Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 387/2014-T
Data da decisão: 2017-05-22  Selo  
Valor do pedido: € 22.318,20
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS - Imóvel em propriedade total - Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão) - Substitui a Decisão Arbitral de 15 de dezembro de 2014
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Decisão arbitral

 

Na sequência do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional procede-se à pronúncia da nova decisão arbitral.

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Pedido

A… S.A., contribuinte n.º …, com domicílio na Av. …, n.º …, 5º Esq., em Lisboa, apresentou, em 22-05-2014, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2º e dos artigos 10º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com a al. a) do art.º 99º e a al. d) do n.º 1 do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – aplicáveis ex vi da al. a) do n.º 1 do artigo 10º do decreto-lei referido, um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, na qualidade de sucessora da DIRECÇÃO-GERAL DOS IMPOSTOS, com vista a:

  • Anulação do ato tributário de liquidação do Imposto do Selo, pela Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, referente ao ano de 2012, e relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o n.º … (conforme o documento 1 junto à petição inicial e que aqui se dá por reproduzido), ato de liquidação notificado à Requerente através dos documentos:
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • Anulação do ato tributário de liquidação da primeira prestação do Imposto do Selo, pela Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, referente ao ano de 2013, e relativo ao mesmo imóvel, ato de liquidação notificado à Requerente através dos documentos:
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • A anulação “dos ofícios supervenientes para liquidação das prestações posteriores do Imposto do Selo” (referindo-se à segunda prestação, ainda não liquidada no momento da apresentação do pedido de pronúncia arbitral em 22-05-2014, do Imposto do Selo, Verba 28.1 da Tabela da Geral do Imposto do Selo, referente ao ano de 2013 e relativo ao mesmo imóvel);
  • A condenação da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios sobre os montantes pagos pela Requerente relativos às liquidações impugnadas.

A Requerente alega, no essencial, o seguinte:

  • A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na Av. …, …, …-A, …- B e …-C, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das … sob o número … e descrito como prédio em propriedade total com divisões suscetíveis de utilização independente;
  • As divisões suscetíveis de utilização independente foram todas elas objeto de avaliação separada para efeitos de IMI;
  • Nenhuma das divisões suscetíveis de utilização independente tem valor igual ou superior a 1 000 000 de euros;
  • Dispondo o art.º 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012 que a liquidação do Imposto de Selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral (TGIS), e sendo o IMI liquidado sobre o valor de cada divisão suscetível de utilização autónoma, não poderia a Administração Tributária tomar como base para liquidação do IS o valor total do prédio;
  • O que a verba 28 da TGIS visa é a tributação do património de luxo. Não sendo este o caso, a tributação do prédio em causa em IS viola a ratio da norma legal;
  • A tributação do prédio em causa em IS viola o princípio da igualdade tributária;
  •  O ato de liquidação viola igualmente os princípios da segurança jurídica e da irretroatividade, atendendo ao momento da criação e da aplicação da lei que criou o imposto, a qual foi aprovada em outubro de 2012, com efeitos no mesmo ano;
  1. Resposta

Na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a Requerida AT -Autoridade Tributária e Aduaneira pugna pela improcedência do pedido, alegando, em síntese, o seguinte:

  • No caso de prédios em propriedade total com partes suscetíveis de utilização independente e inscritas separadamente na matriz predial, embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte, para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade, pois as partes suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédios;
  • A verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações;
  •  A verba 28.1 da TGIS incide sobre prédios urbanos com afetação habitacional e de valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 euros, valor este que é o valor do prédio e não o valor das suas partes;
  • A diferente valoração e tributação de um prédio em propriedade total face a um prédio em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras;
  • A diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do IS os imóveis destinados a outros fins que não habitacionais;
  • A tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode ser ignorado.
  1. Requerimento de ampliação do pedido relativo à segunda prestação do IS referente a 2013 e decisão interlocutória

 

Em Requerimento posterior à aceitação do pedido inicial, apresentado em 14-08-2014, a Demandante requereu ao Tribunal a anulação do ato tributário de liquidação da segunda prestação do Imposto do Selo, pela Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, referente ao ano de 2013, e relativo ao mesmo imóvel, liquidação notificada à Requerente em junho de 2014.

Foi a Requerida notificada para, querendo, se pronunciar sobre este requerimento, o que optou por não fazer.

A pretensão acima referida foi objeto de decisão interlocutória do Tribunal, a qual, considerando que:

“(…), a integração destes novos elementos não origina, no caso concreto, uma modificação da instância, na medida em que tais elementos não importam qualquer alteração nem do pedido, que continua a ser a declaração da ilegalidade do ato de liquidação do imposto notificado com o documento de cobrança enviado à Requerente em março de 2014, nem da causa de pedir, pois nada de relevante acrescentam para a apreciação da legalidade do ato de liquidação”,

Concluiu por:

  •  Determinar a junção ao processo dos documentos cuja junção era requerida pela Impugnante;
  • Corrigir o valor da utilidade económica do processo para 22 318,2 euros, correspondente ao valor total do Imposto do Selo liquidado nas liquidações impugnadas, nos termos do art.º 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi do art.º 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
  1. Reunião prevista no artigo 18º do RJAT e alegações

As partes acordaram em prescindir da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT bem como da fase de alegações finais.

 

  1. Requerimento de ampliação do pedido relativo à terceira prestação do IS referente a 2013 e decisão interlocutória

 

Em 28 de novembro de 2014, a Demandante apresentou novo requerimento ao Tribunal em que informava o mesmo:

  • Do facto de lhe ter sido liquidada em outubro de 2014 a terceira prestação do IS referente ao ano de 2013 e de ter procedido ao pagamento da mesma;
  • Do facto de a Administração Tributária ter entretanto anulado a liquidação de IS referente ao ano de 2012 e relativa ao Rés-do-chão Esquerdo do prédio, no valor de 1112,20 euros;
  • Do facto de a Administração Tributária ter devolvido o imposto referente à liquidação anulada, mas não ter pago juros indemnizatórios correspondentes à importância devolvida.

