Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 702/2014-T
Data da decisão: 2018-07-03  IRC  
Valor do pedido: € 2.208.268,41
Tema: IRC - Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) - artigo 92.º CIRC – Substitui a decisão arbitral de 5 de maio de 2015.
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Decisão Arbitral  (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor António Martins e Prof. Luís Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-12-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., NIPC..., com sede em ..., ..., ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pede que seja declarada a ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2014..., e dos correspondentes juros compensatórios, relativa ao exercício de 2011 do grupo fiscal B..., no montante total de € 2.208.268,41 (€ 2.086.114,61 em imposto e € 122.153,80 em juros compensatórios), com a sua consequente anulação nessa parte, por violação de lei e do princípio da legalidade, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso de € 2.208.268,41 à requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 05-08-2014 até integral reembolso.

Subsidiariamente a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade parcial da referida liquidação e correspondentes juros compensatórios num montante total de € 1.875.155,61 (€ 1.771.428,46 em imposto e € 103.727,15 em juros compensatórios), mantendo-se apenas € 333.112,80 (€ 314.686,15 em imposto e € 18.426,65 em juros compensatórios) da quota-parte da liquidação objecto deste processo, com a sua consequente anulação naquela parte, por violação de lei e do princípio da legalidade, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso de € 1.875.155,61 à requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 5 de Agosto de 2014 até integral reembolso

A Requerente refere ainda que quanto a um montante de € 1.260.003,75, a que correspondem juros compensatórios no montante de € 73.780,33, tudo num total de € 1.333.784,08, está em causa também a aplicação a RFAI adquirido anteriormente a 2011 de restrição legal que só nasceu em 2011 (para além das questões relativas à margem especial em sede de RFAI para utilização de 25% da colecta do IRC e, em qualquer caso, ao modo de cálculo da margem geral de 10% prevista no artigo 92.º do CIRC).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-10-2014.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico:

I. Designou os árbitros do tribunal arbitral colectivo: Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (Presidente), Prof. Doutor António Martins e Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável; e

II. Notificou as partes dessa designação em 18-11-2014.

 

Não tendo as Partes manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 05-12-2014, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção que denominou da «incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o acto parcial de liquidação – objecto do presente pedido de pronúncia arbitral e/ou da inimpugnabilidade do mesmo acto» e defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 05-02-2015, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa para substituir o Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa, em face da incapacidade que o afectou.

Por despacho de 06-02-2015, foi decidido que a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira foi apresentada tempestivamente, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Por acórdão de 05-05-2015, foi decidido, julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, quanto ao mérito da causa:

a)  Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2014..., e dos correspondentes juros compensatórios, relativa ao exercício de 2011;

b)  Julgar improcedente o pedido de reembolso de quantia paga e de juros indemnizatórios.

 

A Requerente apresentou ao Tribunal Constitucional recurso da decisão arbitral referida, que deu origem ao seu processo n.º 486/15.

Pelo acórdão n.º 309/2018, proferido em 07-06-2018, o Tribunal Constitucional veio a apreciar esse recurso, decidindo, além do mais o seguinte:

b)  Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída do n.º 1 do artigo 92.º do Código do IRC, na redação introduzida pelo n.º 1 do artigo 99.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, na interpretação segundo a qual diminui para 10% a margem da coleta do IRC suscetível de ser utilizada pela dedução à coleta do IRC concedida ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimentos (RFAI), aprovado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março, por investimentos efetuados antes da entrada em vigor daquela alteração.

c)  Em consequência, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão arbitral recorrida em conformidade com a presente decisão de inconstitucionalidade.

 

Este acórdão transitou em julgado, segundo se refere no ofício com que foi remetido ao CAAD.

O n.º 2 do artigo 80.º da Lei de Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Leio Orgânica n.º 1/2018, de 19 de Abril, estabelece o seguinte:

Se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade.

 

Assim, embora o Tribunal Arbitral esteja há muito dissolvido, decorre desta norma que se reconstituirá para reformulação da decisão, o que se faz nos termos que seguem.

 

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Facto provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é a sociedade dominante do grupo de empresas denominado “Grupo B...”, grupo que se encontra enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS);
  2.  Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2013... de 26-11-2013, foi realizado pela AT procedimento de inspecção tributária interno, de âmbito parcial ao IRC, relativo ao período de 2011;
  3. A mencionada acção inspectiva foi efectuada com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do RETGS pelo Grupo B..., relativo ao exercício de 2011, e, bem assim, de fazer reflectir no lucro tributável do grupo, as correcções efectuadas pela Administração Fiscal, em resultado de procedimentos de inspecção já concluídos, na Declaração Modelo 22 de IRC de cada uma das sociedades que o integram;
  4. Em momento anterior ao da acção inspectiva que deu origem ao presente processo, e em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2013... de 25-06-2013, realizou-se o procedimento de inspecção interna relativo ao período de 2011, à sociedade A..., S.A., tendo as respectivas conclusões da mencionada inspecção sido notificadas por ofício n.º ... de 27-11-2013;
  5. Foram identificadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira correcções ao cálculo de Benefícios Fiscais dedutíveis à colecta de IRC em termos individuais à Requerente no montante total de € 668.780,36, relativos ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), dado que a mesma tinha considerado dedutível à colecta da IRC o mencionado montante, a título de benefício fiscal previsto no “Regime Fiscal de Apoio Realizado em 2009”, aprovado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, por no cálculo do benefício fiscal não ter considerado a exclusão do investimento realizado na actividade de produção de energia em conformidade com a informação vinculativa que lhe foi prestada, e como determina o artigo 2.º da mencionada Lei n.º 10/2009, e que determinou a correcção de tal benefício fiscal, dedutível nos termos do artigo 90.º, n.º 2, al. b) do CIRC, na declaração do Grupo;
  6. No âmbito da ordem de serviço n.º OI2013..., foi ainda efectuada uma correcção relativa à aplicação da limitação decorrente do artigo 92.º do CIRC;
  7. Na determinação da colecta de IRC o Grupo B... deduziu benefícios fiscais à colecta, apurada nos termos do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC (matéria colectável x taxa do art. 87.º), correspondentes a SIFIDE (4.847.076,19 Euro), Contratos de Investimento (11.799.720,18 Euro) e RFAI (3.794.235,87 Euro), tendo os Serviços de Inspecção Tributária inicialmente apurados os seguintes valores para efeitos de aplicação do artigo 92.º do CIRC:

  1. Concluiu a AT que a colecta de IRC, apurada após as deduções das al. a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, se calculada sem o efeito dos benefícios fiscais não enumerados no n.º 2 do art.º92.º do CIRC é de 27.570.952,81 Euro, sendo que 90% do seu valor ascende a 24.813.857,53 Euro, superior em 1.934.667,72 Euro ao valor apurado com o efeito dos benefícios fiscais, estando em falta na determinação do IRC a pagar pelo Grupo B... com referência ao período de 2011, o montante de 1.934.667,72 Euro, correspondente à parte em que a liquidação de imposto é inferior à que se apura nos termos do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC;
  2. A Requerente notificada através do ofício n.º..., de 2014-04-22, para exercer no prazo de 15 (quinze) dias o direito de audição sobre as correcções propostas no projecto de relatório;
  3. No que se refere à aplicação do artigo 92.º do CIRC, o Grupo B... contestou a correcção, argumentando o seguinte:

“[…] que ao preencher as condições exigidas para poder beneficiar de RFAI, deverá ser-lhe concedido um crédito de imposto “abatível até 25% da colecta do IRC”.

Considera que esta atribuição que lhe é concedida pelo RFAI não deve ter em consideração o limite de utilização de benefícios fiscais previsto no art.º 92.º do CIRC.

Resumindo, o enquadramento vai no sentido de que o limite de dedução específico previsto na legislação que regula o RFAI deverá prevalecer face ao limite geral de utilização de benefícios fiscais previstos no artigo 92.º do CIRC.

De acordo com o seu entendimento, o CIRC dispõe o regime regra para o sector das relações que disciplina (lei geral), o legislador, em diploma próprio e autónomo (Lei n.º 10/2009, de 10 de março) estabeleceu, de forma completa e expressa, toda a disciplina para um círculo mais restrito de situações, mais concretamente para o RFAI. Neste caso o conflito entre as duas normas terá de ser suprido através da aplicação do critério da especialidade segundo o qual a lei especial prevalece sobre a lei geral.

Assim, para a determinação do limite máximo dedutível do benefício do RFAI em determinado período, seria de aplicar a norma especial, ou seja, a prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do RFAI pelo que as alterações legislativas ocorridas na norma do resultado da liquidação não devem ser aplicáveis ao caso concreto, pois, o limite de dedução à coleta do benefício corresponderá, em todo o caso, a 25% do montante da coleta do período, conforme expressamente definido na Lei 10/2009. Outra interpretação seria “publicidade enganadora”.

  1.  A Requerente, no exercício do direito de audição, refere que apesar de não concordar com os cálculos da AT, dá conta de um erro de cálculo por não se ter considerado a majoração das depreciações por reavaliação de activos fixos tangíveis na A... e na C... na totalidade e apenas em 25%, apurando-se um valor de correcção relativa ao resultado da liquidação superior em 38.434,06 Euro;
  2. Da análise dos argumentos apresentados pela Requerente concluíram os Serviços de Inspecção da Unidade dos Grandes Contribuintes, que:

“1. Relativamente à pretensão de que o limite de dedução específico previsto na legislação que regula o RFAI deverá prevalecer face ao limite geral de utilização de benefícios fiscais previstos no artigo 92.º do CIRC:

a. O art.º 92.º do CIRC foi introduzido pelo Orçamento do Estado para 2005 e segundo o seu relatório, foi criado como «limite à redução da taxa efectiva de tributação por utilização de benefícios fiscais»;

b. E como a epígrafe do artigo indica visa condicionar o resultado da liquidação consoante sejam utilizados determinados benefícios fiscais;

c. Este mecanismo opera na fase da liquidação e estabelece uma relação entre o imposto liquidado com e sem benefícios fiscais;

d. Estabelece o art.º 92.º do CIRC Resultado da liquidação 1- Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º 2 — Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II);

c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º, 32.º-A e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

e. Conforme é dado verificar o RFAI não está previsto nas exclusões registadas no n.º 2 do art.º 92.º do CIRC, em vigor em 2011, pelo que, é-lhe aplicável o disposto no n.º 1 da mesma norma;

f. Relativamente à conflitualidade entre as normas, considera-se que tendo âmbitos e objetivos diferentes, o RFAI e o art.º 92.º do CIRC, não existe conflitualidade entre os dois normativos até porque são aplicados em fases diferentes, em que primeiramente se aplica as normas do RFAI para apurar o montante do benefício e posteriormente, na fase da autoliquidação do IRC, em que se apura o montante de “colecta mínima” resultante dos Benefícios Fiscais, tendo em consideração o disposto no art.º 92.º do CIRC;

g. Sendo que a não dedutibilidade do RFAI num período de tributação por insuficiência de colecta não invalida, nos termos do n.º 3 do art.º 3.º do diploma, que a importância ainda não deduzida possa sê-lo, mas mesmas condições, nas liquidações dos quatro períodos de tributação seguintes;

2. Relativamente ao erro de cálculo manifestado pelo contribuinte e à utilização do benefício fiscal decorrente da utilização da derrama estadual no cálculo da coleta:

a. Concordamos com a posição do contribuinte e, no recálculo realizado para a aplicação do art.º 92.º do CIRC, temos em conta as objeções apresentadas e que terão impacto na correção que mais abaixo se apresenta.

b. Desta forma inclui-se no presente relatório o Anexo IV derivado do Anexo III com os efeitos das correções decorrentes do exercício do Direito de Audição prévia.”

  1. O recálculo dos benefícios fiscais, efectuado na sequência da análise do direito de audição da Requerente encontra-se reflectido no seguinte quadro, que consta a fls. 13 do RIT:

 

  •  Nessa medida, a correcção inicialmente proposta pelos Serviços de Inspecção Tributária foi alterada em resultado do exercício do direito de audição, sendo a correcção de € 2.086.114,61 que está em causa discussão no presente.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação da questão de mérito da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no processo administrativo não sendo objecto de controvérsia.

 

3. Matéria de direito

 

           

Está em causa neste processo a impugnação do acto de liquidação do IRC e derrama municipal consequente, e correspondentes juros compensatórios n.º 2014... relativos ao exercício de 2011 (cfr. Doc. n.º 1, junto com a petição inicial).

No exercício de 2011, o artigo 92.º do CIRC à data dos factos, que era a da Lei 55-A/2010, de 21 de Dezembro, a qual dispunha o seguinte:

"1 — Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º

2 — Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II);

c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais".

 

Da mesma forma, o art. 3.º do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), aprovado pelo art. 13.º da Lei 10/2009, de 10 de Março, dispunha na data o seguinte:

 

Artigo 3.º

Incentivos fiscais

1 – Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de € 5 000 000;

ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a € 5 000 000;

b) Isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período até cinco anos, relativamente aos prédios da sua propriedade que constituam investimento relevante;

c) Isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante;

d) Isenção de imposto do selo relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante.

