Acórdão arbitral
Os árbitros, Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro-presidente), Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins, e Luísa Anacoreta, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o tribunal arbitral, constituído em 06.02.2014, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., SGPS, S.A. (adiante designada Requerente), pessoa coletiva n.º ..., requereu, em 05.12.2013, a constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 março, tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial do acto de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativo ao exercício de 2010, na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas desse mesmo exercício, cujo montante ascende a € 278.791,15.
2. A ora Requerente, na qualidade de sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS), submeteu a autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2010 mediante apresentação da declaração Modelo 22, e, em 14 de novembro de 2012, apresentou modificação a essa autoliquidação mediante a submissão de declaração de substituição.
3. Em 31.05.2013, a Requerente apresentou, junto da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente respeitante ao exercício de 2010.
4. No dia 12.09.2013, tendo em conta a dilação legal de 3 dias, a Requerente foi notificada por carta registada, por intermédio do Ofício n.º …, de 6 de setembro de 2013, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido, em 6 de setembro de 2013, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.
5. À data da constituição do presente tribunal arbitral, ainda não tinha decorrido o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, contado a partir do indeferimento da reclamação graciosa, o qual viria a terminar em 11 de Dezembro de 2013.
6. No pedido, a Requerente optou por não designar árbitro.
7. Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o coletivo de árbitros ora signatários, notificando as partes.
8. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
9. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são, em súmula, as seguintes:
9.1 O ato objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é o ato de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativo ao exercício de 2010, na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas desse mesmo exercício.
9.2 Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2010, a A... procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total, em termos finais de € 1.010.381,02, que correspondem a:
i) tributação autónoma sobre encargos com viaturas, que gerou o montante de € 949.396,27;
ii) tributação autónoma sobre ajudas de custo que gerou o montante de € 20.531,75;
iii) tributação autónoma sobre despesas de representação, que gerou o montante de €
38.742,41;
iv) tributação autónoma sobre despesas confidenciais ou não documentadas, que gerou o montante de € 1.710,57.
9.3 Não deduziu porém a A..., para efeitos do apuramento do lucro tributável do seu grupo fiscal desse exercício de 2010, o encargo suportado com as referidas tributações autónomas, antes tratando-as como se fossem IRC ou derrama municipal. No entanto, entende ter direito a relevar os referidos encargos fiscais com tributações autónomas no cômputo do lucro tributável para efeitos de IRC (e da derrama consequente), pelos seguintes motivos:
1. Argumento relativo à natureza jurídica da tributação autónoma [enquanto tributação (autónoma) sobre a despesa que não se confunde com o imposto sobre o rendimento (IRC) ou lucro da empresa]
a) A tributação autónoma não é IRC, mas sim, na maioria dos casos, uma tributação sobre a despesa (o inverso da tributação sobre o rendimento ou lucro, como é o caso do IRC, incluindo a sua sobretaxa conhecida por derrama estadual, ou como é o caso da derrama municipal), uma tributação sobre encargos suportados pela empresa e representativos de consumos (em sentido lato) da empresa. É o caso das tributações autónomas:
i) sobre as despesas não documentadas, a primeira das tributações autónomas (atualmente prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 88.º do CIRC);
ii) sobre as despesas que tenham beneficiado pessoas ou entidades localizadas em zonas de baixa tributação, tributação autónoma introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de
29 de dezembro (atualmente prevista no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC);
iii) sobre as despesas de representação e os encargos com viaturas (entre outras despesas estatisticamente menos importantes), tributação autónoma introduzida pela
Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, e sobre os encargos com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador ao serviço de entidade patronal, tributação autónoma introduzida pela Lei n.º 55-B/2004 atualmente previstas nos n.ºs 3 a 7, e 9, do artigo 88.º do CIRC);
iv) sobre as despesas com indemnizações devidas quando se verifique a cessação das
funções de administrador (ou gestor ou gerente), não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, e com indemnizações por rescisão de contrato antes do termo (para aquelas mesmas categorias profissionais) na parte em que excedam o valor das remunerações que ainda seriam devidas até final do referido termo, introduzidas pela Lei n.º 100/2009, de 7 de setembro (actualmente previstas na alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC);
v) sobre as despesas ou encargos com bónus atribuídos a administradores e gestores,
aplicável quando o seu pagamento não for em pelo menos 50% diferido no tempo por
3 anos e não for condicionado ao desempenho positivo da sociedade nesse futuro (por
referência ao passado que justificou a atribuição do bónus) temporal, introduzida pela
Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (prevista na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC).
b) A sua função nada tem que ver também com a função do IRC, nada tem que ver com a função de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento das pessoas colectivas, pelo contrário: quando essa capacidade contributiva é menor, é até inexistente, é quando se agravam, transversalmente, todas estas tributações autónomas (cfr. actual n.º 14 do artigo 88.º do CIRC).
c) Com respeito às várias espécies de tributação autónoma aponta as seguintes funções:
(i) quanto à tributação autónoma sobre despesas não documentadas ou confidenciais, cumpriria as finalidades de combate à evasão fiscal, à economia paralela ou subterrânea e de combate à distribuição oculta de lucros aos sócios;
(ii) quanto à tributação autónoma de despesas que tenham beneficiado pessoas ou entidades localizadas em zonas de baixa tributação, teria por fim o combate ao abuso traduzido em desvio de fluxos ou rendimentos para zonas de baixa tributação com o único objectivo de furtá-los à tributação que seria aplicada em Portugal;
(iii) quanto à tributação autónoma incidente sobre encargos com viaturas e sobre despesas de representação, explicar-se-ia pelo entendimento de que, estando em causa consumos do tipo promíscuo (no sentido que tanto podem servir finalidades empresariais quanto podem de facto estar apenas, ou também, a servir necessidades pessoais do trabalhador da empresa), se justificaria também a tributação da própria despesa em si mesma, em substituição da tributação na esfera pessoal do trabalhador.