E pedia ao Tribunal que:

  • Anulasse as liquidações referentes à terceira prestação do IS respeitante ao ano de 2013;
  • Condenasse a Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios correspondentes ao imposto devolvido em virtude da anulação da liquidação de IS respeitante ao ano de 2013 e referente ao Rés-do-chão Esquerdo do prédio.

Foi também a Requerida notificada para, querendo, se pronunciar sobre este requerimento, o que optou por não fazer.

 

6.  Em 15 de Dezembro de 2014, foi proferida decisão sobre o processo arbitral, em que se julgou inconstitucional a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido de abranger os prédios em propriedade total compostos por divisões suscetíveis de utilização independente, em face do princípio da igualdade tributária e, consequentemente, se julgou procedente o pedido da Requerente e se anularam as liquidações impugnadas.

 

7.  Desta decisão o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, al) da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, o qual recebeu despacho de admissibilidade por parte deste mesmo Tribunal Arbitral em 20.1.2015.

 

8.  O Tribunal Constitucional, em decisão de recurso, pronunciou-se pela constitucionalidade da norma, concedendo provimento ao recurso e ordenando a reforma da decisão recorrida em conformidade.

 

Procede-se assim à reforma da decisão arbitral de 15 de Dezembro de 2014, nos termos seguintes:

 

II – QUESTÕES A DECIDIR

 

Consideram-se, na decisão inicial, como questões a decidir:

 

  • A aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade vertical formados por partes suscetíveis de utilização independente considerados como um todo, com a consequência de que o valor patrimonial tributário a ter em conta para efeitos de incidência do imposto será, em caso de resposta afirmativa, o valor patrimonial tributário do prédio;
  • A constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e avaliadas separadamente, em face do princípio constitucional da igualdade.

 

III – SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.

É admissível a cumulação de pedidos, por se encontrarem verificados todos os pressupostos estabelecidos no artigo 3º, n.º 1 do RJAT.

Não foram identificadas nulidades no processo, pelo que nada obsta à apreciação do mérito do pedido.

 

IV – FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. FACTOS PROVADOS CONSIDERADOS RELEVANTES

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

  • A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na …, …, …-A, …-B e …-C, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o número … (Documento 1 junto à petição inicial);
  • O imóvel encontra-se descrito como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente;
  • Em 2013 e em 2014, o valor patrimonial tributário do prédio era de 1.060.300,00 euros, sendo este valor resultante da soma dos valores patrimoniais tributários das várias partes suscetíveis de utilização independente com afetação habitacional;
  • Nenhuma divisão suscetível de utilização independente com afetação habitacional tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 euros;
  • Em março de 2014, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de Imposto do Selo, pela verba 28.1 da TGIS, respeitante ao ano de 2013 e referentes a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação do prédio em referência, totalizando 10 603,00 euros (Documentos 2 a 12 juntos à petição inicial);
  • Através dos ofícios de notificação da liquidação do imposto, foi a Requerente notificada para proceder ao pagamento da primeira prestação do imposto referente ao ano de 2013, no montante total de 3 534, 30 euros;
  • A Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação do imposto referente ao ano de 2013 (Documentos 2a a 12a juntos à petição inicial);
  • Em maio de 2014, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de Imposto do Selo, pela verba 28.1 da TGIS, respeitante ao ano de 2012 e referentes a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente do prédio em referência, incluindo uma divisão afeta a comércio, totalizando 11 715,2 euros (Documentos 13 a 24 juntos à petição inicial);
  • A Requerente pagou a totalidade dos montantes referentes ao imposto respeitante a 2012 (Documentos 12 a 23 juntos ao requerimento enviado pela Demandante junto ao processo em 1 de setembro de 2014);
  • Em junho de 2014, a Requerente foi notificada para pagar a segunda prestação do imposto referente ao ano de 2013, no montante total de 3 534, 30 euros (Documentos 1 a 11 juntos ao requerimento enviado pela Demandante junto ao processo em 1 de setembro de 2014);
  • A Requerente pagou a totalidade dos montantes referentes à segunda prestação do imposto respeitante ao ano de 2013 (Documentos 1 a 11 juntos ao requerimento enviado pela Demandante junto ao processo em 1 de setembro de 2014;
  1. FACTOS NÃO PROVADOS

Da análise dos documentos juntos pela Requerente, não se prova que tenha sido anulada a liquidação de IS referente à parte identificada como Rés-do Chão Esquerdo do prédio objeto das liquidações aqui impugnadas.

 O documento junto como prova pela Requerente, refere apenas que é pago à Requerente, a título de “compensação”, o montante de 1112,20 euros.

O documento em causa não esclarece a que se refere a dita compensação, nem qual a sua causa.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

 

  1. Questão da constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando formados por partes consideradas separadamente na inscrição matricial, em face do princípio constitucional da igualdade tributária

 

Na decisão inicial deste tribunal, a questão da inconstitucionalidade da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando formados por partes consideradas separadamente na inscrição matricial, em face do princípio constitucional da igualdade tributária foi apreciada do seguinte modo:

“Esta mesma questão foi também apreciada no laudo arbitral citado, nos termos que a seguir se transcrevem e se perfilham:

“O princípio da capacidade contributiva não se encontra expressamente consagrado na Constituição da República Portuguesa. No entanto, a sua vigência no ordenamento constitucional português tem sido afirmada quer pela doutrina quer pela jurisprudência, tendo como principal fundamento o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13º da Constituição (neste sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal Constitucional: n.ºs 106/2013, 437/2006, 84/2003, 211/2003, 452/2003 e 601/2004, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

O princípio da igualdade, consagrado no art.º 13º da CRP postula que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente (acórdão do TC n.º 437/2006).

No entanto, para aferir a igualdade ou diferença entre duas realidades diferentes, do ponto de vista tributário, é necessário um parâmetro – “o critério que há de servir de base à comparação” – o qual é dado pela capacidade contributiva (acórdão do TC n.º 197/2013).

A capacidade contributiva constitui, pois – a par de outras vertentes ou funções do princípio (veja-se o acórdão do TC n.º 197/2013) – o critério através do qual há que comparar diferentes sujeitos passivos, para efeitos de determinar se os mesmos devem receber tratamento tributário idêntico ou diferente.