2 – A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.

3 – Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

4 – Para efeitos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1, as isenções aí previstas são condicionadas ao reconhecimento, pela competente assembleia municipal, do interesse do investimento para a região.

5 – O montante global dos incentivos fiscais concedidos nos termos dos números anteriores não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efectuado, constantes do artigo 7.º.

 

Verifica-se assim que na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do RFAI se estabelece uma percentagem máxima de dedução anual à colecta do IRC em 25%, que implica que a colecta de IRC não poderia baixar de 75% da colecta que haveria sem o RFAI.

Pelo contrário, no artigo 92.º do CIRC regula-se, em termos genéricos, a percentagem máxima de redução anual da colecta do IRC em resultado da utilização dos diversos benefícios fiscais e regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º do mesmo diploma. O que dispõe o artigo 92.º do CIRC é que a colecta mínima de IRC não pode ser inferior a 90% da colecta que haveria sem a aplicação de benefícios fiscais ou outros regimes já referidos. Exceptuam-se apenas os benefícios fiscais referidos no seu n.º 2.

A percentagem da colecta mínima, constante do artigo 92.º do CIRC tem vindo a ser aumentada várias vezes. Inicialmente, na redacção dada ao então art. 86.º CIRC, pela Lei 55-B/2014, de 30 de Dezembro, essa percentagem era de 60%. Depois, através da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril a percentagem da colecta mínima foi aumentada para 75%. Finalmente, através da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro de 2010, essa percentagem foi ainda incrementada para 90%. Assim, na altura em que surgiram, as normas do CIRC e do RFAI podiam conviver perfeitamente, uma vez que inicialmente teríamos uma percentagem de limite das deduções a 25% para o RFAI e uma percentagem de 40% para o IRC em geral, passando estas duas percentagens a coincidir, a partir de Abril de 2010. Apenas a partir de 2011 a questão se vem colocar, com a elevação da percentagem da colecta mínima do IRC para 90%. No entanto, a mesma Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que alterou o artigo 92.º do CIRC, veio igualmente renovar para 2011 o RFAI.

Como se referiu, o Tribunal Constitucional no acórdão 309/2018, decidiu que é «inconstitucional, por violação do princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída do n.º 1 do artigo 92.º do Código do IRC, na redação introduzida pelo n.º 1 do artigo 99.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, na interpretação segundo a qual diminui para 10% a margem da coleta do IRC suscetível de ser utilizada pela dedução à coleta do IRC concedida ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimentos (RFAI), aprovado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março, por investimentos efetuados antes da entrada em vigor daquela alteração».

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na liquidação impugnada, aplicou o novo limite de 90%, introduzido neste artigo 92.º, n.º 1, do CIRC pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, em vez do limite de 25% que constava da redacção da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, considerando, assim, que apenas 10% da colecta podia ser utilizada para dedução ao abrigo do RFAI, em vez de 25% desta colecta que resultavam da redacção anterior.

Por isso, por força do trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional, tem de concluir-se que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, na parte respectiva, o que justifica a anulação parcial da liquidação impugnada.

 

4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso da quantia de € 2.208.268,41, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 05-08-2014 até integral reembolso.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

No entanto, só deverá proferir-se condenação a reembolso e pagamento de juros indemnizatórios se o processo fornecer todos os elementos necessários, pois trata.se de matéria, que, se não for decidida em processo anulatório, deverá ser decidida em execução de julgado nos termos dos artigos 100.º da LGT 24.º, n.º 1, do RJAT e 61.º do CPPT.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

4.1. Pedido de reembolso

 

As importâncias do RFAI susceptíveis de dedução à colecta de IRC, quando não pudessem ser efectuadas integralmente por insuficiência de colecta, podiam ainda «sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes» (n.º 3 do artigo 3.º do RFAI, aprovado pelo art. 13.º da Lei 10/2009, de 10 de Março), pelo que apenas se poderá concluir pela necessidade de reembolso com conhecimento completo das deduções efectuadas ou não nos quatro exercícios posteriores a 2011.

Assim, não resultando da matéria de facto fixada se as importâncias que podiam ser deduzidas à colecta de IRC do exercício de 2011 foram ou não posteriormente deduzidas à colecta de anos subsequentes, não se pode concluir que o reembolso seja total ou parcialmente necessário para a referida reconstituição.

Trata-se, assim, de matéria que não cabe decidir a este Tribunal Arbitral e que compete à Autoridade Tributária e Aduaneira decidir em execução de julgado, nos ternos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

Improcede, assim, este pedido, sem prejuízo de reembolso, sem prejuízo de eventual reconhecimento que deva ser efectuado em execução do presente acórdão.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

O único vício que justifica a anulação da liquidação impugnada, na parte que é objecto do presente processo, é o de inconstitucionalidade do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC, na redacção da Lei n.º 55-A/2010, quando aplicado a investimentos abrangidos pelo RFAI efectuados antes da sua entrada em vigor.

Como vem decidindo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, nos casos de anulação de liquidações por vícios derivados da inconstitucionalidade de normas tributárias que nelas foram aplicadas, as liquidações não enfermam de qualquer erro que seja imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, por esta estar não poder recusar a aplicação da lei ordinária com fundamento em inconstitucionalidade, fora dos casos em que esta é declarada com força obrigatória geral e de casos de normas constitucionais directamente aplicáveis) e, por isso, não há direito a juros indemnizatórios, à face do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, da LGT ( [1] ).

São os seguintes os fundamentos desta jurisprudência:

 

Nesse caso, e a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP, a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT.

A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP.

É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).

No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.

Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).

Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal.

 

Na linha desta jurisprudência, é de julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

 

5. Decisão

 

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2014..., e dos correspondentes juros compensatórios, relativa ao exercício de 2011;
  2. Julgar improcedente o pedido de reembolso de quantia paga, sem prejuízo do eventual reconhecimento desse direito em execução do presente acórdão;
  3. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.208.268,41.

 

7. Custas

 

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 28 764,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 03-07-2018

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(António Martins)

 

Vencido quanto à alínea b), uma vez que considero que a partir do momento em que o Tribunal Arbitral declara a anulação da liquidação, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional, tem que determinar igualmente a restituição do imposto eventualmente pago, a liquidar em execução de sentença. Não me parece, por isso, que pudesse ter sido julgado improcedente esse pedido.

Voto por isso parcialmente vencido o presente acórdão.

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)

 

 

 

 

 

 

Decisão arbitral

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor António Martins e Prof. Luís Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-12-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., NIPC …, com sede em …, Apartado …, …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pede que seja declarada a ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2014 …, e dos correspondentes juros compensatórios, relativa ao exercício de 2011 do grupo fiscal B…, no montante total de € 2.208.268,41 (€ 2.086.114,61 em imposto e € 122.153,80 em juros compensatórios), com a sua consequente anulação nessa parte, por violação de lei e do princípio da legalidade, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso de € 2.208.268,41 à requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 05-08-2014 até integral reembolso.

Subsidiariamente a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade parcial da referida liquidação e correspondentes juros compensatórios num montante total de € 1.875.155,61 (€ 1.771.428,46 em imposto e € 103.727,15 em juros compensatórios),  mantendo-se apenas € 333.112,80 (€ 314.686,15 em imposto e € 18.426,65 em juros compensatórios) da quota-parte da liquidação objecto deste processo, com a sua consequente anulação naquela parte, por violação de lei e do princípio da legalidade, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso de € 1.875.155,61 à requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 5 de Agosto de 2014 até integral reembolso

A Requerente refere ainda que quanto a um montante de € 1.260.003,75, a que correspondem juros compensatórios no montante de € 73.780,33, tudo num total de € 1.333.784,08, está em causa também a aplicação a RFAI adquirido anteriormente a 2011 de restrição legal que só nasceu em 2011 (para além das questões relativas à margem especial em sede de RFAI para utilização de 25% da colecta do IRC e, em qualquer caso, ao modo de cálculo da margem geral de 10% prevista no artigo 92.º do CIRC).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-10-2014.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico:

I. Designou os árbitros do tribunal arbitral colectivo: Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (Presidente), Prof. Doutor António Martins e Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável; e

II. Notificou as partes dessa designação em 18-11-2014.

 

Não tendo as Partes manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 05-12-2014, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção que denominou da «incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o acto parcial de liquidação – objecto do presente pedido de pronúncia arbitral e/ou da inimpugnabilidade do mesmo acto» e defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 05-02-2015, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa para substituir o Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa, em face da incapacidade que o afectou.

Por despacho de 06-02-2015, foi decidido que a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira foi apresentada tempestivamente, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção da incompetência deste tribunal arbitral, pelo que, antes de mais, é necessário apreciar se há obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral

 

2.1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral por o objecto de pronúncia arbitral se cingir “a parte do acto de liquidação de IRC e derrama municipal consequente, e correspondentes juros compensatórios, n.º 2014…, relativo ao exercício de 2011”.

Segundo esclareceu a Requerente a liquidação em causa resultou de duas correcções ao cálculo do imposto que, somadas, ascendem a €6.566.949,53 e que se dividem da seguinte forma:

– €4.480.834,92 relativas ao crédito ao investimento resultante do RFAI, por alegadamente o investimento ter-se dado em actividade secundária da A…;

– €2.086.114,61, relativos à aplicação do art. 92.º do CIRC que impõe um limiar mínimo ao IRC apurado quando haja certos benefícios fiscais e certas realidades;

 

 A Requerente refere que no presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral só está em causa a segunda correcção ao imposto, no montante de €2.086.114,61 e que se prende com o artigo 92.º do CIRC, já que a outra correcção foi objecto de reclamação graciosa.

 A Autoridade Tributária e Aduaneira refere que o pedido principal é o de ser declarada a ilegalidade parcial do acto de liquidação e correspondentes juros compensatórios e anulado, nessa parte, mais concretamente em € 2.086.114,61 a que correspondem juros compensatórios de €122.153,80, num total de € 2.208.268,41, e que pedido subsidiário não é mais do que uma redução daquele montante em €333.112,80.

Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que a Requerente “divide” tal acto e apresenta como objecto de pronúncia por parte do presente Tribunal Arbitral parte do acto de liquidação de IRC ou, mais precisamente, parte das correcções efectuadas pela AT, na sequência de procedimento inspectivo, no montante de € 2.086.114,61, relativas à aplicação do art. 92.º do CIRC, já que a restante parte do acto foi objecto de uma reclamação graciosa a ser apreciada pela AT.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em suma, o seguinte:

– porque a ora requerente escolheu submeter a apreciação do mesmo acto de liquidação a duas jurisdições distintas, numa parte, a ora impugnada, ao Tribunal Arbitral, e na outra à Administração Tributária por via de uma reclamação graciosa, há que convir que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar parte dos fundamentos ou dos vícios imputados ao acto de liquidação pela ora requerente e declarar a ilegalidade parcial do acto;

– tendo a ora requerente submetido, também, à apreciação da AT o mesmo acto de liquidação, por via da apresentação de uma reclamação graciosa, deste facto terá de resultar, não só a precedência da actividade administrativa, uma vez que o órgão administrativo ainda tem o poder de deferir a pretensão da mesma ora requerente, mas também, a evidência da circunstância de que um eventual deferimento ou uma eventual correcção da mesma liquidação, por parte da mesma AT, sempre implicaria a realização de uma nova liquidação»;

– é que a ora requerente, contrariamente ao que pretende fazer crer, acaba por não cindir, juridicamente ou de facto, o acto de liquidação;

– ou seja, ela não pede, na verdade, a anulação parcial da liquidação, uma vez que não pretende deixar incólume outra parte da mesma liquidação. O que a requerente faz é “dividir” a liquidação em virtude das duas correcções efectuadas pela AT, uma ao montante dos benefícios tipo RFAI declarados e a outra no que se refere ao cálculo do tecto mínimo de IRC a pagar, segundo as regras constantes do art. 92.º do CIRC e, a partir daí, optar por submeter a apreciação dos fundamentos invocados contra cada uma dessas correcções a duas jurisdições distintas: a AT, quanto à primeira correcção mencionada e o Tribunal Arbitral, quanto à segunda;

– a anulação parcial do acto nunca seria juridicamente possível se não implicar “ apenas uma pronúncia administrativa meramente declarativa destinada a certificar o montante em que ficou reduzida a liquidação por força da anulação”;

– no caso em concreto, sempre haveria que concluir que o acto de liquidação em causa não é divisível, atendendo ao critério da medida da lesão dos efeitos provocados pelo acto;

– efectivamente, a ora requerente sente-se lesada, nos efeitos do acto, não só por parte da liquidação que impugna perante o Tribunal Arbitral, a correspondente ao quantitativo decorrente de cálculo da fórmula de aplicação do art. 92.º do CIRC, mas também, na parte do acto correspondente ao quantitativo que lhe não foi considerado a título de benefícios fiscais resultante do RFAI;

– e o montante, o quantitativo, referente a esses benefícios sempre influiria no outro quantum da liquidação no caso em concreto, quer seguindo o entendimento da requerente quer o da AT, uma vez que, quer pela sua inclusão quer pela sua não inclusão, o real montante dos benefícios atendíveis, nunca seria indiferente para a determinação do resultado final da liquidação, por aplicação das regras contidas no n.º 1 e 2 do art. 92.º do CIRC;

– uma vez que o presente acto não é susceptível de ser impugnado, só em parte, deve a AT, por inimpugnabilidade do mesmo, ser absolvida da instância;

– no limite sempre haveria que concluir que o facto de ter sido impugnado, só em parte, um acto de liquidação que não é juridicamente divisível, mesmo que não importe a incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral ou a inimpugnabilidade do acto sempre obstaria ao conhecimento do mérito da presente acção.

