DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., contribuinte n.º ..., residente na Rua..., n.º ... - ..., ..., apresentou, em 02-01-2018, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou AT).
2. O Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação do Imposto sobre Veículos n.º 2017/..., subsequente a despacho de revogação de isenção do imposto, com o consequente reembolso do imposto pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-01-2018.
3.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 20-02-2018 o Requerente foi notificado da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 12-03-2018.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente alega, em síntese, o seguinte:
Que deu entrada na Alfândega do ..., em 28/03/2016 de requerimento em que solicitou a isenção de Imposto Sobre Veículos (ISV) ao abrigo do disposto no artigo 58.º, n.º 1, 59.º a 61.º do Código do Imposto sobre Veículos, na admissão da viatura de marca ..., modelo ..., com o quadro n.º ... e matrícula de origem francesa ..., por ocasião da sua transferência definitiva de residência de França para Portugal, que ocorreu em 30/09/2015.
Através do Ofício n.º... de 09/05/2016 da referida Alfândega do ..., foi notificado do deferimento do benefício fiscal, conforme despacho do Sr. Director da Alfândega com data de 05/05/2016.
Em resultado de acção de natureza fiscalizadora a Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à revogação do despacho de isenção de ISV concedido e emitiu a Liquidação n.º 2017... .
A decisão de revogação funda-se em convicções falas e sem prova factual do alegado quando se considerou que “… o beneficiário transferiu a sua residência de França para Portugal há mais tempo do que o declarado, sendo que em Agosto de 2014 já se encontrava a residir em território nacional.”.
Após se encontrar na situação de desemprego, em França, realizou algumas vindas a Portugal, mas sempre em pequenos períodos de não mais que 3 dias, e essas vindas não ultrapassaram o número total de 5 vezes, no período compreendido entre Agosto de 2014 e Setembro de 2015 (altura em que procedeu ao regresso definitivo a Portugal), ou seja, em número de dias manifestamente muito inferior ao de 183 dias, conforme definido pelo artigo 16.º do CIRS, n.º 1, alínea a).
Não é possível que a residência seja aferida pela alínea b) do n.º 1 do mencionado artigo, uma vez que, apesar de efectivamente o agregado familiar possuir “habitação em condições que façam supor intenção actual de a manter e ocupar como residência habitual”, a referida habitação era, naturalmente à data, a habitação da esposa e dos filhos do aqui recorrente e não a residência habitual do mesmo.
No que concerne à verificação de declarações de IRS do beneficiário juntamente com a sua cônjuge B... (contribuinte n.º...) e dois dependentes, em que é igualmente apontada que entre 2011 e 2015 foi sempre declarado em sede de IRS as despesas de juros de empréstimo à habitação, assim como despesas de saúde e despesas de educação, efectivamente a ter havido algum erro nas declarações em causa, terá sido por manifesto mau aconselhamento, uma vez que o que foi declarado nas referidas declarações de IRS foi no entendimento de que tal era manifestamente correcto. Em momento algum declarou rendimentos seus em Portugal nessa declaração, pois que, os seus rendimentos eram declarados em França, local de obtenção dos mesmos.
Da facturação da actividade entretanto aberta pelo cônjuge do Requerente e colocada então causa, verifica-se que, a primeira factura (logo o primeiro serviço prestado a título desta actividade) ocorreu em 06/11/2015 (serviço prestado à entidade C..., Lda), ou seja, em data posterior ao regresso definitivo do aqui recorrente a Portugal.
Relativamente à verificação de facturas emitidas associadas ao NIF de A..., apesar de referirem que entre Agosto de 2014 e Setembro de 2015 foram emitidas 211 facturas em nome do beneficiário, mas, não foi, de forma alguma referido qual o número de facturas emitidas em nome do mesmo, nas datas posteriores a Setembro de 2015.
