Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 212/2018-T
Data da decisão: 2018-12-13  Selo  
Valor do pedido: € 185.983,07
Tema: IS – Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS).
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. Isaque Marcos Lameiras e Dr. José Ramos Alexandre (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:   

 

  1. Relatório

 

 

A... Lda. (“Requerente”), com o número de identificação fiscal..., e com sede na Av. ..., n.º ... em Lisboa apresenta pedido de Pronúncia Arbitral no sentido de ser declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação do Imposto do Selo (“IS”) efetuadas em 2015, nos termos da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (“TGIS”), aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e entretanto revogada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, em relação aos prédios urbanos da espécie “terrenos para construção”, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ..., ..., ..., ..., ..., ... .

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 2018-04-27 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

Em 16/04/2018 as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 4 de julho de 2018.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

A - A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

A requerente foi notificada para efetuar o pagamento de imposto de selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, anexa ao Código, liquidado pela AT com referência ao ano de 2015, relativamente a 6 imóveis urbanos classificados como terrenos para construção, dois inscritos na matriz predial da freguesia de ...-Lisboa, outros dois inscritos na matriz predial de ...-Porto, mais um inscrito na freguesia da ...-Lisboa e um último inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Sintra, todos devidamente identificados nos autos com os artigos matriciais acima indicados.

A Requerente entende que a norma do artº 28.1 da Tabela Anexa ao Código do Imposto de Selo é materialmente inconstitucional formulando, com base nessa inconstitucionalidade um pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações efetuadas nos termos da verba 28.1 da TGIS.

A Requerente faz assentar o juízo de inconstitucionalidade da referida norma essencialmente na jurisprudência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 250/2017, de 24 de Maio, defendendo que as referidas liquidações de IS violam o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), e são, em paralelo, contrárias ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo104.º, n.º 3, do mesmo Diploma, sendo, portanto, inconstitucionais.

 Entende ainda a impugnante que as liquidações de imposto de selo identificadas e exigidas pela AT não atendem à sua atividade concreta (atividade de compra e venda de terrenos para construção).

Defende a Requerente que nas sociedades comerciais cujo objeto consiste na compra e venda de imóveis, o direito de propriedade sobre os terrenos para construção consubstancia o substrato patrimonial da sua atividade económica, o meio essencial à prossecução da sua atividade e não qualquer manifestação de riqueza, falhando em absoluto o pressuposto de que a propriedade sobre tais terrenos para construção possa constituir indício de capacidade contributiva superior.

Conclui a Requerente que “Resulta claro do que vem sendo dito que a interpretação feita pela AT da verba 28.1 da TGIS materializa uma discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção, o que implica a sua inconstitucionalidade material, por ofensa dos princípios da igualdade e capacidade contributiva, pelo que, uma vez mais, terá de se concluir pela ilegalidade das liquidações por erro nos pressupostos de facto e de direito.”

Também aqui a Requerente se defende com o consignado a este propósito no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 250/2017.

Noutro plano de argumentação, defende a Requerente “que as liquidações de IS de que foram alvo os terrenos por construção por si detidos não atentaram à tipologia edificatória dos mesmos, tendo sido cegas relativamente ao destino específico que lhes virá a ser dado depois de materializada a construção”.

Considerando o avultado número de fogos a edificar em cada lote de terreno para construção, essas habitações, quando consideradas individualmente, apresentarão um VPT muito abaixo do limite de 1.000.000, 00 Euros.

Argumenta a Requerente que “Assim, incidindo o IS previsto na verba 28.1 sobre o VPT dos terrenos para construção determinado nos termos supramencionados, verificar-se-á, indiscutivelmente, uma discriminação injustificada quando o IS incidir sobre os terrenos para construção antes de se encontrarem edificadas as frações autónomas/ unidades suscetíveis de utilização independente, cada uma delas de valor inferior a 1.000.000,00 Euros.”

“É, pois, de concluir que a norma contida na verba 28.1 é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, por se aplicar a terrenos para construção com VPT igual ou superior a 1.000.000,00 Euros, para os quais a construção autorizada ou prevista não inclua qualquer fração autónoma/ unidade suscetível de utilização independente com VPT superior àquele referencial.”

Tendo por referência a decisão arbitral n.º 507/2015-T de 17-03-2016, refere a Requerente que se impõe “pois, uma interpretação restritiva do preceito, no sentido de se considerar que estão sujeitos a tributação os lotes de terreno para construção, mas, apenas e tão só, no caso da construção autorizada ou prevista ser para habitações de elevado valor ou seja, para unidades habitacionais de valor superior a um milhão de Euros.” (sublinhado nosso).”