           

            A Requerente entende que é viável a anulação parcial do acto, dizendo, em suma:

– no presente processo arbitral está apenas em causa saber os termos em que outros benefícios (v.g., o SIFIDE), que não o RFAI, devem ser considerados na fórmula para se determinar qual o montante de colecta mínima da Requerente em 2011;

– saber se em 2011 a Requerente dispõe ainda de um crédito de imposto de IRC decorrente de RFAI no valor de € 8.275.070,79, como se defende na reclamação graciosa, ou de apenas € 3.794.235,87 como resultou após a correcção da AT, é irrelevante para saber se à dedução deste último valor que se mantém se aplica a limitação decorrente do artigo 92.º do Código do IRC;

– é totalmente irrelevante para saber qual o montante de RFAI apurado em 2011 pela Requerente o saber-se se ao RFAI se aplica ou não a limitação do artigo 92.º do Código do IRC e a forma de cálculo dessa limitação à dedução de benefícios fiscais;

– pois, que no caso de ser dada razão à Requerente no presente pleito a anulação parcial do acto de liquidação impugnado é clara e sem que subsistam quaisquer dúvidas quanto ao quantum a anular, uma vez que:

(i) caso este Tribunal decida que o artigo 92.º CIRC não é aplicável ao RFAI, anula parcialmente a liquidação no valor, com juros compensatórios, de € 2.208.268,41; ou,

(ii) caso este Tribunal Arbitral decida que o artigo 92.º do CIRC é aplicável ao RFAI, mas o cálculo do limite à dedução dever ser efectuado nos termos defendidos pela Requerente, anula parcialmente a liquidação no mínimo no valor de € 1.875.155,61 e no máximo (numa interpretação literal da fórmula do 92.º do CIRC), igualmente no já referido valor, de € 2.208.268,41, por não se verificar a ultrapassagem nesses montantes imputados pela Inspecção da colecta mínima devida segundo o referido artigo 92.º do CIRC;

– o crédito de RFAI cuja legitimidade de utilização à luz do artigo 92.º do CIRC se discute neste concreto processo arbitral, é exclusivamente o crédito de RFAI cuja existência a AT não pôs em causa (e portanto manteve) na inspecção ao exercício de 2011 referente às sociedades A…, C…, D…, E… e F…;

– o crédito de RFAI que se discute actualmente em sede de reclamação graciosa é exclusivamente o crédito de RFAI cuja existência a AT não reconhece e que por isso não manteve após a inspecção, sendo que o que se discute aí é, exclusivamente, se à luz da legislação específica que o rege (e que nada tem que ver com o tema do artigo 92.º do CIRC) esse crédito de RFAI existe, ou não, crédito esse única e exclusivamente referente à A…, e respeitante ao seu investimento numa caldeira termo-eléctrica a biomassa;

– não há qualquer relação de prejudicialidade entre os dois contenciosos. E se existisse, a consequência jamais seria a incompetência do Tribunal Arbitral ou a absolvição da instância, mas tão-somente a suspensão da instância.

 

2.2. Decisão da excepção       

 

Não se vê qual a relação da questão que a Autoridade Tributária e Aduaneira coloca com a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pois está colocada no pedido de pronúncia arbitral uma questão de legalidade relativa a uma liquidação de IRC, que é um acto de um dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT e não excluído pelo artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

            São estas normas, conjugadas com o artigo 10.º do RJAT quanto aos meios processuais, que definem a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Por isso, não se vislumbrando que qualquer delas seja violada tem de se concluir que este Tribunal Arbitral não é materialmente incompetente para apreciar a pretensão da Requerente.

Por isso, é seguro que, a existir obstáculo à apreciação do mérito da causa, ele não terá a ver com a competência do Tribunal Arbitral.

Por outro lado, no que concerne a divisibilidade do acto, o que refere a Requerente é correcto, pois o acto pode ser anulado parcialmente e, por isso, não há obstáculo à inimpugnabilidade parcial.

Na verdade, uma das especialidades dos processos arbitrais, que decorre do regime previsto no artigo 13.º, n.º 4, do RJAT, é a de que o mesmo acto pode ser impugnado com diferentes fundamentos em mais que uma instância.

Com efeito, neste n.º 4 estabelece-se que «a apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão, incluindo a da matéria colectável, ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação, excepto quando o procedimento arbitral termine antes da data da constituição do tribunal arbitral ou o processo arbitral termine sem uma pronúncia sobre o mérito da causa».

Está ínsito nesta norma, ao limitar a preclusão à invocação dos mesmos fundamentos em outros meios impugnatórios, que com diferentes fundamentos não ocorre essa preclusão.

  Por outro lado decorre ainda desta norma, que, a existir preclusão, por serem invocados os mesmos fundamentos, o direito que fica prejudicado é o de utilizar aqueles outros meios impugnatórios e não o pedir a pronúncia arbitral.

Pelo exposto, improcedem as excepções suscitadas.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Facto provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é a sociedade dominante do grupo de empresas denominado “Grupo B… SA”, grupo que se encontra enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS);
  2.  Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI… de 26-11-2013, foi realizado pela AT procedimento de inspecção tributária interno, de âmbito parcial ao IRC, relativo ao período de 2011;
  3. A mencionada acção inspectiva foi efectuada com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do RETGS pelo Grupo B…, relativo ao exercício de 2011, e, bem assim, de fazer reflectir no lucro tributável do grupo, as correcções efectuadas pela Administração Fiscal, em resultado de procedimentos de inspecção já concluídos, na Declaração Modelo 22 de IRC de cada uma das sociedades que o integram;
  4. Em momento anterior ao da acção inspectiva que deu origem ao presente processo, e em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI… de 25-06-2013, realizou-se o procedimento de inspecção interna relativo ao período de 2011, à sociedade A..., S.A., tendo as respectivas conclusões da mencionada inspecção sido notificadas por ofício n.º … de 27-11-2013;
  5. Foram identificadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira correcções ao cálculo de Benefícios Fiscais dedutíveis à colecta de IRC em termos individuais à Requerente no montante total de € 668.780,36, relativos ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), dado que a mesma tinha considerado dedutível à colecta da IRC o mencionado montante, a título de benefício fiscal previsto no “Regime Fiscal de Apoio Realizado em 2009”, aprovado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, por no cálculo do benefício fiscal não ter considerado a exclusão do investimento realizado na actividade de produção de energia em conformidade com a informação vinculativa que lhe foi prestada, e como determina o artigo 2.º da mencionada Lei n.º 10/2009, e que determinou a correcção de tal benefício fiscal, dedutível nos termos do artigo 90.º, n.º 2, al. b) do CIRC, na declaração do Grupo;
  6. No âmbito da ordem de serviço n.º OI…, foi ainda efectuada uma correcção relativa à aplicação da limitação decorrente do artigo 92.º do CIRC;
  7. Na determinação da colecta de IRC o Grupo B… deduziu benefícios fiscais à colecta, apurada nos termos do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC (matéria colectável x taxa do art. 87.º), correspondentes a SIFIDE (4.847.076,19 Euro), Contratos de Investimento (11.799.720,18 Euro) e RFAI (3.794.235,87 Euro), tendo os Serviços de Inspecção Tributária inicialmente apurados os seguintes valores para efeitos de aplicação do artigo 92.º do CIRC:

  1. Concluiu a AT que a colecta de IRC, apurada após as deduções das al. a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, se calculada sem o efeito dos benefícios fiscais não enumerados no n.º 2 do art.º92.º do CIRC é de 27.570.952,81 Euro, sendo que 90% do seu valor ascende a 24.813.857,53 Euro, superior em 1.934.667,72 Euro ao valor apurado com o efeito dos benefícios fiscais, estando em falta na determinação do IRC a pagar pelo Grupo B… com referência ao período de 2011, o montante de 1.934.667,72 Euro, correspondente à parte em que a liquidação de imposto é inferior à que se apura nos termos do n.º1 do artigo 92.º do CIRC;
  2. A Requerente notificada através do ofício n.º …, de 2014-04-22, para exercer no prazo de 15 (quinze) dias o direito de audição sobre as correcções propostas no projecto de relatório;
  3. No que se refere à aplicação do artigo 92.º do CIRC, o Grupo B… contestou a correcção, argumentando o seguinte:

“[…] que ao preencher as condições exigidas para poder beneficiar de RFAI, deverá ser-lhe concedido um crédito de imposto “abatível até 25% da colecta do IRC”.

Considera que esta atribuição que lhe é concedida pelo RFAI não deve ter em consideração o limite de utilização de benefícios fiscais previsto no art.º 92.º do CIRC.

Resumindo, o enquadramento vai no sentido de que o limite de dedução específico previsto na legislação que regula o RFAI deverá prevalecer face ao limite geral de utilização de benefícios fiscais previstos no artigo 92.º do CIRC.

De acordo com o seu entendimento, o CIRC dispõe o regime regra para o sector das relações que disciplina (lei geral), o legislador, em diploma próprio e autónomo (Lei n.º 10/2009, de 10 de março) estabeleceu, de forma completa e expressa, toda a disciplina para um círculo mais restrito de situações, mais concretamente para o RFAI. Neste caso o conflito entre as duas normas terá de ser suprido através da aplicação do critério da especialidade segundo o qual a lei especial prevalece sobre a lei geral.

Assim, para a determinação do limite máximo dedutível do benefício do RFAI em determinado período, seria de aplicar a norma especial, ou seja, a prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do RFAI pelo que as alterações legislativas ocorridas na norma do resultado da liquidação não devem ser aplicáveis ao caso concreto, pois, o limite de dedução à coleta do benefício corresponderá, em todo o caso, a 25% do montante da coleta do período, conforme expressamente definido na Lei 10/2009. Outra interpretação seria “publicidade enganadora”.

  1.  A Requerente, no exercício do direito de audição, refere que apesar de não concordar com os cálculos da AT, dá conta de um erro de cálculo por não se ter considerado a majoração das depreciações por reavaliação de activos fixos tangíveis na A… e na E… na totalidade e apenas em 25%, apurando-se um valor de correcção relativa ao resultado da liquidação superior em 38.434,06 Euro;
  2. Da análise dos argumentos apresentados pela Requerente concluíram os Serviços de Inspecção da Unidade dos Grandes Contribuintes, que:

“1. Relativamente à pretensão de que o limite de dedução específico previsto na legislação que regula o RFAI deverá prevalecer face ao limite geral de utilização de benefícios fiscais previstos no artigo 92.º do CIRC:

a. O art.º 92.º do CIRC foi introduzido pelo Orçamento do Estado para 2005 e segundo o seu relatório, foi criado como «limite à redução da taxa efectiva de tributação por utilização de benefícios fiscais»;

b. E como a epígrafe do artigo indica visa condicionar o resultado da liquidação consoante sejam utilizados determinado benefícios fiscais;

c. Este mecanismo opera na fase da liquidação e estabelece uma relação entre o imposto liquidado com e sem benefícios fiscais;

d. Estabelece o art.º 92.º do CIRC Resultado da liquidação 1- Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º 2 — Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II);

c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º, 32.º-A e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

e. Conforme é dado verificar o RFAI não está previsto nas exclusões registadas no n.º 2 do art.º 92.º do CIRC, em vigor em 2011, pelo que, é-lhe aplicável o disposto no n.º 1 da mesma norma;

f. Relativamente à conflitualidade entre as normas, considera-se que tendo âmbitos e objetivos diferentes, o RFAI e o art.º 92.º do CIRC, não existe conflitualidade entre os dois normativos até porque são aplicados em fases diferentes, em que primeiramente se aplica as normas do RFAI para apurar o montante do benefício e posteriormente, na fase da autoliquidação do IRC, em que se apura o montante de “colecta mínima” resultante dos Benefícios Fiscais, tendo em consideração o disposto no art.º 92.º do CIRC;

g. Sendo que a não dedutibilidade do RFAI num período de tributação por insuficiência de colecta não invalida, nos termos do n.º 3 do art.º 3.º do diploma, que a importância ainda não deduzida possa sê-lo, mas mesmas condições, nas liquidações dos quatro períodos de tributação seguintes;

2. Relativamente ao erro de cálculo manifestado pelo contribuinte e à utilização do benefício fiscal decorrente da utilização da derrama estadual no cálculo da coleta:

a. Concordamos com a posição do contribuinte e, no recálculo realizado para a aplicação do art..º 92.º do CIRC, temos em conta as objeções apresentadas e que terão impacto na correção que mais abaixo se apresenta.

b. Desta forma inclui-se no presente relatório o Anexo IV derivado do Anexo III com os efeitos das correções decorrentes do exercício do Direito de Audição prévia.”

