Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 333/2018-T
Data da decisão: 2018-11-30  IUC  
Valor do pedido: € 257,76
Tema: IUC – Incidência subjetiva – Locação Financeira.
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DECISÃO ARBITRAL[1]

 

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 24 de Setembro de 2018 com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. 1. A..., S. A. (doravante designada por “Requerente”), pessoa colectiva nº..., com sede na Rua..., n°..., em Lisboa, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 12 de Julho de 2018, ao abrigo do disposto no artigo 4º e do nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. 2. A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral conclua “pela declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IUC respeitante a 1 (um) veículo automóvel identificado (…); reembolso do montante de € 257,76, respeitante ao imposto e juros compensatórios indevidamente pagos pela Requerente; e o pagamento de juros indemnizatórios, pela privação do referido montante de € 257,76, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 13 de Julho de 2018 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.4.    Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 3 de Setembro de 2018, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 24 de Setembro de 2018, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.    Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. 8. Em 25 de Outubro de 2018, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação, concluindo que “(…) o ato tributário em crise não enferma de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º do CIUC e do artigo 6º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC”, peticionando que seja “(…) julgado improcedente, por não provado, o presente pedido de pronúncia arbitral e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido” tendo, na mesma data, anexado aos autos cópia do processo administrativo.

 

  1. 9. Por despacho arbitral, datado de 29 de Outubro de 2018, tendo em consideração (i) o facto de não ter sido deduzida, na Resposta apresentada matéria de excepção de que cumpra conhecer, bem como (ii) o facto da posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental juntos, decidiu o Tribunal Arbitral não ser necessária prova testemunhal e, por isso, também não viu este Tribunal utilidade em realizar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

 

  1. 10. Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, foi decidido:

          1.10.1. Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

          1.10.2. Prescindir da inquirição da prova testemunhal apresentada pela Requerente;

          1.10.3 Determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 10 dias, a contar da notificação do presente despacho;

          1.10.4 Designar o dia 30 de Novembro de 2018 para efeitos de prolação da decisão arbitral.


        1.11. No mesmo despacho, foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”.

 

  1. 12. A Requerente não apresentou alegações escritas, tendo a Requerida apresentado as suas alegações escritas, em 12 de Novembro de 2018, no sentido de que “(…) mantém a posição já assumida na sua Resposta” e de que “(…) por respeito a quem tem a digna tarefa de julgar, a Requerida não apresentará Alegações reapresentando, agora sob uma nova epígrafe, aquilo que anterior e oportunamente foi explanado”, “(…) limitar-se-á a usar a prerrogativa processual que constituem estas alegações finais para tecer algumas considerações finais”, defendendo que “o pedido de pronúncia arbitral não pode, de todo, proceder, porquanto a Requerente faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada, designadamente do artigo 3.º do CIUC, na versão ATUALMENTE em vigor” (maiúsculas da Requerida).[2][3]

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    A Requerente começa por esclarecer que o Pedido de Pronúncia Arbitral é relativo à “(…) legalidade de 1 (…) acto de liquidação de Imposto Único de Circulação (…) identificado (…), efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (…) relativamente a 1 (…) veículo automóvel também identificado (…), respeitante ao ano de 2018, no valor de € 255,71, acrescidos de juros compensatórios que se cifram em € 2,05, perfazendo assim o valor global de € 257,76 (…)”.

 

2.2.    Segundo a Requerente, “(…) este acto transparece o (…) enquadramento jurídico-tributário (…) de que, durante a vigência do contrato de locação financeira, a aqui Requerente, actual entidade locadora da viatura automóvel em questão, é responsável pelo pagamento do IUC, em vez do locatário, o que se logrará contestar (…)” (sublinhado da Requerente).

 

A factualidade relevante

 

2.3.    Prossegue a Requerente referindo que “(…) é uma instituição de crédito (…)”, sendo que “(…) entre as suas áreas de actividade, assume especial relevância o financiamento ao sector automóvel (…)”, porquanto “uma parte substancial da sua actividade reconduz-se à celebração (…) de contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis”.

