Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 103/2018-T
Data da decisão: 2018-11-13  Selo  
Valor do pedido: € 2.046.052,39
Tema: Imposto do Selo - Taxa de Serviço do Comerciante; Taxa Multilateral de Intercâmbio e comissões interbancárias; Aplicação da lei fiscal no tempo.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor António Menezes Cordeiro e Prof. Doutor Sérgio Vasques, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-06-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A..., S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa colectiva..., com sede na Rua ..., n.º..., no Porto (...-...) (doravante designada como “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade do referido acto tributário com o n.º 2017..., consubstanciado na liquidação adicional Imposto do Selo (IS) n.º 2017..., de 12-01-2017 e respectivas liquidações de juros compensatórios, da mesma data, todas referentes ao ano de 2014, e, bem assim, da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa n.º ...2017... .

A Requerente pede ainda indemnização pela prestação de garantia indevida.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-03-2018.

Em 15-05-2018, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 06-06-2018.

A AT apresentou resposta em que defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 10-07-2018 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações facultativas.

As Partes apresentaram alegações e juntaram documentos.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente é uma instituição de crédito, cujo objecto social consiste no exercício, como actividade principal, de “Outra Intermediação Monetária” e, como actividade secundária, de “Actividades de Factoring”;
  2.  A coberto da OI2016..., relativa ao exercício de 2014, foi realizada uma acção inspectiva externa de âmbito geral realizada pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes à escrita do Requerente relativamente ao exercício de 2014;
  3. Dessa acção inspectiva resultaram correções ao Imposto do Selo apurado pelo Requerente no montante total de € 1.873.393,61, designadamente:

(i) Correcção no montante de € 6.768,36, referente a imposto relativo ao prémio do Concurso 200 contos - Universo;

(ii) Correcção no montante de € 448.273,60, respeitante a imposto sobre outras comissões e contraprestações por serviços financeiros – taxa de serviço do comerciante;

(iii) Correcção no montante de € 1.418.351,65, respeitante a outras comissões e contraprestações por serviços financeiros – taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s, quer para pagamentos quer para levantamentos com cartões (Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

  1.  As correcções efetuadas deram origem à liquidação de Imposto do Selo n.º 2017..., no valor de € 1.873.393,61 e às liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... e 2017..., no valor global de € 179.427,14, tudo no montante total de € 2.052.820,75 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2.  Com vista à cobrança coerciva daquela quantia, foi instaurado pelo Serviço de Finanças do Porto-... o processo de execução fiscal n.º ...2017..., após o que o Requerente prestou a garantia bancária n.º .../2017, do Banco B..., S.A., datada de 20-03-2017, tendo em vista a suspensão daquele processo de execução fiscal (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Das correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária, o Requerente não contesta a referente ao Imposto do Selo liquidado sobre o prémio do Concurso 200 contos - Universo, no montante de € 6.768,36, acrescido dos respetivos juros compensatórios;
  4.  No Relatório da Inspecção Tributária, formulam-se as seguintes conclusões, sobre a correção no montante de € 448.273,60:

II.2.2 - Outras Comissões e contraprestações por serviços financeiros - taxa de serviço do comerciante (n.º 1 do art.º 1º, n.º 1 do art.º 9.º e n.º 1 do art.º 22.º, todos do CIS e verba 17.3.4 da TGIS) - €448.273,60.

(...)

e) Da síntese conclusiva

Face ao exposto, somos a concluir que:

1. A TSC é uma comissão que é cobrada pela entidade prestadora do serviço de pagamento automático (o A...) ao beneficiário da transferência (o comerciante), sobre as vendas liquidadas por cartão bancário, de forma a retribuir o A... nas operações de pagamento baseadas em cartões (tendo subjacente a transferência de fundos da conta do cliente/consumidor final para a conta do comerciante);

2. O A... não procede para a TSC a qualquer liquidação de imposto;

3. O próprio Banco de Portugal (entidade de supervisão) considera a TSC uma comissão;

4. A TSC estando sujeita a IVA, encontra-se dele isenta, por se enquadrar na subalínea c) da alínea 27) do art.º 9.º do CIVA;

5. Estando isenta de IVA, a TSC encontra-se sujeita a Imposto do selo, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artº 1.º do CIS;

6. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º do CIS - "Incidência subjetiva", são sujeitos passivos de imposto as "Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", competindo-lhes pelo n.º 1 do art.º 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do art.º 44.º, todos do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado;

7. De acordo com o disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 3.º do CIS, nas "...restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras...", quem suporta o encargo do imposto é o cliente (neste caso os comerciantes que utilizam o Serviço de Pagamento Automático);

8. Por sua vez, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas "...operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações ...";

9. Nos termos do n.º 1 do art.º 9º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS;

10. O n.º 1 do art.º 22º do CIS, remete as taxas de imposto a aplicar para a TGIS;

11. A comissão TSC tem pleno cabimento na verba 17.3.4 da TGIS, por ser uma comissão cobrada pela entidade prestadora do serviço automático (o A...) ao comerciante;

12. Esta comissão não se encontra abrangida pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

 

Face ao que antecede, na medida em que, conforme supra referido, o A... entende que existe «ausência de tributação da TSC quer em sede de IVA, quer em sede de IS», e uma vez que, conforme acima demonstrado, o A... deveria ter liquidado Imposto do Selo relativamente às comissões TSC cobradas aos Comerciantes pela utilização de Terminais de Pagamento Automático, foi, ao abrigo do princípio de colaboração plasmado nos números 1 e 4 do art.º 59.º da Lei Geral Tributária e princípio de cooperação consagrado nos artigos 9.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), o A... convidado a apurar o montante de Imposto do Selo a liquidar mensalmente relativamente a estas comissões.

Com efeito, na medida em que os diversos elementos (dados/informações) que possibilitam o cálculo se encontram na posse do A..., solicitou-se, através de notificação de 2016-09-27, a discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Selo que (o A...) teria apurado, tendo por base a taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da TGIS, caso não tivesse considerado que as comissões "Taxa de Serviço do Comerciante" estavam (i) isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7.º do respetivo Código ou (ii) fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto.