Desta maneira, o princípio da capacidade contributiva (numa das suas vertentes) concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária (acórdão do TC n.º 84/2003), pressupondo o tratamento tributário igual em relação a pessoas com a mesma capacidade contributiva e um tratamento tributário desigual em relação a pessoas com diferente capacidade contributiva.

Em decorrência do princípio da capacidade contributiva, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (Acórdão do TC n.º 197/2013).

É esta dimensão do princípio da capacidade contributiva, como proibindo o tratamento tributário diferente de pessoas com a mesma capacidade contributiva e o tratamento tributário igual de pessoas com capacidade contributiva diferente, que interessa particularmente ao caso vertente.

Está em causa, mais concretamente, a diferença de tratamento dada, pelo Código do IS na verba 28.1 da TGIS, aos prédios em propriedade horizontal e aos prédios em propriedade total, compostos por partes consideradas separadamente na inscrição matricial.

Vimos anteriormente que as frações autónomas de prédios em propriedade horizontal são consideradas prédios para efeitos de IMI (art.º 2º, n.º 4 do CIMI), sendo-o também, por força do artigo 1º, n.º 6 do Código do IS.

Sendo assim, o IS da verba 28.1, no caso de prédios em propriedade horizontal, só pode aplicar-se se o valor patrimonial tributário da fração autónoma for igual ou superior a 1.000.000 de euros. Por outro lado, o valor resultante da soma dos valores patrimoniais tributários das diversas frações habitacionais não pode ser tido em conta para efeitos de aplicação do imposto.

Mesmo que uma única pessoa seja proprietária de todas as frações de um prédio em propriedade horizontal, e que a soma dos valores patrimoniais das frações habitacionais do prédio seja igual ou superior a 1.000.000 de euros, tal proprietário não ficará sujeito a IS sobre esse património.

Ora, entre as duas situações descritas – prédio habitacional em propriedade horizontal e prédio habitacional em propriedade total composto por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial – não existe nenhuma diferença substancial, sendo a diferença apenas formal. Diferença formal que não afeta, de nenhum modo, a capacidade contributiva dos respetivos proprietários. 

Com efeito, a propriedade de um prédio habitacional em propriedade total, composto por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, com um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros, não revela nenhuma especial capacidade contributiva que a propriedade de várias frações autónomas habitacionais, em que a soma dos valores patrimoniais tributários seja igual ou superior a 1.000.000 de euros, não revele também.

(…)

Outro entendimento, que procure desconsiderar a identidade substancial económica entre as situações de prédios em propriedade horizontal e de prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, e atender apenas à diferença formal entre ambas as situações, resultaria numa violação do princípio da substância sobre a forma, que teria como consequência uma violação do princípio constitucional da capacidade contributiva.”

Nestes termos, há que concluir pela procedência do pedido de anulação das liquidações impugnadas fundado em violação do princípio constitucional da igualdade tributária pela norma de incidência constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando interpretada no sentido de que nela se incluem os prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial.”

 

O Tribunal Constitucional, na sua douta sentença em decisão do recurso interposto pela Requerida, pronunciou-se no sentido da constitucionalidade da norma, concedendo provimento ao recurso.

 

Para alicerçar, a sua decisão, o Tribunal invoca a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional nomeadamente os acórdãos 59/15, 620/15, 83/16 e 247/16 e faz a sua fundamentação do acórdão 620/15, nos termos que em seguida se transcrevem, tomando-se a liberdade de reproduzir apenas a parte final da argumentação:

(Transcrição parcial do acórdão 620/2015 do TC)

“No presente recurso está precisamente em causa o princípio da igualdade fiscal, sobretudo na sua vertente de uniformidade, ou seja, na medida em que exige que o dever de pagar impostos (neste caso, o imposto do selo) seja aferido por um mesmo critério, traduzido pelo princípio da capacidade contributiva. Impõe-se apreciar se, ao sujeitar a imposto especial os prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, atendendo para tal ao somatório dos valores patrimoniais tributários atribuídos às diversas partes do prédio, contrariamente ao que sucede nos prédios constituídos em propriedade horizontal, a referida norma tratou de modo diferenciado situações reveladoras de idêntica capacidade contributiva e, na afirmativa, se essa desigualdade de tratamento se revela arbitrária, por introduzir discriminações entre contribuintes desprovidas de fundamento racional bastante.

Importa, pois, antes de mais comparar as duas situações em análise, designadamente a situação dos prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial e a situação dos prédios em regime de propriedade horizontal, começando, para tal, por fazer uma breve referência dos institutos da propriedade proprio sensu e da propriedade horizontal.

No regime do direito de propriedade em geral, um edifício incorporado no solo apenas poderá ser objeto de um único direito de propriedade que abrangerá, em princípio, a totalidade da construção, o solo e o terreno adjacente, mesmo que essa construção esteja dividida em unidades suscetíveis de utilização independentes (cfr. artigos 204.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e 1302.º do Código Civil).

Este princípio sofre um desvio no regime da propriedade horizontal, nos termos do qual «[a]s frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos» (artigo 1414.º do Código Civil).

A aplicação do regime de propriedade horizontal a um edifício pressupõe, que se mostrem verificados determinados requisitos previstos no artigo 1415.º do Código Civil. De acordo com esta norma, «[s]ó podem ser objeto de propriedade horizontal as frações autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública». 

No título constitutivo da propriedade horizontal, que poderá ser «negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário» (artigo 1417.º do Código Civil) são especificadas, nos termos do artigo 1418.º, n.º 1, «as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio», sob pena de nulidade do título (cfr. 1418.º, n.º 3, do Código Civil).

E, com a constituição de prédio em propriedade horizontal, passam a incidir sobre cada uma das partes do mesmo, juridicamente autonomizadas (as chamadas frações autónomas), direitos de propriedade plena, titulados pelos respetivos proprietários, direitos esses que coexistem com os direitos do conjunto dos condóminos em relação às partes comuns. Com a aludida modificação jurídica operada pelo título constitutivo, o prédio urbano em causa passa a ter um estatuto jurídico diferente de um prédio urbano sujeito ao regime geral do direito de propriedade.

