de ambulatório, e que obviamente, por não possuir um estabelecimento, não podia incluir-se na al. b) do nº 1 do art. 13º, A) da Sexta Diretiva, poderia beneficiar da isenção da al. c) do mesmo número.
Assim, conclui-se que as atividades das sociedades incorporadas pela Requerente, titulares de estabelecimentos classificados como clínicas dentárias, só podem ser enquadradas na al. 2) do art. 9º do CIVA, e não na sua al. 1).
Tanto a conclusão a que aportámos e que julgamos ser a mais acertada como o percurso interpretativo trilhado estão em consonância com já sólida doutrina de anteriores decisões arbitrais, entre as quais se referem as proferidas nos processos 629/2017-T, 168/2015-T e 681/2016-T.
Afirma-se na primeira das decisões citadas:
“Em relação ao enquadramento da atividade da Requerente no âmbito do CIVA, conclui-se (...), nos termos seguintes:
No que concerne ao artigo 9.º do CIVA, o texto do seu n.º 2) não fornece suporte explícito para a tese da defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que apenas a atividade exercida em meio hospitalar nele se enquadra e, designadamente, que está fora da sua previsão a prestação de serviços de análises clínicas e de diagnóstico conexos com atividades hospitalares. Na verdade, neste n.º 2) do artigo 9.º faz-se referência, para além dos estabelecimentos hospitalares, também a «clínicas, dispensários e similares.”
Por outro lado, a referência a «dispensários» abrange inequivocamente prestação de serviços de saúde fora desse meio hospitalar, pois o significado de «dispensário» é o de «estabelecimento de beneficência, para tratamento de doentes com dificuldades económicas, dando-lhes acesso a consultas e medicamentos gratuitos», ou «estabelecimento para dar, gratuitamente, cuidados e medicamentos aos doentes pobres que podem ser tratados no domicílio».”
A decisão proferida no processo 168/2015-T diz por sua vez:
“[D]ecorre da jurisprudência do TJUE que a isenção prevista na alínea b) do artigo 132.º abrange os serviços prestados por entidades similares à Requerente, independentemente de a prestação ocorrer ou não em meio hospitalar, interpretação que está em manifesta sintonia com o texto desta norma, ao fazer referência à isenção das operações estreitamente relacionadas com a hospitalização e a assistência médica asseguradas aos «centros de assistência médica e de diagnóstico.
É, pois, em consonância com esta já firme jurisprudência que consideramos não ser de sancionar a tese da Requerida.
Reconhecemos que a questão que a Autoridade Tributária suscita, tanto no RIT como na Resposta, relativa a uma possível incompatibilidade, no caso específico do direito português, desta solução com o princípio da neutralidade é relevante.
Mas convém sublinhar que, ao examinar a questão do enquadramento de uma atividade como a das sociedades incorporadas pela Requerente na al. 1) ou na al. 2) do art. 9º, uma vez que estas normas são o resultado direto da transposição do art. 132 da Diretiva IVA, é neste preceito normativo do direito da União que deve ser encontrado o principal fundamento para aquela tarefa interpretativa.
Já o problema de uma eventual colisão da solução a que se chega neste ponto com o princípio da neutralidade resultará de uma outra norma, da responsabilidade do legislador português, que é o art. 12º do CIVA, em que se definem as situações de possibilidade de renúncia à isenção. Haverá então que equacionar, chegado o momento próprio, se essa definição é conforme com o princípio da neutralidade. Mas então, o que estará necessariamente em causa será o âmbito da possibilidade de renúncia à isenção e nunca o enquadramento da atividade na al. 1) ou 2) do art. 9º do CIVA.
8.2.2 A QUESTÃO DA EXISTÊNCIA DE UM VÍCIO FORMAL NO EXERCÍCIO DA RENÚNCIA À ISENÇÃO POR PARTE DA SOCIEDADE INCORPORADA D..., LDA
Finalmente, a Autoridade Tributária defende ainda que há um vício formal na renúncia à isenção, pelo que esta renúncia não poderia ter produzido efeitos.
Alega a Autoridade Tributária (ponto 2.2.1 do RIT respeitante ao procedimento de inspeção sobre a D..., Lda, anos 2015-2016, Ordem de Serviço OI2017...) que a Sociedade apresentou a declaração de início de atividade, prevista no art. 31º do Código do IVA, através de declaração verbal, em 26-01-2007.
