Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 176/2018-T
Data da decisão: 2018-12-05  IVA  
Valor do pedido: € 197.962,43
Tema: IVA – Renúncia à isenção em operações sobre imóveis – artigo 12.º, n.º 4 do CIVA e D.L n.º 21/2007, de 29.01 – direito à dedução.
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DECISÃO ARBITRAL

                                 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Prof. Doutor Pedro Soares Martínez e Dra. Filipa Barros (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 18 de junho de 2018, acordam no seguinte:

 

 

  1.  Relatório

 

A..., Lda., contribuinte fiscal número..., com sede na Rua..., n.º ... ..., ...-... Odivelas, adiante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e vem deduzir pretensão anulatória respeitante ao ato de indeferimento do pedido de reembolso de IVA do período de dezembro de 2016 e, bem assim, ao ato conexo de liquidação de IVA n.º 2018..., no valor de € 197.962,43 (cento e noventa e sete mil novecentos e sessenta e dois euros e quarenta e três cêntimos), geradores de uma correção alegadamente indevida no valor do excesso a reportar existente na sua conta corrente de IVA.

 

A Requerente requer ainda a condenação da AT à restituição daquela importância, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

 

Como fundamento do pedido anulatório, a Requerente alega diversos vícios, de ordem formal e substantiva que, de seguida, se sintetizam.

 

Do ponto de vista formal, a Requerente argui vício de fundamentação. Considera que o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) não explicita de forma clara, suficiente e congruente as razões factuais e jurídicas subjacentes às correções de IVA efetuadas, nos termos dos artigos 268.º, n.º 3 da Constituição (“CRP”) e 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT.  Sustenta ainda que o RIT não contém o detalhe do valor total corrigido, que inclui IVA deduzido em gastos incorridos com um imóvel que não foi objeto de correção no RIT – o imóvel da ...– pelo que, quanto a este, o vício de fundamentação é de falta absoluta.

 

Relativamente aos vícios substantivos, a Requerente alega erro nos pressupostos, por entender que a renúncia à isenção do IVA foi exercida em conformidade com os requisitos legais, tendo sido solicitados e obtidos os correspondentes certificados previamente à celebração dos contratos de locação financeira dos imóveis de..., de ... e da ..., conforme previsto no Decreto-lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro[1] (“Regime de Renúncia”) e no artigo 12.º, n.º 4 do Código do IVA, em transposição do artigo 137.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, JO L 347 de 11 de dezembro de 2006 (“Diretiva IVA”).

 

Segundo a Requerente, foram, nomeadamente, observados os requisitos relativos:

  1. À atividade da Requerente, cujo objeto social abrange a aquisição de imóveis para venda ou locação com carácter de habitualidade, tendo sido apurada, nos anos 2015 e 2016, uma percentagem de dedução de 95% e 100%, respetivamente (artigo 3.º, n.ºs 1 e 3 do Regime de Renúncia);
  2. Aos imóveis objeto dos contratos de locação financeira, os quais (i) dizem respeito à totalidade de prédios urbanos (... e ...) ou de frações autónomas destes (...); e (ii) foram destinados ao exercício de atividades económicas tributadas em IVA, através da cedência da sua exploração para atividades de armazenagem e logística.

 

            Alega que a cedência de exploração dos três imóveis foi feita a uma sociedade devidamente identificada que desenvolve a atividade de transporte e logística, pelo que é de afastar a alegação de inexistência de locatário. Acresce que nem sequer seria necessário, ao contrário do que afirma a AT, um locatário concreto. Bastaria a intenção de utilizar o imóvel numa atividade tributada. Alguns contratos não foram comunicados à AT, porque não configuram contratos de arrendamento ou subarrendamento, apesar de denominados de “sublocação” conforme modelo do locador financeiro. Assim, não se enquadram na obrigação declarativa que consta do artigo 60.º do Código do Imposto do Selo, cujo incumprimento, a existir, não suscitaria, em todo o caso, quaisquer implicações em IVA.

 

            Sendo os imóveis apetrechados para o exercício das atividades (de armazenagem e logística) prosseguidas pela entidade cessionária, a operação de cedência em apreço extravasa o conceito de “locação de bens imóveis” e a respetiva isenção em IVA prevista no artigo 135.º, n.º 1, alínea l) da Diretiva IVA e do artigo 9.º, n.º 29 do Código do IVA, sendo por isso automaticamente tributada, sem necessidade de prévia renúncia à isenção.

 

Quanto ao imóvel de ..., que configura um prédio em propriedade total, o facto de no pedido de emissão do certificado de renúncia ter sido, por lapso, indicado, a título de “Fração”, uma das divisões de utilização independente – o “ARM-A” (armazém A), não legitima a AT a concluir pela invalidade da renúncia.

 

É percetível da leitura do contrato de locação que a operação incidiu sobre a totalidade do prédio de ... e não sobre uma das suas partes, sendo a renda inscrita no pedido de certificado aquela que no contrato corresponde à da locação da totalidade do prédio, pelo que se trata de mera discrepância formal relativa ao certificado que não suscita a invalidade.

 

Acresce que, se apenas a totalidade de um prédio e não uma das suas partes pode ser objeto de renúncia, o sistema informático da AT não devia ter permitido a emissão de um certificado de renúncia relativamente a uma divisão de utilização independente. Assim, foi a deficiência do sistema da AT que viabilizou o exercício da renúncia relativamente a uma parte independente com o erro de digitação da Requerente. Se, nestas circunstâncias, depois de emitir o certificado, a AT o considera inválido, tal configura uma situação de venire contra factum proprium violadora do princípio da colaboração (artigos 59.º da LGT e 48.º do CPPT).

 

No que se refere especificamente ao imóvel de ..., apesar de na data da locação à Requerente estar classificado como “terreno para construção”, a realidade fática não era essa, mas a de um prédio concluído apto à prossecução de uma atividade económica (desde 2007). A circunstância de, neste caso, ter sido, a título acidental, assinalada a opção “Transmissão” ao invés de “Locação” no pedido de emissão de certificado, não pode invalidar a renúncia à isenção realizada.

 

            A Requerente conclui pela anulação do ato de indeferimento do pedido de reembolso de IVA e consequente reconhecimento do crédito de IVA reportado na declaração de IVA referente ao quarto trimestre de 2016, com a condenação da AT à restituição do valor de € 197.962,43, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT e 61.º do CPPT. Juntou 23 (vinte e três) documentos e requereu prova testemunhal.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

 

            Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT.

 

            As partes, oportunamente notificadas dessa designação, não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 18 de junho de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

            A Requerida apresentou resposta e juntou o processo administrativo (“PA”). Pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido arbitral, por não estarem preenchidos os pressupostos legais da renúncia à isenção nas operações de locação financeira vertentes.

           

            No caso do imóvel de ..., a AT considera que apenas se verificou a renúncia e comunicação da locação de uma parte, a divisão independente “ARM-A” (armazém A). Entende que não está cumprida a condição exigida nos artigos 2.º, n.º 1, alínea c), 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 9.º do Regime de Renúncia, segundo a qual a operação deve incidir sobre a totalidade do imóvel. A referida comunicação não pode ser considerada como um lapso, por não ter caráter manifesto e porque foram atribuídos efeitos constitutivos de direitos relativamente a essa fração, o que implicaria incerteza e insegurança jurídica inadmissível.

 

Relativamente ao imóvel de ... que, de acordo com o contrato de locação, tem por objeto um terreno para construção, não foi pedida a renúncia à isenção do IVA na operação de locação, nem emitido um certificado pela AT para esse efeito, pelo que não está cumprida uma condição indispensável para o exercício válido da opção pela respetiva tributação (da locação) em IVA. O certificado de renúncia exibido pela Requerente respeita a uma operação de transmissão que não é a que está aqui em discussão.

 

            Por outro lado, o Regime de Renúncia só admite a opção pela tributação nas operações de locação de prédios urbanos ou de frações autónomas e não de terrenos para construção. Quanto a estes, a renúncia à isenção apenas é admitida quando se trate da transmissão de imóveis.  

 

A Requerida defende também não se constatar qualquer vício de falta de fundamentação, tendo sido dado conhecimento à Requerente do iter que levou à decisão final.

 

            Por fim, requer a dispensa de produção de prova testemunhal.

 

Na sequência de despacho que determinou a inquirição das testemunhas, com vista ao apuramento da verdade material, realizou-se, em 15 de outubro de 2018, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual foram ouvidas as testemunhas indicadas pela Requerente, B... e C... .

 

            O Tribunal notificou as partes para alegações escritas sucessivas e designou o dia 17 de dezembro de 2018 como data limite de prolação da decisão arbitral. Por fim, advertiu-se a Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o pagamento ao CAAD.

           

            A Requerente apresentou as suas alegações escritas, mantendo, na essência, os argumentos que constam do pedido de pronúncia arbitral, que considera reforçados com a prova produzida, tendo a Requerida optado por não o fazer.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas exceções.

 

 

  1. Fundamentação

 

  1. Matéria de facto

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos provados:

 

            A.  A A..., Lda., aqui Requerente, é uma sociedade que foi constituída em 10 de novembro de 2015 e tem por objeto social a compra, venda e arrendamento de imóveis, serviços de armazenagem, prestação de serviços de consultoria, logística e mediação imobiliária, bem como a prestação de serviços conexos (CAE 68100) – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto como documento 4 com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) e constante do PA.