  1. O recálculo dos benefícios fiscais, efectuado na sequência da análise do direito de audição da Requerente encontra-se reflectido no seguinte quadro, que consta a fls. 13 do RIT:

 

  •  Nessa medida, a correcção inicialmente proposta pelos Serviços de Inspecção Tributária foi alterada em resultado do exercício do direito de audição, sendo a correcção de € 2.086.114,61 que está em causa discussão no presente.

 

3.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no processo administrativo não sendo objecto de controvérsia.

 

4. Matéria de direito

 

            4.1. Posições das Partes

           

            4.1.1. Posição da Requerente

 

Para a Requerente, as questões legais relativas a este Processo centram-se nos seguintes três pontos:

a) No ignorar pela Inspecção Tributária da disponibilidade da percentagem de 25% da colecta do IRC atribuída especificamente pela lei fiscal aos contribuintes que, através dos seus investimentos, se qualifiquem para beneficiar do crédito de imposto em sede de RFAI;

b) No ignorar pela AT da regra legal de que os benefícios condicionados ou temporários já adquiridos pelo contribuinte não podem ser atingidos por alterações legislativas subsequentes; e

c) No ignorar pela IT nos seus cálculos do comando legal (alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 92.º do CIRC) que prescreve a isenção/exclusão dos “benefícios contratuais” e do “SIFIDE” de sujeição à exigência relativa ao limiar mínimo do IRC previsto no artigo 92.º do CIRC.

 

4.1.1.1. Sobre o RFAI

 

A requerente sustenta que, anteriormente à introdução, em 2013, da referida alínea e) (onde se prevê o RFAI) no n.º 2 do artigo 92.º do CIRC, o RFAI não encontrava sujeito ao limiar mínimo do IRC constante do no n.º 1 (em articulação com o n.º 2) do artigo 92.º do CIRC.

Afirma que no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) aprovado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, prescreve-se o seguinte:

1 — Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

  1. Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional: (…)”

 

Ou seja, no entender da requerente, concede-se aos contribuintes em sede de RFAI uma dedução à colecta do IRC até à concorrência de 25% da mesma. Assim, e perante esta específica atribuição ao contribuinte (investidor) em sede de RFAI, não será interpretação juridicamente aceitável aquela que defenda que por virtude de uma outra norma, o artigo 92.º do CIRC, o crédito de imposto em sede de RFAI utilizável até à concorrência de 25% da colecta do IRC, afinal não poderia ser utilizado dentro dessa margem, em razão de uma outra margem, esta agora mais genérica, de apenas 10%, constante do artigo 92.º do CIRC na redacção em vigor em 2011.

Donde que, mesmo sem apelar à regra interpretativa de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9.º, n.º 3, do código civil), se há-de concluir, sustenta a requerente, que a interpretação correcta das normas aqui em causa, a única articulação logicamente (e eticamente) admissível entre as duas normas aqui em causa (necessidade de ter em conta a unidade do sistema jurídico – cfr. artigo 9.º, n.º 1, do código civil), é a de que o limiar mínimo de IRC do artigo 92.º não se aplica ao incentivo do RFAI.

Ora com esse limiar mínimo do artigo 92.º que, desde 2011, só deixa uma margem geral de 10%, então desde 2011 (ano aqui em causa) é logo à partida incompatível, mesmo que em concreto não haja quaisquer outros benefícios concorrentes pela margem de 10%, com a margem específica de 25% prevista pelo RFAI para o incentivo por si especificamente regulado.

  A Requerente junta um parecer do Professor M… que, além do mais, chegou às seguintes conclusões:

O privilégio que o legislador quis conceder aos investidores através do RFAI não é compatível com a sua inserção no leque de benefícios fiscais que podem ser limitados por aplicação do artigo 92.º do CIRC. Na realidade, não faz qualquer sentido que o legislador tenha criado um instrumento de natureza anticíclica com determinados níveis de benefício fiscal a atribuir e, ao mesmo tempo, permitisse que esse benefício, estratégico e criado especificamente com o objetivo de operar como medida anticíclica num contexto em que Portugal esgotava os últimos cartuchos que lhe podiam permitir evitar a recessão económica, fosse limitado por um regime geral que o precedia e que, como se notou supra, foi criado num contexto económico totalmente distinto, diríamos mesmo, nas palavras do autor do Relatório da Proposta de Lei para o Orçamento do Estado para 2005, oposto ao que se vivia em 2009.

O argumento que antecede favorece a interpretação de que o RFAI deveria, mesmo antes da alteração ocorrida em 2013, ser considerado integrado no elenco dos benefícios fiscais excluídos do regime do resultado da liquidação. E favorece-a por três motivos fundamentais a que os artigos 9.º do Código Civil e 11.º da LGT mandam atender:

  1. por um lado, em função do argumento da unidade do sistema jurídico,
  2. por outro lado, em função do argumento “das circunstâncias em que a lei foi elaborada,
  3. em terceiro lugar, em função das condições específicas do tempo em que a norma é aplicada – que, no presente caso, deve levar o intérprete a avaliar as condições económicas verificadas em 2005 (ano em que foi introduzido o regime do resultado da liquidação) e as verificadas em 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 (anos em que foi introduzido e mantido em vigor o RFAI).

 

Ora, sustenta a requerente, não pode aplicar-se ao benefício em sede de RFAI adquirido em 2009 e 2010 (por se terem preenchido as condições legais exigidas para o efeito, maxime a realização dos investimentos) uma limitação da sua utilização (margem de apenas 10%) que só entrou em vigor no ano seguinte de 2011. Porque isso, esse comportamento atentatório do princípio da confiança e da boa-fé, é -justamente impedido pelo artigo 11.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que por sua vez mais não é do que uma concretização do princípio constitucional da protecção da confiança que se retira do artigo 2.º (Estado de Direito) da Constituição.

 

4.1.1.2. Sobre o artigo 92.º do CIRC e o resultado da liquidação

 

A redacção do artigo 92.º do CIRC em vigor em 31 de Dezembro de 2011 (o exercício fiscal aqui em causa é o de 2011) era a seguinte:

 

Artigo 92.º

Resultado da liquidação

1– Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º

2 – Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II);

c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.”

 

Na leitura da requerente, o n.º 1 do artigo 92.º do CIRC manda comparar duas grandezas: de um lado (primeira parte da norma) o IRC resultante da aplicação da taxa ou taxas (sobretaxa derrama estadual também) de IRC à respectiva matéria colectável (o IRC liquidado de que fala o n.º 1 do artigo 90.º do CIRC), abatido de créditos de imposto para eliminação de dupla tributação internacional e de benefícios fiscais que operam por dedução à colecta (a que se reportam as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC).

Abatido este “IRC liquidado” (esta primeira grandeza ou termo, da comparação a realizar) de todos os benefícios fiscais que operam por dedução à colecta? Não. O n.º 2 do mesmo artigo 92.º do CIRC esclarece, acrescenta, para o que aqui relevará, que para efeitos do n.º 1 anterior excluem-se o SIFIDE e os benefícios que têm natureza contratual, conforme transcrição seguinte:

2 — Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II)

 

Ora os cálculos da AT – que se encontram no quadro da página 13 do RIT –, desobedecem, para a Requerente, ao legalmente prescrito quanto a esta primeira grandeza: a AT abate aí (ou, de outra perspectiva, não acresce, não reintegra) no seu cálculo do “IRC liquidado”/”liquidação IRC”, a par de outros benefícios fiscais (o RFAI), também o SIFIDE e os benefícios contratuais, em contravenção à prescrição legal que excepciona estes dois do conceito de benefícios fiscais relevantes para efeitos do operar no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC.

Todavia, alega a Requerente, que a AT, nos cálculos desta segunda grandeza, já não desobedece ao prescrito no n.º 2 do artigo 92.º do CIRC. Em síntese, em termos do texto legal que supostamente está a aplicar, a AT desobedece à primeira grandeza (IRC liquidado ajustado) e obedece quanto à segunda grandeza (IRC mínimo).

Sustenta ainda a requerente, que se porventura fosse legítimo à AT desviar-se do texto legal relevante de modo a chegar a um resultado mais consentâneo com o pressuposto de que ao excluir o SIFIDE e os incentivos contratuais, o legislador teve por objectivo que estes benefícios eventualmente fruídos pelo contribuinte fossem afastados do operar do artigo 92.º do CIRC (e, portanto, a sua existência tivesse um impacto neutro nos cálculos do artigo 92.º), então o desvio ao texto legal a efectuar era precisamente o inverso: correcção do texto legal quanto à segunda grandeza (IRC mínimo) e obediência ao texto legal quanto à primeira grandeza (IRC liquidado ajustado).

Defende a requerente que, quando se respeita a intenção da disposição legal de afastar o SIFIDE e os benefícios fiscais contratuais do tecto (do artigo 92.º do CIRC) à utilização dos benefícios fiscais e outras realidades, só uma correcção de € 314.686,15 é admissível, a que correspondem juros compensatórios no montante de € 18.426,65 (€ 318.356,58 x € 314.686,15 / € 5.436.821,26), num total de € 333.112,8019. E que o expurgar do impacto do SIFIDE e dos benefícios fiscais com carácter contratual (alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 92.º do CIRC) nos cálculos relativos às (duas) grandezas definidas no artigo 92.º do CIRC, visa subtrair estes dois concretos benefícios de qualquer influência na comparação que o artigo 92.º do CIRC manda fazer, tratando-os como se não existissem.

A desobediência à lei por parte da AT podia, na óptica da Requerente, preservar ao menos o núcleo essencial da vontade do legislador, afastando o SIFIDE e os benefícios com carácter contratual de qualquer influência (para o bem, e para o mal) no operar do artigo 92.º do CIRC. Mas o particular modo como a AT se afasta do que resulta da lei penaliza activa e acrescidamente (por oposição a limitar-se a ser neutral) os contribuintes beneficiários de SIFIDE e de benefícios contratuais, justamente aqueles poucos que investem no país imerso numa crise sem precedentes.

No processo de apuramento pela AT da primeira grandeza (“liquidação de IRC “ajustada”) prevista (e regulada) no artigo 92.º do CIRC, que é feito na coluna (2), sob o título “Após exercício de direito de audição”, do quadro constante da página 13 do RIT deduz a AT ao IRC apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC, também os benefícios fiscais “SIFIDE” e “de natureza contratual” (acordados em contrato de investimento), tirando assim o efeito útil (e desrespeitando) o comando ínsito no artigo 92.º do CIRC de deduzir à liquidação do artigo 90.º do CIRC (i.e., à colecta da declaração modelo 22) apenas alguns benefícios fiscais, que não todos (salvaguarda dos contratuais e do SIFIDE, o que se consegue fazendo os cálculos como se não existissem, ignorando-os nos cálculos).

A AT nesta primeira conta prevista no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC, trata como integrantes do leque de benefícios fiscais a considerar, o SIFIDE e os benefícios contratuais, quando as alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo 92.º prescrevem justamente a sua exclusão do disposto no número anterior (no dito n.º 1). O que a IT faz é, em síntese, agir nos seus cálculos como se as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 92.º do CIRC (redacção em vigor em 31.12.2011) só remetessem para a última parte do n.º 1 do mesmo artigo (onde se encontra a segunda grandeza) e excluíssem a primeira parte do referido n.º 1.

Ora, para a requerente, não é assim: as alíneas a) e b) do n.º 2 remetem para o n.º 1 (para o operar do n.º 1) na sua totalidade, sem afastar qualquer parte do mesmo. A metodologia de cálculo utilizada pela AT faz do SIFIDE e dos benefícios contratuais grandezas que, em vez de se manterem rigorosamente neutras relativamente ao operar do artigo 92.º do CIRC (afastadas do operar do artigo 92.º do CIRC), antes influenciam esse operar.

Para a Requerente, ambos os resultados (o que resulta do texto legal e aquele que a AT lhe substituiu) exageram na sua relação com o espírito ou finalidade discerníveis no segmento normativo aqui em causa: o que se encontra na letra da lei exagera na medida em que com o seu critério de cálculo o “SIFIDE” e os “benefícios contratuais” determinam o distanciamento (para mais) da primeira grandeza (“Liquidação IRC ajustada”) do limiar mínimo do IRC (da segunda grandeza, calculada deficitariamente quando se use o critério do texto legal), com benefício para a utilização dos benefícios fiscais e outras realidades (contribuições para fundos de pensões previstas no artigo 43.º, n.º 13, do CIRC, etc.) que se quiseram sujeitar a este artigo 92.º (IRC mínimo) do CIRC.