(iv) No que respeita à tributação autónoma sobre despesas com bónus de administradores ou gestores e sobre despesas com indemnizações aos mesmos na cessação das suas funções, a finalidade seria essencialmente reditícia;
(v) Quanto à tributação autónoma sobre lucros distribuídos a entidades isentas de IRC (ou que beneficiem de isenção relativamente aos rendimentos de capitais, maxime dividendos) quando o tempo de detenção da participação por parte destas não seja de pelo menos um ano (tributação autónoma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de novembro, actualmente prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC), não incide sobre uma despesa mas antes sobre um dividendo recebido de uma sociedade de que se detêm participações por curto espaço de tempo, ou seja, também abstrai do rendimento lucro, porquanto a receita dividendo não significa que a entidade em causa apurou um resultado positivo no exercício em causa. Quanto à sua função seria essencialmente a de combater comportamentos abusivos no plano do planeamento fiscal (lavagem de dividendos, transformação de dividendos em mais-valias).
d) Conclui que uma análise quer da incidência (na esmagadora maioria dos casos, sobre despesas ou encargos), quer da função das tributações autónomas, revela que as mesmas não são, não têm a natureza de, imposto sobre o rendimento (lucro) da pessoa colectiva que as suporta e constitui o seu sujeito passivo. Pelo contrário, em situação de prejuízos é justamente quando estas tributações se agravam (cfr. o actual n.º 14 do artigo 88.º do CIRC).
e) Além disso as tributações autónomas aplicam-se independentemente do IRC (em consequência, justamente, desta sua diferente natureza e função no confronto com o IRC): aplicam-se mesmo (ou na mesma) quando haja exclusão de sujeição a (não incidência de) IRC, ou isenção de IRC, e aplicam-se a realidade diferente daquela (o lucro) a que se aplica o IRC, donde que a sua dedução fiscal não gera um circulovicioso, como no caso de uma eventual dedução das derramas.
f) A doutrina atribui maioritariamente às tributações autónomas em sede de IRC um caráter e finalidade distintos da tributação do rendimento da empresa.
g) Quanto à jurisprudência: o STA tem entendido que a tributação autónoma não é imposto sobre o rendimento (IRC), limitando-se a ser liquidada conjuntamente com o IRC (na mesma declaração – a modelo 22); o Tribunal Constitucional distingue também o IRC da tributação autónoma em IRC e em IRS. Quanto aos tribunais arbitrais, a Requerente invoca a decisão do coletivo arbitral proferida no processo n.º 7/2011-T, que acolhe também o entendimento praticamente unânime da diferenciação entre o IRC (que tributa o rendimento) e as tributações autónomas (que não tributam o rendimento, antes incidem sobre despesas ou encargos).
2. Argumentação quanto à dedutibilidade fiscal do encargo com o imposto tributação autónoma:
a) Aos encargos fiscais decorrentes das tributações autónomas aplica-se a regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC porquanto a regra em IRC é de que os impostos suportados por um sujeito passivo de IRC são dedutíveis, na mesma medida e no mesmo plano em que o são a generalidade dos gastos ou encargos – cfr. a alínea f) do n.º 1 artigo 23.º do CIRC. As exceções a este estado de coisas, são isso mesmo, exceções, e estão previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1 do actual artigo 45.º (anterior 42.º) do CIRC, a que acresce a exceção também prevista para contribuição sobre o setor bancário, prevista na alínea o) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC. Acrescenta, ainda, que com respeito às tributações autónomas aqui em causa, há uma novidade para 2014 que constitui mais uma confirmação de que até 2013, inclusive, este encargo fiscal não era excecionado da regra geral de dedutibilidade dos encargos fiscais: na proposta de lei de reforma do IRC (Proposta de Lei n.º 175/XII) prevê-se a inclusão dos encargos fiscais com tributações autónomas na exceção que impede a dedutibilidade fiscal do IRC, equiparando-os para este efeito (inclusão na exceção de indedutbilidade) ao IRC.
b) Os encargos fiscais a que se aplica a exceção à respectiva dedutibilidade,prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º (anteriormente 42.º) do CIRC, são o IRC, incluindo a derrama estadual, e a derrama municipal.
c) A controvérsia doutrinal que existiu sobre a (in)dedutibilidade da derrama municipal e o modo como foi dirimida, confirmam também que com respeito aos encargos fiscais com tributações autónomas não se aplica a exceção, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º (anteriormente 42º)., à regra fiscal da dedutibilidade dos impostos).
9.4 A Requerente faz ainda uma análise das razões avançadas pela UGC para indeferir a reclamação graciosa apresentada, concluindo, como já havia feito na sua exposição que não é só porque a tributação autónoma possui uma natureza distinta do IRC, nem porque a mesma não se encontra entre as excepções de indedutibilidade fiscal previstas no artigo 45.º do CIRC que defende a dedutibilidade fiscal mesma; é também porque, pela positiva há norma que afirma a dedutibilidade fiscal dos encargos fiscais (o artigo 23.º, n.º 1, alínea f) do CIRC), e as tributações autónomas são isso mesmo: encargos fiscais resultantes de uma tributação incidente sobre despesas. Ou seja, há norma que pela positiva prescreve a dedutibilidade; e não há norma que pela negativa excecione essa dedutibilidade. É da conjugação destes argumentos que a Requerente conclui não haver razão para negar a dedutibilidade fiscal dos encargos com tributações autónomas, com a possível exceção das tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas e pagamentos a offshores (se e na medida em que estas não sejam elas mesmas dedutíveis, o que não sucede necessariamente, como é sabido, com os pagamentos a offshores).
9.5 Por fim, a Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, calculados sobre o montante de imposto indevidamente pago (€ 278.791,15) e contados desde o seu pagamento até ao efetivo reembolso.