 

            B.  A Requerente está enquadrada no cadastro de IVA no regime normal de periodicidade mensal, previsto no artigo 41.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA – cf. RIT e documento 20 junto com o ppa.

 

            C.  Em 5 de fevereiro de 2016, a Requerente celebrou com o C..., S.A. (como locador e doravante designado por “Banco”) o contrato de cessão de posição contratual e aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária n.º..., adiante referido por “Contrato de ...”, através do qual aquela [a Requerente] ocupou a posição contratual de locatária no contrato de locação financeira originariamente celebrado, em 26 de outubro de 2000, entre o Banco e outra sociedade – cf. documentos 7 e 12 junto com o ppa e PA.

 

            D. Este contrato de cessão de posição contratual identifica como objeto do contrato de locação financeira o lote n.º 1, com origem num acervo de 8 prédios rústicos e urbanos (neste último caso terrenos para construção), situado em ..., no ..., freguesia de ..., concelho de ..., com a área total de 8.780,12m2, na sequência da Autorização de Loteamento constante do Alvará de Loteamento n.º .../2006, aprovado pelas deliberações da Câmara Municipal de ... datadas de 12 de julho de 2005 e de 22 de novembro de 2005, inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de ... e ... sob o artigo ... – cf. documentos 7 e 12 junto com o ppa e PA.

 

            E.  Foi pedido pelo locador e emitido pelo Serviço de Finanças do Porto ..., em 6 de janeiro de 2016, um certificado de renúncia à isenção relativo ao imóvel de ... sob a denominação de “Certificado de Renúncia à Isenção do IVA na Transmissão de Bem Imóvel” que atesta que o Banco “manifestou a intenção ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º do CIVA, de renunciar à isenção do imposto sobre o valor acrescentado prevista na alínea 30) do artigo 9.º do CIVA, declarando reunir as condições estabelecidas para o efeito nas mencionadas disposições do artigo 12.º do CIVA e no Regime de renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, com referência a:

            Identificação do Imóvel

            Freguesia: ...– ...

            Artigo:...                                

 

            Identificação do Adquirente

            Nome: A... LDA         NIF: ...

Morada: RUA ..., ... ...-... ODIVELAS

 

            Outros dados

            Valor da Transmissão: 2.506,41€

            […]”

– cf. documentos 7 e 15 juntos com o ppa e PA.

 

            F.  A Cláusula Décima do Contrato de ..., sob a epígrafe “Renúncia à Isenção do IVA”, refere que a Requerente pretende optar pela tributação do contrato em sede de IVA e que reúne todas as condições legais para o efeito. O n.º 6 desta Cláusula Décima menciona ainda que “fica anexado ao presente contrato um Certificado emitido em 06 de janeiro de 2016, pelo Serviço de Finanças Porto –..., comprovativo de que o Locador renunciou à isenção do Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA, ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 6 do art. 12.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.” – cf. documento 7 junto com o ppa e PA.

 

G. À data em que a Requerente assumiu a posição de locatária financeira no Contrato de ... (5 de fevereiro de 2016) não tinha sido encetado o procedimento camarário tendente à obtenção de uma licença de utilização de uma construção implantada no Lote n.º..., nem tinha sido efetuado o averbamento de qualquer prédio urbano na inscrição do Lote n.º 1 na Conservatória do Registo Predial, nem na correspondente matriz predial, estando o imóvel classificado e descrito como terreno para construção (lote) no Registo Predial e na matriz cadastral das Finanças – cf. documentos 7 e 14 junto com o ppa e PA.

 

            H.  Em 5 de fevereiro de 2016, a Requerente celebrou com o Banco (como locador) o contrato de cessão de posição contratual e aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária n.º ..., adiante referido por “Contrato da...”, através do qual aquela [a Requerente] ocupou a posição contratual de locatária no contrato de locação financeira originariamente celebrado, em 10 de setembro de 2002, entre o Banco e outra sociedade. De acordo com o contrato de cessão de posição contratual o imóvel locado respeita à fração autónoma designada pela letra A, correspondente a um armazém destinado a indústria com 3 áreas e entrada pelo n.º..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º ... – ..., e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o artigo..., com Licença de Utilização n.º..., emitida em 12 de julho de 2002, pela Câmara Municipal da ...– cf. documento 8 junto com o ppa.

 

            I.  Foi pedido pelo locador e emitido pelo Serviço de Finanças do Porto..., em 6 de janeiro de 2016, um certificado de renúncia à isenção relativo ao imóvel da ... sob a denominação de “Certificado de Renúncia à Isenção do IVA na Transmissão de Bem Imóvel”, que atesta que o Banco “manifestou a intenção ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º do CIVA, de renunciar à isenção do imposto sobre o valor acrescentado prevista na alínea 30) do artigo 9.º do CIVA, declarando reunir as condições estabelecidas para o efeito nas mencionadas disposições do artigo 12.º do CIVA e no Regime de renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, com referência a:

            Identificação do Imóvel

            Freguesia: ...– ...

            Artigo:...                    

 

            Identificação do Adquirente

            Nome: A... LDA         NIF: ...

Morada: RUA ..., ... ...-... ODIVELAS

 

            Outros dados

            Valor da Transmissão: 3.390,06€

            […]”

– cf. documento 8 junto com o ppa.

 

            J.  A Cláusula Décima do Contrato ..., sob a epígrafe “Renúncia à Isenção do IVA”, refere que a Requerente pretende optar pela tributação em sede de IVA do contrato e que reúne todas as condições legais para o efeito. O n.º 6 desta cláusula menciona ainda que “fica anexado ao presente contrato um Certificado emitido em 06 de janeiro de 2016, pelo Serviço de Finanças Porto –..., comprovativo de que o Locador renunciou à isenção do Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA, ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 6 do art. 12.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.” – cf. documento 8 junto com o ppa.

 

            K.  Em 1 de março de 2016, a Requerente celebrou com a sociedade E..., Lda., que se dedica à atividade de armazenagem e logística, de um contrato denominado de “Sublocação”, cujo objeto é, de acordo com a cláusula primeira, o imóvel do Contrato de ..., tendo por contrapartida o pagamento de uma renda mensal no valor de € 7.500,00 – cf. documentos 16 e 13 juntos com o ppa.

 

            L.  Na sequência de iniciativa desenvolvida pela Requerente junto das autoridades camarárias após a celebração do Contrato de ..., foi emitido, em 19 de outubro de 2016, pelo Município de..., o Alvará de Utilização n.º.../2016, aprovado por despacho de 6 de setembro de 2016, que titula a utilização para armazém do prédio urbano da freguesia de ... inscrito na matriz sob o artigo..., que constitui o objeto daquele contrato, a que corresponde o Alvará de Licença de Construção n.º..., emitido em 16 de julho de 2008, a favor da anterior locatária – cf. documento 14 junto com o ppa.

 

            M.  Em 29 de dezembro de 2016, a Requerente (na qualidade de locatária) celebrou com o Banco o contrato de locação financeira imobiliária n.º..., adiante referido por “Contrato de...”, através do qual tomou de locação, com opção de compra, o prédio urbano em regime de propriedade total, destinado a armazéns e atividade Industrial, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... daquela freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da união das freguesias de ... e ..., com a licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de ... sob n.º .../2003, destinada a indústria – cf. documentos 6, 9 e 10 juntos com o ppa e PA.

 

N.  O prédio urbano objeto do Contrato de ... é constituído por 8 divisões com utilização independente, identificadas na caderneta predial correspondente ao artigo matricial n.º..., nos seguintes moldes:

            - ARM-A, Afetação; armazéns e atividade industrial; Permilagem203.3554

            - ARM-B, Afetação; armazéns e atividade industrial; Permilagem203.3554

            - ARM-C, Afetação; armazéns e atividade industrial; Permilagem203.3554

            - ARM-D, Afetação; armazéns e atividade industrial; Permilagem203.3554

            - ESC.A, Afetação; Serviços; Permilagem 44,1026

            - ESC.B, Afetação; Serviços; Permilagem 49,1866

            - ESC.C, Afetação; Serviços; Permilagem 49,1866

            - ESC.D, Afetação; Serviços; Permilagem 44,1026

– cf. documento 9 junto com o ppa e PA.

 

            O.  O Contrato de ... foi celebrado pelo prazo de 7 anos, sendo a primeira renda, no valor de € 875.000,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, e as rendas mensais subsequentes, de € 9.403,10, também acrescidas de IVA – cf. documento 6 junto com o ppa e PA.

 

            P.  O Certificado de renúncia à isenção pedido pelo locador com referência ao Contrato de ... foi emitido pelo Serviço de Finanças de Porto..., em 28 de dezembro de 2016, sob a denominação de “Certificado de Renúncia à Isenção do IVA na Locação de Bem Imóvel” e atesta que o Banco “manifestou a intenção ao abrigo dos n.ºs 4 e 6 do artigo 12.º do CIVA, de renunciar à isenção do imposto sobre o valor acrescentado prevista na alínea 29) do artigo 9.º do CIVA, declarando reunir as condições estabelecidas para o efeito nas mencionadas disposições do artigo 12.º do CIVA e no Regime de renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, com referência a:

            Identificação do imóvel

            Freguesia: ...– ... E ...