Por outro lado, o critério que, em substituição parcial da letra da lei, a AT aplicou, exagera também, mas no sentido inverso, na medida em que com tal critério de cálculo o próprio “SIFIDE” e os próprios “benefícios contratuais” determinam uma aproximação (para menos) da primeira grandeza (“Liquidação IRC ajustada”), deficitariamente calculada pelo critério da AT, ao limiar mínimo do IRC (da segunda grandeza), incluindo gerar o resultado de aquela primeira grandeza deficitariamente calculada acabar por ficar aquém do limiar mínimo do IRC (como sucedeu no concreto cálculo da AT neste caso).

Analisando o caso concreto observa-se num relance – sustenta a Requerente – que a fórmula de cálculo utilizada pela AT não pode estar certa, porque tem o efeito de anular ou eliminar a utilização de 10% do SIFIDE e dos benefícios contratuais que a própria lei manda não ajustar (que a própria lei manda não submeter ao tecto do artigo 92.º do CIRC). À mesma conclusão se chega se atentarmos à diferença entre a correcção apurada no projecto de relatório e a correcção final do RIT.

 

4.1.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

4.1.2.1. Posição sobre o RFAI

 

Refere a AT que nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 1 do CIRC: "Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.° e no artigo 75.°»

Prevendo o n.º 2 do mesmo artigo que se excluem do disposto no n.º 1 os seguintes benefícios fiscais:

"a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE ii);

c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33° e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d)Os previstos nos artigos 19,°, 32.° e 42° do Estatuto dos Benefícios Fiscais”.

 

Ora, sustenta a AT, resulta claro da redacção da norma acima transcrita, o RFAI, benefício fiscal que opera por dedução à colecta, não está especialmente excepcionado pelo n.º 2 do artigo 92.° do Código do IRC, na redacção em vigor durante o período em análise pelos Serviços de Inspecção Tributária.

Não tendo o legislador, até à alteração do artigo realizada através do Decreto-Lei n.º 82/2013, expressamente incluído o RFAI na norma constante do artigo 92.º, n.º 2 (como o fez no caso do SIFIDE), só se pode concluir que isso resulta de uma opção em termos de política económica e financeira, especialmente considerando:

– que se trata de benefícios que foram sendo por si sucessivamente prorrogados sem qualquer rectificação da redacção do mencionado artigo;

– que da alteração do artigo operada pela Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, não resulta que esta tenha sido introduzida com carácter interpretativo.

 

Assim, a AT não concorda com a posição assumida no parecer do Prof. Doutor M…. Na verdade, ainda que haja entre os benefícios – SIFIDE e RFAI – , uma certa similitude, o que é facto é que o RFAI, até àquela alteração legislativa, não estava expressamente excepcionado no art. 92.º n.º 2 do CIRC.

E, para a AT, sendo o benefício fiscal uma medida de carácter excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, cfr. n.º 1 do art. 2.º do EBF, está vedada a sua integração analógica, cfr. art. 10.º do mesmo EBF, pelo que, não será legítimo ao intérprete, antes da alteração do art. 92.º do CIRC pelo Decreto-Lei n.º 82/13, concluir que o RFAI também se integrava no elenco dos benefícios fiscais excluídos do regime do resultado da liquidação.

Donde, até à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, o RFAI, deverá ser considerado para efeitos da limitação à redução da taxa efectiva de tributação, prevista no artigo 92.°do Código do IRC.

Com efeito, o RFAI constitui-se como um benefício fiscal de carácter dinâmico, na medida em que pretende incentivar determinadas actividades, operando por dedução à colecta.

Já o artigo 92.° do CIRC teve na sua génese o intuito de limitar a redução da taxa efectiva de tributação de IRC por utilização de benefícios fiscais.

Assim, para a AT, temos por um lado, um diploma legal que aprova um benefício fiscal e, por outro, uma norma que, inserindo-se nas regras da liquidação do IRC, visa limitar os efeitos que os benefícios fiscais têm sobre esta.

Tendo âmbitos e objectivos diferentes – o RFAI e o artigo 92.° do Código do IRC – não pode considerar-se existir conflitualidade entre as duas normas, que requeira a resolução através do critério da especialidade, até porque as mesmas são aplicadas em fases diferentes, isto é, primeiro aplicam-se as normas do RFAI (para apurar o montante do benefício) e, posteriormente, na fase da autoliquidação do IRC, apura-se o montante do RFAI passível de dedução à colecta de IRC, tendo em consideração, também, o artigo 92.° do Código do IRC.

Não vê a AT qualquer relação lógico-jurídica de especialidade entre as normas, a qual, dificilmente poderia existir, em face do seu diferente domínio de aplicação, sendo por isso de improceder a alegação da Requerente quer no que toca à inclusão do RFAI nas exclusões do n.º 2 do artigo 92.º do CIRC, quer quanto à mencionada relação de especialidade entre o artigo 3.º, n.º 1 al. a) do RFAI e o mesmo artigo 92.º do CIRC.

Por outro lado, refere a AT, o art. 92.º do CIRC, introduzido pela Lei do Orçamento do Estado para 2005, insere-se no capítulo referente à forma de liquidação de imposto e foi criado tendo em vista limitar os efeitos potencialmente negativos que os benefícios fiscais possam ter sobre a liquidação de imposto, donde, no essencial, tal artigo pretende criar um tecto mínimo de IRC a pagar, em cada ano, por via da limitação de utilização dos benefícios fiscais.

Na versão inicial de 2005 e até 2009, a percentagem mínima era de 60%, com o OE para 2010 o limite foi elevado para 75% e com o OE para 2011, para 90%.

Assim, num caso estamos perante uma norma que concede um benefício fiscal sob a forma de dedução à colecta de IRC, que não sofreu alteração legislativa e que mantém, para o ano em causa, a possibilidade de dedução à colecta até à concorrência de 25% de determinadas importâncias, no outro perante uma norma referente à determinação da matéria colectável que alterou, nos anos de 2010 e no aqui em causa de 2011, o limite efectivo de tributação, que, conceda-se, tem a ver com o montante, quantum, do imposto a pagar.

Donde, não estamos perante qualquer tipo de retroactividade própria, não se tratando da aplicação de uma lei nova (de alteração do benefício) a factos tributários antigos, pelo que, não há violação do art. 11.º n.º 1 do EBF e não se põe a questão de uma eventual violação do princípio da proibição da retroactividade em matéria fiscal, cfr. art. 103.º da CRP.

 

4.1.2.2. Posição sobre o artigo 92 do CIRC e o resultado da liquidação

 

Para a AT, e tal como decorre da redacção do artigo 92.º, n.º 1, este normativo manda comparar duas grandezas, e daí operar um possível quantitativo a título de "resultado da liquidação", isto é, uma limitação global aos benefícios fiscais. Segmentando o n.º1 da norma, nos seus dois elementos constituintes, ter-se-á:

  1. De um lado – a primeira parte da norma – o imposto resultante da aplicação da taxa ou taxas (sobretaxa derrama estadual também) de IRC à respectiva matéria colectável, i.e., o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 75.°, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo 90.º – uma realidade directa e imediatamente observável da autoliquidação, declaração Modelo 22 de IRC.
  2.  De outro lado – a segunda parte da norma – uma segunda grandeza, o limiar mínimo de imposto liquidado, i.e., 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43° e no artigo 75.°" – uma construção ficcionada, que não decorre directa e imediatamente dos elementos da declaração Modelo 22 de IRC.

 

Dispõe ainda o n.º 2 que, para efeitos do n.º 1 do mesmo artigo, se excluem os benefícios expressamente elencados nesse n.º 2, e que são:

a) os que revistam carácter contratual;

b) SIFIDE II;

c) os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.° e seguintes do EBF e os que operem por redução de taxa e, finalmente,

 d) os previstos nos artigos 19.º, 32.° e 42.° do EBF.

 

Ora, alega a AT, de outra forma não se poderá concluir senão que a AT efectua uma correcta interpretação e aplicação da norma, quando, na identificação/cálculo das grandezas comparáveis que decorrem do artigo 92.° do CIRC, actua de modo a que o seu n.º 2 do mesmo artigo, só remeta para a segunda parte do n.º 1, e se exclua da primeira parte deste.

A questão essencial, para AT, redunda assim, em primeiro lugar, na interpretação de uma norma de direito fiscal, em que se deverá procurar determinar se o comando do n.º 2 do artigo 92.° remete apenas para a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 92.° (como defende a AT e melhor resulta da letra e do espírito da lei) ou igualmente para a 1ª parte do n.º 1 do artigo 92.° (como defende a Requerente).

Para a Requerida, não foi totalmente estranha a introdução no ordenamento jurídico nacional pelo n.º 1 do artigo 29.° da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, de uma limitação ao aproveitamento dos benefícios fiscais em sede de IRC – o artigo 92.° do CIRC. Sobre o objectivo que presidiu à instituição de uma regra de limitação global dos benefícios fiscais, no artigo 86.º (actual art.º 92.º) do Código do IRC, as notas justificativas inseridas nos Relatórios que acompanharam as propostas de Lei do OE para 2005 e para 2011, dão conta de dois tipos de motivações: (1) alargar a base de incidência do IRC, e (2) garantir maior equidade no tratamento fiscal das empresas que usufruem de benefícios fiscais e aquelas que não usufruem.

Assim, tal como se referiu, de acordo o Relatório do Orçamento do Estado para 2005, que introduziu esta norma sob a epígrafe "Resultado da Liquidação", o artigo 92.º constitui-se, como um "limite à redução da taxa efectiva de tributação por utilização de benefícios fiscais". Pretendia-se então que o imposto não pudesse ser inferior a 60% do montante da taxa [nominal] dos 25%, ou seja, não poderia descer abaixo dos 15% por utilização dos benefícios fiscais: 60% (limitação) de 25% (taxa nominal) = 15% (taxa efectiva mínima).

            Posteriormente, segundo a AT, a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, veio alterar o n.º 1 do mesmo artigo, no sentido de limitar a 75% (até então 60%) do imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90° do CIRC, líquido da dupla tributação internacional e dos benefícios fiscais que operam por dedução à colecta, o limite mínimo de IRC. Este limite é actualmente de 90% por força da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE-2011).

            Muito embora a finalidade associada à regra de limitação global dos benefícios fiscais tenha ficado adequadamente expressa na letra da lei, a fórmula a utilizar para a sua operacionalização não foi prevista pelo legislador, que deixou para a Administração Fiscal a tarefa de definir a metodologia a seguir no processo de cálculo do resultado da liquidação, com respeito naturalmente pelo espírito e pela letra do normativo em causa.

O processo de cálculo estabelecido pela AT de acordo com a melhor interpretação do art.º 92.º do Código do IRC, assenta nas seguintes premissas: o primeiro termo de comparação – o valor do IRC liquidado influenciado pelos benefícios fiscais e pelas realidades equiparadas – é calculado por subsunção às regras gerais da liquidação previstas no n.º 1 e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo Código; o segundo termo de comparação – o valor do IRC sem a influência dos benefícios sujeitos a limitação – é determinado pela introdução de ajustamentos à matéria colectável, à taxa e às deduções à colecta, por forma a expurgar os efeitos daqueles benefícios fiscais, sendo de seguida aplicada a percentagem de 90% para obter o liminar mínimo do IRC a pagar.

No caso subjudice, a aplicação desta metodologia de cálculo conduziu à determinação de um liminar mínimo de IRC a pagar superior ao montante do IRC calculado pelo sujeito passivo, pelo que os Serviços de IT procederam a uma liquidação adicional de € 2 086 114,61 (cf. Quadro que de seguida apresenta):

Na perspectiva da AT, os elementos fundamentais que servem de alicerce ao cálculo da primeira grandeza estão definidos na primeira parte do n.º 1 do art.º 92.º, que remete para o processo de liquidação normal do IRC, influenciado pelos benefícios fiscais que o sujeito passivo teria direito a usufruir, pelo que, no entendimento da AT, o valor da colecta líquida de IRC calculada no Quadro supra tem suporte na letra de lei.

Por seu turno, a Requerente argumenta, como já se viu, que, no processo de apuramento da 1.ª grandeza (que designa por liquidação de IRC ajustada), não há que abater os benefícios fiscais que, nos termos do n.º 2 do art.º 92.º, ficam excluídos da limitação – v.g. o SIFIDE e os benefícios fiscais que têm natureza contratual, sendo esta posição sustentada no argumento de que o n.º 2 “excepciona estes dois [o SIFIDE e os benefícios contratuais] do conceito de benefícios fiscais relevantes para efeitos do operar do n.º 1 do art.º 92.º do CIRC”.