Alega em continuação que, na referida declaração, o sujeito passivo assinalou, quanto ao tipo de operações que iria efetuar, apenas a opção das “transmissões de bens e/ou prestação de serviços que conferem direito à dedução”, não assinalando a opção “isentas que não conferem direito à dedução”.
O sujeito passivo, junta ainda a Autoridade Tributária, também não preencheu qualquer campo do quadro da “Opção pelo regime de tributação (IVA)”, nomeadamente o referente à possibilidade de opção pela renúncia à isenção, prevista nos nºs 1 e 2 do art. 12º do CIVA.
Acrescenta a Autoridade Tributária (ponto 2.2.2 do RIT) que “em resultado dos elementos constantes da declaração de alterações referida no ponto anterior, em sede de IVA, o sujeito passivo ficou enquadrado no regime normal de tributação com periodicidade mensal, desde 26-01-2007.”
Vejamos:
Na redacção em vigor ao momento dos factos, o artigo 35.º do Código do IVA referia o seguinte:
Artigo 35.º
Apresentação das declarações
1 - As declarações referidas nos artigos 31.º a 33.º são enviadas por transmissão electrónica de dados ou apresentadas em qualquer serviço de finanças ou noutro local legalmente autorizado, por declaração verbal efectuada pelo sujeito passivo, de todos os elementos necessários ao registo e início da actividade, à alteração dos dados constantes daquele registo e à cessação da actividade, sendo estes imediatamente introduzidos no sistema informático e confirmados pelo declarante, após a sua impressão em documento tipificado.
2 - O documento comprovativo referente às declarações mencionadas no número anterior, apresentadas nos serviços de finanças ou noutros locais autorizados, é entregue ao sujeito passivo, após autenticação pelo funcionário receptor e aposição da vinheta do técnico oficial de contas, se for o caso, que assume a responsabilidade fiscal do sujeito passivo a que respeitam as declarações.
3 - As declarações são informadas no prazo de 30 dias pela Direcção-Geral dos Impostos, que se pronuncia sobre os elementos declarados e quaisquer outros com interesse para a apreciação da situação.
4 - No caso de a Direcção-Geral dos Impostos discordar dos elementos declarados, fixa os que entender adequados, disso notificando o sujeito passivo.
De acordo com a informação constante dos autos, a sociedade (incorporada pela Requerente) usou um dos procedimentos previstos no art.º 35.º do Código do IVA – “por declaração verbal efectuada pelo sujeito passivo, de todos os elementos necessários ao registo e início da actividade”.
Nos termos daquele procedimento os dados fornecidos pelo sujeito passivo, ora Requerente, devem ser “… imediatamente introduzidos no sistema informático e confirmados pelo declarante, após a sua impressão em documento tipificado”.
O quadro 10 da declaração de início de atividade tem como função o enquadramento do sujeito passivo num regime de IVA.
Os regimes possíveis são:
-
Regime especial de isenção (art. 53º);
-
Regime especial dos pequenos retalhistas (art. 60º);
-
Regime normal:
-
Exercício exclusivo de transmissões de bens e / ou prestações de serviços isentas que não conferem o direito à dedução (art. 9º);
-
Regimes especiais de tributação;
-
Aquisições intracomunitárias de bens nas condições previstas no campo 8 do quadro 11 ou no campo 4 do quadro 13;
-
Transmissões de bens nas condições previstas no campo 9 do quadro 11 ou no campo 5 do quadro 13 (vendas à distância a particulares);
-
Ato isolado;
-
Não sujeito.
Sendo certo e provado que a sociedade declarou corretamente a sua atividade – atividades de medicina dentária e odontologia – as quais ficariam sempre isentas de imposto, fosse pela al. 1) fosse pela al. 2) do art. 9º do CIVA, o enquadramento correspondente, na ausência de renúncia à isenção, seria “Exercício exclusivo de transmissões de bens e / ou prestações de serviços isentas que não conferem o direito à dedução (art. 9º)”.
Ora, de acordo com os factos provados documentalmente nos autos, a sociedade em causa foi enquadrada pelo Serviço de Finanças no regime Normal Trimestral, isto é, como sujeito passivo integralmente sujeito e não isento de IVA.
Sendo assim, parece claro que houve um erro formal.