            Artigo:...                     Fração: ARM-A

 

            Identificação do locatário

            Nome: A... LDA         NIF: ...

Morada: RUA ... ...-... ODIVELAS

 

            Outros dados

            Valor Mensal da Renda: 9.403,10€

            […]”

– cf. documentos 6 e 11 juntos com o ppa e PA.

 

            Q. Segundo a cláusula 14 das condições particulares, sob a epígrafe “Renúncia à isenção do IVA”, ficou anexado ao Contrato de ...um Certificado emitido em 28 de dezembro de 2016, pelo Serviço de Finanças Porto –..., comprovativo de que o Locador renunciou à isenção do Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA, ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 6 do art. 12.º do Código […]” – cf. documento 6 junto com o ppa e PA.

 

R. O sistema informático da AT, quando do preenchimento do formulário eletrónico de pedidos de renúncia à isenção de IVA relativos a prédios em propriedade total, constituídos por divisões com utilização independente, apresenta um campo para que seja indicada a “fração”, tendo, no caso concreto do Contrato ..., sido aposta, por funcionário do locador a menção “ARM-A” (armazém A) para preenchimento do referido campo – cf. depoimento da testemunha B... .

 

            S.  Em 2 de janeiro de 2017, a Requerente celebrou com a sociedade E..., Lda. um contrato denominado de “Sublocação”, cujo objeto é o prédio urbano em propriedade total de ... supra identificado, tendo por contrapartida o pagamento de uma renda mensal no valor de € 15.000,00 – cf. documento 6 junto com o ppa.

 

            T.  O contrato de “Sublocação” identificado na alínea anterior foi comunicado pela Requerente à AT, através da declaração Modelo 2 do Imposto do Selo, com menção ao artigo matricial ... e à fração ARM-A – cf. RIT.

 

            U.  Entre março e dezembro de 2016, a Requerente acumulou um crédito de IVA de € 193.962,43 originado pelos encargos suportados com os contratos de locação financeira imobiliária, principalmente com a primeira renda devida pelo Contrato ..., cujo IVA deduzido ascendeu a € 201.250,00, conforme fatura de 30 de dezembro de 2016, nos termos da decomposição do quadro seguinte – cf. documentos 17 e 18 juntos com o ppa e PA:

 

Pedido de reembolso

Atividade

Crédito de Imposto (IVA)

Atividade geral da empresa

€ 232,30

Imóvel de ...

€ 201.425,64

Imóvel de ...

€ 3.786,67

Imóvel da ...

€ -7.482,18

 

            V.  Para recuperar o IVA deduzido e em crédito, a Requerente solicitou o respetivo reembolso (de € 193.962,43) na declaração referente ao período (mês) de dezembro de 2016 – cf. documento 18 junto com o ppa e PA.

 

            X.  Na sequência do pedido de reembolso de IVA, foi iniciada uma ação inspetiva à Requerente, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017..., de 3 de julho de 2017, da Direção de Finanças de Lisboa – cf. RIT.

 

Z. A Requerente foi notificada, pelo Ofício n.º..., de 27 de novembro de 2017, do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, com a proposta de indeferimento total do pedido de reembolso de IVA referente ao período de 201612T, no montante de € 197.962,43, tendo por fundamento a falta de preenchimento dos requisitos legais de renúncia à isenção do IVA relativamente aos Contratos de ... e de ...– cf.  documento 2 junto com o ppa e PA.

 

AA. A Requerente exerceu o direito de audição em 15 de dezembro de 2017, tendo junto diversos documentos – cf.  documento 2 junto com o ppa e PA.

 

BB. Subsequentemente, em 27 de dezembro de 2017, a Requerente foi notificada, pelo Ofício n.º... da Direção de Finanças de Lisboa, do Relatório de Inspeção Tributária ou RIT, que manteve a projetada decisão de indeferimento integral do pedido de reembolso, no valor de € 193.962,43, com despacho concordante do Chefe de Divisão, em substituição, por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto, de 20 de dezembro de 2017, com base nos fundamentos infra transcritos:

     “No seguimento da análise ao presente reembolso, foram solicitados com base no disposto [n]o artigo 85º do CIVA, documentos adicionais através dos n/ofícios e-mail, email de 04/04/2017, 26/04/2017; 23/06/2017 e telefonicamente, nomeadamente, fotocópia dos balancetes analíticos referentes aos períodos 16.12t, Fotocópia dos documentos de custos, de montante mais elevado, referente a aquisição dos bens de imobilizado corpóreo e de outros bens e serviços, que conferiram o direito à dedução nos termos dos art.ºs 19.º e 20.º do Código IVA, o respetivo extrato de conta, relativas operações inscritas nos campos 24 das D.P.’s entregues.

     Da análise efetuada as declarações periódicas de IVA, elementos do Sistema Informático e documentos enviados pelo sujeito passivo verificou-se que renunciou à isenção dos seguintes imóveis:

     1 – Contrato Locação Financeira nº...; referente ao artigo...: do Concelho de...; Freguesia de ...; com o certificado de renúncia à isenção do IVA e o contrato de arrendamento e a respetiva comunicação à Autoridade Tributária.

     2 – Contrato Locação Financeira nº...; Relativo ao artigo...: do Concelho de...; Freguesia de...; com o certificado de renúncia à isenção do IVA. Neste imóvel (terreno para construção civil), segundo informações do contribuinte estão a ser efetuados os serviços de armazenagem e logística conforme faturas sem anexo.

     3 – Contrato Locação Financeira nº...; do prédio urbano, correspondente a Armazéns, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de..., sob o número ..., e inscrito, na matriz predial urbana sob o art.º..., do Concelho de...; Freguesia de ... e... ; com o certificado de renúncia à isenção do IVA. Este imóvel foi arrendado a partir de 01/01/2017; conforme contrato e a respetiva comunicação à Autoridade Tributária em anexo.

     Analisando as situações onde detetamos irregularidade temos:

     A – Em relação ao artigo...; do Concelho de...; Freguesia de ... e ... refere se o seguinte:

     Em 29 de dezembro de 2016, a empresa celebrou um contrato locação financeira imobiliário com o Banco C..., tendo o locador, através do certificado de renúncia à isenção do IVA, manifestado a intenção ao abrigo dos n.º 4 e 5 do art.º 12º do CIVA, de renunciar à isenção do imposto sobre o valor acrescentado prevista na al. 29) do art.º 9 do CIVA, do artigo.º ... fração ARM A, conforme consta no certificado de 28/12/2016 Cód, Validação ... .

     Na caderneta Predial urbana o artigo.º ... é descrito como prédio em propriedade total com andares ou div. Suc. de utilização independente, identificando como andar ou divisão com utilização independente os seguintes:

     O ARM-A, Afetação; armazém de atividade industrial; Divisão 1; Permilagem203.3554

     O ARM-B, Afetação; armazém de atividade industrial; Divisão 1; Permilagem203.3554

     O ARM-C, Afetação; armazém de atividade industrial; Divisão 1; Permilagem203.3554

     O ARM-D, Afetação; armazém de atividade industrial; Divisão 1; Permilagem203.3554

     O Escritório-A, Afetação; Serviços; Divisão 1; Permilagem 44,1026

     O Escritório-B, Afetação; Serviços; Divisão 1; Permilagem 49,1866

     O Escritório-C, Afetação; Serviços; Divisão 1; Permilagem 49,1866

     O Escritório-D, Afetação; Serviços; Divisão 1; Permilagem 44,1026

     Área do terreno: 10.000m2; Área de implementação do edifício 3400,m2; Área bruta privativa 3934.m2.

     Em 04/01/2017, o sujeito passivo comunicou, aos Serviços de Finanças, da sua área através da declaração Modelo 2, do Imposto de selo (Comunicações de contratos Arrendamento), identificando o imóvel, a arrendar com[o] sendo o artigo...; fração ARM A e o locatário a empresa E... Lda. NIPC...      

Esse ativo é “financiado” através da rubrica “Acionistas (Sócios)

     Em relação a este imóvel inscrito na matriz nº ... o contribuinte apenas renunciou e comunicou o arrendamento do armazém A, não se verificando o cumprimento da condição exigida na al. c) do n.º 1 do art. 2.º, al. a) do n.º 1 e o n.2 do art. 3.º e o art.9 do Regime de Renúncia à Isenção do IVA em Operações Imobiliárias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29/1, para efeitos de admissibilidade do pedido de renúncia à isenção, prevista no n.º 4 do art. 12.º do CIVA.

     B – Relativamente ao imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo...: do Concelho de ...; Freguesia de ...;

     Tendo o sujeito passivo através de certificado de renúncia à isenção do IVA, manifestado a intenção ao abrigo dos n.º 4 e 5 do art.º 12º do CIVA, de renunciar à isenção do imposto sobre o valor acrescentado prevista na al. 29) do art.º 9 do CIVA, neste imóvel (terreno para construção civil, conforme caderneta predial), segundo informações do contribuinte estão a ser efetuados os serviços de armazenagem e logística do sujeito passivo E... Lda. NIPC..., conforme faturas em anexo. 

      referindo que não há contrato nem a respetiva comunicação à Autoridade Tributária.