Para AT, há que desfazer a errónea interpretação em que se assenta o entendimento da Requerente, e cumpre esclarecer que o conceito de benefícios fiscais consta do art.º 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e nessa acepção que a expressão “benefícios fiscais” é utilizada na legislação fiscal em geral, incluindo a alínea b) do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC, excepto quando o legislador toma posição expressa noutro sentido.

Por conseguinte, quando na primeira parte do n.º 1 se remete para o IRC liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, tem forçosamente de entender-se, para a AT, que a dedução relativa a benefícios fiscais – a da alínea b) – cobre todos os benefícios que assumem a modalidade de dedução à colecta de que o sujeito passivo em causa pode usufruir, tanto mais que, em atenção à finalidade associada à regra de limitação do art.º 92.º, só faz sentido que a exclusão feita no seu n.º 2 surta efeito na limitação dos “benefícios fiscais” a que alude a parte final do n.º 1 deste artigo.

Logo, a interpretação em que assenta o processo de cálculo da AT não constitui uma “contravenção à prescrição legal”, pois está em plena consonância com a letra e o objectivo prosseguido pelo art.º 92.º do Código do IRC, que não autorizam a extrair a conclusão de que as medidas de desagravamento fiscal previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 deste normativo perdem a qualificação de “benefícios fiscais” para efeitos da dedução à colecta a que se refere a alínea b) do n.º 2 do art.º 90.º.

O sujeito passivo vem reclamar um tratamento de "absoluta neutralidade (ausência de impacto, contra ou a favor) do SIFIDE e incentivos contratuais existentes no caso concreto" – artigo 88.° da PI -justificando ter sido essa a intenção do legislador.

Porém, alega a AT, em lugar algum decorre que o tratamento tem de ter uma absoluta neutralidade (uma neutralidade matemática).

A óptica do contribuinte não só é a que conduz à por si reclamada absoluta neutralidade matemática, é também aquela que pode conduzir à absoluta neutralização fiscal da tributação sobre os lucros das empresas. O que não é, claramente, para a AT, a intenção do legislador.

 

4.2. Aplicação do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC ao RFAI, no ano de 2011

 

Está em causa neste processo a impugnação do acto de liquidação do IRC e derrama municipal consequente, e correspondentes juros compensatórios n.º 2014 … relativos ao exercício de 2011 (cfr. Doc. n.º1, junto com a petição inicial). Naturalmente que por esse motivo, terá que se aplicar nos termos do art. 12.º, n.º1, da LGT a lei vigente à data dos factos, não sendo por esse motivo relevante a redacção actual do art. 92.ºdo CIRC, em cujo n.º 2, alínea e), é expressamente incluído "o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), previsto no Código Fiscal do Investimento".

Deve antes considerar-se a redacção do artigo 92.º do CIRC à data dos factos, que era a da Lei 55-A/2010, de 21 de Dezembro, a qual dispunha o seguinte:

"1 — Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º

2 — Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II);

c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais".

 

Da mesma forma, o art. 3.º do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), aprovado pelo art. 13.º da Lei 10/2009, de 10 de Março, dispunha na data o seguinte:

 

Artigo 3.º

Incentivos fiscais

1 – Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de € 5 000 000;

ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a € 5 000 000;

b) Isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período até cinco anos, relativamente aos prédios da sua propriedade que constituam investimento relevante;

c) Isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante;

d) Isenção de imposto do selo relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante.

2 – A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.

3 – Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

4 – Para efeitos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1, as isenções aí previstas são condicionadas ao reconhecimento, pela competente assembleia municipal, do interesse do investimento para a região.

5 – O montante global dos incentivos fiscais concedidos nos termos dos números anteriores não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efectuado, constantes do artigo 7.º.

 

Verifica-se assim que na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do RFAI se estabelece uma percentagem máxima de dedução anual à colecta do IRC em 25%, que implica que a colecta de IRC não poderia baixar de 75% da colecta que haveria sem o RFAI.

Pelo contrário, no artigo 92.º do CIRC regula-se, em termos genéricos, a percentagem máxima de redução anual da colecta do IRC em resultado da utilização dos diversos benefícios fiscais e regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º do mesmo diploma. O que dispõe o artigo 92.º do CIRC é que a colecta mínima de IRC não pode ser inferior a 90% da colecta que haveria sem a aplicação de benefícios fiscais ou outros regimes já referidos. Exceptuam-se apenas os benefícios fiscais referidos no seu n.º 2.

Analisemos como se devem compatibilizar essas disposições.

Note-se, em primeiro lugar, que a percentagem da colecta mínima, constante do artigo 92.º do CIRC tem vindo a ser aumentada várias vezes. Inicialmente, na redacção dada ao então art. 86.º CIRC, pela Lei 55-B/2014, de 30 de Dezembro, essa percentagem era de 60%. Depois, através da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril a percentagem da colecta mínima foi aumentada para 75%. Finalmente, através da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro de 2010, essa percentagem foi ainda incrementada para 90%. Assim, na altura em que surgiram, as normas do CIRC e do RFAI podiam conviver perfeitamente, uma vez que inicialmente teríamos uma percentagem de limite das deduções a 25% para o RFAI e uma percentagem de 40% para o IRC em geral, passando estas duas percentagens a coincidir, a partir de Abril de 2010. Apenas a partir de 2011 a questão se vem colocar, com a elevação da percentagem da colecta mínima do IRC para 90%. No entanto, a mesma Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que alterou o artigo 92.º do CIRC, veio igualmente renovar para 2011 o RFAI.

Esta questão, apesar de muito pouco debatida na doutrina, já foi objecto de algumas tomadas de posição. Assim RODRIGO RABECA DOMINGUES, "O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento", em Revisores e Auditores: Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, n.º 56 (2012), pp. 44-50 (49-50), sustenta que "considerando-se que seria perdido o direito ao reporte do RFAI, o legislador estaria a esvaziar o RFAI (que ele próprio criou) de grande parte do seu interesse e finalidade – a promoção do investimento empresarial e a criação de emprego.

Mais ainda, seria difícil sustentar-se que na mesma Lei (o Orçamento de Estado para 2011), o legislador prorrogue o RFAI até 31 de Dezembro de 2011 e, em simultâneo, crie uma norma que, se interpretada de uma forma cega, esvaziasse o RFAI de grande parte do seu interesse económico e fiscal". O autor conclui, por isso, que "o racional do artigo 92.º do Código do IRC não pretende ferir o reporte de benefícios fiscais".

Esta posição é igualmente seguida no douto parecer da autoria do Professor Doutor M… e da Mestre L…, do qual se destaca o seguinte:

O privilégio que o legislador quis conceder aos investidores através do RFAI não é compatível com a sua inserção no leque de benefícios fiscais que podem ser limitados por aplicação do artigo 92.º do CIRC. Na realidade, não faz qualquer sentido que o legislador tenha criado um instrumento de natureza anticíclica com determinados níveis de benefício fiscal a atribuir e, ao mesmo tempo, permitisse que esse benefício, estratégico e criado especificamente com o objetivo de operar como medida anticíclica num contexto em que Portugal esgotava os últimos cartuchos que lhe podiam permitir evitar a recessão económica, fosse limitado por um regime geral que o precedia e que, como se notou supra, foi criado num contexto económico totalmente distinto, diríamos mesmo, nas palavras do autor do Relatório da Proposta de Lei para o Orçamento do Estado para 2005, oposto ao que se vivia em 2009.

O argumento que antecede favorece a interpretação de que o RFAI deveria, mesmo antes da alteração ocorrida em 2013, ser considerado integrado no elenco dos benefícios fiscais excluídos do regime do resultado da liquidação. E favorece-a por três motivos fundamentais a que os artigos 9.º do Código Civil e 11.º da LGT mandam atender:

(i) por um lado, em função do argumento da unidade do sistema jurídico – que, no presente caso, autoriza a interpretação de que o legislador não ia “dar com uma mão e tirar com a outra”, isto é, não iria atribuir um benefício fiscal extraordinário e estratégico para o futuro imediato do País através do RFAI e retirá-lo ou diminuí-lo com o regime do resultado da liquidação; para mais criado noutro contexto económico totalmente distinto e visando um objetivo de aumento da receita fiscal que não era, de todo, o objetivo do legislador do RFAI).

Este mesmo argumento da unidade do sistema jurídico é ainda reforçado pela (primeiro muito provável, quando o regime do resultado da liquidação passou a prever uma taxa de 75%, depois efetiva, quando a taxa passou para 90%) incompatibilidade matemática entre a percentagem prevista no regime do resultado de liquidação e a dedução à coleta prevista no RFAI. (…) Em suma, a atribuição específica de um crédito de imposto abatível até 25% da colecta do IRC seria um vazio legal por força de uma norma incompatível prevista no regime do resultado da liquidação.

(ii) por outro lado, em função do argumento “das circunstâncias em que a lei foi elaborada”

– que, no presente caso, direciona o intérprete para os diferentes contextos em que surgiram o RFAI (momento de grave crise económica em que Portugal lança um programa especial de promoção da atividade económica e do emprego, no qual se destaca o RFAI como instrumento fiscal anticíclico que visa, através da atribuição de benefícios fiscais ao investimento, promover a capacidade competitiva das empresas, o emprego e a economia em geral), e, por outro lado, o regime do resultado da liquidação (num momento de expansão económica dos principais parceiros comerciais de Portugal, em que se antecipava a dinamização da economia europeia em geral e da portuguesa em particular, o que permitia, em termos de política orçamental e fiscal, privilegiar objetivos de contenção orçamental e medidas de combate à fraude e evasão fiscal e do aumento da receita fiscal efetiva). Destes diferentes contextos, deve, a nosso ver, ser extraída a conclusão de que o legislador do RFAI e o legislador do regime do resultado da liquidação tinham diferentes objetivos estratégicos e de que, portanto, o legislador do RFAI não pretendia sujeitar o benefício fiscal extraordinário que estava a criar a um regime que tinha uma razão de ser totalmente contrária e não privilegiada no momento em que o RFAI foi criado;

(i) em terceiro lugar, em função das condições específicas do tempo em que a norma é aplicada – que, no presente caso, deve levar o intérprete a avaliar as condições económicas verificadas em 2005 (ano em que foi introduzido o regime do resultado da liquidação) e as verificadas em 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 (anos em que foi introduzido e mantido em vigor o RFAI).

Finalmente, um outro argumento concorre ainda a favor da interpretação da norma em questão que aqui se sustenta: o facto de a própria AT reconhecer a similitude entre o RFAI, criado em 2009, e o SIFIDE, que o antecedeu e que foi expressamente excluído pelo legislador do elenco dos benefícios fiscais incluídos na limitação resultante do regime do resultado da liquidação. Com efeito, em resposta a um pedido de informação vinculativa sobre o RFAI, a AT veio dizer que “o RFAI 2009 não é cumulável com o SIFIDE, relativamente ao mesmo investimento, dado que em ambos os benefícios o interesse público extra fiscal relevante consiste na contribuição para o crescimento económico, reforço da competitividade das empresas e aumento do emprego, a que acresce, no RFAI 2009, a contribuição para o desenvolvimento das áreas elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional. De facto, ambos [SIFIDE e RFAI] constituem medidas extraordinárias de apoio ao investimento (no caso do SIFIDE, de um certo tipo de investimento, especialmente relevante para o desenvolvimento do País), que se servem de incentivos fiscais para promover alguma dinamização da atividade económica, o crescimento do emprego e o reforço da competitividade das empresas que operam em Portugal. Por que razão iria o legislador sujeitá-las a regimes diferentes do ponto de vista do regime do resultado da liquidação? O mesmo pode ser dito sem receio quanto à desejada complementaridade/alternatividade do RFAI face ao regime de benefícios fiscais contratuais, expressamente referida pelo legislador, sendo estes pois dois instrumentos distintos para investimentos de valor e prazo diferentes, daí que o primeiro seja automático e o segundo condicionado. Nenhum motivo pode, fundadamente, ser invocado.

Pelos motivos indicados, era legítimo ao intérprete do regime do resultado da liquidação previsto no artigo 92.º do Código do IRC, previamente à alteração introduzida ao mesmo em 2013, concluir que o RFAI estava excluído da previsão do n.º 1 da referida disposição legal.”.

Esta posição não é, no entanto, unânime na doutrina, pronunciando-se ABÍLIO JOSÉ DA COSTA SOUSA, Estatuto dos Benefícios Fiscais Comentado, Moneris/Vida Económica, 2013, p. 138, a propósito do RFAI no sentido de que "a utilização deste benefício encontra-se condicionada pelo artigo 92.º do Código do IRC, pelo que na prática o mesmo não pode exceder 10% do IRC liquidado".

Concordamos com esta última posição.