Contudo o Banco não procedeu à discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Selo que teria apurado (caso não tivesse considerado as respetivas comissões como isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7.º do respetivo Código ou fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto), alegando que "Tendo em conta a exclusão de tributação, em sede de Imposto do Selo, da TSC nos termos da Verba 17.3.4 da TGIS, a legislação não prevê qualquer obrigação de elaboração dos cálculos solicitados".

Deste modo, tendo o Banco informado que (i) em 2014 não liquidou Imposto do Selo sobre as comissões "Taxa de Serviço do Comerciante" cobradas aos comerciantes por utilização dos TPA e, convidado a efetuar o cálculo do Imposto de Selo em falta, informou que (ii) "Tendo em conta a exclusão de tributação, em sede de Imposto do Selo, da TSC nos termos da Verba 17.3.4 da TGIS, a legislação não prevê qualquer obrigação de elaboração dos cálculos solicitados", outra solução não resta aos Serviços de inspeção Tributária que não seja, com base na discriminação mensal das comissões "Taxa de Serviço do Comerciante" cobradas - informação esta que foi facultada pelo A... aos Serviços de Inspeção Tributária -, proceder ao apuramento do respetivo Imposto do Selo a liquidar.

Face ao que antecede, tendo por base a informação mensal das comissões "Taxa de Serviço do Comerciante" cobradas disponibilizada pelo Banco, a Inspeção Tributária apurou Imposto do Selo em falta, no montante de € 448.273,60, em resultado da aplicação da taxa de 4%, prevista na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), sobre a base tributável da comissão intitulada "Taxa de Serviço do Comerciante", no valor total de 11.206.839,10.

De forma a dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 44.º do CIS, o Imposto do Selo apurado em falta deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído.

O Imposto do Selo apurado em falta, repartido mensalmente por mês de cobrança, é apresentado no quadro infra.

 

 

 

 

  1.  No Relatório da Inspecção Tributária, formulam-se as seguintes conclusões, sobre a correção no montante de € 1.418.351,65:

III.2.3. Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros - Taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s quer para pagamentos quer para levantamentos com cartões (n.º 1 do art.º 1.º, n.º 1 do art.º 9.º e n.º 1 do art.º 22.º, todos do CIS e verba 17.3.4 da TGIS) - €1.418.351,65

(...)

 Da síntese conclusiva

Face ao exposto, somos a concluir que:

1. As comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários, são comissões cobradas entre bancos [detentores de ATM ou emissores de cartões bancários];

2. O A... não procedeu a qualquer liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões TMI ou sobre as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários;

3. As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários encontrando-se sujeitas a IVA, encontram-se deste isentas, nos termos da subalínea c) da alínea 27) do artº 9.º do CIVA;

4. Estando isentas de IVA, as comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) encontram-se sujeitas a Imposto do Selo, nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 1.º do CIS;

5. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º do CIS - "Incidência subjetiva", são sujeitos passivos de imposto as "Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", competindo-lhes pelo n.º 1 do art.º 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do art.º 44.º, todos do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado.

6. De acordo com o disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 3.º do CIS, nas "...restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras...", quem suporta o encargo do imposto é o cliente (neste caso a outra instituição financeira ou instituição de crédito);

7. Por sua vez, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas "...operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações"...";

8. Nos termos do n.º 1 do art.º 9.º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS;

9. O n.º 1 do art.º 22.º do CIS, remete as taxas de Imposto para a TGIS;

10. As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões (como as acima referidas) têm pleno cabimento na verba 17.3.4 da TGIS;

11. As comissões acima referidas não se encontram abrangidas pela Isenção contemplada na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

 

Face ao que antecede, na medida em que, conforme supra referido, tendo-se questionado o A... sobre se, relativamente ao exercício de 2014, foi liquidado Imposto do Selo sobre o valor das comissões acima referidas e tendo, em resposta o A... esclarecido que aquelas comissões se encontravam excluídas de tributação em sede de Imposto do Selo, e uma vez que, conforme acima demonstrado, o A... deveria ter liquidado Imposto do Selo relativamente as estas comissões, foi, ao abrigo do princípio de colaboração plasmado nos números 1 e 4 do art.º 59.º da Lei Geral Tributária e princípio de cooperação consagrado nos artigos 9.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), o A... convidado a apurar o montante de Imposto do Selo a liquidar mensalmente relativamente a estas comissões.

Com efeito, na medida em que os diversos elementos (dados/informações) que possibilitam o cálculo estavam na posse do A..., solicitámos-lhe que efetuasse uma "discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Selo que o A... teria apurado, tendo por base a verba 17.3.4 da TGIS, caso não tivesse considerado que as comissões (...) [acima referidas] estavam (i) isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7º do respetivo Código ou (ii) fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto".

Contudo o Banco não procedeu à discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Selo que teria apurado (caso não tivesse considerado as respetivas comissões como isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7.º do respetivo Código ou fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto), alegando que "Tendo em conta a exclusão de tributação, em sede de imposto do Selo, (...) [da Multilateral Interchange Fee, Interchange Fee relativa a pagamentos de serviços e Interchange Fee relativa a levantamentos] nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, a legislação não prevê qualquer obrigação de elaboração dos cálculos solicitados.".

Deste modo, tendo o Banco informado que (i) em 2014 não liquidou Imposto do Selo sobre as comissões aqui em apreço e, convidado a efetuar o cálculo do Imposto de Selo em falta, referiu que (ii) "a legislação não prevê qualquer obrigação de elaboração dos cálculos solicitados...", outra solução não resta aos Serviços de Inspeção Tributária que não seja, com base na discriminação mensal das comissões (acima referidas) cobradas em 2014 - informação esta que foi facultada pelo A... aos Serviços de Inspeção Tributária -, proceder ao apuramento do Imposto do Selo a liquidar.

Face ao que antecede, tendo por base a informação mensal das comissões (acima referidas) cobradas em 2014, apurou-se Imposto do Selo em falta, no montante de € 1.418.351,65, em resultado da aplicação da taxa de 4%, prevista na verba 17.3.4. da TGIS, a base tributável das comissões (melhor identificadas supra e no quadro infra) cobradas pelo A..., no valor total de € 35.458,790,86.