10. Na Resposta apresentada, a Entidade Requerida veio defender-se por exceção e por impugnação.
10.1 Matéria de exceção
Quanto à exceção, invoca a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral por ter sido ultrapassado o prazo de 90 (noventa) dias previsto no artigo 102.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por remissão do artigo 10.º do RJAT. Tendo em atenção as disposições conjugadas dos artigos 104º, n.º 1, alínea b) e 120º n.º 1 do Código do IRC, a data limite de pagamento do imposto em causa nos autos ocorreu em 31.05.2011, tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido apresentado em 05.12.2013, volvidos mais de dois anos desde o término do mencionado prazo de 90 (noventa) dias. Conclui, assim, que o pedido é intempestivo e que o tribunal não pode dele conhecer e que, tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação direta do ato de autoliquidação de imposto (ou seja, do ato primário), a “tempestividade” do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do ato de autoliquidação onde tivesse sido prolatada decisão a negar/indeferir, expressa ou tacitamente, total ou parcialmente, as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um ato de segundo grau). Alega, porém, que no caso concreto, a Requerente não formulou um pedido de anulação da reclamação graciosa e que, não o tendo feito, inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente ao ato de autoliquidação.
10.2 Matéria de impugnação
a) A Requerida começa por referir que, mesmo admitindo em tese a dedutibilidade das tributações autónomas, no que concerne às tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, nunca seria de admitir a sua dedutibilidade na medida em que configurariam um encargo fiscal sobre gastos não indispensáveis “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, pelo que não se subsumem na alínea f) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.
b) Quanto à possibilidade de dedução ao lucro tributável de encargos com tributação autónoma incidente sobre gastos dedutíveis, a Requerida responde com os seguintes argumentos:
i) Em primeiro lugar, refere que os arestos do Tribunal Constitucional citados pela Requerente versam sobre a questão da retroatividade da alteração legal das taxas de tributação autónoma introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, que alterou o então artigo 81.º do CIRC aumentando a taxa de tributação autónoma aplicável a despesas de representação e com viaturas e fez retroagir os seus efeitos a 1 de janeiro de 2008, não se pronunciando sobre o facto de as tributações autónomas não serem, ao menos formalmente, IRC, nem tão-pouco advogando a sua dedutibilidade ao lucro tributável quer por sua exclusão da al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, quer pela sua inclusão na al. f) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC. O mesmo sucede com a jurisprudência do STA, que versa sobre as questões da retroatividade e da transparência fiscal. Quanto à decisão do coletivo arbitral proferida no processo n.º 7/2011-T, que a Requerente também cita, a Requerida refere que a mesma se debruça sobre as tributações autónomas por confronto com a tributação por métodos indiretos, apenas se debruçando sobre a natureza daquelas, obiter dictum, a propósito, mais uma vez, da sua forma de apuramento, mas sem lhe retirar as ilações que a Requerente preconiza.
ii) Quanto à questão de fundo, responde que a pretensão da Requerente de corrigir a inscrição dos encargos relativos a tributações autónomas no campo 724 da Modelo 22 do exercício de 2010 esbarra desde logo no elemento literal da norma ínsita na al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, a qual se reporta a encargos com IRC, na medida em que não se pode negar que as tributações autónomas se inserem formalmente no IRC a pagar pelo contribuinte – observação que, alega, não é disputada pela jurisprudência nem pelos prestigiados autores que a Requerente cita, os quais abordam a questão das especificidades das tributações autónomas justamente no pressuposto de que elas compõem formalmente o IRC a pagar pelos contribuintes. Donde, quando o legislador se refere a encargos de IRC, necessariamente está a incluir, ainda que para já num plano literal, as tributações autónomas.
iii) Invoca ainda os termos do artigo 12.º do CIRC, os quais, segundo afirma, confirmam, a contrario sensu, que as tributações autónomas são consideradas IRC pelo legislador porque este, ao excluir da tributação em IRC as sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal, salvaguarda expressamente as tributações autónomas (“as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”). Por conseguinte, afirma, as tributações autónomas são uma componente do IRC a autoliquidar e a pagar pelos contribuintes nos termos e nos prazos previstos respectivamente nos artigos 89.º e seguintes (Liquidação – Capítulo V) e 104.º e seguintes (Pagamento – Capítulo VI) do Código do IRC, os quais, de resto, se referem indiferenciadamente quer a IRC sobre o lucro, quer às tributações autónomas em sede de IRC. Assim, conclui, ao contrário do que pretende a Requerente, as tributações autónomas não são um qualquer imposto distinto, apesar das diferenças assinaladas pela jurisprudência nos factos sobre que incidem.
iv) A autonomia que dá nome às taxas de tributação autónoma prende-se, no entender da Requerida, com os factos sobre os quais aquelas incidem e com as especificidades no seu apuramento, mas não em relação às restantes parcelas do IRC a autoliquidar e a pagar pelo contribuinte, uma vez que a esta luz as tributações autónomas são, ainda assim, IRC. E assim é, sublinha, para todos os efeitos legais, gozando o produto da aplicação das taxas de tributação autónoma inclusivamente dos privilégios creditórios previstos no artigo 116.º do CIRC e aplicando-se-lhes os mesmos meios de reação contemplados no art. 137.º do CIRC.