 

2.4.    Esclarece a Requerente que “durante o período que vier a ser estipulado no contrato (…)” o “locatário mantém o gozo temporário do veículo - que permanece propriedade da Requerente, mediante remuneração (…) sob a forma de rendas; podendo vir a adquirir o veículo automóvel locado, no termo do contrato, mediante o pagamento de um valor residual (…)”.

 

2.5.    Assim, refere a Requerente que, na situação subjacente à referida liquidação de IUC:

 

2.5.1. O veículo automóvel objecto da mesma estava locado ao abrigo de “(…) contrato de locação financeira celebrado a 13 de Dezembro de 2011 (…)”;

2.5.2. O “Contrato de locação financeira (…) que se encontrava plenamente em vigor no ano – ou, mais concretamente, no mês relevante do ano – em que se venceu a obrigação de pagar o IUC associado ao (…) veículo” já que “o mês aniversário deste viatura automóvel era Janeiro” e,

2.5.3. Assim, “(…) a utilização deste veículo automóvel esteve sempre exclusivamente à disposição do respectivo locatário” pelo que “(…) o potencial do mesmo nem sequer podia pertencer à (…) Requerente”.

 

  1. 6. Em consequência, entende que “(…) a Requerente não podia ser responsável pelo pagamento do imposto” porquanto não podia “(…) assumir a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi erroneamente liquidado” mas, ainda assim, dado que “(…) veio a AT exigir o pagamento do IUC à (…) Requerente”, esta pagou o mesmo “(…) conforme evidencia o comprovativo de pagamento (…)”.

 

  1. .7. Refere a Requerente que “(…) a AT age com base num fundamento que (…) se (…) afigura errado (…)” porquanto entende a Requerida que “(…) a (…) proprietária e entidade locadora de determinado veículo automóvel é, à luz do preceituado no Código do IUC, (…) impreterivelmente o sujeito passivo deste imposto e, por conseguinte, deve ser responsável pelo seu pagamento”, entendimento com o qual a Requerente não concorda nem se conforma “(…) e reputa de (…) absolutamente ilegal”.

 

Do Direito – Da ratio subjacente ao IUC

 

  1. 8. Defende a Requerente que subjacente à regra de incidência deste imposto “está (…) o pressuposto do potencial de utilização de veículos automóveis (…) gerador de determinado nível de poluição, desgaste das vias (…)”, um “(…) potencial acrescido de provocar danos ao ambiente e às infra-estruturas, danos que justificam (…) a sua tributação em sede de IUC”, alegando a Requerente que “o peso da componente ambiental” foi “um dos pontos centrais da reforma global da tributação automóvel” efectuada em 2007.[4]

 

  1. .9. Nesta medida, “o critério determinante de tributação deixou de ser (exclusivamente) a cilindrada, e passou a decorrer (…) de indicadores da capacidade poluidora de um veículo, sendo certo que como elemento estruturante e unificador destas categorias, consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro (…) que o imposto (…) se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária” (negrito e sublinhado da Requerente).[5]

 

  1. .10. Neste âmbito, e citando também Diogo de Leite Campos[6], defende que “o Imposto Único de Circulação não tem o veículo, em si mesmo, como objecto da sua incidência, mas antes a sua utilização (em acto ou em potência)”, concluindo a Requerente que o encargo associado ao IUC compete “em primeira linha, à pessoa ou entidade que tem o potencial de utilização do referido automóvel; i.e., que tenha o potencial de produção da poluição que se pretende (…) desincentivar”, o qual será, “na maioria dos casos, (…) o proprietário do automóvel (…)”, por ser o seu “(…) utilizador por excelência (…)” isto é “(…) o seu utilizador mais facilmente detectável (…)” (negrito e sublinhado da Requerente).