De forma a dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 44.º do CIS, o Imposto do Selo apurado em falta deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído.

 

 

  1. Em 10-07-2017, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra a referida liquidação reclamação graciosa que foi instaurada sob o n.º ...2017...;
  2.  Em 13-11-2017, o Requerente foi notificado do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que foi convertido em definitivo (documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. Uma operação em Terminal de Pagamento Automático (TPA) processa-se da seguinte forma («Terminais de Pagamento e Caixas Automáticas», Caderno n.º 10, Banco de Portugal, página 7):
  • O titular do cartão dá uma ordem de pagamento relativa à liquidação de uma compra (dívida) ao comerciante, através da utilização do seu cartão no TPA e da marcação do código secreto (autenticação);
  • A informação é transmitida pelo adquirente (acquirer) ao emissor do cartão, pedindo autorização;
  • O emissor do cartão dá uma “garantia” de pagamento através de uma autorização;
  • O adquirente (acquirer) paga ao comerciante e cobra-lhe uma comissão (taxa de serviço do comerciante);
  • O adquirente (acquirer) é depois reembolsado pelo emissor do cartão e paga-lhe uma comissão (taxa multilateral de intercâmbio ou multilateral interchange fee);
  • O emissor do cartão cobra ao titular do cartão o valor da transação;

 

  1. O adquirente (acquirer) é a entidade que adquire o crédito dos comerciantes que aceitam pagamentos com cartões de crédito e de débito. O adquirente (acquirer) contrata com o comerciante a aceitação de pagamentos com cartões das marcas que representa e obtém do emissor do cartão a autorização para a realização da transação pelo cliente titular do cartão («Terminais de Pagamento e Caixas Automáticas», Caderno n.º 10, Banco de Portugal, páginas 7-8);
  2. Posteriormente, o Banco emissor do cartão líquida o crédito junto do adquirente;
  3. Qualquer operação em TPA compreende, designadamente, a prévia prestação de serviços de disponibilização/aluguer do equipamento, pagando o comerciante pelo aluguer do equipamento e, numa fase posterior, pelo serviço de transmissão, gestão, mensalidades de linhas, matrículas, taxas de ligação e comissões por outros serviços adicionais;
  4. O valor de taxas de serviço de comerciante cobradas em valor inferior a € 0,125 ascende a um montante não inferior a € 11.781,00, não tendo a SIBS conseguido fornecer o detalhe transação a transação, de forma isolada, atendendo ao volume da informação em causa, não obstante o pedido do Requerente nesse sentido (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com as alegações do Requerente e afirmação deste, não impugnados);
  5. O valor de taxas de serviço de comerciante cobradas a clientes isentos ascendeu a € 159.044,00 (documento n.º 6 junto com as alegações do Requerente, não impugnado);
  6. O valor de taxas multilaterais de intercâmbio cobradas em valor inferior a € 0,125 ascende a um montante não inferior a € 2.250.130,00 (documento n.º 6 junto com as alegações do Requerente, não impugnado);
  7. O valor de taxas multilaterais de intercâmbio cobradas a clientes isentos ascende a um montante não inferior a € 1.097.516,00 (documento n.º 6 junto com as alegações do Requerente e afirmação deste, não impugnados);
  8. O valor de taxas multilaterais de intercâmbio autocobradas ascende a um valor não inferior a € 2.412.489,00 (documento n.º 6 junto com as alegações do Requerente, não impugnado);
  9. O Requerente prestou garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança das quantias liquidadas (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  10. Em 12-03-2018, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2 Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

            Não se provou o montante exacto das taxas de serviço de comerciante e taxas multilaterais de intercâmbio cobradas em valor inferior a € 0,125.

            Os factos foram dados como provados com base nos documentos que se referem e em afirmações do Requerente não impugnadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

            3. Matéria de direito

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções ao Imposto do Selo apurado pela Requerente no ano de 2014, entendendo que deveria ter liquidado Imposto do Selo, aplicando a verba 17.3.4 da TGIS, no âmbito da sua actividade relativamente à “Taxa de Serviço do Comerciante” (TSC) e à taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s, quer para pagamentos quer para levantamentos com cartões.

            A Requerente defende no presente processo, em suma, que, não há lugar a pagamento de Imposto do Selo relativamente a estas taxas e que, a existir, não será sobre ela que recai a obrigação de liquidação.

 

           

3.1. Questão da inexistência de responsabilidade na esfera do Requerente

 

A primeira questão colocada pela Requerente é a de saber se pode ser responsabilizada pelo pagamento do imposto do Selo.

A Requerente defende, em suma, a estar-se perante operações tributadas em Imposto do Selo, a Requerente não é titular do interesse económico, sendo titulares desse interesse económico:

– os comerciantes, no caso da Taxa de Serviço de Comerciante (TSC), na medida em que beneficiam economicamente por a operação se processar através do terminal de pagamento disponibilizado pelo Requerente, assim obtendo, de imediato, a garantia do pagamento do bem ou serviço por si disponibilizado;

– os comerciantes, no caso da Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI), no caso de uma operação em TPA, na medida em que a TMI integra a TSC;

– os titulares do cartão, no caso de uma operação em ATM, pois neste caso, é o banco emissor do cartão que paga ao banco adquirente (Requerente) a Taxa Multilateral de Intercâmbio;

– a presente situação configura um caso de substituição sem retenção, não sendo, por conseguinte, aplicável o artigo 28.º da LGT, o qual prevê que o substituto tributário fica responsável pelas importâncias retidas e não entregues;

– o Requerente limitou-se a efetuar o desconto, e apenas esse valor, não reteve quaisquer valores a título de imposto, correspondendo as quantias descontadas, em valores nominais, ao valor da taxa de serviço de comerciante;

– será ilegal o ato tributário impugnado, na medida em que daquele resulta a oneração do Requerente com o encargo do imposto, em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea g), do CIS, bem como do artigo 28.º da LGT.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo que o Imposto os Selo não é exigido ao Requerente no âmbito de substituição tributária, mas sim por ser sujeito passivo do imposto, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), d0 CIS.