     Do exposto a renúncia à isenção só pode efetuar-se nas operações de locação de prédios urbanos ou frações autónomas, e na transmissão de prédios urbanos ou frações autónomas ou terrenos para construção, por sujeitos passivos que realizem tais operações a favor de outros sujeitos passivos que utilizem os imóveis, total ou predominantemente, em atividades que conferem direito à dedução.

     Uma vez que o sujeito passivo não tinha locatário conhecido e sendo condição necessária para renunciar à isenção (optando pela tributação) a existência de locatário que utilize o imóvel, total ou predominantemente, em atividades tributadas e conferem direito à dedução, nos termos do n.º 4 do art.º 12.º do CIVA, não o conhecendo, não existem as condições necessárias para efetuar tal renúncia.

     Dado que o imóvel se destina a arrendamento, atividade, esta, isenta nos termos da alínea 29) do art. 9.º do CIVA, que não confere direito à dedução, obsta, também, à possibilidade de haver renúncia à isenção na locação, nos termos do n.º 4 do art.º 12.º do CIVA.

     A renúncia à isenção com o objetivo de arrendamento só pode ser realizada se, em simultâneo optar por renunciar na locação, o locatário, desde que reunidas as condições para tal e, obviamente para isso necessita de ter locatário conhecido.

     Importa realçar que a renúncia à isenção, tanto na locação como na transmissão, é efetuada caso a caso e, para produzir efeitos, o transmitente ou locador têm que ter na sua posse o certificado de renúncia para a transmissão ou para a locação, conforme o caso, à data da escritura de transmissão ou do respetivo contrato de locação.

     Pelos factos descritos anteriormente, não se verifica o cumprimento da condição exigida, na de renúncia à isenção do IVA, manifestado ao abrigo do n.º 4 do art.º 12º do CIVA, de renunciar à isenção do imposto sobre o valor acrescentado prevista na al. 29) do art.º 9 do CIVA, para o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo.º ... e a renúncia do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo.º ... .

     O montante de reembolso agora solicitado, de 197.962,43 €, resulta de acumulações graduais de imposto deduzido, desde o período de 16.03t a 16.12t, originadas pelo imposto deduzido nos contratos de locação financeira imobiliária (bens de imobilizado corpóreo) e do somatório do imposto suportado pelo sujeito passivo relativamente a Outros Bens e Serviços, acima referidos.

     Não é permitida a dedução dos montantes, acima referidos, nos termos das normas previstas nos art.º 19º e 20º do CIVA.

     Infrações Verificadas

     […]

     Direito de Audição

     Tendo sido notificado, por carta registada datada de 27/11/2017, nos termos dos Artºs. 60º., tanto da L.G.T., como do R.C.P.I.T.A., o Sujeito Passivo exerceu o seu direito de audição, em 15/12/2017, tendo solicitado a revisão do conteúdo do projeto de conclusões e proposto o deferimento total do pedido de reembolso, afirmando que se encontram reunidas todos os requisitos legais, relativos [à] renúncia à isenção de iva. com base nos seguintes argumentos

     A) Que no caso do artigo..., refere que não correspondem à realidade os factos invocados no projeto de correções de relatório, alegando que:

     –“ Do referido certificado de renúncia a isenção do IVA consta a identificação do imóvel em causa, mediante a indicação do artigo matricial:..., bem como a referência à fração: ARM – A, quando sempre se pretendeu indicar a totalidade das frações (ARM: A, B, C e D e ESC: A, B, C e D), mas que não são frações (art.º 10)

     – Ate porque, o Locador e Locatária pretenderam sujeitar a IVA o contrato de locação financeira imobiliária celebrado em 29 de dezembro de 2016, pelo que tal opção pela sujeição a IVA só pode abarcar a totalidade do prédio em propriedade total e nunca uma das partes/divisões ainda que tenha utilização independente dentro do prédio em causa. (art.º 12)

     – Face ao que antecede, apenas por mero absurdo a que se poderia afirmar que a renúncia a isenção do IVA, nas operações relativas a bens imoveis, poderia ser exercida individualmente para cada uma das partes autónomas/divisões de utilização independente do prédio em causa (neste caso, o “ARM-A”) – obtendo-se, deste modo, oito certificados para esse efeito. (art.º 22)

     – Acresce que a Requerente apresentou, em 12.07.2017, um requerimento no Serviço de Finanças de Porto..., a solicitar a produção de efeitos para a totalidade do artigo n.º..., tendo o referido Serviço informado por despacho” (Doc.6). (art.º 26)”

     Pelos argumentos referidos no direito de audição apresentado pela...s, Lda., de que pretendia indicar a totalidade das frações (ARM: A, B, C e D e ESC: A, B, C e D) e ter requerido no Serviço de Finanças de Porto ..., a produção de efeitos para a totalidade do artigo n.º..., no decurso da ação inspetiva e de o pedido ter sido indeferido

     Deveremos referir que de facto, o pedido de renúncia à isenção em causa, conforme o próprio sujeito passivo confirma, não se refere à totalidade do artigo..., mas apenas à fração “ARM-A”.

     De tal forma é reconhecido pelo sujeito passivo este facto que teve a necessidade de solicitar aos Serviços Finanças Porto ... a produção de efeitos à totalidade do artigo.

     Acresce ainda o facto do seu requerimento aos Serviços de Finanças do Porto... para o alargamento do pedido de renúncia a todas as frações ter sido indeferido.

     Assim demonstra que o certificado de renúncia de IVA e a comunicação do arrendamento aos serviços de Finanças foi exercido para “ARM-A”.

     Deste modo não_se verificando o cumprimento da condição exigida na al. c) do n.º 1 do art. 2.º, al. a) do n.º 1 e o n.2 do art. 3.º e o art.9 do Regime de Renúncia à Isenção do IVA em Operações Imobiliárias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29/1, para efeitos de admissibilidade do pedido de renúncia à isenção, prevista no n.º 4 do art. 12.º do CIVA.

     B) Que no caso do artigo ... refere que não correspondem à realidade os factos invocados no projeto de correções de relatório, uma vez que:

     Não obstante na caderneta predial se referir um terreno para construção a realidade é bem diferente, uma vez que, tal facto, foi desde o início da análise do pedido de reembolso do conhecimento da inspeção tributária, com base nos documentos exibidos pela requerente, pelo que este artigo ... só agora foi, indevidamente, objeto de tentativa de correção da renúncia à isenção do IVA, porque trata-se, efetivamente, de um prédio urbano e não de um terreno para construção (Doc. 10). (art.º 34)

     O contrato em vigor entre as partes envolvidas locatária (requerente) e sublocatária (E..., Lda) é um contrato de locação celebrado em 1 de março de 2016, nos mesmos termos dos outros contratos que estão na base do crédito de imposto a recuperar e que originou o pedido de reembolso em causa (Doc. 11). (art.º 36)

     O contribuinte neste direito de audição, anexa um contrato de sublocação com a E..., Lda, que não tinha sido apresentado no decurso da ação inspetiva.

     Em relação a este artigo matricial o sujeito passivo anexa ao direito de audição o contrato de locação entre a A... e o Banco (anexo Doc. 10) para comprovar que se trata, efetivamente, de um prédio urbano e não de um terreno para construção, confirmando assim que consta na caderneta predial como um terreno para a construção

     No entanto conforme consta na certidão de teor do prédio urbano, o artigo matricial nº..., aqui em causa, (anexo 01), apenas foi desativado em 31/12/2016 e ainda como terreno para construção, sendo que o motivo para a referida desativação, está relacionado com a eliminação do artigo por passagem de terreno para construção a edifício.

     Saliente-se a data de efeitos a 31/12/2016, posterior à data do período do pedido de reembolso.

     De salientar ainda o já estabelecido no Projeto de correções que o contrato de sublocação em análise não tem enquadramento legal no disposto na alínea a) do artº 2º do Dec. Lei 21/2007, de 29 de janeiro, por quanto não corresponde à data da sua celebração (01/03/2006) de um prédio urbano ou uma fração autónoma de prédio urbano.

     Refira-se que para efeitos de renúncia à isenção do IVA de terrenos para construção, terá obrigatoriamente que tratar-se de uma transmissão, o que não é o caso.

     Por fim, nos termos do despacho Normativo nº 18-A/2010 de 01 de julho, para efeitos de averiguação da legitimidade e do correto apuramento do imposto deverão os serviços competentes terem conhecimento de todos os elementos contabilísticos e fiscais do sujeito passivo, necessários à referida análise, nomeadamente os referidos no n.º 3 do referido diploma.

     Refira-se que todos os elementos referidos no Projeto de Correção e no presente Relatório de Inspeção, foram disponibilizados pelo Sujeito Passivo, não podendo este invocar o desconhecimento dos elementos referidos.

     De referir também, que todos os argumentos invocados no Projeto foram informados ao Sujeito Passivo ao longo da análise do pedido de reembolso.

     Foi-lhe comunicado que após análise e ponderação de todos os elementos, no final, nos termos da lei, (art.ºs 60º, da L.G.T., e art.ºs. 60º do R.C.P.I.T.A.), o sujeito passivo seria notificado do nosso Projeto Relatório.