 

  1. .11. Nestes termos, entende a Requerente que se verifica, nesses casos, “um desfasamento entre o comportamento que consiste na razão de ser desta figura tributária (…) e a realidade exacta (…)” porquanto, nos casos em que “o proprietário não teve, não tem, e jamais terá (…) o potencial de utilização” de um veículo, não fará sentido “(…) que seja o proprietário onerado com o dever de pagar o IUC”.[7]

 

Do Direito – Da legitimidade substantiva do locatário

 

  1. 12. Neste âmbito, refere a Requerente que “não surpreende (…) que, em tais casos, o legislador se tanha afastado da regra geral da propriedade (…) em prol de uma maior adesão à substancialidade económica da situação” sendo que, nos casos de locação financeira, “o legislador optou (…) por onerar com a obrigação de imposto não os proprietários, mas os indivíduos a quem cabe o gozo (…) exclusivo dos veículos automóveis”, ou seja, “os locatários financeiros (…) ou locatário com opção de compra”, “(…) não os seus proprietários jurídicos, mas aqueles a quem pertence a sua propriedade económica”.[8]

 

Do Direito – Do contrato de locação financeira

 

  1. 13. A este respeito, a Requerente refere que “num contrato de locação financeira, dúvidas não restam de que o direito de utilizar o bem é subtraído ao respectivo proprietário (…) para integrar na esfera do locatário” porquanto, de acordo com a definição apresentada por Diogo de Leite Campos, “a locação financeira pode ser definida como o contrato a médio ou a longo prazo dirigido a financiar alguém, não através da prestação de uma quantia em dinheiro, mas através do uso de um bem” proporcionando-se “ao locatário não tanto a propriedade de determinados bens, mas a sua posse e utilização para determinados fins (…)”.[9]

 

  1. 14. Nestes termos, entende a Requerente que “(…) a qualificação jurídica de locador – engloba (…) mas ultrapassa claramente a qualificação de proprietário” sendo que “o locador é um proprietário meramente instrumental, (…) cujos direitos e deveres muito se distinguem daqueles tipicamente associados à figura jurídica da propriedade”.

 

Do Direito – Da ilegitimidade das entidades locadoras para pagar o IUC

 

  1. 15. Ora, segundo a Requerente, “(…) sabendo-se de antemão que o IUC visa imputar aos contribuintes a responsabilidade que lhes é assacada pelo potencial de utilização de veículos (…) não pode o mesma deixar de consistir encargo de quem efectivamente causa tais custos, que não há-de deixar de ser a pessoa a quem pertence o direito de utilizar a viatura em questão”, reiterando assim a Requerente que “vigorando um contrato de locação financeira no momento em que se torna exigível o IUC, é ao locatário, e não ao locador (…) que compete liquidá-lo, por ser o sujeito passivo do imposto”, pelo que “(…) a Requerente não é o sujeito passivo do IUC em apreço relativamente ao contrato de locação financeira de que é parte, na qualidade de entidade locadora, sendo, por isso, manifestamente ilegal o acto tributário de que foi alvo (…)” (negrito e sublinhado da Requerente).[10]

 

Do Direito – Da jurisprudência arbitral

 

  1. 16. Nesta matéria, refere a Requerente que “assim tem sido decidido (…)” em matéria de “decisões arbitrais proferidas (…) sobre esta temática (…)”.[11]

 

Das custas do presente processo arbitral e juros indemnizatórios

 

  1. 17. A este respeito, entende a Requerente que não sendo responsável pela liquidação de IUC objecto do pedido arbitral, porquanto entende que a mesma “(…) é da exclusiva e única responsabilidade da AT”, será à Requerida a quem se deve pedir a responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios e pelo pagamento das custas arbitrais.

 

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida na Resposta apresentada defendeu-se por impugnação tendo, em síntese, apresentado os seguintes argumentos:

 

Quanto ao erro sobre os pressupostos

 

3.2.    Neste âmbito, defende a Requerida que “(…) as alegações da Requerente não podem de todo proceder, porquanto faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso (…) notoriamente errada” dado que “o entendimento propugnado pela Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC” (negrito da Requerida).

 

Do valor da jurisprudência arbitral e dos pareceres juntos pela Requerente

 

  1. 3. Nesta matéria, refere a Requerida que “(…) não olvida a existência de jurisprudência firmada no Centro de Arbitragem (…) relativamente à matéria em apreço (…), todavia não a acompanha” porquanto se rege “(…) por normas legais e não por correntes jurisprudenciais”.

 

  1. 4. Por outro lado, e no que diz respeito aos pareceres jurídicos que a Requerente anexou com o pedido arbitral, vem a Requerida colocar em causa a imparcialidade dos seus autores.