v) Por outro lado, notam que a questão da (in)dedutibilidade das tributações autónomas não pode ser colocada no mesmo plano da discussão que no passado se verificou em torno da dedutibilidade das derramas municipais e que culminou com a solução plasmada na Lei de Orçamento de Estado de 1996 (Lei n.º 10-B/96, de 23 de março), à qual foi conferida natureza interpretativa, e, ainda, no acórdão do Pleno do STA, de 06-05-2002, proferido em recurso por oposição de julgados no processo n.º 022155. Assim é porque as tributações autónomas não partilham com as derramas as características que as tornam um imposto distinto e especial em relação ao IRC, na medida em que, ao contrário das derramas municipais, que, na sua formulação originária eram um imposto local, lançado pelos municípios, cuja receitas têm uma afetação distinta das receitas do IRC, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, que instituiu as taxas de tributações autónomas no nosso país, previa que «as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.» Ou seja, mesmo não inseridas formalmente nos códigos do IRS ou IRC, já se determinava que o produto da aplicação destas taxas constituía um adicional do imposto sobre o rendimento a liquidar e a pagar pelo contribuinte. Conclui, portanto, que as tributações autónomas, mesmo quando previstas em diploma próprio, nunca constituíram um imposto autónomo, como em tempos foram as derramas municipais, ou um imposto especial sobre as vantagens acessórias, como nos exemplos do «Fringe Benefits Tax» adotado na Austrália e na Nova Zelândia, trazidos à colação pela Requerente [cfr. arts. 153º a 155º e 222º e 223º.º do Pedido] com base num estudo de MARIA DOS PRAZERES LOUSA.
vi) Relativamente à redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, à alínea a) do artigo 23.º-A do CIRC, entende que o legislador veio clarificar aquilo que já antes era defendido pela AT.
vii) Assim, a Requerida rejeita a interpretação da Requerente segundo a qual “há norma que pela positiva prescreve a dedutibilidade; e não há norma que pela negativa excepione essa dedutibilidade”, porquanto, prescrevendo expressamente a al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC a indedutibilidade do IRC, tem forçosamente de se concluir que este preceito, pela sua letra, também exclui a dedutibilidade das tributações autónomas. Assim, a tese da Requerente só poderia vingar se se procedesse a uma interpretação restritiva da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, a qual não é admissível porque implicaria a conclusão prévia, a partir de elementos lógicos, de que o legislador não pretendia com esse preceito excluir a dedutibilidade das tributações autónomas, o que não considera possível no caso concreto por não existirem razões ponderosas para excluir as tributações autónomas da letra do preceito em análise.
viii) Quanto à função desempenhada pelas tributações autónomas, a Requerida defende que as mesmas têm uma natureza acessória/instrumental em relação à tributação do rendimento real, designadamente quanto à utilização abusiva de certas despesas, estando, por conseguinte, funcionalmente ligadas ao apuramento do rendimento real. Assim, visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador. Conclui ainda a Requerida que se a definição da taxa de tributação autónoma depende do apuramento da matéria coletável, o produto da sua aplicação não pode integrar o cálculo daquela, por impossibilidade de lógica.
ix) Quanto à questão dos juros indemnizatórios, a Requerida entende que os mesmos não são devidos e que, mesmo que o fosse, o seu cômputo teria como termo inicial a data em que ocorreu a notificação da decisão que indeferiu o procedimento de reclamação graciosa e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido.
11. Em resposta à exceção invocada pela Requerida, veio a Requerente pronunciar-se nos seguintes termos, requerendo que fosse julgada improcedente a exceção de intempestividade:
a) O único acto autonomamente lesivo é o ato tributário, sendo nele que se verificam os vícios que justificam o recurso à tutela jurisdicional e sendo nele que radica o interesse em agir.
b) Os actos de segundo grau que sobre ele se pronunciem, recusando-se a anulá-los, só são lesivos por contágio ou derivadamente.
c) Com a anulação do ato tribuário, todos os atos sem existência autónoma por referência a este, como sejam todos os actos administrativos de indeferimento de pedidos de anulação dos atos tributários, passam a ser irrelevantes por definição: o indeferimento administrativo do pedido de anulação do ato tributário fica sem objecto sobre o qual possa projetar a sua eficácia, passando a impor-se na ordem jurídica a decisão, por autoridade com competência para tal, que anulou o ato.
d) Não é imputada nenhuma causa de legalidade autónoma ao ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
12. No dia 21.03.2014 foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Dada a palavra ao representante da Requerente, foi por este requerida a junção aos autos das decisões proferidas nos processos n.º 187/2013-T e 209/2013-T, à qual a Requerida não se opôs. Foi então fixado prazo para a apresentação de alegações sucessivas pelas partes, bem como a data para a prolação da decisão do coletivo (27.05.2014).
13. Dentro do prazo fixado para o efeito, veio a Requerente apresentar as suas alegações, que se sumariam de seguida:
a) A Direcção de Finanças do Porto indeferiu um pedido de contribuinte (reclamação graciosa) que invocou a dedutibilidade fiscal em IRC dos encargos fiscais com tributações autónomas invocando que as tributações autónomas não se encontram previstas no artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC (na numeração em vigor até 2013), e que só com a Lei de reforma do IRC entrada em vigor em 2014 passou a constar do sucessor do artigo 45.º, o novo artigo 23.º-A do CIRC.
b) Toda a jurisprudência produzida até hoje, e produzida a pedido da AT, afastou a aplicação de normas do IRC (tributação sobre o rendimento) às Tributações Autónomas (TA doravante), justamente por ter concluído que estas não eram IRC
c)A alteração legislativa de 2014 a esta matéria tem inequivocamente carácter inovatório e, consequentemente, só pode aplicar-se daí em diante. Daqui extrai a conclusão de que padece de inconstitucionalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (proibição de retroatividade da lei fiscal), e por violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (cfr. artigo 2.º da Constituição), a interpretação da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, no sentido de que a equiparação aí efetuada das tributações autónomas ao IRC, se aplicaria a exercícios fiscais anteriores a 2014, por ter, alegadamente, natureza materialmente interpretativa da norma anterior que substituiu (a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, e anteriormente a 2010, artigo 42.º) e que não fazia tal equiparação.
d) O facto de constar do mesmo diploma ou código não faz das TA IRC. O IRC e as TA estão no mesmo diploma por pura razões de simplificação administrativa que se materializam ao nível dos timings e modelo declarativo (conjunto, mas com campos distintos, com os respetivos nomes distintos também em cada um deles, como se viu no pedido de constituição de tribunal arbitral) destes dois impostos. e) Em todos os aspetos substantivos verifica-se a estanquicidade entre o IRC e as TA, a todos os níveis.