     Face ao que foi exposto e não trazendo elementos novos que pudessem alterar o conteúdo do projeto, resulta o entendimento de que deve ser mantido o indeferimento total do presente pedido de reembolso de IVA, no montante de 197.962,43 €” – cf. RIT.

 

            CC. Em 5 de fevereiro de 2018, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao período 201612T, da qual consta uma correção ao valor do excesso a reportar (crédito de IVA) existente na conta corrente de IVA, no montante total de € 197.962,43, dando origem à eliminação da totalidade do crédito de IVA a favor do sujeito passivo – cf. documento 5 junto com o ppa e PA.

 

DD. Em discordância com a decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IVA e com a consequente eliminação do crédito de IVA que lhe assistia, a Requerente apresentou no sistema informático do CAAD, em 5 de abril de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

MOTIVAÇÃO E FACTOS NÃO PROVADOS

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas pelas partes conjugadas com a análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

Em geral, o depoimento das testemunhas inquiridas, B..., funcionário do Banco, e C..., contabilista certificada da Requerente, não foi determinante, seja porque a matéria de que tinham conhecimento direto constava de documentos, seja porque a razão de ciência era meramente indireta, como no caso do Dr. B... relativamente aos pedidos de certificados de renúncia que foram solicitados por outros funcionários do Banco, apenas tendo comprovado diretamente, a posteriori, o modo como o formulário eletrónico do pedido de renúncia é submetido e o teor dos campos que têm de ser preenchidos, ou no da Dra. C..., quanto ao imóvel de ..., o qual nunca visitou, pelo que não conhece de fonte direta o estado em que o mesmo se encontrava à data da celebração do contrato.

 

Relativamente aos factos não provados, não ficou demonstrado que a construção do edifício de ... estivesse concluída em 2007 (31.º), tendo o alvará de licença de construção (que se obtém antes do início das obras) sido emitido em data posterior (16 de julho de 2008). Também não ficou demonstrado o estado da construção à data da celebração do Contrato de ... (33.º), que não decorre das fotografias juntas ao processo cuja data se ignora.

 

De igual modo, não se provou que o Contrato de ... foi objeto de renúncia à isenção do IVA e obtido o certificado para a operação de locação aqui em causa (36.º e 37.º), uma vez que o certificado de renúncia menciona a opção pela tributação de uma operação de transmissão e não de uma operação de locação (apesar de o valor da operação ser o que corresponde à renda do contrato de locação); ou que foi acidentalmente selecionada no formulário eletrónico do pedido de renúncia a opção “transmissão” ao invés de “locação” (38.º). 

 

Ficou, pelo contrário, evidente que a seleção da opção “transmissão” em vez de “locação” se ficou a dever à tentativa de obtenção de um certificado de renúncia, quando não estavam reunidas as condições para o efeito, pois o imóvel estava classificado como terreno (lote) para construção – perante as entidades camarárias, registais e fiscais – pelo que a Requerente não lograria obter qualquer certificado de renúncia à isenção de IVA se identificasse a operação como de locação, enquanto o estatuto jurídico fiscal do imóvel não fosse alterado para prédio urbano, dado que o Regime de Renúncia não admite a faculdade de opção pela tributação em IVA para as operações de locação (financeira ou outra) de terrenos para construção, permitindo-a no entanto em sede de transmissão.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

  1. Do Direito

 

2.1. Delimitação das questões a decidir

 

Está em causa apreciar e decidir o suscitado vício de falta de fundamentação do ato de indeferimento do reembolso de IVA e os vícios materiais relativos ao preenchimento dos pressupostos legais de renúncia à isenção deste imposto previstos no respetivo Código e no Regime de Renúncia, relativamente aos contratos de locação financeira. Em caso de procedência, total ou parcial, cumpre adicionalmente determinar se assiste à Requerente o direito a juros indemnizatórios.

 

2.2. Vício de Falta de Fundamentação

 

Segundo a Requerente, o ato de indeferimento do reembolso de IVA carece de adequada fundamentação e não permite a um destinatário normal conhecer das razões factuais e jurídicas que estão na sua génese.

 

Interessa a este respeito assinalar que o dever de fundamentação constitui uma garantia dos contribuintes e é transversal a toda a atividade administrativa, beneficiando de proteção constitucional, de acordo com o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), que dispõe que os atos administrativos “carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

 

Este dever desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa. O novo Código do Procedimento Administrativo densifica, na sua extensão e requisitos, o dever de fundamentação (artigos 152.º a 154.º) que, em matéria tributária, é especificamente regulado pelo artigo 77.º da LGT, nos seguintes termos:

 

“Artigo 77.º

Fundamentação e eficácia

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. […]”

 

Acresce referir o preceituado no artigo 62.º, n.º 3 do RCPITA que estabelece que o Relatório de Inspeção deve descrever os factos que estão na base da alteração dos valores declarados, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correções efetuadas.  

 

Seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato e visa responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro (cf. Acórdão do STA, processo n.º 01114/05, de 2 de fevereiro de 2006).

 

A fundamentação pode ser sucinta e per relationem, desde que se encontre garantida a função de dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo do ato. Um ato está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o mesmo, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. Acórdão do STA, processo n.º 42180, de 20 de novembro de 2002). E ainda que se encontra devidamente fundamentado o ato que, de forma direta ou por remissão, contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal, apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão (cf. Acórdão do STA, processo n.º 46796, de 14 de março de 2001).

 

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que ainda em fase de Projeto o Relatório de Inspeção já continha com clareza e suficiente grau de detalhe os argumentos, de facto e de direito, nos quais a AT alicerçou a proposta de correção do crédito de IVA, fazendo expressa referência às normas legais aplicáveis. Tanto assim é que a Requerente exerceu o direito de audição no qual explicou as razões da sua discordância e juntou os documentos que entendeu pertinentes.  

 

Os argumentos invocados pela AT são a invalidade dos certificados de renúncia à isenção do IVA do Contrato de ... e do Contrato de ... . No primeiro caso, por o certificado não se referir a um prédio urbano ou fração autónoma, mas a uma parte deste (divisão com utilização independente). No segundo caso, pelo facto de o imóvel configurar um terreno para construção, cuja renúncia é inadmissível (tendo sido pedido e emitido um certificado para uma operação de transmissão e não de locação), para além de não ter locatário conhecido e, por conseguinte, não estar afeto a uma atividade tributável.

 

Não se constatam, deste modo, as alegadas deficiências apontadas pela Requerente à fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária – insuficiência, obscuridade, ou incongruência.  

 

Nas alegações articuladas no ppa ficou patente que a Requerente percebeu esta fundamentação, seguindo o iter cognoscitivo e valorativo do Relatório. Compreendeu os factos e o enquadramento técnico preconizado pela AT, entendeu o seu sentido e alcance.

 

Interessa notar que o dever de fundamentação cuja preterição gera vício formal invalidante não é extensível às matérias que não são corrigidas (nem, bem assim, a atos favoráveis) como sucede com o Contrato da ... . A AT não tem que fundamentar as “não correções”, razão pela qual não incumpriu aquele dever, pois não efetuou qualquer ajustamento ao IVA dedutível imputável a este contrato, que, desta forma, não está, por conseguinte, em discussão nos presentes autos arbitrais, não fazendo parte do seu objeto.  

 

Aliás, neste ponto, a incongruência surge não na posição da AT, mas na da Requerente que afirma resultar evidente que a AT concordou com o seu enquadramento do Contrato da  ... (não fazendo portanto qualquer correção – 72.º), para depois invocar o facto, inverídico, de o valor corrigido (de € 197.962,43), objeto do pedido de reembolso, incluir o IVA deduzido “em gastos suportados com um imóvel que não foi sequer objeto de correção pela AT – o imóvel da...”.

 

Em primeiro lugar, se o valor corrigido de € 197.962,43 contivesse IVA dedutível relativo ao imóvel da ..., não poderia de forma alguma considerar-se que não tinha sido feita qualquer correção ao Contrato da ... e a conjugação de ambas as alegações seria inepta. Porém, o referido valor (€ 197.962,43) não contém qualquer IVA incorrido em relação ao Contrato da ..., como se constata da análise da sua decomposição trazida aos autos pela própria Requerente.

 

O IVA incorrido no Contrato da  ... no período em causa foi totalmente deduzido por subtração ao IVA liquidado nas rendas da sua “sublocação”, não havendo que o recuperar por via de reembolso, que é o que está em discussão no ato tributário impugnado.

 

O IVA deduzido cujo reembolso foi pedido pela Requerente foi aquele que não conseguiu ser absorvido pelo IVA liquidado, e respeita ao Contrato de ..., ao Contrato de  ... e à atividade geral. O Contrato  ... não tem pura e simplesmente qualquer IVA dedutível que faça parte do crédito de imposto cujo reembolso foi solicitado. A menção ao IVA do “Imóvel da ...” que consta da decomposição do crédito de imposto em análise é ao IVA liquidado (consta com sinal menos “–“) que não faz parte da causa de pedir, a qual respeita unicamente ao IVA dedutível.  

 

Nestes moldes, reitera-se a inexistência de qualquer correção da AT que tenha por objeto o Contrato da ... ou que tenha coartado o direito à dedução do IVA incorrido relativo a este contrato.