Efectivamente, o objectivo inicial do art. 86.º, posteriormente art. 92.º CIRC foi estabelecer um limite aos benefícios fiscais concedidos às empresas. Na sua versão inicial havia uma indicação expressa dos benefícios fiscais a que se aplicava esse limite, mas já se referia no Relatório OE 2005 (p 52) que se pretendia estabelecer um “limite à redução da taxa efectiva de tributação por utilização de benefícios fiscais”;

Posteriormente esse limite passou a abranger todo e qualquer benefício fiscal não expressamente exceptuado nessa disposição. Não se pode duvidar que o artigo 92.º, n.º 1, do CIRC visa limitar o relevo a benefícios fiscais concedidos por outras normas, pois é precisamente essa uma das suas funções, como resulta com evidência do seu texto. Assim, o objectivo dessa norma é naturalmente a sua aplicação a todos os benefícios fiscais, funcionando assim como norma de sobreposição, que se aplica independentemente do valor dos vários benefícios fiscais concedidos.

Esse objectivo resulta claro das notas justificativas inseridas no Relatório que acompanhou a proposta de Lei do OE para 2011, a qual refere dois tipos de motivações: alargar a base de incidência do IRC, e garantir maior equidade no tratamento fiscal das empresas que usufruem de benefícios fiscais e aquelas que não usufruem. No Relatório OE 2011 (p 72) é efectivamente referido o seguinte:

-: “(…) com a preocupação de alargar a base de incidência do IRC e de garantir maior equidade no tratamento fiscal das empresas, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 procede a uma revisão do limite global ao aproveitamento de benefícios fiscais que figura no artigo 92.º do Código do IRC.

Trata-se de uma disposição que foi já objecto de revisão na Lei do Orçamento do Estado para 2010, momento em que se elevou a percentagem de referência de 60% para os actuais 75%, apontando para uma taxa de tributação efectiva de 18,75%.

Com a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 introduzem-se duas alterações tendentes a reforçar esta limitação: primeiro, elevando para 90% a percentagem de referência abaixo da qual se desconsideram os benefícios fiscais; e segundo, invertendo a estrutura desta regra de limitação, dado que em vez de enunciar positivamente os benefícios a que se aplica, passa a aplicar-se genericamente a qualquer benefício fiscal, enunciando-se apenas as excepções.

Com isto, aponta-se para uma taxa de tributação efectiva de 22,5% e reproduz-se no âmbito do IRC uma regra de moralização semelhante à que se introduz em sede de IRS”.

Ora, perante esta justificação, é manifesto que todo e qualquer benefício não exceptuado expressamente no art. 92.º, como era o caso do RFAI, estava sujeito ao limite máximo de 10% que essa norma institui, não tendo assim a requerente razão na interpretação que propugna. Na verdade, ao contrário do que se refere no douto parecer, essa interpretação é que implicaria violar a consideração da unidade do sistema jurídico, critério interpretativo que é imposto pelo art. 9.º do Código Civil, uma vez que se interpretaria isoladamente o art. 3.º RFAI, sem tomar em consideração a limitação prevista no art. 92.º, n.º 1, CIRC.

Em bom rigor, o que aliás o Requerente propõe é uma verdadeira integração analógica do art. 92.º, n.º 2, CIRC, em ordem a abranger o RFAI, sendo também nesse sentido que se podem interpretar os argumentos de similitude entre o RFAI e o SIFIDE, invocados no douto parecer junto aos autos.

Ora, essa integração analógica é expressamente vedada pelo art. 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Como bem salientava NUNO SÁ GOMES, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Lisboa, CEF, 1991, p. 270, os benefícios fiscais constituem "um jus singulare, um direito contrário aos princípios da capacidade contributiva e da generalidade da tributação, sendo portanto duplamente especiais, pois, de um lado, particularizam o regime jurídico desagravado face à norma geral da tributação-regra e, por outro, estabelecem um regime jurídico contraditório com ele, na medida em que impedem o nascimento da obrigação tributária com o seu conteúdo normal, não obstante a verificação da hipótese de incidência".

Para além disso, é notório que a preocupação legislativa prioritária no Orçamento do Estado de 2011, era a redução do défice das finanças públicas, garantindo um determinado nível de receita fiscal, em sintonia com os compromissos assumidos pelos credores internacionais.

Por isso, as condições específicas em que este Orçamento foi elaborado, apontam inequivocamente para que o objectivo de garantir a receita fiscal tinha primazia sobre a manutenção dos benefícios fiscais não expressamente indicados, pelo menos no que concerne à sua relevância nesse ano de 2011.

Na verdade, o facto de o benefício fiscal do RFAI não poder ser deduzido à colecta de IRC do ano de 2011, por ultrapassar o limite de 10% previsto no artigo 92.º, n.º 1, não implica que os sujeitos passivos não possam vir a usufruir dele nos exercícios seguintes, pois o n.º 3 do artigo 3.º do RFAI previa a possibilidade de ele ser utilizado nos quatro exercícios seguintes quando a dedução no período de tributação em que o investimento foi efectuado não fosse possível por insuficiência de colecta.

De qualquer modo, a eliminação que a mesma Lei n.º 55-A/2010 efectuou da referência aos «benefícios na modalidade de dedução à colecta», que na redacção anterior se fazia no n.º 2 do artigo 92.º do CIRC, para indicar os benefícios fiscais excluídos do regime do n.º 1, não pode deixar de ser interpretada como sujeitando à nova limitação feita no n.º 1 todos os benefícios fiscais não mantidos na nova lista, sendo esta a única interpretação que tem na letra na lei o mínimo de correspondência verbal exigido pelo artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

Neste contexto, em que, simultaneamente, na mesma Lei n.º 55-A/2010, o legislador mantém o RFAI (artigo 134.º) e altera o artigo 92.º do CIRC diminuindo a relevância geral dos benefícios fiscais em matéria de IRC (através de um novo limite mínimo mais elevado para a colecta de IRC) e reformula a lista de benefícios fiscais excluídos de tal limitação de forma a excluir o benefício fiscal do RFAI, que aí se enquadrava anteriormente, a intenção legislativa que se detecta é a de manter em geral a aplicação do regime do RFAI, mas, no que concerne ao IRC, com a limitação prevista no n.º 1 do artigo 92.º.

Na verdade, a interpretação defendida pela Requerente, reconduz-se, na prática, a incluir o benefício fiscal em causa na lista de benefícios fiscais excluídos pelo n.º 2 do artigo 91.º, o que está ao arrepio da intenção legislativa de suprimir desta os «benefícios na modalidade de dedução à colecta» que na redacção anterior desta constavam.

Aliás, o facto de o Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, ter vindo aditar ao n.º 2 do artigo 92.º uma referência expressa ao «regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), previsto no Código Fiscal do Investimento», voltando a excluir os benefícios fiscais deste tipo da limitação prevista no n.º 1 do artigo 92.º, confirma que a redacção anterior não permitia considerar este benefício fiscal incluído na lista de benefícios fiscais excluídos da limitação do n.º 1. Na verdade, para além de nada haver no texto nem no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 82/2013 que permita entrever que a alteração ao n.º 2 do artigo 92.º do CIRC tenha natureza interpretativa, o Preâmbulo daquele Decreto-Lei n.º 82/2013 anuncia uma alteração da política económica e financeira, passando o Governo a assumir o compromisso de promoção do crescimento da economia, em paralelo com a anterior preocupação primordial de consolidação das finanças públicas, como se pode ver pelos seguintes excertos:

 

«Durante o ano de 2013, o Governo está empenhado numa reforma das funções do Estado, que permita reduzir estruturalmente o peso da despesa pública, tornando-a mais sustentável, mais equitativa e mais eficiente.

Em paralelo, contribuindo para o sucesso do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para Portugal, e com o objectivo de promover a competitividade, o emprego e a internacionalização das empresas portuguesas, o Governo compromete-se com uma estratégia dirigida a estimular fortemente o investimento directo em Portugal, seja nacional, seja estrangeiro, quer o investimento português no estrangeiro.

Assim, ao mesmo tempo que prossegue o esforço de consolidação das finanças públicas nacionais, o Governo assume o imperativo de promover o crescimento da economia portuguesa, através da criação de condições fiscais atractivas para estimular o investimento produtivo e a criação de emprego, já em 2013.»

 

 É em sintonia com este novo compromisso governamental de adoptar «uma estratégia dirigida a estimular fortemente o investimento directo em Portugal» que se amplia o benefício fiscal do RFAI em matéria de IRC.

A autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o Decreto-Lei n.º 82/2013, que foi concedida pelo artigo 244.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, confirma que, na perspectiva da Assembleia da República, a dedução à colecta de IRC permitida relativamente ao RFAI estava limitada pelo artigo 92.º, n.º 1, do CIRC, pois se prevê que seja revisto «o actual limite da dedução anual à colecta do IRC, tendo em vista uma percentagem de dedução situada entre os 25 % e os 50 %», o que tem ínsito que se entendia que anteriormente a percentagem era inferior.

No que concerne ao princípio da confiança e da boa-fé, que a Requerente identifica como subjacente ao artigo 11.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e como concretização do princípio constitucional da protecção da confiança que se retira do artigo 2.º (Estado de Direito) da Constituição, o que aí se estabelece, no que aqui interessa, é que «as normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respectivo, em tudo que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário».

No entanto, para além de esta mesma norma ressalvar a possibilidade de a lei dispor em contrário, o aproveitamento dos benefícios fiscais que este artigo 11.º visa assegurar só ocorre quando se concretizam todas as condições para que o contribuinte dele possa usufruir. Designadamente, no que concerne ao RFAI e em matéria de IRC, é condição do aproveitamento do benefício fiscal que haja colecta de IRC suficiente, no ano em que ocorreu o investimento ou nos quatro períodos subsequentes. Ora a colecta futura é, naturalmente, algo de imprevisível, pois depende, desde logo, do volume dos lucros que venham a ser obtidos nos anos futuros.

Para além disso, já desde a Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, que os benefícios fiscais na modalidade de dedução à colecta, como é o caso de RFAI, estavam sujeitos, com outros, à limitação global prevista no artigo 86.º do CIRC, a que veio a corresponder o artigo 92.º, após a renumeração operada pelo 92.º do CIRC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

Por isso, não há fundamento para considerar que a realização de um investimento dentro do circunstancialismo previsto no RFAI implicava um direito ao aproveitamento do benefício fiscal previsto em sede de IRC, pois esse direito só se viria ou não a consolidar na esfera jurídica dos contribuintes se se viesse gerar colecta suficiente num dos exercícios em que tal aproveitamento podia ter lugar e se não se viesse a verificar que a soma do montante do benefício fiscal do RFAI com o montante dos outros benefícios fiscais identificados no n.º 2, excedia o respectivo limite previsto no referido artigo 86.º e, posteriormente, no artigo 92.º, limite esse que que era inicialmente de 40% (até 60% de colecta assegurada), passou para 25% com a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, e foi reduzido para 10% com a Lei n.º 55-A/2010.

Assim, a realização de um investimento susceptível de proporcionar um benefício fiscal ao abrigo do RFAI 2009 não podia criar no investidor mais que uma mera expectativa de que poderia vir a usufruir de um benefício fiscal em matéria de IRC baseado nesse investimento, expectativa essa que só seria transformada num direito no exercício em que concretiza o investimento ou num ou mais dos quatros exercícios seguintes, se, eventualmente, se verificarem as condições para o seu aproveitamento.

Sendo assim, apreciando a questão à face da situação da Requerente, relativamente ao benefício que poderia advir dos investimentos realizados em 2011, não se vislumbra como pode haver frustração de expectativas por alteração do regime legal, pois a alteração foi efectuada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, publicada antes de os investimentos terem sido realizados.

No que concerne ao reporte em 2011 de benefício fiscal derivado de investimentos realizados no ano de 2010, é certo que ocorreu a diminuição do montante do benefício fiscal proveniente do RFAI que pode ser deduzido em 2011, mas isso nem significa que o benefício fiscal não tenha sido aproveitado nos exercícios dos anos subsequentes e pode sê-lo até ao exercício de 2015.

Por outro lado, aplicando-se o regime da lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, aos rendimentos gerados em 2011, a sua validade não é afectada pela proibição constitucional de retroactividade, com o sentido restrito que lhe tem dado o Tribunal Constitucional, que é o de que «o legislador da revisão apenas pretendeu incluir, no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, a proibição da retroactividade autêntica, própria ou perfeita da lei fiscal, o que não é contrariado pela letra do preceito, uma vez que o texto constitucional apenas se refere à natureza retroactiva tout court. Por outro lado, resulta igualmente dos trabalhos preparatórios, de forma cristalina, que não se pretenderam integrar no preceito as situações em que o facto tributário que a lei nova pretende regular não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga, antes continuando a formar-se na vigência da lei nova, pelo menos, quando estão em causa impostos directos relativos ao rendimento (como é claramente o caso dos presentes autos)».( [2] )

Fora do âmbito da retroactividade autêntica, a protecção da confiança na manutenção de um determinado regime fiscal, apenas será incompatível com o princípio do Estado de Direito democrático quando for materialmente injustificada e não ocorrerem razões de interesse geral que reclamem a alteração legislativa e o encargo para o contribuinte não se mostrar desproporcionado.