f) A função (da maioria) das TA concretamente aqui em causa de tributar certas despesas em que incorre a entidade patronal, por causa do uso potencialmente promíscuo (entre a esfera pessoal do colaborador e a actividade da empresa) das mesmas, confirma também a pertinência da sua dedutibilidade fiscal.
g) É uma contradição nos termos invocar-se o requisito da indispensabilidade quando a própria despesa ou encargo sobre que incide a TA é ela mesma dedutível/preenche esse requisito da indispensabilidade.
h) Do regime simplificado de tributação nada se retira que apoie a construção da AT
i) A radical diferença entre o IRC e a derrama municipal de um lado, e as tributações autónomas do outro: a razão de ser que está na base da indedutibilidade do IRC para efeitos de mensuração da base (lucro ou rendimento da pessoa colectiva) sobre que incide é exactamente a mesma da derrama municipal - ambos estes impostos constituem um conjunto que visa tributar o lucro da empresa, logo não devem eles mesmos ser deduzidos (se nada se disser em contrário) para efeitos de apuramento do lucro da empresa sobre que incidirão. Nada disto sucede com as tributações autónomas: elas não são nem um adicionamento (como era até 2007 a derrama) nem um adicional (derrama após 2007) do IRC, já que não são determinadas a partir da coleta do IRC nem da sua base (lucro tributável). Numa palavra, não incidem direta ou indiretamente sobre o lucro ou rendimento da empresa.
j) O facto de a taxa das TA ser agravada em caso de existência de prejuízos fiscais não constitui qualquer obstáculo lógico à sua dedutibilidade.
l) A Requerente analisa depois criticamente a decisão arbitral proferida no processo 209/2013-T, remetendo-se, quanto a esse segmento das alegações, para o respetivo texto.
14. Igualmente dentro do prazo aplicável, veio a Requerida apresentar as suas alegações e conclusões, transcrevendo-se de seguida as segundas:
A. À data actual, existem duas decisões arbitrais (187/2013-T e 209/2013-T) que concluem no sentido de que as tributações autónomas que incidem sobre os encargos dedutíveis em IRC integram o dito regime, sendo, por isso, devidas a título deste imposto, encontrando-se abrangidas pelo disposto no artigo 45.º, n. 1, al. a) do CIRC, redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, não constituindo encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, “devendo, em consequência, improceder a presente ação arbitral”.
B. À fundamentação que consta nas mencionadas decisões arbitrais acresce que o valor resultante da aplicação das tributações autónomas, constantes no artigo 88.º do CIRC, não é, nem nunca foi, passível de ser deduzido para efeitos de apuramento do lucro tributável das pessoas colectivas.
C. Na mesma medida em que não são dedutíveis ao lucro tributável outros tributos suportados pelos sujeitos passivos, também não são dedutíveis impostos que incidem sobre as despesas em relação às quais o legislador e, acima de tudo, a lei excluiu da dedutibilidade.
D. Na realidade, formalmente, as tributações autónomas são IRC, apresentando-se como uma sua componente, um seu complemento.
E. Paralelamente, da leitura dos Acórdãos 617/2012 e 85/2013, lavrados em sede de Constitucional, não se retira que as tributações autónomas sejam, efectivamente, um imposto distinto do IRC, o que, desde logo, justifica a sua não dedutibilidade no apuramento do lucro tributável, nos termos disposto no artigo 45.º/1, a) do CIRC.
F. Tanto o legislador como a lei, no artigo 12.º do CIRC, consideram as tributações autónomas componente do IRC.
G. Neste sentido, as tributações autónomas deverão ser pagas pelos contribuintes nos termos e prazos previstos respectivamente nos artigos 89.º e seguintes e 104.º e seguintes do CIRC, os quais, de resto, se referem, de modo indiferenciado, quer a IRC sobre o lucro, quer às tributações autónomas em sede de IRC.
H. A nova redacção do artigo 23.º-A/1 al. a), introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, tem um manifesto alcance esclarecedor para o futuro quanto ao seguinte facto: as tributações autónomas são uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC.
I. Aliás, esse alcance clarificador segue a linha (1) da única interpretação possível do pretérito artigo 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC que, já antes da introdução daquela nova redação, existia, bem como segue a linha (2) de pensamento (e de vontade) do legislador que até então se vinha desenvolvendo, designadamente que os encargos das tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável das empresas.
J. O que o legislador pretendeu foi apenas afastar dúvidas que sabe podem vir a ocorrer no futuro, pelo que é destituído de sentido afirmar-se que se trata de uma lei inovatória, pois que, ao contrário do que pugna a Requerente, tal introdução normativa segue a linha de raciocínio do pretérito artigo 45.º, n. 1, al. a) do CIRC.
K. Não padece de inconstitucionalidade a interpretação da norma constante no artigo 23.º-A, n. 1, al. a) do CIRC, redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, dado não terem sido violados os artigos 2.º e 103.º, n. 3 da CRP.
L. Em bom rigor, e contrariando o invocado pela Requerente no ponto 4. das suas alegações, nunca a Requerida propôs a aplicação do novo artigo 23.º-A do CIRC a factos tributários ocorridos (e decididos) na vigência da lei pretérita.
M. Tanto numa perspectiva teleológica, sistemática como funcional, as tributações autónomas são um autêntico adicional do IRC, e isto porque, pela natureza das coisas, um imposto não pode ser dedutível a si mesmo.
N. Desde sempre, a intenção manifestada pelo legislador foi a da indedutibilidade das tributações autónomas, até porque o seu objectivo foi o de evitar um certo efeito de círculo vicioso, ou seja, a permissão de que o imposto se permitisse deduzir a si próprio, desta forma evitando o esvaziamento do âmago do artigo 88.º do CIRC.