            No entanto, no Relatório da Inspecção Tributária não se faz referência à alínea c), mas sim à alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, pelo que, não sendo relevante fundamentação a posteriori ( [1] ), é à face desta fundamentação de direito que há que apreciar se a Requerente é sujeito passivo do imposto.

Este artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do CIS estabelece que «são sujeitos passivos do imposto (...) entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações».

No Relatório da Inspecção Tributária afirma-se que o Requerente tinha o dever de liquidar e entregar o Estado o Imposto do Selo «nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º do CIS - "Incidência subjetiva", são sujeitos passivos de imposto as "Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", competindo-lhes pelo n.º 1 do art.º 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do art.º 44.º».

O Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, não questiona sequer o enquadramento da sua situação nestas normas, reconhecendo expressamente no seu artigo 20.º que, «de facto, o Requerente será o sujeito passivo do imposto, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS».

Assim, sendo sujeito do passivo do imposto, compete ao Requerente a liquidação do imposto, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 23.º do CIS, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, se se encontrar em alguma das situações em que é devido Imposto do Selo.

Não é relevante, assim, para afastar a incidência subjectiva, apurar se o Requerente é sujeito passivo na qualidade de contribuinte directo ou substituto (duas das categorias previstas no n.º 3 do artigo 18.º da LGT), pois, em qualquer caso, independentemente de saber quem detém a titularidade do interesse económico da operação, é sobre o Requerente que recai o ónus de liquidar e é apenas a ele e não aos titulares dos cartões ou aos comerciantes que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode exigir o pagamento do imposto. ( [2] )

Por outro lado, de harmonia com o disposto na alínea h) do artigo 5.º do CIS, nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas a obrigação tributária considera-se constituída no momento da cobrança das comissões e contraprestações, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira podia exigir o pagamento do Imposto do Selo.

Resulta deste regime que se está, nas relações entre a Requerente e as entidades a quem cobra comissões ou contraprestações, não perante situação de substituição tributária (que se efectua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT) mas sim perante situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto, sendo este, por facilidade de cobrança, exigido a quem não é o titular do interesse económico, mas está numa situação em que lhe é possível transferir o encargo para a esfera do titular do interesse económico no âmbito das suas relações privadas com este, ficando na disponibilidade do sujeito passivo efectuar ou não essa transferência, através da inclusão ou não do valor do imposto nos preços dos bens que lhe transmite ou dos serviços que lhe presta. ( [3] )

Em situações deste tipo, «o único responsável tributário, perante o Estado, pela falta de imposto liquidado é, em caso de divergência entre a pessoa que figura como sujeito passivo e a que figura como titular do interesse económico que tem o encargo do imposto, o sujeito passivo, e Não o repercutido ou o titular daquele interesse económico (acórdão arbitral proferido no processo n.º 496/2017-T).

Assim, nem a alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS nem o artigo 28.º da LGT são obstáculo à exigência do imposto ao Requerente (se se apurar que deve existir tributação).

Pelo exposto, a liquidação impugnada não enferma do vício que o Requerente lhe imputa, por hipotética violação das normas sobre a incidência subjectiva do Imposto do Selo.

 

 

3.2. Questão da taxa de serviço do comerciante (TSC)

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária, sobre a incidência objectiva do Imposto do Selo sobre a TSC que:

  • A TSC é uma comissão que é cobrada pela entidade prestadora do serviço de pagamento automático (o A...) ao beneficiário da transferência (o comerciante), sobre as vendas liquidadas por cartão bancário, de forma a retribuir o A... nas operações de pagamento baseadas em cartões (tendo subjacente a transferência de fundos da conta do cliente/consumidor final para a conta do comerciante);
  •  O A... não procede para a TSC a qualquer liquidação de imposto;
  • O próprio Banco de Portugal (entidade de supervisão) considera a TSC uma comissão;
  • A TSC estando sujeita a IVA, encontra-se dele isenta, por se enquadrar na subalínea c) da alínea 27) do art.º 9.º do CIVA;
  • Estando isenta de IVA, a TSC encontra-se sujeita a Imposto do selo, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artº 1.º do CIS;
  • a alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS estabelece que o nascimento da obrigação tributária ocorre nas "...operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações ...";
  • nos termos do n.º 1 do art.º 9º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS;
  • o n.º 1 do art.º 22º do CIS, remete as taxas de imposto a aplicar para a TGIS;
  • a comissão TSC tem pleno cabimento na verba 17.3.4 da TGIS, por ser uma comissão cobrada pela entidade prestadora do serviço automático (o A...) ao comerciante;
  • esta comissão não se encontra abrangida pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

 

 

3.2.1. Erro de interpretação do n.º 2 do artigo 1.º do CIS

 

O Requerente entende que há «errónea interpretação do n.º 2 do artigo 1.º do CIS» porque não se pode extrair do artigo 1.º, n.º 2, do CIS que as operações que estejam isentas de IVA estão necessariamente sujeitas a Imposto do Selo, mas apenas que uma mesma operação não pode ser tributada cumulativamente em IVA e Imposto do Selo.

Esta afirmação de que do artigo 1.º, n.º 2, do CIS apenas pode concluir-se que uma mesma operação não pode ser tributada cumulativamente em IVA e Imposto do Selo é verdadeira O Requerente tem razão quanto a esta afirmação e ponto, o que é reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 57.º da sua resposta.

Porém, como também refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, «não é apenas esse o artigo invocado para convocar a tributação» e «é também referido pelos serviços de inspecção o nº 1 do mesmo artigo (a norma de sujeição objectiva), complementada com a referência à verba 17.3.4 da TGIS, que consubstancia o referido nº 1 do artigo 1º do CIS, ainda se acrescentando que não lhe aproveita a exclusão prevista no nº 2 do mesmo artigo, por se tratar de operação isenta de IVA».

Afigura-se claro que é correcta a interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira aqui defende.

Na verdade, ao dizer-se «estando isenta de IVA, a TSC encontra-se sujeita a Imposto do selo, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artº 1.º do CIS», desde logo que se depreende que a fundamentação não se restringe ao n.º 2, pois faz-se referência ao n.º 1, que estabelece que «imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens».