 

Por outro lado, convém salientar que foi indeferida a totalidade do pedido de reembolso (€ 197.962,43), pelo que não se afigura duvidoso o valor da correção ou a sua proveniência, falecendo a alegação relativa à falta de detalhe do IVA corrigido, que a própria Requerente providencia e que é revelador da sua cabal compreensão.

 

Questão distinta é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados ou demonstrados os pressupostos de tributação nela retratados. Neste caso não se trata de apreciar o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, que de seguida se aprecia. 

 

Pelas razões supra expostas, improcede a invocação do vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.

 

2.3. Vícios Materiais

 

2.3.1. O Regime de Renúncia à Isenção

 

            A Diretiva IVA estabelece o regime de isenção sem direito à dedução como regime regra das operações de locação de bens imóveis, nestas se incluindo a locação financeira. Em simultâneo, o diploma europeu prevê a faculdade de os Estados-Membros concederem aos seus sujeitos passivos o direito de optarem pela tributação, caso em que incumbe aos Estados determinarem as regras de exercício do direito de opção, podendo moldá-lo e restringi-lo.

 

O artigo 137.º, n.º 2 da Diretiva IVA confere aos Estados‑Membros um amplo poder discricionário que lhes permite determinar as modalidades de exercício do direito de opção e mesmo suprimi‑lo (cf. Acórdão do TJ, de 28 de fevereiro de 2018, processo C-672/16 – Imofloresmira, p. 48 e jurisprudência aí citada). A margem concedida ao legislador estadual quanto ao alcance do direito de opção depende assim de critérios de conveniência e oportunidade aplicados pelos Estados-Membros. Questão distinta, e que não está em discussão, é a das consequências do exercício “válido” desse direito.

 

No mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça (“TJ”) preconiza que o direito europeu não se opõe a que um Estado‑Membro que tenha exercido a faculdade de conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optarem pela tributação da locação de bens imóveis faça depender a aplicação do imposto de uma autorização prévia da opção, quando o procedimento de autorização visa verificar que as condições legais estão preenchidas e se destina, designadamente, a prevenir os casos de fraude ou de abuso (cf. Acórdão do TJ, de 9 de setembro de 2004, Objekt Kircheberg, C- 269/03) e, ainda, que as alterações legislativas introduzidas no seio de um ordenamento jurídico nacional, mesmo com o objetivo de eliminar o direito de renúncia à isenção de IVA na locação de imóveis, não violam os princípios da neutralidade e proporcionalidade (cf. Acórdão do TJ, de 3 de dezembro de 1998, BelgoCodex, C- 381/97).  No sentido da conformidade da exigência da emissão de um certificado de renúncia na ampla margem de manobra de que dispõe o legislador estadual, se pronuncia ainda o Acórdão do STA, processo n.º 486/09, de 25 de novembro de 2009.

 

O regime de renúncia à isenção do IVA nas operações de locação resulta do disposto nos artigos 135.º, n.º 1, alínea l), 137.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, e 168.º da Diretiva IVA, que o legislador português transpôs para os artigos 9.º, n.º 29 e 12.º, n.ºs 4 a 7 do Código do IVA, exercendo a prerrogativa de conceder aos sujeitos passivos deste imposto a opção pela tributação nas operações de locação de bens imóveis, cujos termos e condições regulamentou autonomamente no Regime de Renúncia[2].

 

            Neste âmbito, preceitua o artigo 9.º, 29) do Código do IVA estar isenta do imposto:

 

29) A locação de bens imóveis. Esta isenção não abrange:

a)  As prestações de serviços de alojamento, efetuadas no âmbito da atividade hoteleira ou de outras com funções análogas, incluindo parques de campismo;

b)  A locação de áreas para recolha ou estacionamento coletivo de veículos;
c)  A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial;

d)  A locação de cofres-fortes;

e)  A locação de espaços para exposições ou publicidade;”

 

            Surgindo a opção pela tributação no artigo 12.º:

 

“Artigo 12.º

Renúncia à isenção

1 – […]

4 - Os sujeitos passivos que procedam à locação de prédios urbanos ou frações autónomas destes a outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em atividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no n.º 29) do artigo 9.º

5 - Os sujeitos passivos que efetuem a transmissão do direito de propriedade de prédios urbanos, frações autónomas destes ou terrenos para construção a favor de outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em atividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no n.º 30) do artigo 9.º

6 - Os termos e as condições para a renúncia à isenção prevista nos n.ºs 4 e 5 são estabelecidos em legislação especial.

7 - O direito à dedução do imposto, nestes casos, obedece às regras constantes dos artigos 19.º e seguintes, salvo o disposto em normas regulamentares especiais.”

 

            A atual regulamentação do regime de renúncia à isenção do IVA nas operações sobre bens imóveis, que entrou em vigor em abril de 2007, consubstancia um regime mais restritivo do que aquele que vigorava ao abrigo do Decreto-lei n.º 241/86, de 20 de agosto, e pretende dar resposta e prevenir “algumas situações de fraude, evasão e abuso” (como referido no preâmbulo do Decreto-lei n.º 21/2007).

 

A renúncia à isenção passou a estar sujeita à verificação cumulativa de um conjunto adicional de condições objetivas (referentes aos imóveis) e subjetivas (em relação aos sujeitos passivos que podem intervir nessas operações). Em concreto, e com pertinência para o caso, transcrevem-se parcialmente os artigos 2.º, 3.º a 5.º do Regime de Renúncia:

 

Artigo 2.º

Condições objetivas para a renúncia à isenção

1 - A renúncia à isenção é admitida nas operações relativas a bens imóveis quando se mostrem satisfeitas as seguintes condições:

  1. O imóvel se trate de um prédio urbano ou de uma fração autónoma deste ou ainda, no caso de transmissão, de um terreno para construção;
  2. O imóvel esteja inscrito na matriz em nome do seu proprietário, ou tenha sido pedida a respetiva inscrição, e não se destine a habitação;
  3. O contrato tenha por objeto a transmissão do direito de propriedade do imóvel ou a sua locação e diga respeito à totalidade do bem imóvel;
  4. O imóvel seja afeto a atividades que confiram direito à dedução do IVA suportado nas aquisições; […] (realce nosso)

 

Artigo 3.º

Condições subjetivas para a renúncia à isenção

1 - A renúncia à isenção é permitida quando o transmitente e o adquirente do bem imóvel ou, no caso de locação, quando o locador e o locatário sejam sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que preencham as seguintes condições:

  1. Pratiquem operações que confiram direito à dedução ou, no caso de sujeitos passivos que exerçam simultaneamente operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito, quando o conjunto das operações que conferem direito à dedução seja superior a 80% do total do volume de negócios;
  2. Não estejam abrangidos pelo regime especial dos pequenos retalhistas constante dos artigos 60.º e seguintes do Código do IVA;

[…]

2 - A percentagem referida na alínea a) do número anterior é determinada nos termos dos n.ºs 4, 5, 7 e 8 do artigo 23.º do Código do IVA, com base no montante das operações realizadas no ano anterior, independentemente do critério que o sujeito passivo utilize para o exercício do direito à dedução.

3 - Não obstante o disposto na alínea a) do n.º 1, podem renunciar à isenção, ainda que o conjunto das operações que confere direito à dedução não seja superior à percentagem aí prevista, os sujeitos passivos cuja atividade tenha por objeto, com carácter de habitualidade, a construção, reconstrução ou aquisição de imóveis para venda ou para locação. […]

 

Artigo 4.º

Formalidades para a renúncia à isenção

1 - Os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem dirigir à Direção-Geral dos Impostos, por via eletrónica, um pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, do qual conste os seguintes elementos:

  1. O nome ou designação social do sujeito passivo transmitente ou locador e do sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, bem como os respetivos números de identificação fiscal;
  2. A identificação do imóvel;
  3. Se se trata de uma operação de transmissão do direito de propriedade do imóvel ou de uma operação de locação do mesmo;
  4. A atividade a exercer no imóvel;
  5. O valor da venda do imóvel ou o valor mensal da renda; […]

 

Artigo 5.º

Momento em que se efetiva a renúncia à isenção

1 - A renúncia à isenção só opera no momento em que for celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, ou, no caso de contrato de locação financeira relativo a imóvel a construir, no momento em que o locador tome posse do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.

2 - Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via eletrónica, esse facto à administração tributária.

3 - O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos.” (realce nosso)

 

Resulta da análise do texto legal que o legislador nacional fez depender a tributação das operações de locação: (i) do prévio exercício de uma opção expressa por parte do sujeito passivo locador, sujeita a confirmação adicional por parte do locatário, e (ii) do cumprimento de diversos requisitos objetivos, subjetivos e formais que cumprem a finalidade eminente de controlo e anti abusiva que consta das considerações preambulares do Regime de Renúncia.

 

Com particular relevância para a situação vertente, destacam-se os seguintes:

 

  1. O imóvel objeto de locação tem de consubstanciar um prédio urbano ou uma fração autónoma deste, não podendo corresponder a um terreno para construção (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime de Renúncia). 