O. As tributações autónomas estão funcionalmente imbricadas no IRC, sendo que, e paralelamente, existe uma norma (88.º/14 do CIRC) que faz depender a alíquota da tributação autónoma da circunstância do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.
P. Com efeito, permitir o concurso para o apuramento do lucro tributável da Requerente conduziria que a própria liquidação de tributações autónomas reduzisse, por conseguinte, a liquidação do IRC a pagar, em confronto direto com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à utilização de certos bens e serviços de uso misto.
Q. As tributações assumem uma clara natureza anti-abuso, uma vez que com elas se pretende prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos, prosseguindo, por esta via, o objectivo de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento real.
Nada mais tendo sido arguido ou requerido, cumpre, agora, proferir decisão.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MATÉRIA DE FACTO
1. A Requerente, na qualidade de sociedade dominante de um grupo de sociedades apresentou a declaração Modelo 22 do exercício de 2010 no dia 31.05.2011 (cf. documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
2. No dia 14.11.2012, a Requerente alterou a autoliquidação do IRC mencionada em 1. mediante a submissão de declaração de substituição (cf. documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3. Na referida autoliquidação de imposto, está incluída a autoliquidação das tributações autónomas nos termos do artigo 88.º do CIRC, no montante total de € 1.010.381,02 (cf. o campo 365 do quadro 10 constante dos documentos 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral) – que correspondem a (cf. quadro 11 dos aludidos documentos 1 e 2, e o documento 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral):
i) tributação autónoma sobre encargos com viaturas, que gerou o montante de € 949.396,27;
ii) tributação autónoma sobre ajudas de custo que gerou o montante de € 20.531,75;
iii) tributação autónoma sobre despesas de representação, que gerou o montante de €
38.742,41;
iv) tributação autónoma sobre despesas confidenciais ou não documentadas, que gerou o montante de € 1.710,57.
4. No dia 31.05.2011 a Requerente efetou o pagamento do IRC do exercício de 2010 no valor total de € 28.332.465,16 (cf. documento 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
5. No dia 05.09.2012, a Requerente foi reembolsada do montante de imposto pago em excesso (€ 166.992,89), através de transferência bancária (cf. documento 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
6. No dia 31.05.2013, a Requerente apresentou, junto da Unidade dos Grandes Contribuintes, reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de IRC e derrama
municipal consequente respeitante ao exercício de 2010 (cf. documento 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
7. No dia 12.09.2013, tendo em conta a dilação legal de 3 dias, a Requerente foi notificada por carta registada, através do Ofício n.º …, de 6 de setembro de 2013, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido, em 6 deSetembro de 2013, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (cf. documento 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
8. No dia 05.12.2013, a Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, pedindo a declaração de ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de IRC e consequente derrama do exercício de 2010 no montante de € 278.791,15 (cf. o sistema de gestão processual do CAAD).
A decisão da matéria dos factos provados baseou-se nos documentos juntos ao processo e na não oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a factos invocados pela Requerente.
Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.
II.2 Questões a apreciar
a. A exceção de intempestividade invocada pela Requerida
b. O mérito do pedido: deverá aceitar-se a dedutibilidade dos montantes pagos a título de tributação autónoma para efeitos de apuramento do lucro tributável?
a) Exceção de intempestividade
A apreciação da exceção de intempestividade invocada pela Requerida passa pela resposta a dar à seguinte questão: tendo a Requerente contado o prazo de 90 dias da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT para apresentação do pedido de pronúncia arbitral a partir do indeferimento da reclamação graciosa, deveria ter incluído o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa no objeto do pedido?
No caso concreto verifica-se que a Requerente identifica como objeto do pedido de pronúncia o ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2010. No texto da petição, a Requerente explica que apresentou reclamação graciosa desse ato, tendo essa reclamação graciosa sido indeferida, mas não inclui o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa no pedido, invocando-o apenas como pressuposto da verificação do requisito processual da tempestividade.
A Requerente contou o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral a partir do indeferimento da reclamação graciosa, o que é possível nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, que manda contar o prazo de 90 dias a partir dos factos previstos nos números 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT (estando o indeferimento expresso da reclamação graciosa previsto no n.º 2).
A Requerente alega que o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa não padece de vícios autónomos, sendo ilegal apenas por confirmar a ilegalidade do ato de liquidação do tributo. Por esse motivo, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral apenas em relação ao ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2010, não incluindo o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa no pedido, mas invocando-o como pressuposto da verificação do requisito processual da tempestividade.
A Requerente refere ainda o artigo 2.º do RJAT, mais precisamente a alínea a) do n.º 1, que prescreve que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, não aludindo expressamente a atos de indeferimento de reclamações graciosas.
Importa, pois, saber se o tribunal deve considerar o pedido intempestivo apenas porque o Requerente não incluiu o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa no objeto.
Entende o Tribunal que a análise desta questão deve ser guiada pelos princípios da tutela jurisdicional efetiva (artigo 268.º, n.º 4 da Constituição) e os princípios antiformalista, "pro actione" e "in dubio pro favoritate instanciae", que presidem ao disposto no artigo 7.º do CPTA e que impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, favorecendo a apreciação do mérito das questões. Ora, tendo em conta estes princípios, o tribunal entende que a exceção de intempestividade não deverá proceder, passando-se, pois, à análise do mérito do pedido.
b. Do mérito do pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de IRC de 2010
A questão de mérito que se coloca a este tribunal convoca uma decisão sobre se as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC devem ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável sobre o qual incide aquele imposto.
Vejamos, então.
No âmbito da anterior redação do Código do IRC existiam duas normas com impacto direto na questão em análise: por um lado, o princípio geral de dedutibilidade de encargos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os de natureza fiscal e parafiscal, que resultava do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC. Por outro lado, a regra de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos direta ou indiretamente incidentes sobre os lucros.