No que respeita às facturas de produtos farmacêuticos, clínica de urologia e andrologia, laboratórios de análises e centro de imagem médica, será manifesto que algumas dessas facturas são efectivamente decorrentes de medicamentos e serviços prestados ao aqui recorrente, já que, este, nos curtos períodos em que se deslocou a Portugal, tal como referido no parágrafo 2.º, procedeu a análises e tratamentos já agendados (sendo as deslocações a Portugal até programadas em função dos agendamentos), e igualmente para que continuasse a possuir médico de família, fazendo análises e verificações de saúde de rotina.
Para além disso, estando o beneficiário em situação de desemprego em França, o mesmo não poderia estar a residir em Portugal, pois que, a qualquer momento poderia ser chamado a ofertas de emprego, e até ser fiscalizado pelas entidades francesas competentes em tal matéria, para verificação dos pressupostos da concessão de tal subsídio, e em caso de incumprimento estaria obrigado à devolução de tudo o auferido a esse título (é de manifesto bom senso que se perceba que estando em causa um valor mensal já significativo, que dificilmente se aufere em Portugal, seria manifestamente estúpido que o beneficiário de tal apoio “se desse ao luxo” de estar a residir em Portugal definitivamente, sabendo que caso fosse fiscalizado, teria que devolver todos os montantes).
O artigo 45.º, n.º 1 do CISV dispõe que “…As isenções previstas no presente capítulo dependem de reconhecimento da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, mediante pedido do interessado em que se faça prova documental da verificação dos respectivos pressupostos…”, prova esta que é feita pelo Certificado de Legalização Automóvel n.º .../2016, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Paris, que é a entidade competente prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 61.º do CISV.
Não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira substituir-se a esta, quando pela entidade Consular é feita prova documental de qual a data em que o aqui Requerente transferiu definitivamente a sua residência para Portugal.
A questão que se suscita consiste, pois, em saber se a mudança de residência do Requerente se efectiva de forma contemporânea ao pedido de regularização fiscal do veículo, pois que esta é uma condição de cujo preenchimento depende a atribuição (e a manutenção) do benefício fiscal em causa (artigo 58.º a 61.º do CISV).
O que foi manifestamente provado pelo Certificado de Legalização Automóvel n.º .../2016, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Paris, pelo que a liquidação n.º 2017/... padece de ilegalidade.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, o seguinte:
Conforme resulta do Relatório da Acção Inspectiva nº OI2016... da Alfândega do ..., foi efectuado um controlo a posteriori com o objectivo de verificar se foram efectivamente cumpridos os pressupostos e condicionalismos para a obtenção do benefício fiscal, que fundamentaram o despacho de concessão da isenção de ISV ao veículo supra identificado.
No âmbito do referido controlo, foi recolhida e analisada informação interna constante das bases de dados da AT e efectuadas outras diligências, nomeadamente junto das autoridades policiais, tendo-se concluído que o beneficiário encontrava-se a residir em território nacional já em Agosto de 2014, pelo que a sua transferência de residência de França para Portugal ocorreu antes da data declarada pelo Requerente, e no momento em que apresentou o pedido de isenção de ISV, em 28/03/2016, já tinha expirado o prazo de 6 meses previsto na al. a) do nº 2 do artº 45.º do CISV para pedir o reconhecimento de tal benefício.
Nos termos do disposto no art. 45º do CISV as isenções de ISV dependem de reconhecimento da Direcção-Geral das Alfândegas.
O beneficiário de isenção de ISV pode ser sujeito a um controlo a posteriori, visando a fiscalização dos pressupostos que fundamentaram o despacho de concessão do benefício, nos termos previstos no nº 2 do artº 64.º do CISV.
Por outro lado, além do vertido na legislação que ora se alude, aplicável à isenção de ISV por ocasião da transferência de residência para o território nacional, atente-se no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), o qual, quanto ao seu âmbito de aplicação, refere no artigo 1.º que “As disposições da parte I do presente Estatuto aplicam-se aos benefícios fiscais nele previstos, sendo extensivas aos restantes benefícios fiscais, com as necessárias adaptações, sendo caso disso.”.