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu e juntou processo instrutor, apresentando defesa por exceção e por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para a apreciação do pedido de declaração da inconstitucionalidade material da verba n.º 28 da TGIS;
  2. Para a obtenção do provimento desta alegada exceção, a AT entende que a requerente ao longo de todo o seu petitório não assaca nenhuma ilegalidade aos atos de liquidação, objeto de impugnação nos autos arbitrais.
  3. Pelo que “É manifesto que a competência do foro jurisdicional arbitral não compreende a apreciação da conformidade constitucional de atos legislativos ou das suas normas, ex vi artigo 2.º, n.º 1 do RJAT;
  4. Pelo que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade material, «da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º e 104.º n.º 3 da CRP.»). 
  5. A incompetência absoluta em razão da matéria configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, e acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT”.
  6. Defendendo-se também por impugnação, a Requerida considera que as liquidações impugnadas resultam da aplicação direta da norma legal, e que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária.
  7. “Os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo.
  8. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro que alterou o artigo 1º do Código do Imposto de Selo, aditou à Tabela Geral deste imposto, a verba 28, passando o imposto de selo a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário que conste da respetiva matriz nos termos do CIMI seja igual ou superior a €1.000.000,00.
  9. Fiscalmente os imóveis identificados nos autos são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados e, por isso, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exatamente prédios urbanos com vocação habitacional.
  10. Note-se que o legislador não refere ‘prédio destinado a habitação’, tendo optado pela noção ‘afetação habitacional’, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, n.º 1, alínea a) do CIMI.
  11. Ou seja, o legislador limitou-se a definir, sem margem para dúvidas, o elemento lógico subjacente à exposição de motivos que serviu de base à Proposta de Lei n.º 96/XII.
  12. Pelo que, se mantêm integralmente válidas e legais as liquidações ora impugnadas.”

 

C - Por não haver razões que o justificassem o tribunal dispensou a realização da primeira reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo. O Tribunal designou o dia 4 de janeiro de 2012 para o efeito da prolação do acórdão.

 

D - A Requerente e a Requerida apresentaram alegações reiterando os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais.  

 

  1. Saneamento

 

 A Requerida suscita a exceção da incompetência material porque o presente Tribunal é, na sua ótica, incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade material «da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo» por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º e 104.º da CRP».

Em primeiro lugar cumpre esclarecer que a Requerente se limita a basear a ilegalidade da liquidação impugnada por desconformidade da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo por violação de normas Constitucionais e não propriamente a pedir a declaração de inconstitucionalidade daquela norma.

Assim sendo, é verdade que a Requerida se encontra diretamente subordinada à lei e tem de agir em conformidade com a mesma. Tal facto não prejudica, porém, o direito de os particulares suscitarem, nos litígios submetidos em concreto a julgamento dos tribunais, a inconstitucionalidade de determinadas normas, nem tão pouco pode impedir os tribunais, incluindo os arbitrais, de apreciarem as questões de inconstitucionalidade, que lhes sejam colocadas, aplicando ou desaplicando as normas em causa, no exercício dos poderes constitucionalmente conferidos (cfr. os artigos 204.º, 209.º e 280.º da CRP).

Relativamente a idêntica questão, acompanhamos a decisão arbitral de 04-05-2018, proferida no Processo n.º 675/2017-T, do CAAD, na parte em que refere:

“Haverá, decerto, algum equívoco, pois, num Estado de Direito, é aos Tribunais e não a quaisquer outros órgãos, designadamente os que têm funções legislativas e executivas, que compete administrar a justiça, «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados» (artigos 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), para o que têm de interpretar e aplicar as leis para dirimir os litígios entre os cidadãos e a Administração.

E é também aos Tribunais que a CRP atribui o poder de controlar a constitucionalidade das leis, emitidas pelos órgãos com poder legislativo (artigo 204.º da CRP).

A presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e no exercício do seu poder jurisdicional cabe-lhe aplicar a lei, segundo a sua interpretação, estando apenas sujeito à lei, tal como a interpreta, não estando obrigado a adotar a interpretação adotada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou a que hipoteticamente adotariam os órgãos com poder legislativo se lhes fosse atribuída a competência para a aplicação da lei aos litígios pendentes nos Tribunais.

Por outro lado, no exercício da sua atividade interpretativa o Tribunal Arbitral não está limitado pela letra da lei, devendo adotar todos os critérios de interpretação previstos na lei, designadamente os indicados no artigo 9.º do Código Civil e 11.º da LGT: «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apenas não podendo considerar «o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal», que pode mesmo ser «imperfeitamente expresso»”.