Face a um princípio geral de dedutibilidade de encargos e à ausência de referência expressa às tributações autónomas na norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, a dúvida surge sobre se o legislador quis, ou não, incluí-las na exceção de não dedutibilidade prevista nesta última norma. Atenta a dúvida interpretativa criada pela letra da lei, cabe, então, ao intérprete a tarefa de interpretar o ordenamento jurídico no seu conjunto, buscando nas razões de ser do regime das tributações autónomas a resposta às dúvidas suscitadas.
As tributações autónomas foram introduzidas no ordenamento jurídico português através do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, que previu a tributação autónoma, à taxa de 10%, das despesas confidenciais ou não documentadas.
Mais tarde, as tributações autónomas foram incluídas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que veio integrar a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC.
Desde então, o regime das tributações autónomas, já inserido no Código do IRC, tem assistido a um processo de alargamento que culminou na atual existência de vários tipos de tributações autónomas previstos no artigo 88.º do Código do IRC:
i) Tributação autónoma sobre despesas não documentadas;
ii) Tributação autónoma sobre encargos com viaturas;
iii) Tributação autónoma sobre despesas de representação;
iv) Tributação autónoma sobre importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
v) Tributação autónoma sobre despesas com ajudas de custo e com compensações pela deslocação de trabalhadores em viatura própria ao serviço da entidade patronal;
vi) Tributação autónoma sobre os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial;
vii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como sobre os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo;
viii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.
Da análise deste elenco é possível concluir que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis e que as tributações autónomas cumprem, no essencial, duas funções: por um lado, evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos; outros tipos de tributações autónomas visam, pura e simplesmente, penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos dos sujeitos passivos, consubstanciando um mecanismo anti-abusivo.
Ora, face ao que antecede, se se admitisse a dedutibilidade das tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis estar-se-ia a admitir a dedutibilidade de um encargo não indispensável para realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Com efeito, se o gasto sobre o qual incide a tributação autónoma não é, em si mesmo, dedutível, é porque, de acordo com a lógica que subjaz ao IRC o mesmo não é indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. E, sendo assim, a tributação autónoma que sobre ele incide também o não será, sob pena de se admitir a dedução de um encargo em frontal desacordo com o princípio geral de que a dedutibilidade dos encargos depende da respetiva associação com a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC. Assim, tal como não são dedutíveis os tributos incidentes sobre factos não relacionados com a realização de rendimentos sujeitos a IRC, também as tributações autónomas que incidem sobre despesas não dedutíveis terão, forçosamente, que estar excluídas de dedução (no apuramento do lucro tributável).
Em segundo lugar, importa decidir a questão da dedutibilidade das tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis: deverá aí aplicar-se o princípio segundo o qual o acessório segue o caminho do principal (acessorium principale sequitur) e decidir-se que a tributação autónoma suportada com referência a um encargo dedutível deverá ela também ser dedutível? A questão passa aqui por saber se na expressão “IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre lucros” (consagrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC na redação e vigor à data dos factos), devem ser incluídas as tributações autónomas ou não.
A Requerente apresentou argumentação no sentido de que, configurando a tributação autónoma um tributo distinto do IRC, com funções e propósitos distintos da função primordial do IRC de tributação do rendimento real das empresas, essa distinta forma de tributação não poderá ser considerada “IRC” para efeitos da exclusão da dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do Código do IRC. Já a Requerida entende que as tributações autónomas que incidem sobre sujeitos passivos de IRC não podem ser dissociadas do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, na medida em que se destinam, ainda que de forma indireta, a contribuir para a realização da função desse imposto pelo que admitir a respetiva dedutibilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC seria, digamos assim, uma forma de fraude admitida pelo próprio sistema.
Ora, sobre este tema, entende o presente tribunal que assiste razão à Requerente quando refere que as tributações autónomas operam de forma diferente do IRC, têm, no imediato, propósitos distintos do IRC, servem funções que não estavam no cerne do regime de tributação das pessoas coletivas quando este se ergueu por via do Código do IRC e, em certa medida, são autónomas da tributação operada pelo IRC no sentido em que não dependem daquela para ver os seus objetivos imediatos realizados. Tudo isso é verdade, sendo, por conseguinte, reconhecidamente pertinentes alguns dos argumentos aduzidos pela Requerente no sentido de diferenciar as duas formas de tributação.
Contudo, essa diferenciação não deve impedir o intérprete de perceber que a raiz das tributações autónomas reside, ainda assim, no IRC. Não obstante elas terem evoluído para uma espécie complexa e diversificada até certo ponto autonomizada do imposto relativamente ao qual prima facie surgiram associadas, elas existem, sobrevivem e multiplicam-se por causa do IRC e por causa dos objetivos últimos do IRC. Elas são, nessa medida, uma forma de realização da tributação das pessoas coletivas que nasce da constatação da crescente incapacidade de se tributar o respetivo rendimento apenas com base no eixo tradicional do IRC. São, pois, apesar das diferenças que hoje lhes podem ser reconhecidas face ao IRC, um mecanismo de preservação da base tributável em sede de IRC e, dessa perspetiva, pouco sentido faria aceitar-se que o próprio sistema permita a sua dedução.
Em concreto no que se refere às tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis, as mesmas visam compensar, por essa via, a perda de receita fiscal que a realização e dedução de tais despesas ocasionaria na sua ausência. Assim, enquanto se permite que o sujeito passivo deduza a despesa, onera-se a sua dedução com a tributação autónoma reduzindo-se, assim, a receita fiscal perdida com a dedução da despesa e desincentivando-se a utilização futura do tipo de encargos que gerou a tributação autónoma.
Como refere o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 18/2011, a propósito dos encargos relacionados com viaturas: “[estes] referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é, a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo a tributação prevista nesses preceitos [atuais n.º 3 e 4 do art. 88.º do CIRC] explicada por uma intenção legislativa de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal”.
No mesmo sentido vão as palavras de Saldanha Sanches quando afirma que ”Neste tipo de tributação [autónoma], o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros.” (cf. “Manual de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 406).