Mas, tendo a declaração sido efetuada verbalmente, ou o sujeito passivo não declarou a opção pela renúncia e, nesse caso os serviços erraram ao enquadrá-lo no regime normal, ou o sujeito passivo declarou a opção pela renúncia e os serviços erraram ao não assinalar a opção.
Mais, nos termos dos números 3 e 4 do art.º 35.º na redacção em vigor ao momento, e também atualmente, a AT teria que, no prazo de 30 dias, informar as declarações pronunciando-se “sobre os elementos declarados e quaisquer outros com interesse para a apreciação da situação” e, no caso de “… discordar dos elementos declarados” fixar “os que entender adequados, disso notificando o sujeito passivo”.
Ora, a Autoridade Tributária nada fez a este respeito, o que nos permite concluir que aceitou o enquadramento da Requerente no Regime Normal Trimestral, entendendo o mesmo como uma manifestação da opção de renúncia à isenção de IVA, nos termos do art.º 12º do respectivo Código.
Fazendo nossos os argumentos expendidos na decisão arbitral no processo 681/2016-T, sobre uma situação em tudo semelhante, “se não deixa de ser verdade que a renúncia à isenção está dependente do cumprimento de um requisito formal de exercício efetivo dessa opção e, mesmo admitindo que a formalização dessa opção não seguiu todos os formalismos habitualmente previstos, não é menos certo que a Requerente manifestou a sua vontade de aplicação do Regime Normal Trimestral, o que implica tacitamente a opção pela renúncia à isenção na sua declaração de início de actividade”.
E prosseguindo a citação:
“Sobre este aspeto, é importante recordar que o artigo 12.º do CIVA dispõe apenas, no seu número 2, que a opção pela tributação deve ser exercida na declaração de início de actividade. Ora, parece resultar inequivocamente do enquadramento do sujeito passivo constante da referida declaração de início de actividade que este procurou renunciar à isenção tendo-se enquadrado no regime normal de tributação, declarando praticar operações sujeitas que conferem direito à dedução. O mero facto de não se ter assinalado corretamente a quadrícula adequada no formulário em causa não pode sobrepor-se ao enquadramento substancial declarado pela Requerente e aceite pela AT – i.e. o da sujeição integral a IVA.
Este entendimento é ainda mais pertinente quando é certo que foi a AT que preencheu a declaração de início de actividade no sistema informático, não tendo assinalado a opção pelo regime de tributação, indicada pela Requerente na declaração manuscrita, não obstante ter aceite a declaração de exercício de uma actividade médica como uma prestação de serviços que confere direito à dedução de IVA. Ora, este procedimento da AT é suscetível de pôr em causa o dever de colaboração consagrado no artigo 59.º da LGT, nos termos do qual a AT deve prestar a assistência necessária ao cumprimento dos deveres acessórios dos contribuintes.
Por outro lado, caso a AT entendesse que a opção pelo regime normal de tributação de IVA não estava em consonância com os requisitos formais impostos, teria obrigatoriamente de, no prazo de 30 dias, nos termos do n.º 3 do art.º 35.º do Código do IVA, de se pronunciar sobre os elementos declarados, assim como sobre quaisquer outros com interesse para a apreciação da situação.
Para o efeito, teria ainda que, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, notificar a Requerente, caso discordasse dos elementos declarados, fixando os que entendesse serem adequados.
Ora, na ausência de tal procedimento, só pode concluir-se que os Serviços de Finanças não detetaram qualquer irregularidade no enquadramento da actividade da Requerente no Regime Normal de IVA.
Nesses termos, a Requerente passou a liquidar IVA em todas as operações efetuadas no âmbito da actividade desenvolvida – prestação de serviços de Medicina Dentária e Odontologia em estabelecimento aberto ao público, que se consubstancia na realização de consultas médicas e todo um conjunto de tratamento e/ou atos cirúrgicos no âmbito da medicina dentária, bem como exames complementares de diagnóstico – em total consonância com o enquadramento constante da Declaração de Início de Actividade.
Do mesmo modo, a Requerente passou a efetuar a dedução do imposto que suportou de acordo com o enquadramento daí resultante.”