Por isso, a interpretação adequada é a de que a Autoridade Tributária e Aduaneira não entendeu que as operações estavam sujeitas a Imposto do Selo apenas por não serem tributadas em IVA, mas sim que, para além desta condição (delimitação negativa de incidência) era necessária a incidência resultante de previsão na Tabela Geral.

Confirmando que é esta interpretação correcta, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira se esforça nos pontos seguintes por demonstrar, invocando normas do CIS, que há lugar a tributação, incluindo uma norma da Tabela Geral, que é a verba 17.3.4. .

Por isso, devidamente interpretado o Relatório da Inspecção Tributária, não ocorre o erro de interpretação da lei que ao Requerente invoca.

 

3.2.2. Erro de enquadramento da TSC na verba 17.3.4.

 

A verba 17.3.4. prevê o pagamento de Imposto do Selo relativamente a «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros».

A Requerente defende que «não estamos diante de uma contraprestação de um serviço financeiro e que a TSC não tem a mesma causa que as comissões pelas prestações de serviços relacionadas com os terminais de pagamento automático, no âmbito das quais é liquidado IVA» e que «o valor recebido pelo adquirente não consubstancia uma comissão, por não estarmos sequer perante uma prestação de serviços».

A Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária, entendeu que a TSC se enquadra nesta verba por se tratar de uma «comissão»: «a comissão TSC tem pleno cabimento na verba 17.3.4 da TGIS, por ser uma comissão cobrada pela entidade prestadora do serviço automático (o A...) ao comerciante».

O Banco de Portugal é a entidade pública, com poderes regulamentares, a quem compete «regular, fiscalizar e promover o bom funcionamento dos sistemas de pagamento» (artigo 14.º da Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro), pelo que que a terminologia que divulga assume natural relevância interpretativa quando estão em causa conceitos jurídicos que divulga relacionados com a actividade das instituições bancárias, em sintonia com o preceituado no artigo 11.º, n.º 3, da LGT, que estabelece que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».

De qualquer forma, não há qualquer razão para que, sendo este o conceito publicamente divulgado de «comissão» pela entidade de supervisão se fosse utilizar outro sentido próprio para o direito fiscal, sem se fornecer uma definição própria alternativa.

De harmonia com o que foi divulgado pelo Banco de Portugal sobre a definição de conceitos próprias da actividade bancária e financeira, o conceito de «comissão» «corresponde a uma percentagem do valor de uma transacção como forma de remuneração pelos serviços de intermediação». ( [4] )

O Banco de Portugal utiliza expressamente o termo «comissão» para que designar a «taxa de serviço do comerciante», designadamente na página 7 do n.º 10 dos Cadernos do Banco de Portugal, «Terminais de Pagamento e Caixas Automáticos», na edição de Julho de 2014 ( [5] ) (ano a que se reporta o acto de liquidação), que é invocado neste processo por ambas as Partes.

No caso em apreço, nos termos do contrato de serviço de pagamento automático que foi apresentado pela Requerente à Inspecção Tributária, referido na página 40 do Relatório da Inspecção Tributária, a TSC «é calculada através de uma percentagem estipulada pelo Banco sobre a faturação com cartões multibanco, a Cláusula 10 das Condições Gerais do referido contrato determina que o Banco cobrará do comerciante, pela prestaçã0 deste serviço os seguintes valores e importâncias”, o que mostra que se está perante a forma de remuneração típica das comissões e a própria Requerente considera que a TSC é cobrada a título de contrapartida de «prestaçã0 deste serviço».

Para além disso, à face do Regime jurídico que regula o acesso à actividade das instituições de pagamento e a prestação de serviços de pagamento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro (que transpôs a Directiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno), esclarece que são «serviços de pagamento» as actividades enumeradas no artigo 4.º, em que se incluem a «execução de operações de pagamento, incluindo a transferência de fundos depositados numa conta de pagamento aberta junto do prestador de serviços de pagamento do utilizador ou de outro prestador de serviços de pagamento» e «a execução de operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou de um dispositivo semelhante» constituem «serviço de pagamento» [artigo 4.º, alíneas c) e d) subalínea ii)], no conceito de «prestador de serviços de pagamento» incluem-se as instituições de crédito [artigos 2.º, alínea i) e 7.º], pelo que, já à face da regulamentação vigente em 2014, a própria operação de pagamento pelo Requerente ao comerciante (com desconto da comissão que constitui a TSC), consubstancia um «serviço de pagamento».

Assim, a TSC visa remunerar o serviço financeiro que é prestado pela Requerente ao efectuar o pagamento ao comerciante, disponibilizando-lhe a quantia em causa, deduzida da TSC, não afastando esta realidade o facto de poder entender-se que, em termos civilísticos, ocorre uma cessão de créditos.

Por isso, é de concluir que, já antes de a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ter alterado a redacção da verba 17.3.4. da TGIS (que era «Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros»), a comissão que consubstancia a TSC já era tributada em Imposto do Selo, tendo o aditamento da expressão «incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões» intenção clarificadora, expressamente assumida com a atribuição de natureza interpretativa. ( [6] )

Por outro lado, auferindo a Requerente uma comissão pelo serviço financeiro prestado ao comerciante, existe subjacente à tributação em Imposto do Selo uma situação em que se revela capacidade contributiva, que é a disponibilidade da quantia recebida.

Para além disso, a tributação em causa nem tem forçosamente de afectar, pois a oneração pode ser transferida para a esfera patrimonial dos comerciantes seus clientes, através da repercussão.

De qualquer modo, não ocorre a alegada inconstitucionalidade daquela verba 17.3.4. por violação do princípio da capacidade contributiva, pois a tributação das empresas não tem de ser efectuada apenas com base no lucro, como se infere do texto do n. º 2 do artigo 104.º da CRP, ao estabelecer que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».

 

3.2.3. Questões conexionadas com as alterações introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março

 

Pelo que se referiu, a tributação da TSC no âmbito da verba 17.3.4. tem suporte exclusivamente na legislação vigente em 2014, pelo que não têm relevância para apreciação desta questão as alterações introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

Por isso, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das questões suscitadas relativamente a essas alterações (artigo 130.º do CPC).