Face ao exposto, embora se reconheça que o regime das tributações autónomas constitui, no quadro do IRC, um regime especial nomeadamente quanto à forma de apuramento da tributação, crê-se não ser esse um argumento decisivo no sentido pretendido pela Requerente pois que se trata, ainda assim, de um regime que tem por objeto, ainda que mediato, a garantia da tributação do rendimento das pessoas coletivas e à obtenção de receita fiscal por essa via.
Por fim, não colide com a interpretação que acaba de se fazer acerca da natureza das tributações autónomas e, em especial, acerca da questão da sua (não) dedutibilidade em sede de IRC a recente alteração efetuada ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro[1], que veio revogar o antigo artigo 45.º, estabelecendo-se agora no artigo 23.º-A do CIRC que “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros.” Com efeito, o facto de agora se dizer claramente no texto da lei que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos do apuramento do IRC não significa que a mesma conclusão não pudesse ser já retirada do regime jurídico anterior e, como tal, ser aplicável a situações jurídicas constituídas ao abrigo da lei antiga.
Nestes termos e com estes fundamentos, o tribunal arbitral entende que as tributações autónomas estavam abrangidas pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC na redação em vigor até 31.12.2013, e que, em consequência, os montantes pagos com referência a essas tributações autónomas não constituem encargos dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, devendo, pois, improceder o pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de IRC com referência ao exercício de 2010 que constitui o objeto do presente processo.
***
III. DECISÃO
Termos em que se decide neste tribunal arbitral:
a) Julgar improcedente a exceção de intempestividade invocada pela Requerida;
c)Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente;
d) Condenar a Requerente nas custas do processo.
IV. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária atribui-se ao processo o valor de € 278.791,15.
V. CUSTAS
De acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o o montante das custas é de € 5.202,00.
Notifique-se.
[Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada em conformidade a ortografia constante das citações e de todos os textos utilizados].
Lisboa, 27 de maio de 2014
(Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa)
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Luísa Anacoreta, com declaração de voto)
Declaração de voto
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Esta declaração de voto justifica-se na medida em que, não questionando a decisão final de não dedutibilidade fiscal das tributações autónomas, entendo que a fundamentação da decisão deveria assentar em diferentes argumentos.
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Importa analisar separadamente a dedutibilidade fiscal das tributações autónomas sobre encargos dedutíveis da dedutibilidade das mesmas tributações sobre encargos não dedutíveis.
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À dedutibilidade fiscal, para efeitos da determinação do resultado tributável, das tributações autónomas incidentes sobre encargos não dedutíveis não subsiste razão na medida em que, não sendo os encargos considerados necessários para a realização de rendimentos, não o são também despesas que sobre eles incidam. Quanto a este ponto não há divergência quantos aos argumentos apresentados na presente Decisão.
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A questão coloca-se quanto à dedutibilidade fiscal das tributações autónomas incidentes sobre encargos dedutíveis. Quanto a estas, importa decidir se as mesmas são ou não IRC na medida em que sendo-o não serão aceites como custo fiscal, por aplicação direta do então artigo 45º do Código do IRC.
, mas No entanto, se não foram considerados IRC nada impede que sejam aceites como custo fiscal.
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Conforme amplamente referido no Pedido de Pronúncia Arbitral, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm vindo a invocar razões, ainda que em contextos diversos, no sentido de considerar que as tributações autónomas são um imposto sobre a realização da despesa.
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Mas, na verdade, elas constam do Código do IRC como se de IRC se tratasse.
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Pelo que a questão fundamental a decidir na presente Decisão seria, a meu ver, a seguinte: até que ponto as tributações autónomas constantes formalmente do Código do IRC mas que a doutrina e a jurisprudência consideram que se tratam de tributação da realização da despesa, devem ser consideradas incluídas na expressão ”IRC” constante da alínea a) do número 1 do então artigo 45º do Código do IRC?
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Trata-se, assim, de decidir até que ponto o argumento formal, dado pela inclusão da tributação autónoma no Código do IRC, se sobrepõe ao substancial, que é o de considerar que tais tributações são na verdade uma tributação sobre a realização de despesa e não sobre rendimento.
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Estando formalmente incluídas no Código do IRC, ainda que criticável do ponto de vista de racionalidade do imposto, entendo que o argumento formal deve prevalecer, ou seja que o legislador as pretende incluir na expressão “IRC” do referido artigo 45º. Conforme refere jurisprudência relevante, trata-se de tributação autónoma em IRC.
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Pelo que a fundamentação da não dedutibilidade da dedução fiscal das tributações autónomas deve, na minha opinião, fundamentar-se no facto de as mesma serem formalmente IRC, por constarem do respetivo Código, e não porque, conforme referido na presente Decisão “a raiz das tributações autónomas reside, ainda assim, no IRC”.
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Nem tampouco considero que se trata “de um regime que tem por objeto, ainda que mediato, a garantia da tributação do rendimento das pessoas coletivas”.
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Na verdade nada impedia, do ponto de vista racional, que a tributação autónoma de despesas constasse de código próprio, conforme defendido por reconhecidos fiscalistas.
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Aliás, que sentido faz o mesmo código aceitar os encargos como dedutíveis, logo necessários à formação do resultado, e simultaneamente tributá-los, como forma de os desincentivar? Se os aceita como dedutíveis, logo necessários, então o lógico seria aceitar todos os encargos que sobre eles pendem.
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O facto de se pretender desincentivar a realização de tais encargos (que, como disse, se consideram dedutíveis) nada tem que ver com tributação do rendimento. É uma qualquer outra tributação que por razões de ordem prática aparece em norma incluída no Código do IRC.
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Em suma, ainda que de acordo quanto à decisão última proferida, discordo quanto aos argumentos que a sustentam, discordância esta que sustenta a presente declaração de voto.
27 de maio de 2014
Luísa Anacoreta