Em suma, não se pede à Requerida que proceda à aplicação ou desaplicação de normas por inconstitucionalidade. Esse pedido é dirigido aos tribunais em geral, incluindo aos arbitrais, nos feitos submetidos a julgamento.

    Termos em que improcede a alegada exceção.

 

As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A cumulação de pedidos não oferece qualquer obstáculo, por se verificar a identidade do tributo, bem como dos fundamentos de facto e de direito invocados.

O processo não enferma de nulidades.

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido [cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT].

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

Factos provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão–se como assentes e provados os seguintes fatos:

  1. A Requerente, no ano de 2015, era proprietária dos prédios urbanos que a seguir se descrevem:
  • Prédio inscrito na matriz predial urbana na freguesia de ..., distrito e concelho de Lisboa, sob o artigo matricial...;
  • Prédio inscrito na matriz predial urbana na freguesia de ..., distrito e concelho de Lisboa, sob o artigo matricial ...;
  • Prédio inscrito na matriz predial urbana na freguesia de ..., distrito e concelho do Porto, sob o artigo matricial ...;
  • Prédio inscrito na matriz predial urbana na freguesia de ..., distrito e concelho do Porto, sob o artigo matricial...;
  • Prédio inscrito na matriz predial urbana na freguesia de ..., distrito e concelho de Lisboa, sob o artigo matricial ...;
  • Prédio inscrito na matriz predial urbana na freguesia de União das Freguesias de ... e ..., concelho de Sintra, distrito de Lisboa, sob o artigo matricial ...;
  1. Conforme resulta das respetivas cadernetas prediais, os referidos prédios urbanos são todos terrenos classificados como para construção e têm um Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) superior a 1.000.000 Euros.
  2. Em relação ao ano de 2015, a AT emitiu liquidações do IS previsto na verba 28.1 da TGIS, aplicando a taxa d 1% ao valor patrimonial dos referidos prédios urbanos da espécie “terrenos para construção”, a 5 de abril de 2016, apurando os montantes de coleta seguintes:
  • Prédio urbano com o artigo matricial ... - liquidação de €21.075,00;
  • Prédio urbano com o artigo matricial ...- liquidação de €32.323,00
  • Prédio urbano com o artigo matricial ... - liquidação de €22.984,90
  • Prédio urbano com o artigo matricial ... - liquidação de €19.937,10;
  • Prédio urbano com o artigo matricial ... - liquidação de €34.141,80;
  • Prédio urbano com o artigo matricial ... - liquidação de €55.521,27;
  1. A Requerente procedeu ao pagamento das notas de cobrança referentes à primeira prestação no dia 26 de abril de 2016, ao pagamento das notas de cobrança referentes à segunda prestação no dia 25 de julho 2016 e ao pagamento das notas de cobrança referentes à terceira prestação no dia 23 novembro de 2016, conforme prova documental junta ao processo.

 

Considera o Tribunal que nenhum outro facto relevante ou essencial para a apreciação do pedido ficou provado ou não provado.

 

 

Motivação quanto à prova

 

  1. É sabido que o juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas aquela que interessa à decisão, considerando a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e decidir se a considera provada ou não provada.
  2. Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
  3. No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados pela parte, e que não foram impugnados, e na cópia do processo administrativo instrutor, apresentado pela AT, tendo ainda em conta que nenhuma da matéria de facto alegada foi contestada ou impugnada.

 

III.2. Matéria de Direito

 

 

III.2.1. Da ilegalidade da liquidação  

 

            Compulsados os autos verifica-se que a Requerente faz assentar essencialmente a ilegalidade dos atos tributários sub judice na sua desconformidade com a Constituição da República (inconstitucionalidade material) da norma de incidência tributária vertida na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“de agora em adiante abreviadamente designado por TGIS”), anexa ao Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

Nos termos desta norma estão sujeitos a Imposto do Selo:

 

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”.

 

Considera a Requerente que a referida norma é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva fundamentando largamente a sua argumentação (e.g. os §.45.º, 58.º, 62.º, 73.º e 84.º do Pedido de Pronúncia Arbitral) na Jurisprudência vertida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 250/2017, datado de 24 de Maio de 2017 e proferido no âmbito do processo n.º 156/2016 (Conselheiro Cláudio Monteiro).