E também em conformidade com o teor da decisão citada, entende também este tribunal que, “atendendo aos princípios da prevalência da substância sobre a forma, da proporcionalidade, segurança jurídica e justiça material, (...) não poderá a AT prevalecer-se de um mero erro de preenchimento de um formulário – frequentemente de difícil compreensão – e no qual participou, para reenquadrar o sujeito passivo em sede de IVA, arrecadando não só o IVA cobrado aos clientes da Requerente como ainda o IVA suportado por esta no exercício da sua actividade.”
Assim, entendemos que não assiste razão à Autoridade Tributária neste ponto, estando em causa um mero erro no preenchimento da declaração de início de actividade e não a omissão do exercício da opção pela tributação nos termos do artigo 12.º do CIVA.
8.2.3. DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Não se tendo provado (nem alegado) que tenha sido efetivamente pago o imposto liquidado, questão que ficou pendente da decisão sobre um pedido de suspensão da execução com oferecimento de garantia, não pode haver condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.
8.2.3. PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Alega a este propósito a Requerente que para suspender os processos de execução instaurados prestou garantia sob a forma de fiança e em relação a si própria ofereceu penhora de diversos estabelecimentos comerciais.
A Requerente pede, assim, que o Tribunal Arbitral condene a Requerida a proceder ao pagamento da indemnização prevista nos artigos 171º CPPT e 53º LGT, caso venha a ser indevida a garantia que eventualmente venha a ser prestada.
Cumpre apreciar.
Este é um tema que foi já tratado em anteriores decisões do CAAD, nomeadamente nos acórdãos proferidos nos processos 48/2013-T e 239-2015-T e 679/2015-T que consagraram jurisprudência que não vemos razão para contrariar.
Reproduzindo o mencionado na Decisão Arbitral n.º 679/2015-T temos que “o regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece no seu n.º 1 o seguinte: “O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.”
“Como se vê, o art. 53.º, n.º 1, da LGT refere-se a “garantia bancária ou equivalente” e não a hipoteca. Ora, nas palavras de JORGE DE SOUSA [2], “Equivalente à garantia bancária”, para efeitos do art. 171.º do CPPT, “serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida”. E o mesmo autor aponta, a seguir, como exemplo, o “seguro- caução”.
Neste sentido, veja-se, ainda, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de outubro de 2012, proferido no processo n.º 0528/12, assim sumariado: “I - No caso concreto dos autos, em que a garantia prestada para suspender a execução, foi uma hipoteca, esta garantia real não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos do art. 171.º do CPPT. II - Com efeito, esta hipoteca voluntária, em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Assim, não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária. III - Também não podia ser requerida a fixação da indemnização ao abrigo da norma quantificadora do art. 53.º, n.º 3, da LGT pois esta é inaplicável ao caso dos autos. IV - É no entanto certo que o recorrido pode ter outros danos para além dos prejuízos decorrentes do pagamento de emolumentos. Assim é de admitir a possibilidade de o pedido indemnizatório ser efetuado em processo autónomo onde se possam averiguar com mais acuidade os danos que o interessado possa ter sofrido (este deve especificar os concretos prejuízos) à semelhança do que estipula o art. 53.º, n.º 3 da LGT para a garantia bancária e seguro caução.”
No caso em apreço, como vimos, não foram alegadas nem provadas despesas relacionadas com as garantias em causa, resultando do probatório que a Requerente apresentou garantias sob a forma de fiança e penhora de diversos estabelecimentos, modalidades de prestação de garantia que, similarmente à garantia por hipoteca, não satisfazem os requisitos previstos no artigo 53.º, n.º1, da LGT, o que significa a improcedência do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.
Termos em que não pode se concedido provimento a este pedido da Requerente.
V - Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Conceder integral provimento ao pedido da Requerente de anulação dos atos de liquidação impugnados, por vício de violação de lei;
-
Julgar improcedentes o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, bem como o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, absolvendo a Requerida dos mesmos.
-
Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI-VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 2.374.936,42 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII- CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 30.600,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 04 de janeiro de 2019
O Árbitro Presidente,
(Maria Fernanda dos Santos Maças)
O Árbitro vogal,
(Nina Aguiar)
O Árbitro vogal,
(António Alberto Franco)
[1] Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 , relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.
[2] O art. 13º da “Sexta Diretiva” (Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme) foi o antecedente do atual artigo 132º da “Diretiva IVA” (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 , relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado), sendo ambas as disposições a base do direito comunitário para o artigo 9º do CIVA.