 

3.2.4. Redução quantitativa da correcção relativa à TSC

 

A Requerente defende que, entendendo-se que a TSC está sujeita a Imposto do Selo, deveria a correcção ser reduzida aos casos em que a quantia a pagar é inferior a 0,125, pois a taxa a pagar, nos termos da verba 7.3.4 será 0 (zero), por arredondamento (valor inferior a 0,005 €).

No entanto, a Requerente não invoca qualquer suporte normativo para o arredondamento que refere, nem está previsto qualquer arredondamento em sede de liquidação de imposto do selo.

Improcede, assim, o pedido quanto a esta correcção quantitativa, por falta de fundamento legal.

 

 

3.2.5. Redução quantitativa por não sujeição da Imposto do Selo das TSC cobradas a entidades isentas

 

O Requerente defende que, nos termos do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, estão isentas de Imposto do Selo, designadamente, o Estado e seus organismos públicos, as pessoas coletivas de utilidade pública e as IPSS, e também, nos termos do artigo 66.º-A, n.º 12, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), estão isentas de Imposto do Selo as cooperativas. Por isso, entende a Requerente que não tinha de liquidar Imposto do Selo quanto às TSC cobradas a estas entidades.

Como resulta do teor expresso dos referidos artigos 6.º do CIS e 66.º-A, n.º 12, na redacção vigente em 2014, trata-se de isenções subjectivas que têm aplicação em sede de Imposto do Selo, «quando este constitua seu encargo».

A Autoridade Tributária e Aduaneira opõe-se a esta pretensão porque «o encargo do imposto de selo recai sobre o titular do interesse económico em cada uma das operações e não sobre os seus clientes, não podendo os operadores de pagamento repercutir esse encargo sobre estes».

No entanto, à face da legislação vigente em 2014, o imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º, entre as quais se incluem as previstas na Tabela Geral, e o cliente era o titular do interesse económico nas operações financeiras não especificadas realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras [artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea g), do CIS]. Só com a Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, se veio a estabelecer que são titulares do interesse económico «nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas» [alínea h) do n.º 3 do referido artigo 3.º].

Assim, tem fundamento esta pretensão da Requerente, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral, na parte respectiva (correcção relativa a TSC cobradas no valor de € 159.044,00, a que corresponde o Imposto do Selo à taxa de 4% no valor de € 6.361,76).

 

 

3.3. Questão da ilegalidade da liquidação de imposto do selo sobre a taxa multilateral de intercâmbio e comissões cobradas sobre operações efetuadas com cartões em caixas automáticos

 

As comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos (ATM ou multibanco) em operações com cartões bancários, são comissões cobradas entre bancos [detentores de ATM ou emissores de cartões bancários].

No âmbito dos procedimentos originados pelo pagamento de compras em Terminais de Pagamento Automático, descrito no ponto K. da matéria de facto fixada, depois do pagamento pelo adquirente (acquirer) ao comerciante, aquele é reembolsado e paga-lhe uma comissão (taxa multilateral de intercâmbio ou multilateral interchange fee).

Como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, com base na informação retirada do «Tarifário Interbancário do Sistema de Pagamentos MB» ( [7] ) «por outro lado, existindo um pagamento (por exemplo, da água, da eletricidade, ou de qualquer outro bem e/ou serviço) efetuado através dos ATM, é cobrada urna comissão peio Banco detentor do ATM ao Banco emissor do cartão bancário (seja de débito seja de crédito) pelo serviço prestado; e, de igual modo, quando o cliente de um banco procede ao levantamento de numerário numa caixa automática (ou ATM) pertencente a outro Banco [Banco detentor do ATM], este cobra uma comissão ao banco emissor do cartão bancário pelo serviço prestado com aquela operação. Estas são, pois, as comissões interbancárias cobradas pela utilização de CA em operações de pagamentos com cartões, de levantamentos de numerário, de consultas de saldos ou de movimentos, de carregamentos telemóveis, etc.».

O Requerente não procedeu a qualquer liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões TMI nem sobre as comissões interbancárias que cobrou pela utilização de Caixas Automáticas em operações efetuadas com cartões bancários.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção relativamente a estas comissões, por entender que elas também se enquadram na verba 17.3.4 da TGIS, dizendo o seguinte, em conclusão:

  • As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários encontrando-se sujeitas a IVA, encontram-se deste isentas, nos termos da subalínea c) da alínea 27) do artº 9.º do CIVA;
  • Estando isentas de IVA, as comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) encontram-se sujeitas a Imposto do Selo, nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 1.º do CIS;
  • Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º do CIS - "Incidência subjetiva", são sujeitos passivos de imposto as "Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", competindo-lhes pelo n.º 1 do art.º 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do art.º 44.º, todos do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado.
  • De acordo com o disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 3.º do CIS, nas "...restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras...", quem suporta o encargo do imposto é o cliente (neste caso a outra instituição financeira ou instituição de crédito);
  • Por sua vez, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas "...operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações"...";
  • Nos termos do n.º 1 do art.º 9.º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS;
  • O n.º 1 do art.º 22.º do CIS, remete as taxas de Imposto para a TGIS;
  • As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões (como as acima referidas) têm pleno cabimento na verba 17.3.4 da TGIS;
  •  As comissões acima referidas não se encontram abrangidas pela Isenção contemplada na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

 

 

 

3.3.1. Erro de interpretação do n.º 2 do artigo 1.º do CIS

 

 O Requerente defende também quanto a esta correcção que há erro de interpretação do n.º 2 do artigo 1.º do CIS, porque não se pode extrair do artigo 1.º, n.º 2, do CIS que as operações que estejam isentas de IVA estão necessariamente sujeitas a Imposto do Selo, mas apenas que uma mesma operação não pode ser tributada cumulativamente em IVA e Imposto do Selo.

Como se referiu no ponto 3.2.1., esta afirmação de que do artigo 1.º, n.º 2, do CIS apenas pode concluir-se que uma mesma operação não pode ser tributada cumulativamente em IVA e Imposto do Selo é verdadeira.