 

Para fundamentar a decisão de inconstitucionalidade, e sinteticamente, argumentou-se neste aresto que, pretendo a verba 28.1 da TGIS “constituir uma taxa complementar de IMI, dirigida a discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes (…) a mesma deveria englobar, ou pelo menos considerar, o conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, sob pena de atingir os diferentes contribuintes de forma excessivamente desigual. Tanto mais que o imposto em questão não é progressivo, e que basta por isso que o valor patrimonial tributário de um prédio seja inferior em apenas um euro ao milhão exigido pela referida verba para que o respetivo proprietário nada tenha a pagar, mesmo que seja proprietário de vários prédios desse valor”. E prossegue: “É que, ao não alargar a base de tributação, pelo menos, ao conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, não personalizando suficientemente o imposto, aquela verba não se revelou adequada a prosseguir “o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento, como o legislador se propôs na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª, que esteve na origem da referida Lei n.º 55-A/2012.”

 

Adicionalmente, refere o Tribunal que “ao reunir na mesma verba a tributação de casas de luxo e de terrenos para construção, no pressuposto de que ambos se subsumem genericamente à categoria de bens imóveis de elevado valor patrimonial tributário, a norma cuja validade se discute confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza.”

 

De facto, prossegue, “por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.”

 

Assim, em suma, e apelando ao princípio da capacidade contributiva enquanto critério de igualdade tributária, concluiu o Tribunal Constitucional pela inconstitucionalidade da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

De referir que matéria da alegada inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS e, em particular, após as alterações introduzidas pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, foi objeto de diversas Decisões Arbitrais em sentidos diversos.

 

Por exemplo, e pugnando pela inconstitucionalidade da norma no mesmo sentido que o viria a fazer o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 250/2017 de 24 de Maio, veja-se a Decisão Arbitral datada de 17 de Março de 2017 proferida no âmbito do processo n.º 507/2015-T (Jorge Lopes de Sousa) e, já em momento posterior, as Decisões Arbitrais datadas de 02/10/2017 e 27/06/2018 e proferidas, respetivamente, no âmbito dos processos n.ºs 152/2017-T (Sérgio Santos Pereira) e 603/2017-T (Marcolino Pedreiro).

 

Em sentido diverso, por exemplo, vejam-se as decisões datadas de 15/12/2015, 20/01/2016, e 28/04/2016 e proferidas, respetivamente, no âmbito dos processos n.ºs 515/2015 (Magda Feliciano), 517/2015 (Mariana Vargas) 516/2015 e (Baeta de Queiroz)[1].

 

            Sucede, porém, que a questão foi recentemente reapreciada pelo Plenário do Tribunal Constitucional que, no Acórdão n.º 378/2018, datado de 4 de Julho de 2018 e proferido no âmbito do processo n.º 156/2016 (Conselheiro João Caupers)[2], conclui pela não inconstitucionalidade da norma revogando expressamente o Acórdão n.º 250/2017 de 24 de Maio.

 

No referido aresto, e sinteticamente, o (Plenário) do Tribunal Constitucional imputa à decisão de inconstitucionalidade vertida no já citado Acórdão n.º 250/2017 um “vício metodológico”  e que consiste em considerar que “há desigualdade constitucionalmente censurável porque se tributa o proprietário de um único prédio habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000 e se isenta de imposto o proprietário de vários prédios com tal afetação cujo valor patrimonial tributário individual seja inferior em apenas um euro à quantia fixada naquela verba.”

 

De facto, considera o Tribunal que: “analisando o problema de inconstitucionalidade na perspetiva da situação jurídica selecionada como determinante da aplicação do tributo – a da titularidade do direito de propriedade sobre um único terreno para construção de valor igual ou superior a €1000.000,00 cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação –, não se afigura fundado o juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade tributária, que a decisão recorrida dirige à verba 28.1 da TGIS.”

 

Ora, prossegue, “o imposto previsto na Verba 28.1, como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de determinados valores patrimoniais, «independentemente da função desempenhada por tais activos (capital produtivo, aplicação de fundos ou poupança ou consumo duradouro)» (Decisão Sumária n.º 214/2017). Por outro lado, sendo um imposto sobre o património, também não individualiza nem distingue os respetivos sujeitos passivos por recurso a outro critério que não seja precisamente a titularidade desses valores patrimoniais. Assim, aplica-se indistintamente a pessoas singulares e pessoas coletivas e, dentro desta categoria, a associações, fundações e sociedades comerciais, independentemente do ramo económico em que estas últimas operem e dos específicos riscos comerciais existentes nos respetivos sectores de atividade, aliás próprios de toda e qualquer atividade comercial.”