Ora, tendo em consideração o contexto de enorme crise das finanças públicas, que é consabido que se vivia em 2011, em que o país estava sujeito às consequências de um resgate financeiro que lhe impunha o acatamento constante da pressão dos credores internacionais, que impunham uma rápida redução do défice das finanças públicas, não pode considerar-se inadequada a diminuição da relevância dos benefícios fiscais que se concretizou no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC.

Na verdade, sendo uma realidade indelével a necessidade de rápida obtenção de receitas fiscais, é menos gravoso, a nível da frustração de expectativas em matéria de tributação do rendimento, reduzir benefícios fiscais do que agravar a normal tributação dos rendimentos, pois aqueles configuram situações de discriminação positiva em relação generalidade dos cidadãos, a nível do princípio básico da tributação do rendimento, que é o da capacidade contributiva.

Por isso, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, ao alterar o artigo 92.º do CIRC não viola o princípio constitucional da confiança, nem a regra do artigo 11.º, n.º 1, da LGT.

 Conclui-se, assim, que, no exercício de 2011, a Requerente deveria ter observado o limite de 10% estabelecido no art. 92.º, n.º 1, CIRC, não podendo esse limite ser ultrapassado dado que o RFAI não estava contemplado no n.º 2 do mesmo artigo e que a limitação efectuada pela Lei n.º 55-A/2010 à relevância de benefícios fiscais não afecta qualquer princípio constitucional, designadamente os invocados pela Requerente.

 

4.3. Relevância do SIFIDE para determinação do limite de 90% previsto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC

 

4.3.1. A questão a decidir

 

As Partes identificam duas grandezas a comparar para efeitos do artigo 92.º, n.º 1:

A «primeira grandeza» é «o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo», que se reconduz ao IRC resultante da aplicação da taxa ou taxas (incluindo derrama estadual) de IRC à respectiva matéria colectável (o IRC liquidado de que fala o n.º 1 do artigo 90.º do CIRC), abatido de créditos de imposto para eliminação de dupla tributação internacional e de benefícios fiscais que operam por dedução à colecta (a que se reportam as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC) (como refere a Requerente no artigo 75.º da petição inicial).

A «segunda grandeza» que as Partes referem é a de «90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º».

Quanto a esta «segunda grandeza», as Partes estão de acordo quanto à relevância do SIDIFE e dos benefícios fiscais contratuais para a determinar: a Autoridade Tributária e Aduaneira incluiu estes valores na coluna respeitante à «aplicação do art.92 do CIRC» do quadro que se reproduziu na alínea m) da matéria de facto fixada e a Requerente diz repetidamente que concorda ( [3] ).

Independentemente das razões pelas quais cada uma das Partes defende a relevância do SIFIDE e dos benefícios fiscais contratuais, não é imputado qualquer vício à actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira por violação dessa parte do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC, pelo que deve considerar-se processualmente assente que essa parte da actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira está em sintonia com a lei.

Assim, a controvérsia entre as Partes restringe-se, quanto ao artigo 92.º, à consideração do SIFIDE e dos benefícios fiscais para o efeito de determinar a «primeira grandeza» referida, que é «o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo».

 

4.3.2. Decisão da questão do vício imputado ao acto impugnado relativamente à aplicação do artigo 92.º do CIRC

 

O art. 92.º, n.º 1, CIRC estabelece que o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais.

Decorre linearmente do texto do desta norma que as deduções relativas aos benefícios fiscais referidos no artigo 90.º, n.º 1, alínea b) (os que operam por dedução a colecta) devem ser eliminadas para efeitos da determinação dessa «primeira grandeza».

Na verdade, o SIFIDE e os benefícios fiscais contratuais referidos nos autos operam por dedução a colecta, sendo este um ponto sobre o qual não há controvérsia. Por isso, são abrangidos pelo teor literal da referência à alínea b) do n.º 2 do artigo 90.º que se faz no n.º 1 do artigo 92.º.

 Assim, a letra do n.º 1 aponta no sentido propugnado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente defende que a exclusão do SIDIFE e dos benefícios fiscais contratuais do cálculo desta «primeira grandeza» resulta do n.º 2 do artigo 92.º, que estabelece que «excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais...».

No entanto, correctamente interpretado, o teor literal do n.º 2 do artigo 92.º não contraria a interpretação feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira, antes a corrobora.

Estruturalmente, as normas jurídicas contêm, em regra, uma previsão, hipótese ou pressuposto e uma estatuição, dispositivo, preceito, efeito jurídico ou consequência jurídica. Na primeira indicam-se o facto ou conjunto de factos que desencadeiam a segunda.

Dissecando a norma do artigo 92.º, n.º 1, detecta-se que

– a hipótese (o que desencadeia a consequência jurídica), é os sujeitos passivos de IRC usufruírem de benefícios fiscais e outros regimes aí indicados que reduzem a colecta de IRC em mais de 90.º do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo;

– a estatuição (a consequência jurídica desencadeada pela verificação dessa hipótese) é o montante do imposto a liquidar passar a ser 90% do que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º.

 

A referência ao «disposto no número anterior», que se faz no n.º 2 do artigo 92.º, aponta literalmente no sentido de a exclusão que se prevê se reportar à parte dispositiva e não à previsão do n.º 1.

Com feito, se se pretendesse aludir à previsão deste n.º 1, a fórmula adequada para exprimir o pensamento legislativo seria «excluem-se do previsto no número anterior os seguintes benefícios fiscais...», o que teria como efeito afastar os benefícios fiscais nele indicados de tudo o que estabelece no n.º 1, já que, afastada uma situação da previsão de norma, está necessariamente excluída da sua estatuição.

Assim, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) é de concluir que o n.º 2 do artigo corrobora a conclusão a que chegou a Autoridade Tributária e Aduaneira decorrente do teor literal do n.º 1.

«Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento». ( [4] )

Assim, os elementos literais dão apoio à tese da Autoridade Tributária e Aduaneira.

A razão de ser do n.º 2, não justifica uma interpretação diferente da que resulta do teor literal.

Na verdade, o objectivo do n.º 2, ao excluir os benefícios fiscais aí arrolados da estatuição do n.º 1, é apenas estabelecer que esses benefícios fiscais não sofrem limitação, pelo que, mesmo que da sua aplicação resulte que o IRC apurado é inferior à percentagem referida no n.º 1, não há qualquer redução nesses benefícios fiscais.

Não corresponde à realidade a afirmação da Requerente de que a lei «expressamente afasta os benefícios contratuais e o SIFIDE do tecto que estabelece», pelo menos com o sentido que a Requerente pretende, que é o de que o SIFIDE não pode influenciar a determinação do limite da relevância de outros benefícios fiscais. São coisas diferentes estar abrangido pelo limite e ter relevância para o determinar.

Mas, não se depreende do n.º 2 do artigo 92.º, que os benefícios fiscais aí indicados devam ser neutros para efeitos da aplicação do n.º 1, designadamente que não devam ser considerados como deduções previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º ou que não devam ser considerados benefícios fiscais.

Aliás, o próprio facto de haver acordo das Partes quanto à relevância desses benefícios fiscais referidos no n.º 2 do artigo 92.º para determinar a «segunda grandeza», basta para concluir que, em coerência, à face da interpretação da própria Requerente, não está legislativamente consagrada essa alegada neutralidade.

Por outro lado, não se detectam razões que justifiquem a adopção de uma interpretação diferente daquela para que aponta o teor literal, designadamente a nível da congruência e razoabilidade da solução par que este teor aponta.

É certo que, como refere a Requerente, através da ponderação dos benefícios fiscais indicados no n.º 2 do artigo 92.º para determinação do limite que resulta do seu no n.º 1, outros benefícios fiscais poderão sofrer uma limitação superior à que teriam se os primeiros não fossem considerados. Isto é, no caso em apreço, por existirem SIFIDE e benefícios fiscais contratuais (indicados no n.º 2), o benefício fiscal do RFAI pode será mais reduzido do que seria se aqueles primeiros benefícios fiscais não fossem considerados.

Mas, nisso não há qualquer incongruência, pois, desde logo, a limitação da generalidade dos benefícios fiscais não previstos no n.º 2 do artigo 92.º é precisamente o efeito que se pretende obter com o n.º 1 deste artigo.

Para além disso, nos casos em que existem benefícios fiscais indicados no n.º 2 do artigo 92.º concomitantemente com outros, apesar de não se querer afectar a relevância dos primeiros, eles não deixam de afectar a obtenção de receitas e, consequentemente, de dificultar o objectivo primacial do Orçamento do Estado para 2011, que é progredir no caminho para a consolidação das finanças públicas e assegurando um determinado nível de receitas, através de uma taxa de tributação efectiva de 22,5%. ( [5] ) E, por isso, sintoniza-se com este desígnio e afigura-se razoável e equilibrada uma solução legislativa que se reconduz a que, quando há concorrência de benefícios fiscais ilimitáveis e limitáveis (à face da perspectiva plasmada no artigo 92.º), sendo maior o efeito negativo para a obtenção de receitas, seja também maior a limitação dos limitáveis. Neste contexto é de notar que, por existirem benefícios fiscais ilimitados, a taxa de tributação é, mesmo com aplicação do artigo 92.º do CIRC nos termos em que foi feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira, consideravelmente inferior à legislativamente pretendida, pois é de 14,78% ( [6] ), pelo que não é detectável que a interpretação subjacente ao acto impugnado esteja em desarmonia com a ratio legis subjacente às alterações introduzidas naquele artigo.

No caso em apreço, constatando-se que o valor de € 2.086.114, 61 da correcção baseada no artigo 92.º é inferior ao valor de € 3.794.235,87 do RFAI (benefício fiscal limitável por não estar excluído pelo n.º 2 do artigo 92.º), tem de se concluir que o SIDIFE e os benefícios fiscais contratuais foram deduzidos sem qualquer limitação e o RFAI foi ainda parcialmente relevante.

Pelo exposto, entende-se que é correcta a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira assumida no acto, pelo que também improcede o pedido de pronúncia arbitral nesta parte.

 

5. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

Improcedendo os pedidos de declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação, improcedem também os pedidos de reembolso da quantia paga, na parte correspondente as ilegalidades invocadas no presente processo.

Da mesma forma, improcede o pedido de juros indemnizatórios, que tem como pressuposto o acto de liquidação enfermar de erro imputável aos serviços (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).

 

6. Decisão

 

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2014 …, e dos correspondentes juros compensatórios, relativa ao exercício de 2011;
  2. Julgar improcedente o pedido de reembolso de quantia paga e de juros indemnizatórios.

 

7. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.208.268,41.

 

8. Custas

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 28 764,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 05-05-2015

 

Os Árbitros

(Jorge Lopes de Sousa)

(António Martins)

(Luís Menezes Leitão)

 



[1]              Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 26-02-2014, processo n.º 0481/13; de 12-03-2014, processo n.º 01916/13; de 21-01-2015, processo n.º 0843/14; de 21-01-2015, processo n.º 0703/14; de 14-03-2015, processo n.º 01529/14; de 11-5-2016, processo n.º 0704/14; de 22-3-2017, processo n.º 0471/14; de 5-4-2017, processo n.º 0399/15.

( [2] )         Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/2010, de 27-10-2010.

( [3] )         Nos artigos 85.º, 86.º do pedido de pronúncia arbitral a Requerente diz:

«A AT nos cálculos desta segunda grandeza já não desobedece ao prescrito no n.º 2 do artigo 92.º do CIRC – cfr. a dedução do SIFIDE e dos benefícios contratuais nos cálculos da coluna (4), epigrafada de “Aplicação do art. 92 do CIRC”, no quadro da p 13 do RIT»;

«Em síntese, em termos do texto legal que supostamente está a aplicar, a AT desobedece à primeira grandeza (IRC liquidado ajustado) e obedece quanto à segunda grandeza (IRC mínimo)».

No artigo 158.º das alegações a Requerente diz:

«... uma vez que o n.º 2 do artigo 92.º exclui o SIFIDE e os benefícios contratuais, não se deve ficcionar, i.e., deve ter-se em conta estes dois benefícios, quando do cálculo desta segunda grandeza».

( [4] )         Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.

( [5] )         Como se refere no ponto III.2.2.6. do Relatório do Orçamento do Estado para 2011, com a alteração ao artigo 92.º do CIRC, «aponta-se para uma taxa de tributação efectiva de 22,5% e reproduz-se no âmbito do IRC uma regra de moralização semelhante à que se introduz em sede de IRS».

( [6] )         Como consta da declaração junta como documento n.º 6 ao pedido de pronúncia arbitral, a matéria colectável é de €161.307.727,88; pelo quadro que consta da alínea m) da matéria de facto fixada verifica-se que, a colecta mínima após aplicação do artigo 92.º do CIRC é € 23.835.176,15.