De notar que estamos perante conceitos juridicamente conformados – os de prédio urbano e de fração autónoma – que delimitam a previsão normativa e fixam o seu âmbito de aplicação. Assim, uma parte (divisão) independente de um prédio que esteja em propriedade total, mesmo que revista todas as características do ponto de vista urbanístico que permitam qualificá-la como “fração autónoma”, não é elegível para a opção pela tributação em IVA, por falta de enquadramento na citada norma que reclama especificamente o conceito jurídico de fração autónoma. Para aceder a este regime, as “divisões independentes” têm que constituir-se no regime de propriedade horizontal.

De forma idêntica, a existência de construções em curso sobre terrenos não pode nem deve ser considerada como se de um prédio urbano (edificado) se tratasse, ignorando os processos de licenciamento municipal, registais e cadastrais que estão implicados na sua constituição formal, sem os quais, aliás, não é possível realizar a operação de transmissão ou locação (do prédio urbano) à qual se dirige a renúncia à isenção do IVA.

  1. O contrato tem de ter por objeto a totalidade do bem imóvel.
  2. O imóvel deve ser afeto a atividades que confiram o direito à dedução do IVA, e os intervenientes – locador e locatário – têm de ser sujeitos passivos de IVA que desenvolvam uma atividade imobiliária com caráter de habitualidade, ou cujo nível de dedução seja superior a 80%.
  3. Deve ser submetido, pelo locador, um pedido de certificado à Direção-Geral dos Impostos, por via eletrónica, no qual é essencial, para além da identificação das partes intervenientes do imóvel, a identificação do tipo de operação, ou seja, se se trata de uma transmissão ou de uma locação e o respetivo valor.

 

O exercício da renúncia à isenção do IVA sem que estejam reunidas as respetivas condições constitutivas previstas no Regime de Renúncia, ou sem que o locador disponha de um certificado válido para a operação concreta (que, convém salientar, caduca, no prazo de seis meses da data da sua emissão se não for utilizado – cf. artigo 4.º, n.º 5 do Regime de Renúncia) simplesmente não produz efeitos jurídico-tributários.

 

2.3.2. Apreciação Concreta – sobre o Contrato de ...

 

            A Requerente pretende ter sido exercida a renúncia à isenção de IVA numa operação de locação financeira em que é locatária, relativa ao Contrato de..., apresentando, para o efeito, um certificado de “Renúncia à Isenção do IVA na Transmissão de Bem Imóvel”. O certificado menciona a referência às normas legais correspondentes às operações de transmissão de bens imóveis, os artigos 9.º, 30) e 12.º, n.ºs 5 e 6 do Código do IVA, e não contém qualquer referência aos preceitos referentes à locação, ou seja, aos artigos 9.º, 29) e 12.º, n.º 4, ambos do Código do IVA.

 

            Nestas circunstâncias, o certificado em apreço não se dirige a uma operação de locação, pelo que não se afigura suscetível de produzir quaisquer efeitos quanto a esta.

 

            Relativamente à alegação da Requerente de que teria sido acidental, i.e., por erro, a referência a “Transmissão” quando pretendia declarar “Locação”, a mesma não só não resultou demonstrada como, caso o fosse, não teria o resultado pretendido pela Requerente, de alcançar a tributação em IVA do Contrato de (Locação) de ... .

           

            É que se tivesse sido submetido um pedido de certificado para a renúncia à isenção na operação de locação financeira do Contrato de ... (e, saliente-se, não foi), este não poderia ser emitido, pois o imóvel em causa não reunia, à data, as condições legais para esse efeito, uma vez que de todos os pontos de vista – registal, matricial e urbanístico – permanecia classificado como um terreno para construção e os terrenos para construção não são elegíveis para a renúncia à isenção em contratos de locação, são-no apenas no caso de transmissão.

 

            Afigura-se que não ocorreu erro acidental no preenchimento do formulário de renúncia à isenção do IVA, mas que se tentou contornar a impossibilidade legal de renúncia na situação concreta (por não estarem preenchidos todos os seus pressupostos), obtendo a emissão de um certificado para a operação em que ele era admitido (mas que não era aquela em que foi utilizado), e usando-o noutra, em relação à qual a lei não permitia a sua emissão, mantendo a aparência de cumprimento dos requisitos formais que reclamam a emissão de um certificado de renúncia para que a operação (de locação de bem imóvel, em regra isenta), pudesse ser tributada em IVA. Tal desfecho, à face da lei, tem de ser rejeitado.

 

            Não ficou, de igual modo, demonstrado que a realidade fáctica divergisse da classificação do imóvel à data da locação, por falta de evidência da existência de um prédio totalmente concluído apto à prossecução de uma atividade económica.

 

            Também não foi alegado qualquer facto ou impedimento justificativo de, caso o imóvel estivesse concluído (não tendo sido demonstrado que o estivesse), a situação registal, matricial e urbanística não ter sido regularizada previamente à locação, sendo que as iniciativas para obtenção da licença de utilização junto do Município de ... só decorreram após a celebração do Contrato de ..., tendo esta sido emitida em 19 de outubro de 2016, 7 meses após a locação à Requerente (em 5 de fevereiro) e 8 meses depois da emissão do pedido de certificado (em 6 de janeiro do mesmo ano).

 

            Interessa referir que mesmo na circunstância de o imóvel estar concluído, a sua classificação urbanística, registal e matricial como terreno para construção (lote) constituiria sempre um obstáculo formal à obtenção do certificado de renúncia, que, por razões atendíveis de controlo, tem de basear-se no estatuto legal do imóvel e não meramente factual. Nesta matéria, está dentro dos poderes dos Estados-Membros, e portanto do legislador português, definir o alcance da opção da tributação em IVA das operações “imobiliárias”, conquanto sejam observados os parâmetros do princípio da proporcionalidade que, neste âmbito, não se afiguram desrespeitados.

 

            O caráter formal dos pressupostos do exercício da renúncia à isenção do IVA é confirmado pela jurisprudência do STA a propósito da utilização da expressão “escritura pública”, no Acórdão proferido no processo n.º 464/11, de 16 de maio de 2012, no âmbito da legislação anterior, comparativamente menos exigente do que o atual Regime de Renúncia.  Segundo o STA, “é a expressa referência à escritura pública para o caso da transmissão de imóveis, que também evidencia que o legislador pretendeu ligar o exercício do direito à dedução à observância de requisitos formais de validade dos negócios jurídicos referidos na norma, «relevando a forma jurídica do facto tributário tal como é exigida pelo direito privado e que, sendo assim quanto aos atos de transmissão, igual leitura se impõe relativamente aos contratos de locação em causa uma vez que a lei faz depender o exercício do direito à dedução da celebração do contrato de locação de imóveis e, numa perspetiva civilista, que é aquela utilizada pela norma, o mesmo só seria válido se celebrado por escritura pública.»”.

 

            Note-se que não se constata, nem foi alegada nos autos, qualquer dificuldade ou impedimento que condicionasse ou limitasse a obtenção junto das autoridades competentes da licença de utilização do prédio urbano ou do seu averbamento registal e inscrição matricial como prédio urbano (edificado) antes da celebração do Contrato de .... Deste modo, os requisitos formais exigidos pelo Regime de Renúncia, que visam uma atendível função de controlo por parte da Autoridade Tributária, não se manifestaram na situação concreta como excessivamente difíceis, onerosos ou desproporcionados.    

 

            Não preenchendo o Contrato (de Locação) de ... as condições objetivas para a renúncia à isenção do IVA previstas no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime de Renúncia, dado não ser (ainda) um prédio urbano, e não existindo qualquer certificado de renúncia emitido para uma operação de locação deste imóvel, o contrato de locação financeira em causa está abrangido pelo regime de isenção de IVA previsto no artigo 9.º, 29) do respetivo Código, que não confere o direito à dedução do IVA nos inputs relacionados, nos termos do disposto no artigo 20º, n.º 1 do Código deste imposto.

 

            As demais questões suscitadas relativas ao Contrato de..., designadamente de afetação do correspondente IVA incorrido a operações tributadas a jusante – especificamente ao contrato de “Sublocação” a uma sociedade que se dedica à atividade de armazenagem e logística – ficam prejudicadas, atento o regime de isenção de IVA aplicável a este contrato, pelo que as mesmas não serão conhecidas (cf. artigo 608.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). 

 

            À face do exposto, improcede a pretensão da Requerente relativamente ao IVA corrigido incorrido com o imóvel de..., não se verificando os vícios suscitados de fundamentação e violação de lei.

 

2.3.3. Apreciação Concreta – sobre o Contrato de ...

 

            Em relação ao Contrato ..., a questão discutida prende-se com a validade de um certificado de renúncia à isenção de IVA, emitido em relação à locação do prédio urbano destinado a indústria, em regime de propriedade total, objeto desse contrato, com a indicação de uma divisão independente, a “fração arm-A” (que não constitui uma fração autónoma, uma vez que o imóvel se encontra no regime de propriedade vertical e não horizontal).

 

            A Requerida suporta o indeferimento do reembolso no facto de o Regime de Renúncia exigir como condição objetiva que o contrato de locação tenha por objeto a totalidade do bem imóvel – de acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea c) deste regime – e considera que o sujeito passivo locador renunciou à isenção apenas com referência a uma parte do imóvel (o armazém A) e não à sua totalidade, pelo que entende que a renúncia não é apta a produzir os seus efeitos, i.e., mantendo-se o Contrato de ... no regime de isenção. Em síntese, o IVA “indevidamente” liquidado à Requerente não seria por esta dedutível e reembolsável. 