E o mesmo sucede com os direitos reais de usufruto e superfície mencionados na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Ou seja, conforme refere Carvalho Fernandes (Cadernos de Direito Privado, n.º 15, julho/setembro 2006, págs. 4-5), com a constituição do edifício em propriedade horizontal surge um novo estatuto jurídico desse edifício, alteração essa de estatuto que «consiste em o edifício em causa deixar de ser considerado, para o Direito, como uma coisa unitária - um prédio urbano, proprio sensu, no sentido da alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CC. Em sua substituição, existe, agora, uma multiplicidade de coisas, as frações autónomas, a que estão indissociavelmente afetas partes comuns do edifício. Cada dum destes conjuntos - fração autónoma mais partes comuns - tem autonomia jurídica e, como tal, pode ser objeto de uma situação jurídica real própria».

Estamos, pois, perante realidades com um estatuto jurídico distinto, em que a titularidade dos direitos reais referidos da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo que incidem sobre as frações de um prédio constituído em propriedade horizontal podem pertencer a diferentes pessoas, enquanto num prédio constituído por unidades suscetíveis de utilização independente, mas que não se encontra constituído em propriedade horizontal, essa titularidade é necessariamente da(s) mesma(s) pessoa(s). 

Assim, sendo inegável que, no plano do direito civil, estamos perante duas situações juridicamente diferentes, importa, no entanto, questionar se tais diferenças justificam um tratamento diferente no plano tributário, ou seja, se tais diferenças jurídicas existem e são relevantes também no plano substancial para efeitos fiscais, a ponto de se poder afirmar que, em termos económicos, estamos perante diferentes manifestações de capacidade contributiva.

Como vimos, com a alteração legislava sobre a qual incidiu a interpretação subiudicio, conforme resulta quer da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII, que esteve na origem da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, bem como da sua discussão na generalidade na Assembleia da República, o legislador teve o propósito de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e de «garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho». Para tal, decidiu através do referido diploma legislativo alargar «a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade» e, entre outras medidas, procedeu à «criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor».

Assim, no que respeita à tributação da propriedade, entendeu o legislador, com base no aludido «princípio da equidade social na austeridade», ser de exigir uma contribuição acrescida aos titulares de bens imóveis de elevado valor destinados a habitação. Daí que o facto a que atribuiu relevância enquanto elemento determinante da incidência desta nova «taxa especial» e enquanto manifestação da capacidade contributiva, tenha sido a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a (euro)1.000.000,00. Ou seja, o legislador entendeu que a disponibilidade, fundada na titularidade de um direito de propriedade, de usufruto ou de superfície, de uma unidade habitacional deste valor (a calcular com base no valor patrimonial que é tido em conta para efeitos de IMI), constitui um elemento revelador de uma capacidade contributiva acrescida em relação aos demais contribuintes, apta a justificar esta tributação especial, destinada a garantir a referida «repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Selecionou-se, pois, como realidade tributável a titularidade de uma unidade predial habitacional com um valor superior a (euro) 1.000.000,00, resultando esse valor daquele que é calculado para efeitos de cobrança de IMI.

Ora, se num prédio constituído em propriedade horizontal, essa titularidade só pode reportar-se a cada uma das frações autónomas, pois cada uma das diferentes frações pode ser objeto de uma situação jurídica real própria, o mesmo não sucede num prédio em que, apesar de dividido fisicamente em unidades suscetíveis de utilização independente, a sua titularidade reporta-se necessariamente ao todo correspondente à soma das diferentes unidades, não podendo os direitos reais referidos na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ter por objeto isolado uma dessas unidades.

Assim, para efeitos do imposto aqui sob fiscalização, enquanto o valor de todo um prédio que não se encontra constituído em propriedade horizontal, apesar de ser composto por diferentes unidades suscetíveis de terem uma utilização independente, revela a capacidade contributiva do seu único titular, já o mesmo não sucede com um prédio idêntico constituído em propriedade horizontal, uma vez que, sendo cada uma das frações suscetíveis de uma situação jurídica real própria, só o valor de cada uma delas é idóneo a revelar a capacidade contributiva do seu titular.

As diferenças decorrentes dos diferentes regimes dominiais constituem fundamento bastante para, no que diz respeito à incidência do imposto de selo no caso de edifícios em propriedade horizontal se tenha em atenção o valor patrimonial tributário individualizado de cada uma das frações, o que já não sucede, no caso dos prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial.

Daí que, uma interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no sentido de nela se incluírem os prédios urbanos habitacionais em propriedade total, compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, procedendo-se para tal ao somatório do valor patrimonial tributário de cada uma das unidades independentes com afetação habitacional, não se revele violadora do princípio da igualdade tributária e do princípio da capacidade contributiva, conforme acima exposto.

Sendo esta a conclusão, deve o recurso interposto ser julgado procedente.”

Prossegue o Tribunal Constitucional:

“O sentido desta (a do acórdão 620/2015, acima parcialmente transcrito) é totalmente transponível para a questão colocada nos autos, impondo-se a conclusão que se está perante uma “questão simples”, suscetível de ser enquadrada na hipótese normativa delimitada pelo n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

Assim, sendo de manter a mencionada jurisprudência expendida no Acórdão n.º 620/2015, de remetendo-se para os respetivos fundamentos, nos termos autorizados pelo artigo 78.º-A, nº 1 da LTC, resta concluir que não é constitucionalmente censurável a interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, no sentido de que nela se incluem os prédios urbanos habitacionais em propriedade total, compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, termos em que se justifica a prolação da presente decisão sumária, nos termos do citado artigo 78.º-A, n.º1, da LTC.”

(Fim da citação)

A fim de conformar, como é óbvio, a pronúncia arbitral no presente processo com os ditames da decisão do Tribunal Constitucional transcrita, proferida sobre o recurso que daquela mesma pronúncia foi interposto, há pois, que proceder à alteração da pronúncia no que diz respeito à questão da constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 (entretanto revogada) da TGIS, quando interpretada no sentido de nela se abrangerem os prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e inscritos separadamente na matriz.

Em consonância com a douta decisão do Tribunal Constitucional e com a jurisprudência nela citada, perfilhando-se e dando-se por reproduzidos os fundamentos aí explanados, considera-se não ser inconstitucional a norma de incidência contida na verba 28.1 (entretanto revogada) da TGIS, quando interpretada no sentido de nela se abrangerem os prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e inscritos separadamente na matriz.