 

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

  1. 5. A este respeito, alega a Requerida que “o primeiro equívoco subjacente à interpretação defendida pela Requerente prende-se com uma enviesada leitura da letra da lei” (…) porquanto “legislador tributário ao estabelecer (…) quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (…), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados (…)”, defendendo assim o afastamento da consagração de uma presunção por parte do legislador.

 

  1. 6. Assim, entende a Requerida que “em face desta redacção não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente (…) tratando-se (…) de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção (…) foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel”, concluindo que “(…) não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente”.[12]

 

Da interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime

 

  1. 7. A este respeito, entende a Requerida que “da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (…) geram o nascimento da obrigação de imposto (…)” sendo que “na falta de tal registo (…) será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal (…)”.

 

  1. 8. Ora, “a aceitar-se a posição defendida pela Requerente (…) a Requerida teria de proceder à liquidação de IUC relativamente a esse outrem identificado pela pessoa constante do registo automóvel a quem havia primeiramente liquidado o IUC (…)” e, “por sua vez, após liquidar o IUC relativamente a esse outrem, este também poderia alegar e provar que entretanto já celebrou contrato de (…) locação financeira (…) com um outro terceiro, mas que este também não registou (…)”, “(…) e assim sucessivamente (…)”, “colocando (…) em causa o prazo de caducidade do imposto” pelo que entende a Requerida que “não pode de todo acompanhar-se tal leitura”.

 

Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei

 

  1. 9. Neste âmbito, entende a Requerida que foi intenção do legislador fiscal “(…) criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel”, tendo o IUC passado “(…) a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos” (negrito da Requerida).[13]

 

  1. 10. Assim, segundo a Requerida, “resulta claro que os ato tributário em crise não enferma de qualquer vício de violação de lei”, na medida em que à luz do disposto na legislação aplicável, “era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC” (negrito da Requerida).

 

 

Quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção

 

  1. 11. Neste âmbito, reitera a Requerida que “à luz de tudo quanto (…) se expôs (…), era a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC”, daí que entende a Requerida que “(…) todo o raciocínio propugnado pela Requerente se encontra eivado de erro, não sendo possível ilidir a presunção estabelecida” mas, “(…) aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência já entretanto firmada (…) remete-se para a informação patente no Processo Administrativo ora junto (…)”.

 

Da interpretação desconforme à Constituição

 

  1. 12. Nesta matéria, a Requerida vem referir que “(…) a ser aceite a interpretação veiculada pela Requerente, então a mesma mostra-se contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação traduz-se na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio de eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade”, porquanto entende que “a interpretação proposta pela Requerente (…) desvaloriza a realidade registral em detrimento de uma realidade informal e insuscetível de um controlo mínimo por parte da Requerida (…)”.[14]

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios e da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

  1. 13. A este respeito, alega a Requerida que “o registo da propriedade constitui um elemento essencial no sistema de informação entre a Requerida e demais entidades públicas (…) com vista à troca de informação necessária à liquidação e fiscalização do (…) IUC” sendo que “a transmissão da propriedade de veículos automóveis não é susceptível de ser controlada pela Requerida (…)”, pelo que “(…) o IUC é liquidado de acordo com a informação registral (…) transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado” (negrito da Requerida).

 

  1. 14. Em resumo, alega a Requerida que “o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida” pelo que “não tendo a Requerente cuidado da actualização do registo automóvel (…) forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível”, levando “(…) a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita (…)” (negrito da Requerida).[15]

 

  1. 15. E, não tendo sido “(…) a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente”, “(…) deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral (…)”, aplicando “o mesmo raciocínio (…) ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado (…)”, concluindo a Requerida que “(…) não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios”.

 

  1. 16. Por último, refere ainda a Requerida que “mesmo que assim não se entenda (…), ainda assim, (…) é inegável que a Requerida se limitou a dar cumprimento ao artigo 3º./1 do CIUC, (…), pelo que também por aqui necessariamente terá de falecer o reconhecimento do direito aos pagamento de juros indemnizatórios”.

 

  1. 17. Nestes termos, conclui a Requerida a sua Resposta no sentido de que “(…) deve ser julgado improcedente, por não provado, o presente pedido de pronúncia arbitral (…) absolvendo-se (…) a Requerida do pedido”.

 

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.