No entanto, pelo que nesse ponto se refere, a interpretação correcta dessa parte do Relatório da Inspecção Tributária é a de que Autoridade Tributária e Aduaneira não entendeu que as operações estavam sujeitas a Imposto do Selo apenas por não serem tributadas em IVA, mas sim que, para além desta condição (delimitação negativa de incidência) era necessária a incidência resultante de previsão na Tabela Geral.

Remete-se, assim, para o que se referiu nesse ponto 3.2.1., que tem aqui plena aplicação.

Por isso, esta correcção relativa a comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários, não enferma deste vício que o Requerente lhe imputa.

 

3.3.2. Erro de enquadramento das comissões TMI e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários na verba 17.3.4.

 

Como se referiu, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as comissões TMI (taxa multilateral de intercâmbio) e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários se enquadram na verba 17.3.4 da TGIS.

Trata-se de quantias cobradas entre entidades financeiras de cuja actividade concertada decorre a disponibilização aos seus clientes da possibilidade de efectuarem pagamentos em Terminais de Pagamento Automático e realizarem várias operações em Caixas Automáticos (multibanco).

O Requerente alega, em suma, que as quantias em causa decorrem de convenção interbancária de colaboração recíproca e destinam-se a repartir custos, suportados por toda e qualquer instituição bancária, associados à tecnologia utilizada para pôr à disposição dos seus clientes operações automatizada e que «seja nas operações realizadas em suporte TPA ou em suporte ATM, certo é que, entre bancos, não existe um específico vínculo jurídico, mas apenas a prática de atos de cooperação material, sustentados na convenção interbancária de colaboração recíproca celebrada por e entre todas as entidades bancárias».

Defende ainda o Requerente que, a entender-se que as taxas referidas remuneram serviços realizados entre entidades bancárias «apenas a compensação líquida poderia assumir relevância e não todos os feixes multilaterais das taxas interbancárias».

O Requerente defende ainda que, estando-se perante factos ocorridos em 2014, não lhe podem ser aplicadas as alterações legislativas posteriores, designadamente as introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Orçamento do Estado para 2016)., por força do proibição constitucional da retroactividade de normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP).

Na redacção vigente em 2014, a verba 17.3.4. da TGIS estabelecia o seguinte:

 

17 - Operações financeiras:

(..)

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros ... 4%.

 

A Lei n.º 7-A/2016 deu a esta verba a seguinte redacção:

 

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões ... 4%

 

O artigo 154.º da mesma Lei atribuiu natureza interpretativa a esta nova redacção.

Posteriormente, a Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, veio aditar uma alínea h) ao n.º 3 do artigo 3.º do CIS estabelecendo o seguinte:

3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:

 

h) Nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas;

 

À face da redacção vigente em 2014, afigura-se que as comissões em causa, cobradas entre entidades bancárias, não eram enquadráveis na verba 17.3.4. da TGIS.

 Na verdade, fazia-se referência a «operações financeiras» e a «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros» e o artigo 3.º, n.º 3, alínea g) do CIS estabelecia que «considera-se titular do interesse económico» «nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas».

Do conjunto destas normas, inferia-se que as «operações financeiras» a que se reportava a verba 17.3.4 seriam aquelas que são praticadas entre estas e os clientes, que são os titulares do interesse económico que, neste tipo de actos sujeitos a imposto do selo, constituía fundamento para imposição do encargo da tributação, nos termos do artigo 3.º.

Sendo assim, não haveria fundamento para tributar as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funcionamento do sistema de pagamentos automáticos (TMI), pois é manifesto quem nesses pagamentos interbancários não havia qualquer relevância do interesse dos clientes.

Por outro lado, no que concerne à utilização cartões bancários, estava vedado às instituições de crédito, «cobrar quaisquer encargos directos pela realização de operações bancárias em caixas automáticas» (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 3/201, de 5 de Janeiro). Isto é, se é certo que no que concerne às operações em caixas automáticas (multibanco), havia prestação de serviços financeiros aos clientes de instituições bancárias, também o é que pela prestação destes não poderia haver comissões ou contraprestações enquadráveis na verba 17.3.4.

 Neste contexto, é de concluir que a verba 17.3.4., na redacção vigente em 2014, não abrangia a TMI nem as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

Sendo assim, tem de se concluir que as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 7-A/20116 e pela Lei n. 22/2017 não podem ser aplicadas à situação em apreço, por força da proibição constitucional da retroatividade da criação de impostos.

Na verdade, o artigo 103.º, n.º 3, da CRP estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva.

A lei interpretativa, integrando-se na lei interpretando, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, tem forçosamente efeitos anteriores à sua vigência, pelo menos o de eliminar uma ou mais das interpretações possíveis da lei interpretada. ( [8] )

A proibição constitucional de retroactividade das normas criadoras de obrigações fiscais que se retira do n.º 3 do artigo 103.º da CRP visa obstar a violações legislativas do princípio da segurança jurídica, nas suas vertentes de certeza na orientação das condutas dos contribuintes e de segurança dos efeitos criados por situações já ocorridas.

Poderá entender-se, na esteira da lição de BAPTISTA MACHADO, que nas situações em que a interpretação que é dada na lei nova vem fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas, pelo que não se verificam as razões que justificam a proibição da retroactividade. Como interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não se poderão considerar aquelas que extravasam, restritiva ou extensivamente, o seu teor literal, pelo menos enquanto não houver posições doutrinais ou prática jurisprudencial que as adoptem, mas incluem-se aquelas que são viáveis à face do texto legal anterior numa mera interpretação declarativa.

É essencialmente neste sentido que tem decidido, recentemente, o Tribunal Constitucional, com o se pode ver pelo acórdão n.º 644/2017, cuja jurisprudência é reafirmada no acórdão n.º 92/2018:

Como se explicou no Acórdão n.º 267/2017, devido à integração da lei interpretativa na lei interpretada estatuída no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, pode em certo sentido falar-se de uma retroatividade formal inerente a toda a lei interpretativa: há retroatividade, porque tal lei se aplica a factos e situações anteriores, e a mesma retroatividade é “formal”, visto que a lei, «vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da [lei anterior – cujo sentido e alcance não se podiam ter como certos –] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas» (cfr. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 246). Diferentemente, se a lei nova se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior, será substancial ou  materialmente retroativa (cfr. idem, ibidem, p. 247).