Consequentemente, conclui-se pela improcedência da pretensão da Requerente quanto à questão da inconstitucionalidade.

 

  1. Questão da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade total, considerados como um todo, quando formados por partes consideradas separadamente na inscrição matricial

 

Na pronúncia arbitral proferida em 15 de dezembro de 2014, apreciou-se a questão nos seguintes termos:

 

É o seguinte o teor da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo:

28. “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional – 1%”

A Requerente sustenta que não cabem nesta previsão normativa os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando formados por partes suscetíveis de utilização independente e avaliadas separadamente para efeitos de IMI.

Como respaldo para esta sua conclusão, a Requerente parte do enunciado da verba 28 da TGIS, em que se dispõe que o Imposto do Selo incide “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI”.

Uma vez que, no caso de prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente, o IMI é liquidado sobre o valor patrimonial tributário das partes, também no IS deveria ser tomado como base de tributação o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes.

E, uma vez que nenhuma das partes consideradas separadamente na inscrição matricial integrantes dos prédios em causa nos autos tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros, nenhum Imposto do Selo poderia incidir sobre essas mesmas partes.

A questão de direito que aqui se encontra em causa é a da interpretação do termo “prédio urbano” constante da verba 28 e da subrubrica 28.1 da TGIS, no sentido de saber se nesse conceito se incluem as partes, consideradas separadamente na inscrição matricial, integrantes de prédio em propriedade total.

Sobre esta questão se pronunciou o tribunal arbitral constituído no processo n.º 14/2014-T, nos termos que a seguir se reproduzem e que se subscrevem inteiramente:

“É certo que o Código do IMI determina (artigo 12º, n.º 3) que as partes de prédio suscetíveis de utilização independente sejam consideradas separadamente na inscrição matricial, cabendo-lhes um valor patrimonial tributário próprio.

Mas diz por outro lado o artigo 7º, n.º 2, al b) do mesmo Código que, no caso de prédio formado por partes economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.

Portanto, mesmo para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário, o Código do IMI não equipara partes de prédio suscetíveis de utilização independente a prédios, mas separa claramente o prédio e as partes de prédio. E só é prédio – para o IMI, no caso de prédios em propriedade total – o todo e não as partes.

(…)

Posto isto, há que partir do artigo 1º, n.º 6 do Código do IS, segundo o qual, para efeitos deste imposto, “o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”.

O artigo 2º, n.º 1 do CIMI, por seu turno, define prédio como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico”.

Sendo os prédios urbanos classificados como “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros”, conjugada esta classificação com a definição constante do art.º 2º, n.º 1, conclui-se que os prédios habitacionais são necessariamente edifícios ou construções incorporados ou assentes numa fração de território.

Apesar desta definição, segundo o n.º 4 do artigo 2º, as frações autónomas no regime de propriedade horizontal são havidas como prédios para efeitos do imposto, mas o mesmo não é possível dizer das partes de prédios em propriedade total consideradas separadamente na inscrição matricial, pois elas nem cabem na definição do art.º 2º, n.º 1 nem são expressamente consideradas como tal.

As partes de prédios em propriedade total consideradas separadamente na inscrição matricial não são, pois, prédios para efeitos do IMI, não o sendo, também, por conseguinte, para efeitos do Imposto do Selo. E assim sendo, o facto tributário do IS não pode ser outro senão a propriedade do prédio considerado no seu todo, pois este é um prédio, no sentido do artigo 2º, n.º 1 do CIMI.”

Improcede, portanto, o pedido de anulação das liquidações em crise fundado em erro nos pressupostos de Direito, concretizado na inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios em propriedade total com partes consideradas separadamente na inscrição matricial.”

Posteriormente à data da pronúncia arbitral, a mesma questão viria a ser decidida pelo Supremo Tribunal Administrativo, pela primeira vez, tanto quanto é do nosso conhecimento, no acórdão de 9 de setembro de 2015, proc. 47/2015, em termos divergentes dos assentes na nossa pronúncia de 15 de Dezembro de 2014.

Nesse aresto, sentenciou o Supremo Tribunal que, “tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação”. Esta doutrina viria a ser consolidada nos acórdãos de 02-03-2016 (proc. nº 1354/15), de 04-05-2016 (proc. nº 0172/16), de 04-05-2016 (proc. nº 1504/15), de 24-05-2016 (proc. nº 1344/14), de 24-05-2016, (proc. nº 1352/15), de 04-05-2016 (proc. nº 166/16), de 01-02-2017 (proc. nº 711/16), de 15-02-2017 (proc. nº 1219/16), de 15-02-2017 (proc. nº 01425/14), de 15-02-2017 (proc. nº 1394/16), de 15-02-2017 (proc. nº 01447/16) e de 29-03-2017 (proc. nº 593/16).

Desde então, a jurisprudência arbitral maioritária tem-se conformado com esta doutrina do Supremo Tribunal.

Contudo, estando a presente reforma da decisão arbitral proferida em 15 de Dezembro de 2014 limitada, no seu âmbito, ao objeto do próprio recurso – o qual se circunscreve à questão da constitucionalidade da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS quando aplicada a prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e considerados separadamente na matriz – não pode a decisão arbitral ser alterada no tocante à questão da aplicabilidade da mesma norma de incidência a esta classe de prédios, pelo que a mesma decisão se mantém quanto a este ponto.

 

IV. DECISÃO

 

Pelos fundamentos expostos, o presente Tribunal decide não declarar a ilegalidade e consequentemente não anular os atos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pela Requerente.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em 22 318,2 euros.

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 224,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 22 de maio de 2017.