 

  1. 2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. 3 O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.    Não foram identificadas nulidades no processo.

 

4.5.    Não existem excepções, nem questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. 1. Tendo presente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) e alínea e), do RJAT), atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida, consideram-se provados os seguintes factos:[16]

 

Dos factos provados

 

  1. 2. A Requerente é uma instituição de crédito, autorizada para exercer a sua actividade em Portugal, estando sujeita à supervisão do Banco de Portugal.
  2. 3. A Requerente exerce, entre outras, a actividade de financiamento ao consumo, assumindo especial relevância o financiamento automóvel, celebrando para o efeito contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.
  3. 4. A Requerente celebrou, em 13 de Dezembro de 2011, contrato de locação financeira com o respectivo locatário (conforme cópia anexada com o pedido arbitral), relativo à viatura automóvel matrícula ..., no qual se previa o pagamento de 84 prestações (prazo de 7 anos).
  4. 5. A Requerente foi notificada da seguinte liquidação de IUC e juros respeitantes ao ano de 2018:

LIQUIDAÇÃO

DATA LIQUIDAÇÃO

ANO

MATRÍCULA

MÊS DA MATRÍCULA

IUC

JUROS

TOTAL

2018 ...

14-04-2018

2018

...

Dezembro

255,71

2,05

257,76

 

 

  1. 6. A Requerente pagou, em 7 de Maio de 2018, a referida liquidação de IUC e juros.
  2. 7. À data a que respeita a liquidação de IUC identificada no ponto 5.5., supra, o contrato de locação financeira (vide ponto 5.4., supra) celebrado entre a Requerente (enquanto entidade locadora) e o respectivo locatário ainda estava em vigor, tendo em consideração a informação dele extraída e que a seguir se resume:[17]

DATA (INÍCIO)

Nº RENDAS

ANOS

2011 ...

13-12-2011

84

7

 

 

  1. 8. À data da liquidação de IUC identificada no ponto 5.5., supra, a Requerida desconhecia que a viatura objecto da liquidação estava abrangida por um contrato de locação financeira, no qual a Requerente assumia a posição de locadora.
  2. 9. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.10.  No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo.

 

Dos factos não provados

 

  1. 11. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, será crucial determinar quem era, no caso, o sujeito passivo do imposto, de modo a decidir se a referida liquidação de IUC enferma ou não de ilegalidade, face ao disposto na legislação aplicável à data a que se reporta o facto tributário.

 

6.2.    A Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, refere que o veículo automóvel, objecto da liquidação de IUC em crise, estava locado ao abrigo de um “(…) contrato de locação financeira celebrado a 13 de Dezembro de 2011 (…)”, “(…) que se encontrava plenamente em vigor (…) no mês relevante do ano (…) em que se venceu a obrigação de pagar o IUC associado (…)”.

 

6.3.    Ora, dado que “(…) a utilização deste veículo automóvel esteve sempre exclusivamente à disposição do respectivo locatário”, entende a Requerente que “(…) não podia ser responsável pelo pagamento do imposto”, concluindo que “(…) não pode (…) assumir a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi erroneamente liquidado” (sublinhado nosso).

 

6.4.    A Requerida, na Resposta apresentada, refere que o “legislador tributário ao estabelecer (…) quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (…), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados (…)”, defendendo assim o afastamento da consagração de uma presunção por parte do legislador, concluindo que “(…) não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente”.[18]

 

6.5.    Entende a Requerida, na sua Resposta, que foi intenção do legislador fiscal “(…) criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel”, tendo o IUC passado “(…) a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”, reiterando assim que “(…) regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade (…)”.

 

6.6.    Em consequência, para a Requerida, “resulta claro que o ato tributário em crise não enferma de qualquer vício de violação de lei”, na medida em que à luz do disposto na legislação aplicável, “era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC”.

 

6.7.    Neste âmbito, será necessário determinar a incidência subjectiva do IUC, de acordo com o disposto no respectivo Código, na redação em vigor à data da liquidação em crise, de modo a aferir a qual das Partes assiste razão na determinação subjectiva do referido imposto.