E, quanto ao reconhecimento dos benefícios fiscais, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) dispõe, no artigo 65.º, que o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, com o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei, devendo os pedidos de reconhecimento ser apresentados nos serviços competentes para a liquidação do tributo a que se refere o benefício, sendo instruídos de acordo com as normas legais que concedam os benefícios.
No caso, não está em causa a validade do documento emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Paris, o qual, presumindo-se autêntico, constitui meio de prova revestido de força probatória plena quanto aos ”(…) factos que se referem como praticados pela autoridade (…)” e aos “(…) factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora”, como resulta do disposto no nº 1 no artº 371.º do Código Civil. Aquele documento faz prova de que o Requerente formalizou o cancelamento de residência em França em 30/09/2016.
No âmbito da isenção de ISV aquando da transferência de residência normal para Portugal, tem sido entendido pela jurisprudência que o que é relevante aferir não é a data formal do cancelamento de residência no país de origem, mas sim a data da transferência real e efectiva de residência do país de origem para Portugal.
O requisito relativo à “transferência de residência normal para o território nacional” previsto na al. a) do artº 60.º do CISV, deve reportar-se à residência real e efectiva do interessado, considerando-se como residência normal o local onde a pessoa tem a sua existência organizada e que como tal lhe serve de base de vida, e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos.
A previsão do controlo por parte da AT do cumprimento dos pressupostos e requisitos de isenção de ISV, admite o recurso aos meios que se revelarem necessários à comprovação dos elementos relevantes à concessão dos benefícios, cfr. decorre, nomeadamente, dos artºs nº 2 do artº 54.º do CISV e do artº 7.º do EBF.
No procedimento de inspecção foram recolhidas várias informações que contrariam que a residência do Requerente fosse, à data, no estrangeiro.
Em 08/06/2017 o Requerente foi notificado para remeter à Alfândega do ... documentos da vida quotidiana em França durante o período compreendido entre setembro de 2014 e setembro de 2015. Todavia, não remeteu nem apresentou qualquer documento, tendo apenas informado por email de 20/06/2017 que “… durante o período que estive em França tive como residência, para além dos hotéis pagos pela empresa em diversos locais de França como é normal, residi na casa dos meus pais que se encontravam lá a trabalhar, e num período mais curto dividi a casa com um colega de trabalho. Sendo assim as faturas de luz, água ou outras despesas de casa não vinham em meu nome”.
Contrariamente a tais declarações, foram (posteriormente) apresentadas facturas emitidas por uma operadora francesa de telecomunicações, referentes ao serviço de televisão e internet em França. Acontece, porém, que da informação constante das bases de dados da AT, resulta que, durante o período em análise também foram emitidas facturas em nome do Requerente referentes a serviços de televisão e internet em Portugal. Assim, a utilização de serviços de televisão e internet quer em França, quer em Portugal, é consentânea com a manutenção de duas residências, mas não é apta a fazer prova da residência habitual do Requerente, naquele ou neste país.
Da análise comparativa entre as facturas emitidas em território português durante os anos de 2014 e 2015, resulta o seguinte:
- Durante os meses de janeiro, fevereiro, março, junho e julho de 2014, o Requerente apresenta uma situação consentânea com a sua situação de não residente em Portugal, uma vez que as facturas que foram emitidas a seu favor dizem essencialmente respeito a actividades de telecomunicações, comércio de electricidade e administração local;
- Já durante o período compreendido entre agosto de 2014 e setembro de 2015, data declarada da transferência da sua residência de França para Portugal, foram ainda emitidas facturas relativas a outro tipo de consumos e prestações de serviços que revelam indícios muito fortes de uma vida quotidiana realizada em Portugal e/ou que pressupõem mesmo a presença do adquirente em Portugal no momento da sua emissão;
- Após a data declarada pelo Requerente como tendo ocorrido a transferência de residência de França para Portugal, em setembro de 2015, as facturas emitidas em seu nome dizem respeito ao mesmo tipo de vendas e prestações de serviço que foram facturadas no período anterior, ou seja não se vislumbra qualquer diferença que justifique a alegada transferência de residência de França para Portugal, em setembro de 2015.