 

O Árbitro Único

 

 

(Nina Aguiar)

 

 

 

 

 

Decisão arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Pedido

A… S.A., contribuinte n.º …, com domicílio na Av. …, n.º …, 5º Esq., em Lisboa, apresentou, em 22-05-2014, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2º e dos artigos 10º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com a al. a) do art.º 99º e a al. d) do n.º 1 do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – aplicáveis ex vi da al. a) do n.º 1 do artigo 10º do decreto-lei referido, um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, na qualidade de sucessora da DIRECÇÃO-GERAL DOS IMPOSTOS, com vista a:

  • Anulação do ato tributário de liquidação do Imposto do Selo, pela Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, referente ao ano de 2012, e relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o n.º … (conforme o documento 1 junto à petição inicial e que aqui se dá por reproduzido), ato de liquidação notificado à Requerente através dos documentos:
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • Anulação do ato tributário de liquidação da primeira prestação do Imposto do Selo, pela Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, referente ao ano de 2013, e relativo ao mesmo imóvel, ato de liquidação notificado à Requerente através dos documentos:
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • 2014 …
  • A anulação “dos ofícios supervenientes para liquidação das prestações posteriores do Imposto do Selo” (referindo-se à segunda prestação, ainda não liquidada no momento da apresentação do pedido de pronúncia arbitral em 22-05-2014, do Imposto do Selo, Verba 28.1 da Tabela da Geral do Imposto do Selo, referente ao ano de 2013 e relativo ao mesmo imóvel);
  • A condenação da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios sobre os montantes pagos pela Requerente relativos às liquidações impugnadas.

A Requerente alega, no essencial, o seguinte:

  • A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na Av. …, …, …-A, …-B e …-C, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das … sob o número … e descrito como prédio em propriedade total com divisões suscetíveis de utilização independente;
  • As divisões suscetíveis de utilização independente foram todas elas objeto de avaliação separada para efeitos de IMI;
  • Nenhuma das divisões suscetíveis de utilização independente tem valor igual ou superior a 1 000 000 de euros;
  • Dispondo o art.º 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012 que a liquidação do Imposto de Selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral (TGIS), e sendo o IMI liquidado sobre o valor de cada divisão suscetível de utilização autónoma, não poderia a Administração Tributária tomar como base para liquidação do IS o valor total do prédio;
  • O que a verba 28 da TGIS visa é a tributação do património de luxo. Não sendo este o caso, a tributação do prédio em causa em IS viola a ratio da norma legal;
  • A tributação do prédio em causa em IS viola o princípio da igualdade tributária;
  •  O ato de liquidação viola igualmente os princípios da segurança jurídica e da irretroatividade, atendendo ao momento da criação e da aplicação da lei que criou o imposto, a qual foi aprovada em outubro de 2012, com efeitos no mesmo ano;
  1. Resposta

Na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a Requerida AT -Autoridade Tributária e Aduaneira pugna pela improcedência do pedido, alegando, em síntese, o seguinte:

  • No caso de prédios em propriedade total com partes suscetíveis de utilização independente e inscritas separadamente na matriz predial, embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte, para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade, pois as partes suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédios;
  • A verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações;
  •  A verba 28.1 da TGIS incide sobre prédios urbanos com afetação habitacional e de valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 euros, valor este que é o valor do prédio e não o valor das suas partes;
  • A diferente valoração e tributação de um prédio em propriedade total face a um prédio em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras;
  • A diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do IS os imóveis destinados a outros fins que não habitacionais;
  • A tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode ser ignorado.
  1. Requerimento de ampliação do pedido relativo à segunda prestação do IS referente a 2013 e decisão interlocutória

Em Requerimento posterior à aceitação do pedido inicial, apresentado em 14-08-2014, a Demandante requereu ao Tribunal a anulação do ato tributário de liquidação da segunda prestação do Imposto do Selo, pela Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, referente ao ano de 2013, e relativo ao mesmo imóvel, liquidação notificada à Requerente em junho de 2014.

Foi a Requerida notificada para, querendo, se pronunciar sobre este requerimento, o que optou por não fazer.

A pretensão acima referida foi objeto de decisão interlocutória do Tribunal, a qual, considerando que:

“(…), a integração destes novos elementos não origina, no caso concreto, uma modificação da instância, na medida em que tais elementos não importam qualquer alteração nem do pedido, que continua a ser a declaração da ilegalidade do ato de liquidação do imposto notificado com o documento de cobrança enviado à Requerente em março de 2014, nem da causa de pedir, pois nada de relevante acrescentam para a apreciação da legalidade do ato de liquidação”,

Concluiu por:

  •  Determinar a junção ao processo dos documentos cuja junção era requerida pela Impugnante;
  • Corrigir o valor da utilidade económica do processo para 22 318,2 euros, correspondente ao valor total do Imposto do Selo liquidado nas liquidações impugnadas, nos termos do art.º 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi do art.º 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
  1. Reunião prevista no artigo 18º do RJAT e alegações

As partes acordaram em prescindir da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT bem como da fase de alegações finais.

  1. Requerimento de ampliação do pedido relativo à terceira prestação do IS referente a 2013 e decisão interlocutória

 

Em 28 de novembro de 2014, a Demandante apresentou novo requerimento ao Tribunal em que informava o mesmo:

  • Do facto de lhe ter sido liquidada em outubro de 2014 a terceira prestação do IS referente ao ano de 2013 e de ter procedido ao pagamento da mesma;
  • Do facto de a Administração Tributária ter entretanto anulado a liquidação de IS referente ao ano de 2012 e relativa ao Rés-do-chão Esquerdo do prédio, no valor de 1112,20 euros;
  • Do facto de a Administração Tributária ter devolvido o imposto referente à liquidação anulada, mas não ter pago juros indemnizatórios correspondentes à importância devolvida.

E pedia ao Tribunal que:

  • Anulasse as liquidações referentes à terceira prestação do IS respeitante ao ano de 2013;
  • Condenasse a Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios correspondentes ao imposto devolvido em virtude da anulação da liquidação de IS respeitante ao ano de 2013 e referente ao Rés-do-chão Esquerdo do prédio.

Foi também a Requerida notificada para, querendo, se pronunciar sobre este requerimento, o que optou por não fazer.

 

II – QUESTÕES A DECIDIR

 

São as seguintes as questões a decidir pelo Tribunal:

  • A aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade vertical formados por partes suscetíveis de utilização independente considerados como um todo, com a consequência de que o valor patrimonial tributário a ter em conta para efeitos de incidência do imposto será, em caso de resposta afirmativa, o valor patrimonial tributário do prédio;
  • A constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e avaliadas separadamente, em face do princípio constitucional da igualdade.