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

6.8.    De acordo com o previsto no artigo 1º do Código do IUC, “o imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”, dando assim cumprimento ao imperativo constitucional, previsto no artigo 66º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), nos termos do qual se refere que “para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos (…) assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida” [nº 2, alínea h)], promovendo-se assim um princípio de “poluidor-pagador”, cumprindo-se com o pressuposto de igualdade material entre todos os cidadãos que dão causa ao custo ambiental e corporizando, desta forma, o IUC com as preocupações ambientes que à política fiscal se impõem.

 

6.9.    Assim sendo, como deverá ser interpretado o disposto no artigo 3º, nº 1, do Código do IUC, na sua actual redacção?

 

Da responsabilidade pelo pagamento do IUC na vigência de um Contrato de Locação Financeira

 

6.10.  O Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira (provado pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, com as alterações entretanto nele introduzidas), estabelece que é obrigação do locador, entre outras, “conceder o gozo dos bens para os fins a que se destina”.

 

6.11.  Por outro lado, o mesmo diploma estabelece as obrigações do locatário nomeadamente, a de “pagar as rendas”, a de “assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente”, bem como a de “usar e fruir o bem Locado”.

 

6.12.  Tendo em consideração as obrigações acima transcritas, a título de exemplo, para ambas as partes de um Contrato de Locação Financeira, será possível concluir que na vigência de um contrato daquela natureza, embora o locador continue como proprietário do bem em causa, só o locatário tem o gozo exclusivo do bem locado, usando-o como se fosse ele o verdadeiro proprietário.

 

6.13.  Ora, não dispondo o locador, por imposição legal e contratual, do potencial de utilização do veículo e tendo o locatário o gozo exclusivo do automóvel, manda a ratio legis do Código do IUC que seja o locatário o responsável pelo pagamento do imposto, uma vez que é ele que tem o potencial de utilização do veículo e de provocar os custos viários e ambientais a ele inerentes.

 

6.14.  Com efeito, na redação anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de Agosto), o referido artigo 3º, nº 1 do Código do IUC dispunha, em matéria de incidência subjectiva, que eram “(…) sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”, sendo que o nº 2 do mesmo artigo referia que “são equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação” (sublinhado nosso).

 

6.15.  E no que diz respeito de se saber se esta norma de incidência subjectiva consagrava ou não uma presunção, cumpre aqui realçar a jurisprudência firmada no CAAD que apontou, regra geral, no sentido de que o artigo 3º, nº do Código do IUC, naquela redacção, consagrava uma presunção legal ilidível.

 

6.16.  Neste âmbito, é também oportuno referir-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), proferido no âmbito do processo nº 08300/14, de 19-03-2015, nos termos do qual se entendeu que “o citado artº.3, nº.1, do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artº.73, da L.G.T”.

 

6.17.  Trata-se de um entendimento, obviamente, válido e aplicável, sem necessidade de mais desenvolvimentos para as liquidações efectuadas ao abrigo da anterior redação do artigo 3º do Código do IUC, face à abundante fundamentação vertida em inúmeras decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, bem como face à fundamentação constante do Acórdão identificado no ponto anterior, entendimento com o qual a Requerida nunca concordou.

 

6.18.  Mas o que dizer da redacção dada pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de Agosto, ao referido artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, no sentido de que “são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos” sendo que o nº 2 daquele artigo passou a referir que “são equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação” (sublinhado nosso).

 

6.19. Nesta matéria, refira-se que, esta alteração motivada pela necessidade de “(…) ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código e com o objectivo de clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto”, em nada alterou, a opinião deste Tribunal, no que ao caso aproveita.

 

6.20.  Com efeito, a alteração introduzida no artigo 3º, nº 1 ao referir que “são sujeitos passivos do imposto as pessoas (…) em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos” em lugar de “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas (…), em nome das quais os mesmos se encontrem registados”, procurou ir para além da noção jurídica de propriedade, empurrando a tónica determinante da incidência do imposto para o registo de propriedade.

 

6.21.  Contudo, o registo do direito de propriedade de um veículo tem um efeito meramente declarativo e não constitutivo de qualquer direito registado, pelo que se configura como uma presunção da existência do direito, nos termos em que se encontra registado, que pode ser ilidida, ou seja, admite a prova em contrário.