Na ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, releva que a lei interpretativa formalmente retroativa apenas declara o direito preexistente; ao passo que a lei interpretativa substancialmente retroativa, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo. Pode suceder – e sucede com alguma frequência – que o legislador declare ou qualifique expressamente como “interpretativa” certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Uma lei que modifique o direito preexistente – o mesmo é dizer, que constitua direito novo – sob a capa de “lei interpretativa” violará necessariamente uma eventual proibição de leis retroativas válida para o seu âmbito de aplicação material.

 

No caso em apreço, verifica-se uma situação em que a nova lei a que foi atribuída natureza interpretativa é verdadeiramente inovadora, pelo que aquele artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016 é materialmente inconstitucional, por ser incompaginável com a proibição de retroactividade que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, por estatuir uma aplicação retroactiva da alteração que aquela Lei introduziu na verba 17.3.4 da TGIS.

Por isso, por força do disposto no artigo 204.º da CRP, que estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados», tem de ser recusada a aplicação daquele artigo 154.º, bem como da nova redacção da verba 17.3.4..

Estando afastada a possibilidade aplicar a nova legislação, é de concluir, pelo que se referiu, que não se podem enquadrar na verba 17.3.4 da TGIS, vigente em 2014, a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

Pelo exposto, a correcção relativa à TMI e às comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários é ilegal, por enfermar de vício de violação de lei, que justifica a anulação da liquidação, na parte respectiva (correcção no valor de € 1.418.351,65).

Fica, assim, prejudicado o conhecimento das restantes questões relativas a esta correcção.

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantia para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da liquidação impugnada e formula um pedido de indemnização, nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros de que enfermam as correcções subjacentes à liquidação impugnada são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, proporcionalmente à procedência do pedido de anulação da liquidação.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação de Imposto do Selo (IS) n.º 2017..., de 12-01-2017 e respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... e 2017..., nas partes em que assentam nas correcções referidas nos pontos 3.2.5 (Imposto do Selo no valor de € 6.361,76) e 3.3.2 (Imposto do Selo no valor de € 1.418.351,65);
  3.  Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de anulação da liquidação na parte restante;
  4. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente, na proporção em que é julgado procedente o pedido de anulação da liquidação, a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão, com base nas despesas suportadas pelo Requerente para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da quantia liquidada.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.046.052,39.

 

7. Comunicação ao Ministério Público

 

Uma vez que foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, bem como da nova redacção da verba 17.3.4., que introduziu na TGIS, comunique-se à Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral da República, para os fins do artigo 280.º, n.º 5, da CRP.

 

Lisboa, 13-11-2018

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(António Menezes Cordeiro), com a ressalva de, materialmente e na minha opinião, os serviços de pagamento não terem, necessariamente, natureza financeira: um ponto que não releva, para o presente caso concreto.

 

 

(Sérgio Vasques)

 



[1] Neste sentido, entre muitos, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-07-2016, processo n.º 01436/15.

[2] É irrelevante, para este efeito, saber se, depois de efectuar o pagamento, o Requerente tem ou não de regresso sobre o titular do interesse económico.

[3] Como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30-04-2013, proferido no processo n.º 04457/11, na esteira de DIOGO FEIO, A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento:

«Verifica-se assim a repercussão fiscal do imposto, dado que «o sujeito directamente determinado pela lei para pagar o imposto não é verdadeiramente o titular da riqueza a tributar, mas apenas um sujeito sobre quem é mais fácil executar a cobrança» Diogo Feio, A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento, Coimbra Editora, 2001, p. 93.. «O contribuinte de facto é, então, o sujeito que, apesar de não estar previsto na norma de incidência fiscal, suporta realmente o montante em dívida» Diogo Feio, A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento, Coimbra Editora, 2001, p. 96. Na repercussão fiscal, «[t]udo se passa apenas entre dois sujeitos privados, com o afastamento do sujeito activo da relação jurídica tributária» Diogo Feio, A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento, Coimbra Editora, 2001, p. 93». 

 

[4] «Glossário bilingue», disponível em https://www.bportugal.pt/glossario/c.

[6] Esta conclusão é reforçada por legislação posterior a 2014, designadamente pelo Regulamento (UE) n.º 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões, como se esclarece na decisão arbitral proferida no processo n.º 756/2016-T.

E, se é certo que se trata de legislação que não vigorava em 2014 e que, por isso, não podia definir o enquadramento jurídico aplicável à situação em apreço, não deixa também de ser exacto, como se afirma no acórdão proferido no processo arbitral n.º 496/2017-T, que «face à imutabilidade estrutural do sistema de pagamentos com cartões, não foi o regulamento de 2015 que criou ex novo as noções de que o “adquirente” prestava um “serviço de pagamento”, tendo-se limitado, neste particular, a normativizar uma situação contratualmente definida» e que «as prestações da Requerente antes e depois da entrada em vigor do Regulamento (UE) n.º 2015/751 – em termos de funcionamento do sistema de pagamentos eletrónicos – eram as mesmas. Por outro lado, a função que depois foi definida como sendo do “Adquirente” era a função que a Requerente já antes desempenhava, e desempenhava do mesmo modo».

 

 

[8] No sentido de que a lei interpretativa é necessariamente retroactiva, pode ver-se OLIVEIRA ASCENSÃO. O Direito - Introdução e Teoria Geral, página 438:

1) A lei é uma determinação, e não uma declaração de ciência. O legislador não sabe melhor qual o verdadeiro sentido da lei que qualquer outra pessoa. Dentro de uma posição objectivista, a fixação de um sentido da lei anterior como o único admissível é uma nova injunção. Seria ficção pretender que o sentido que o legislador agora impõe foi sempre o verdadeiro sentido da fonte.

2) Há retroactividade quando uma fonte actua obre o passado. Ora a lei retroactiva, se bem que não suprima a fonte anterior, não se confunde com ela. O título é necessariamente composto, engloba também a lei nova. Se a lei nova está a regular o passado, então é necessariamente retroactiva.