Resulta assim, do acervo probatório constante do Relatório da Acção Inspectiva nº OI2016... que a data de 30/09/2015 constante do Certificado de Legalização Automóvel emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Paris, não reflecte a realidade material subjacente ao conceito de transferência real e efectiva de Espanha para Portugal, a qual se verificou em período anterior àquela data, encontrando-se o Requerente a residir em território nacional já em Agosto de 2014.
Encontrando-se o Requerente a residir em território nacional já em Agosto de 2014, no momento em que apresentou o pedido de isenção de ISV, em 28/03/2016, já tinha expirado o prazo de 6 meses previsto na al. a) do nº 2 do artº 45.º do CISV para pedir o reconhecimento de tal benefício.
Conclui a Requerida pela legalidade do acto de liquidação contestado.
6. Por despacho de 06-06-2018, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.
II – Saneamento
7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
7.3. O processo não enferma de nulidades.
7.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
III.1. Matéria de facto
Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental bem como ao processo administrativo, juntos aos autos, consideram-se provados, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas (tendo presente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada- cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), os seguintes factos:
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O Requerente processou junto da Alfândega do ..., com data de 28-03-2016, a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2016/..., relativa a introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ..., de matrícula francesa ..., ao qual foi atribuída nova matrícula, nacional, pelo IMTT, ... .
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Com a mesma data de 28-03-2016, apresentou requerimento em que solicitou a isenção de Imposto Sobre Veículos na admissão da referida viatura automóvel por declaração do regime de transferência de residência de França para Portugal ao abrigo do artigo 58.º do Código do Imposto sobre Veículos.
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Naquele requerimento de pedido de isenção, o Requerente declarou que transferiu definitivamente a sua residência de França para Portugal em 30-09-2015, para prova do que juntou o Certificado de Legalização Automóvel n.º .../2016, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Paris, bem como boletins referentes a salários da empresa “D...”, do período compreendido entre 09-09-2013 e 13-07-2014 e atestados de subsídio de desemprego no período compreendido entre Dezembro de 2014 e Setembro de 2015.
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Do Certificado de Legalização Automóvel n.º .../2016, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Paris, consta que A... residiu em ..., ..., desde 15-05-2005 até 30-09-2015, data em que cancelou a sua residência em França.
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Através do Ofício n.º ... de 09-05-2016 da referida ..., foi o Requerente notificado do deferimento do benefício fiscal requerido, conforme despacho do Director da Alfândega com data de 05-05-2016.
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Na sequência da Ordem de Serviço OI2016..., emitida pelo Director da Alfândega do ..., foi efectuada acção inspectiva que decorreu entre 08-06-2017 e 14-08-2017.
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No decurso da acção inspectiva foi o Requerente notificado em 08-06-2017 para remeter à Alfândega do ... documentos da vida quotidiana em França durante o período compreendido entre setembro de 2014 e setembro de 2015 (fls. 25 do processo administrativo), em resposta ao que aquele remeteu em 20-06-2017 e-mail (fls. 26 do processo administrativo) com o seguinte teor:
- “De acordo com a última conversa sou a informar que durante o período que estive em França tive como residência, para além dos hotéis pagos pela empresa em diversos locais de França como é normal, residi na casa dos meus pais que se encontravam lá a trabalhar, e num período mais curto dividi a casa com um colega de trabalho. Sendo assim as faturas de luz, água ou outras despesas de casa não vinham em meu nome”.
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O Requerente apresentou declarações de IRS referentes aos anos de 2014 e 2015, com inclusão de todo o seu agregado familiar, com indicação de residência em Portugal e sem indicação de quaisquer rendimentos obtidos no estrangeiro.
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Naquelas declarações de IRS foram apresentados os anexos H com despesas de juros de dívidas com a aquisição de imóveis para a habitação própria e permanente, em nome dos dois sujeitos passivos, e despesas de saúde dos sujeitos passivos e dos seus dependentes.
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Consta da base de dados ...– Universo E-Fatura – o registo de 211 facturas emitidas com o NIF do Requerente no período compreendido entre 01-08-2014 e 30-09-2015, relativas à aquisição de bens de natureza diversificada e serviços, incluindo de serviços médicos e de estabelecimentos de venda de produtos farmacêuticos.