 

            Porém, e sem prejuízo de o pedido de certificado de renúncia à isenção do IVA conter efetivamente a menção ao armazém A, o qual que não constitui uma fração autónoma, importa ter em conta que o contrato de locação a que este certificado respeita abrange a totalidade do prédio urbano em causa, pelo que do ponto de vista dos requisitos substantivos exigidos pela norma constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea c) do Regime de Renúncia, os mesmos estão satisfeitos, pois “o contrato […] diz respeito à totalidade do bem imóvel”.

 

            E não existem dúvidas de que o certificado de renúncia respeita àquela operação e contrato: pela identificação do imóvel, das partes intervenientes e da renda mensal, tendo sido emitido previamente à outorga do contrato de locação, como estipula o artigo 5.º do Regime de Renúncia.

 

            Por outro lado, convém salientar que o formulário eletrónico disponibilizado pela AT  para solicitar o certificado de renúncia à isenção de IVA, no caso de imóvel constituído em propriedade total apresenta um campo para preenchimento da “fração”, quando o Regime de Renúncia veda o exercício parcial da renúncia à isenção, pelo que tal menção não só não devia estar prevista para essa categoria de imóveis, como é suscetível de induzir em erro o contribuinte, que o pode com legitimidade interpretar como tendo de indicar uma parte ou divisão independente, nos termos invocados pela Requerente.

 

            Na situação vertente, a indicação da fração encontra-se evidenciada no próprio certificado de renúncia e é, por essa razão, inquestionável o conhecimento da AT  relativamente à emissão de um certificado cuja autoria lhe é imputável referente a uma “parte” de um imóvel, pois o documento também menciona “armazém A”. Ao emitir tal certificado, que permite a renúncia à isenção de IVA, a AT não pode deixar de se vincular ao mesmo, sob pena de violação do princípio da proteção da confiança.

 

            Para além de estarem reunidas todas as condições para o exercício da opção pela tributação em IVA do Contrato de ... (ao contrário do que sucede com o de...), este tem por objeto a totalidade de um prédio urbano destinado a fins industriais que foi subsequentemente sublocado, na íntegra, pela Requerente a uma sociedade de transportes. Assim, a renúncia meramente parcial não tem qualquer correspondência com a factualidade e a atividade real desenvolvida com o imóvel que teve sempre por objeto a sua totalidade (no caso da locação financeira nem poderia ser de outra forma, pois tem de incidir sobre bens individualizáveis, suscetíveis de serem alienados no final do contrato, caso seja exercida a opção de compra pelo valor residual, nos termos do disposto nos artigos 1.º e 10.º, n.º 1, alínea f) do Decreto-lei n.º 149/95, de 24 de junho, com as alterações posteriores), não podendo deixar de se dever a erro de preenchimento ao qual não é alheia a AT, ao manter no formulário eletrónico a menção a “fração” e ao emitir um certificado com essa exata menção a uma “fração”, quando não estamos em presença de imóveis em regime de propriedade horizontal.

 

            Por outro lado, o certificado constituiu na esfera da Requerente o direito a renunciar à isenção na operação concreta de locação para o qual foi solicitado, pelo que tratando-se de um ato constitutivo de direitos, este não é passível de revogação, nos termos do artigo 167.º do novo Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), nem o seria, sendo um ato vinculado, por razões de oportunidade ou mérito.

 

No que se refere à suscitada invalidade do certificado pela AT, afigura-se que o vício de que padece (a referência ao “armazém A”) é sanável pela interpretação da vontade das partes que realizaram uma locação, e subsequente sublocação, tendo por objeto a totalidade do imóvel, pelo que pretendiam a renúncia para o negócio que concretizaram – de locação integral do prédio – inexistindo qualquer negócio que incida sobre o referido “armazém A”. Ainda que assim não se entendesse, o ato teria de ser anulado nas condições e prazos (seis meses) previstos no artigo 168.º, n.º 1 do novo CPA, não o tendo sido, pelo que se consolidou na ordem jurídica.

 

            À face das razões expostas, conclui-se que a renúncia à isenção do IVA foi validamente exercida em relação ao Contrato de ..., o qual incide sobre a totalidade de um prédio urbano, conforme exigido pelo Regime de Renúncia (artigo 2.º, n.º 1, alínea c)). A incorreta menção no certificado ao “arm-A” não só foi permitida (ou até promovida) pelo teor do formulário eletrónico disponibilizado pela AT aos sujeitos passivos, como expressa o consentimento da AT à realização da operação, pelo que é constitutiva de direitos na esfera daqueles.

 

            No que se refere ao incumprimento, arguido pela AT, do artigo 3.º, n.º 2 do Regime de Renúncia referente às condições subjetivas para a renúncia à isenção, o mesmo é improcedente, atento o facto de a Requerente ser um sujeito passivo de IVA, enquadrado no regime geral deste imposto.

 

De notar que ainda que a Requerente tivesse limitações ao direito à dedução, a AT não demonstrou a sua existência e extensão, nem as mesmas seriam aplicáveis como condição de acesso ao Regime de Renúncia, pois os sujeitos passivos “cuja atividade tenha por objeto, com carácter de habitualidade, a construção, reconstrução ou aquisição de imóveis para venda ou para locação”, como sucede com a Requerente, podem renunciar à isenção do IVA independentemente da percentagem de dedução que registem.

 

            À face do exposto, o ato tributário de indeferimento do reembolso de IVA, relativo ao período de dezembro de 2016, é parcialmente inválido, por vício substantivo, na parte que respeita ao IVA deduzido em relação ao Contrato de ..., incluindo aos gastos da atividade geral da Requerente na proporção que sejam imputáveis a este Contrato, e, nessa medida, deve ser parcialmente anulado, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA.

 

2.3.4. Inexistência de Dúvidas Interpretativas do Direito Europeu

 

As questões decidendas não suscitam dúvidas de interpretação do direito europeu (Diretiva IVA), na medida em que se enquadram no âmbito da competência dos Estados-Membros e da sua margem de conformação relativamente ao alcance da renúncia à isenção em operações sobre bens imóveis, designadamente no que se refere à possibilidade de exclusão de certos tipos de operações ou bens (no caso do Contrato ..., de terrenos para construção), ou aos procedimentos de certificação, conquanto respeitados os princípios gerais de direito europeu, em especial o da proporcionalidade, como sucede na situação vertente.

 

2.4. Juros Indemnizatórios

 

            O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

            O ato de indeferimento do reembolso de IVA objeto desta ação enferma parcialmente de vício material de erro nos pressupostos, com base na errada interpretação e aplicação de normas de incidência tributária por parte da AT e tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais tributários têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

 

            Retomando a situação em análise, a Requerente comprovou a ilegalidade substantiva do ato de indeferimento do reembolso de IVA, na parte que lhe vedou a restituição do IVA incorrido relativamente ao Contrato..., suportando imposto que não constituía seu encargo e que devia ter sido restituído no prazo legal, por erro na interpretação e aplicação do artigo 12.º, nºs 4, 6 e 7 do Código do IVA e dos artigos 2.º, n.º 1, alínea c) e 3.º, n.ºs 1 a 3 do Regime de Renúncia.

 

            Estes erros não podem deixar de ser imputáveis à AT, que emitiu aquele ato tributário de indeferimento, retendo com caráter indevido, por ilegal, a prestação tributária, na parte correspondente. 

 

            Nestes termos, consideram-se verificados os pressupostos legais do direito a juros indemnizatórios, em conformidade com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT, na parte correspondente ao IVA incorrido no âmbito do Contrato..., incluindo o IVA incorrido em gastos gerais da Requerente, na proporção imputável a este contrato, com as legais consequências.

 

            No que se refere ao IVA incorrido relativo ao Contrato de..., sendo a ação improcedente nesta parte, não são devidos juros indemnizatórios. 

 

* * *

 

            Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras (cf. artigo 608.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). 

 

 

  1.  Decisão

 

            Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

 

  1. julgar parcialmente procedente o pedido de anulação do ato tributário de indeferimento do reembolso de IVA, na parte respeitante ao IVA incorrido com o Contrato de ..., incluindo o IVA incorrido em gastos gerais na medida em que sejam imputáveis a este contrato;
  2. julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, na parte correspondente ao IVA do Contrato ..., incluindo o IVA incorrido em gastos gerais, nos moldes enunciados na alínea a) supra,

 

            tudo com as legais consequências de restituição à Requerente das importâncias que lhe sejam devidas.  

 

* * *

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 197.962,43 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            Custas no montante de € 3.672,00, 1/50 (2%) a cargo da Requerente e 49/50 (98%) a cargo da AT, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

           

Lisboa, 5 de dezembro de 2018

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins

                                                                                                                              

 

 

Filipa Barros

 

 

 

 

Prof. Doutor Pedro Soares Martínez

 



[1] Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Lei de Orçamento do Estado para 2013) e pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014).

[2] Instituído pelo Decreto-lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, como atrás referido, com as alterações subsequentes.