 

III – SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.

É admissível a cumulação de pedidos, por se encontrarem verificados todos os pressupostos estabelecidos no artigo 3º, n.º 1 do RJAT.

Não foram identificadas nulidades no processo, pelo que nada obsta à apreciação do mérito do pedido.

 

IV – FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. FACTOS PROVADOS CONSIDERADOS RELEVANTES

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

  • A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na …, …, …-A, …-B e …-C, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o número … (Documento 1 junto à petição inicial);
  • O imóvel encontra-se descrito como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente;
  • Em 2013 e em 2014, o valor patrimonial tributário do prédio era de 1.060.300,00 euros, sendo este valor resultante da soma dos valores patrimoniais tributários das várias partes suscetíveis de utilização independente com afetação habitacional;
  • Nenhuma divisão suscetível de utilização independente com afetação habitacional tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 euros;
  • Em março de 2014, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de Imposto do Selo, pela verba 28.1 da TGIS, respeitante ao ano de 2013 e referentes a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação do prédio em referência, totalizando 10 603,00 euros (Documentos 2 a 12 juntos à petição inicial);
  • Através dos ofícios de notificação da liquidação do imposto, foi a Requerente notificada para proceder ao pagamento da primeira prestação do imposto referente ao ano de 2013, no montante total de 3 534, 30 euros;
  • A Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação do imposto referente ao ano de 2013 (Documentos 2a a 12a juntos à petição inicial);
  • Em maio de 2014, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de Imposto do Selo, pela verba 28.1 da TGIS, respeitante ao ano de 2012 e referentes a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente do prédio em referência, incluindo uma divisão afeta a comércio, totalizando 11 715,2 euros (Documentos 13 a 24 juntos à petição inicial);
  • A Requerente pagou a totalidade dos montantes referentes ao imposto respeitante a 2012 (Documentos 12 a 23 juntos ao requerimento enviado pela Demandante junto ao processo em 1 de setembro de 2014);
  • Em junho de 2014, a Requerente foi notificada para pagar a segunda prestação do imposto referente ao ano de 2013, no montante total de 3 534, 30 euros (Documentos 1 a 11 juntos ao requerimento enviado pela Demandante junto ao processo em 1 de setembro de 2014);
  • A Requerente pagou a totalidade dos montantes referentes à segunda prestação do imposto respeitante ao ano de 2013 (Documentos 1 a 11 juntos ao requerimento enviado pela Demandante junto ao processo em 1 de setembro de 2014;
  1. FACTOS NÃO PROVADOS

Da análise dos documentos juntos pela Requerente, não se prova que tenha sido anulada a liquidação de IS referente à parte identificada como Rés-do Chão Esquerdo do prédio objeto das liquidações aqui impugnadas.

 O documento junto como prova pela Requerente, refere apenas que é pago à Requerente, a título de “compensação”, o montante de 1112,20 euros.

O documento em causa não esclarece a que se refere a dita compensação, nem qual a sua causa.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. Questão da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade total, considerados como um todo, quando formados por partes consideradas separadamente na inscrição matricial

É o seguinte o teor da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo:

28. “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional – 1%”

A Requerente sustenta que não cabem nesta previsão normativa os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando formados por partes suscetíveis de utilização independente e avaliadas separadamente para efeitos de IMI.

Como respaldo para esta sua conclusão, a Requerente parte do enunciado da verba 28 da TGIS, em que se dispõe que o Imposto do Selo incide “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI”.

Uma vez que, no caso de prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente, o IMI é liquidado sobre o valor patrimonial tributário das partes, também no IS deveria ser tomado como base de tributação o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes.

E, uma vez que nenhuma das partes consideradas separadamente na inscrição matricial integrantes dos prédios em causa nos autos tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros, nenhum Imposto do Selo poderia incidir sobre essas mesmas partes.

A questão de direito que aqui se encontra em causa é a da interpretação do termo “prédio urbano” constante da verba 28 e da subrubrica 28.1 da TGIS, no sentido de saber se nesse conceito se incluem as partes, consideradas separadamente na inscrição matricial, integrantes de prédio em propriedade total.

Sobre esta questão se pronunciou o tribunal arbitral constituído no processo n.º 14/2014-T, nos termos que a seguir se reproduzem e que se subscrevem inteiramente:

“É certo que o Código do IMI determina (artigo 12º, n.º 3) que as partes de prédio suscetíveis de utilização independente sejam consideradas separadamente na inscrição matricial, cabendo-lhes um valor patrimonial tributário próprio.

Mas diz por outro lado o artigo 7º, n.º 2, al b) do mesmo Código que, no caso de prédio formado por partes economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.

Portanto, mesmo para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário, o Código do IMI não equipara partes de prédio suscetíveis de utilização independente a prédios, mas separa claramente o prédio e as partes de prédio. E só é prédio – para o IMI, no caso de prédios em propriedade total – o todo e não as partes.

(…)

Posto isto, há que partir do artigo 1º, n.º 6 do Código do IS, segundo o qual, para efeitos deste imposto, “o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”.

O artigo 2º, n.º 1 do CIMI, por seu turno, define prédio como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico”.

Sendo os prédios urbanos classificados como “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros”, conjugada esta classificação com a definição constante do art.º 2º, n.º 1, conclui-se que os prédios habitacionais são necessariamente edifícios ou construções incorporados ou assentes numa fração de território.

Apesar desta definição, segundo o n.º 4 do artigo 2º, as frações autónomas no regime de propriedade horizontal são havidas como prédios para efeitos do imposto, mas o mesmo não é possível dizer das partes de prédios em propriedade total consideradas separadamente na inscrição matricial, pois elas nem cabem na definição do art.º 2º, n.º 1 nem são expressamente consideradas como tal.

As partes de prédios em propriedade total consideradas separadamente na inscrição matricial não são, pois, prédios para efeitos do IMI, não o sendo, também, por conseguinte, para efeitos do Imposto do Selo. E assim sendo, o facto tributário do IS não pode ser outro senão a propriedade do prédio considerado no seu todo, pois este é um prédio, no sentido do artigo 2º, n.º 1 do CIMI.”