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Na sequência da acção inspectiva foi o Requerente notificado do Projecto de Relatório de Inspecção Aduaneira, tendo aquele, no exercício do direito de audição, junto facturas referentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2015, respeitantes a serviços de televisão e internet contratados com a operadora francesa ... para n.º..., Rue ..., ... .
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Do Projecto de Relatório bem como do Relatório Final consta que: “… se deverá considerar que o beneficiário transferiu a sua residência de França para Portugal há mais tempo do que o declarado, sendo que, em Agosto de 2014, já se encontrava a residir em território nacional”.
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Por despacho de 21-09-2017 do Director da Alfândega do ... foi revogado o despacho proferido em 05-05-2016 que havia concedido, ao abrigo do disposto do artigo 58º do CISV, o benefício fiscal de isenção de ISV, na admissão do veículo de marca..., modelo ..., com a matrícula de origem francesa ... e nacional ..., com cuja notificação ao Requerente foi junta a liquidação e cobrança a posteriori ISV n.º 2017/....
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O Requerente apresentou requerimento de protecção jurídica na modalidade de “Dispensa de Taxa de Justiça e demais encargos com o processo” junto do Serviço de Segurança Social da ... em 29-11-2017.
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Por despacho de 02-03-2018 do Instituto da Segurança Social, IP foi deferido o pedido de apoio judiciário ao Requerente na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.
9.3. Não se deu por provado que o imposto liquidado tenha sido pago, inexistindo outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
Conforme resulta do pedido arbitral, o Requerente manifesta a sua inconformidade com o acto de liquidação do Imposto sobre Veículos impugnado, por entender ser ilegal o despacho de revogação do benefício de isenção que lhe havia sido concedido, ao abrigo do disposto no artigo 58º do CISV
O dissídio entre as partes incide, pois, sobre a questão da verificação, in casu, dos pressupostos de atribuição da isenção de ISV, ou melhor, da revogação dessa mesma isenção.
Ora, para o que ao caso interessa, resulta do disposto nos artigos 58º e sgs. do Código do Imposto sobre veículos (aprovada pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, na redacção vigente à data dos factos), que podem beneficiar de isenção de imposto os cidadãos que transfiram a residência de um Estado-Membro para Portugal, desde que:
a) Sejam maiores de 18 anos e nele tenham residido durante pelo menos 12 meses, e se encontrem habilitados a conduzir durante o período mínimo de residência;
b) Sejam proprietários do veículo no país de proveniência há pelo menos 12 meses antes da transferência de residência para Portugal;
c) Tenham adquirido o veículo no país de proveniência ou em país onde anteriormente tenham igualmente residido, com o pagamento dos impostos exigíveis nesse país, e não tenham beneficiado de qualquer desagravamento fiscal aquando da expedição ou exportação para Portugal;
d) O veículo seja introduzido no consumo por ocasião da transferência de residência para Portugal, no prazo de seis meses a contar da transferência de residência.
O desencontro de posições entre as partes reside precisamente neste último requisito. O da efectiva transferência de residência do Requerente para território nacional.
Para cumprimento desse requisito exige a lei – artigo 61º, n.º 1, alínea d) do CISV – que o beneficiário apresente, entre outros, certificado de residência emitido pela autoridade competente do País de proveniência, de onde conste a inscrição no registo de habitantes, as datas de início e de cancelamento de residência.
Quando no país de residência não existir autoridade competente para o controlo de residentes, o cancelamento é atestado pela entidade consular, o que ocorreu no caso em apreço.
Por seu turno, dispõe o n.º 1 do artigo 45º do CISV que a isenção em causa depende “… de reconhecimento da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, mediante pedido do interessado em que se faça prova documental da verificação dos respectivos pressupostos”. Prova documental essa que está prevista no aludido artigo 61º do mesmo diploma.