 

Assim, afirma o Tribunal Constitucional, “a opção por tal modelo de tributação é constitucionalmente legítima, sendo virtualmente apta, com tal configuração, a prosseguir o programa que a Constituição lhe associa de contribuir para a igualdade entre os cidadãos, não decorrendo da argumentação expendida na decisão sob recurso a demonstração fundada de que efetivamente ocorre «arbitrariedade intolerável» na opção normativa de alargar a incidência do referido imposto aos terrenos para construção.

 

De facto, prossegue, “se é certo que a simples titularidade de terrenos para construção de habitações de valor igual ou superior a €1.000.000,00 não permite, só por si, determinar a concreta e completa situação económico-financeira em que se encontra o sujeito passivo do imposto – o que, repete-se, não é constitucionalmente exigível -, também não autoriza juízos extrapolativos sobre o tipo de contribuintes atingidos por tal norma de incidência, o ramo de atividade em que atuam e as vicissitudes conjunturais, nomeadamente de mercado, a que poderão estar sujeitos.”

 

Acresce que para o Tribunal Constitucional, “A mera probabilidade estatística de serem atingidos pela norma em questão sociedades comerciais dedicadas à promoção imobiliária, associada à ponderação de varáveis económicas de verificação incerta, como seja o impacto económico do imposto nesse particular ramo de atividade comercial – cujo valor, aliás, não deixará de ser considerado como custo da atividade -, não constitui razão suficientemente sólida para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma em causa, na específica hipótese em apreciação, considerando, além do mais, o caráter negativo do controlo constitucional ditado pelo princípio da igualdade.”

 

Finalmente, e quanto ao argumento segundo o qual a tributação dos terrenos para construção se basear na possibilidade futura de neles se virem a construir habitações sem considerar a respetiva tipologia edificatória e estrutura jurídica, afirma o Tribunal Constitucional: “(…) o que releva para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem.

As transformações juridicamente relevantes que o objeto da propriedade vier a sofrer no decurso do tempo, a partir desse momento, decorrentes, designadamente, da eventualidade de vir a ser construído num terreno para construção de valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00 uma edificação constituída por frações autónomas de valor inferior, configuram hipóteses de verificação e conteúdo incerto, mesmo considerando a existência de um licenciamento nesses termos, que pode vir a ser alterado ou nem sequer utilizado. Não podem, por isso, relevar decisivamente na avaliação da constitucionalidade de normas, ou segmentos delas, que, em virtude da sua ocorrência, deixarão de ser aplicáveis.

O único dado certo que, no enquadramento legal aplicável, pode e deve ser ajuizado, no plano constitucional, é a titularidade, no momento do vencimento da obrigação tributária em causa, de direitos reais de gozo sobre um terreno para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, se destina a habitação.”

 

Com fundamento na argumentação que, sucintamente acima se transcreveu, decidiu o Tribunal Constitucional:

“a) Não julgar inconstitucional a norma constante Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a (euro)1.000.000,00;

b) Conceder provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

c) Revogar o Acórdão n.º 250/2017.”

O conteúdo do referido aresto, ao qual a presente Decisão Arbitral não pode deixar de se arrimar, cobre de forma cabal todas as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente.

Falece igualmente a tese da Requerente no sentido de uma interpretação restritiva da verba 28.1 da TGIS ser a mais conforme à Constituição. A letra dos preceitos em causa é suficientemente clara e inequívoca no sentido da jurisprudência consignada no Acórdão do Tribunal atrás referenciado, não havendo qualquer espaço para o intérprete ter de escolher entre duas interpretações possíveis daquela noma a mais amiga da Constituição.

Por tudo o quanto vai exposto, conclui-se pela improcedência do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica das liquidações de IS ora impugnadas.

 

III.2.2.Dos Juros indemnizatórios

 

Não se verificando a ilegalidade apontada pela Requerente aos atos tributários em apreço, o pedido de juros indemnizatórios por si formulado fica prejudicado.

 

 

  1. Decisão

 

Nestes termos e com a fundamentação supra, o tribunal decide,

 

  1. Julgar improcedente a exceção suscitada;
  2. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica das liquidações de IS impugnadas;
  3. Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

 

 

V. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 185.983,07 Euros.

 

VI. Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, e Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3 672, 00, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de dezembro de 2018.

 

 

 

Os árbitros,

 

 

Fernanda Maçãs (presidente)

 

 

Dr. Isaque Marcos Lameiras (vogal)

 

 

 Dr. José Ramos Alexandre (vogal)

 

 



[1] Todos disponíveis em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/.