Improcede, portanto, o pedido de anulação das liquidações em crise fundado em erro nos pressupostos de Direito, concretizado na inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios em propriedade total com partes consideradas separadamente na inscrição matricial.

 

  1. Questão da constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando formados por partes consideradas separadamente na inscrição matricial, em face do princípio constitucional da igualdade tributária

Esta mesma questão foi também apreciada no laudo arbitral citado, nos termos que a seguir se transcrevem e se perfilham:

“O princípio da capacidade contributiva não se encontra expressamente consagrado na Constituição da República Portuguesa. No entanto, a sua vigência no ordenamento constitucional português tem sido afirmada quer pela doutrina quer pela jurisprudência, tendo como principal fundamento o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13º da Constituição (neste sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal Constitucional: n.ºs 106/2013, 437/2006, 84/2003, 211/2003, 452/2003 e 601/2004, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

O princípio da igualdade, consagrado no art.º 13º da CRP postula que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente (acórdão do TC n.º 437/2006).

No entanto, para aferir a igualdade ou diferença entre duas realidades diferentes, do ponto de vista tributário, é necessário um parâmetro – “o critério que há de servir de base à comparação” – o qual é dado pela capacidade contributiva (acórdão do TC n.º 197/2013).

A capacidade contributiva constitui, pois – a par de outras vertentes ou funções do princípio (veja-se o acórdão do TC n.º 197/2013) – o critério através do qual há que comparar diferentes sujeitos passivos, para efeitos de determinar se os mesmos devem receber tratamento tributário idêntico ou diferente.

Desta maneira, o princípio da capacidade contributiva (numa das suas vertentes) concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária (acórdão do TC n.º 84/2003), pressupondo o tratamento tributário igual em relação a pessoas com a mesma capacidade contributiva e um tratamento tributário desigual em relação a pessoas com diferente capacidade contributiva.

Em decorrência do princípio da capacidade contributiva, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (Acórdão do TC n.º 197/2013).

É esta dimensão do princípio da capacidade contributiva, como proibindo o tratamento tributário diferente de pessoas com a mesma capacidade contributiva e o tratamento tributário igual de pessoas com capacidade contributiva diferente, que interessa particularmente ao caso vertente.

Está em causa, mais concretamente, a diferença de tratamento dada, pelo Código do IS na verba 28.1 da TGIS, aos prédios em propriedade horizontal e aos prédios em propriedade total, compostos por partes consideradas separadamente na inscrição matricial.

Vimos anteriormente que as frações autónomas de prédios em propriedade horizontal são consideradas prédios para efeitos de IMI (art.º 2º, n.º 4 do CIMI), sendo-o também, por força do artigo 1º, n.º 6 do Código do IS.

Sendo assim, o IS da verba 28.1, no caso de prédios em propriedade horizontal, só pode aplicar-se se o valor patrimonial tributário da fração autónoma for igual ou superior a 1.000.000 de euros. Por outro lado, o valor resultante da soma dos valores patrimoniais tributários das diversas frações habitacionais não pode ser tido em conta para efeitos de aplicação do imposto.

Mesmo que uma única pessoa seja proprietária de todas as frações de um prédio em propriedade horizontal, e que a soma dos valores patrimoniais das frações habitacionais do prédio seja igual ou superior a 1.000.000 de euros, tal proprietário não ficará sujeito a IS sobre esse património.

Ora, entre as duas situações descritas – prédio habitacional em propriedade horizontal e prédio habitacional em propriedade total composto por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial – não existe nenhuma diferença substancial, sendo a diferença apenas formal. Diferença formal que não afeta, de nenhum modo, a capacidade contributiva dos respetivos proprietários. 

Com efeito, a propriedade de um prédio habitacional em propriedade total, composto por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, com um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros, não revela nenhuma especial capacidade contributiva que a propriedade de várias frações autónomas habitacionais, em que a soma dos valores patrimoniais tributários seja igual ou superior a 1.000.000 de euros, não revele também.

(…)

Outro entendimento, que procure desconsiderar a identidade substancial económica entre as situações de prédios em propriedade horizontal e de prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, e atender apenas à diferença formal entre ambas as situações, resultaria numa violação do princípio da substância sobre a forma, que teria como consequência uma violação do princípio constitucional da capacidade contributiva.”

Nestes termos, há que concluir pela procedência do pedido de anulação das liquidações impugnadas fundado em violação do princípio constitucional da igualdade tributária pela norma de incidência constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando interpretada no sentido de que nela se incluem os prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial.

 

  1. DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Verificada a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados, pelos fundamentos expostos, e tendo a Requerente pago na totalidade o imposto referente ao ano de 2012 e parte do imposto referente ao ano de 2013, tem a Requerente direito, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de 18 783,8 euros.

Quanto aos juros indemnizatórios, o artigo 43º da LGT estipula que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Quanto à existência, no caso, de erro imputável aos serviços, este erro considera-se verificado, segundo jurisprudência uniforme do STA (vejam-se, neste sentido, os Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09) sempre que procederem a reclamação graciosa ou impugnação da liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral 218/2013-T, já citado).

Por conseguinte, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, calculados:

- Sobre a quantia de 11 715,20 euros, referente à totalidade do imposto respeitante ao ano de 2012, desde 24-07-2014 até integral reembolso do montante referido;

- Sobre a quantia de 3 534,30 euros, referente à 1ª prestação do imposto referente ao ano de 2013, desde a data do pagamento (que não consta do processo) até integral reembolso do montante referido;

- Sobre a quantia de 3 534,30 euros, referente à 2ª prestação do imposto referente ao ano de 2013, desde 24-07-2014 até integral reembolso do montante referido.

 

VI. DECISÃO

 

Pelos fundamentos expostos, o presente Tribunal decide:

  1. Anular os atos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pela Requerente.
  2. Condenar a Autoridade Tributária, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, a restabelecer a situação que existiria se os atos de liquidação anulados não tivessem sido praticados, adotando os atos e operações necessários para o efeito, através da restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos e do pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em 22 318,2 euros.

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 224,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 15 de dezembro de 2014.

 

O Árbitro Único

 

 

(Nina Aguiar)