Ora, tendo o Requerente apresentado certificado de legalização automóvel emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Paris, entende que a Autoridade Administrativa e Aduaneira não pode substituir-se àquela entidade consular, por ser a competente para determinar a data em que o Requerente transferiu definitivamente a sua residência para Portugal.
Será assim? Certamente que não.
O reconhecimento de isenção está sujeito ao designado controlo a posteriori, no âmbito do qual a Administração Tributária pode munir-se de quaisquer elementos. Isso resulta directamente do n.º 2 do artigo 64º do mesmo código, quando estipula que “estão ainda sujeitos a fiscalização os veículos que tenham beneficiado de isenção ou redução de imposto, dentro do período em que se mantenham os ónus que lhes estão associados, podendo a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, em função de critérios de risco, solicitar a especial colaboração dos postos consulares, das juntas de freguesia, dos serviços de estrangeiros, dos centros de emprego e da segurança social e outros que se venham a revelar necessários à comprovação dos elementos relevantes à concessão dos benefícios”.
No caso em apreço, pretendeu a Alfândega do ..., em cumprimento do que está legalmente estabelecido, confirmar a efectiva transferência da residência do Requerente para Portugal na data por ele indicada. Para tal efeito, foi-lhe solicitada, no início do procedimento, a apresentação de documentos complementares de prova comprovativos da vida quotidiana em França no período em causa [como previsto, aliás, na alínea e) do n.º 1 do art. 61º do CISV].
Perante tal pedido, o Requerente limitou-se a responder não os possuir em virtude de “para além dos hotéis pagos pela empresa em diversos locais de França como é normal, residi na casa dos meus pais que se encontravam lá a trabalhar, e num período mais curto dividi a casa com um colega de trabalho. Sendo assim as faturas de luz, água ou outras despesas de casa não vinham em meu nome”.
Estranhamente, e contrariando tal informação, veio, no exercício do direito de audição a juntar facturas relativas a televisão e comunicações referentes à que informou ser a sua direcção em França.
Face ao silêncio inicial do Requerente, veio a Alfândega do ... o a recolher e obter outras informações que a levaram a concluir que aquele transferiu a sua residência para Portugal em 2014. Tal conclusão resulta aliás, e desde logo, de declaração do Requerente ao fazê-la constar das declarações de IRS relativas aos anos de 2014 e 2015.
Complementarmente, veio a Alfândega a recolher informações na base de dados “EFatura” no período compreendido entre 01-08-2014 e 30-09-2015, que, pelo número de facturas registadas, sua regularidade e diversificação de bens e serviços, fazem presumir tratar-se de cidadão residente em Portugal.
Entende o Requerente que a apresentação do certificado de legalização automóvel emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Paris bastaria para estar preenchido o requisito da prova de transferência de residência. Diga-se que não está em causa a legalidade e veracidade de tal documento.
Todavia, como se diz no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16-10-2008, no Proc. 00007/03, “o que importa não é o cancelamento da residência no país de origem, mas a residência efectiva em território português”.
A Alfândega do Freixeiro muniu-se de elementos indiciários que de forma sustentada fazem legitimamente concluir que a transferência efectiva da residência do Requerente para território nacional ocorreu não na data por ele comunicada, mas em Agosto de 2014. Diligências essas praticadas em cumprimento do princípio do inquisitório, consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, através do artº.58, da LGT.
Feita aquela prova, cabia então ao Requerente o ónus da prova de que transferiu a sua residência para Portugal em 30-09-2015, o que não logrou fazer, não sendo susceptíveis de alcançar tal desiderato as facturas que veio juntar em sede de exercício do direito de audição, de comunicações e TV em território francês.
Não se mostrando, assim, preenchido o pressuposto para beneficiar da isenção de ISV requerida – uma vez que já havia decorrido o prazo de seis meses previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 45º do CISV - e por estar o despacho de revogação da mesma suficientemente fundamentado, nenhuma censura merece o mesmo, nem a liquidação de imposto do mesmo resultante.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral.
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Condenar o Requerente nas custas do processo, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 5.190,00 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2019
O Árbitro
(António Alberto Franco)