 

6.22.  Com efeito, conforme referido na Decisão Arbitral nº 16/2018-T, “o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo (…), admitindo (…) contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência exemplificativamente assinalando-se os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008”.

 

6.23.  Assim, e acompanhando-se o teor da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 145/2017-T, “a função legalmente reservada ao registo é, assim, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens (…) e, por outro, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, sendo que tais presunções são ilidíveis, seja por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 350.º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73.º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afastem as presunções em causa, mediante adequada prova, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC a pessoa em nome de quem o veículo continuar registado” (sublinhado nosso).

 

6.24.  Desta forma, e continuando a acompanhar o entendimento vertido na Decisão Arbitral citada no ponto anterior, “a interpretação do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, (...), tendo em conta, particularmente, a relevância legalmente conferida ao princípio da equivalência, não comporta a tributação, em IUC, do locador que, enquanto proprietário formal do veículo, não tem, consequentemente, qualquer potencial poluidor, o que significa que os danos advenientes para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis devem ser assumidos pelos seus reais utilizadores, como custos que só eles deverão suportar” (sublinhado nosso).

 

6.25.  Aqui chegados, importa atentar no disposto no nº 2 do artigo 3º do Código do IUC, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de Agosto (em vigor à data da liquidação em crise), nos termos do qual se refere, como acima vimos, que “são equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros (…)”.

 

6.26.  Ora, neste âmbito, como se refere na Decisão Arbitral já identificada, “locatário (…) tem o pleno uso e fruição do veículo, conforme legalmente estabelecido, sendo o (…) verdadeiro utilizador e efectivo gerador dos danos ambientais, devendo, assim, responder pelo correspondente imposto, sendo este o entendimento que, face à ratio legis do CIUC, se deve colher do disposto no n.º 2 do art.º 3.º desse mesmo Código”.

 

6.27.  Aliás, esta “(…) interpretação do n.º 2 do art.º 3.º do CIUC só permitirá perspectivar o locatário como o responsável pelo pagamento do IUC (…)”, importando aqui notar que o disposto no já revogado artigo 19º do Código do IUC impunha às entidades locadoras (para efeitos do disposto no artigo 3º do Código do IUC, ou seja, para efeitos da incidência subjectiva), a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados (locatários), o que revelava que, nomeadamente, que, para efeitos da referida incidência, se pretendia conhecer quem eram, a final, os reais utilizadores dos veículos locados, para que fossem eles, e não outros, a suportar o imposto único de circulação, entendimento que se mostra em total sintonia com o princípio da equivalência, enquanto princípio estruturante do Código do IUC.

 

6.28.  Ora, como à data do facto gerador do IUC, a viatura automóvel que deu origem ao acto de liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral estava locada, ao abrigo de um Contrato de Locação Financeira (identificado no ponto 5.4., supra), a Requerente anexou aos autos, para efeitos de prova, cópia do referido contrato celebrado entre a Requerente (locadora) e o respectivo locatário, devidamente assinados por ambas as partes pelo que, e independentemente do que constasse do registo, a Requerente demonstrou que, à data do facto gerador do IUC de 2018, era a locadora desse veículo automóvel e que o mesmo se encontrava, nessa data, entregue a um terceiro (locatário), ao abrigo de um contrato de locação.

 

6.29.  Com efeito, um contrato de locação financeira é um meio idóneo para fazer prova da qualidade de locadora e de locatário, para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 3º do Código do IUC, ou seja, para efeitos da equiparação do locatário a sujeito passivo do imposto incidente sobre o veículo objecto do contrato de locação e da sua, consequente, vinculação ao pagamento do imposto em causa.

 

6.30.  Por outro lado, como não existem quaisquer elementos que permitam entender que os dados inscritos no contrato de locação financeira (cuja cópia foi anexada aos autos pela Requerente), não correspondam à verdade contratual, não viu este Tribunal razões para pôr em causa o seu teor, sendo também certo que a lei [no caso, o nº 1 do artigo 75º da Lei Geral Tributária (LGT)], atribui a esse documento uma presunção de veracidade que não foi afastada.

 

6.31.  Assim, não subsistem dúvidas de que estando o veículo, sobre o qual incidiu a liquidação de IUC em crise, cedido a um terceiro em regime de locação financeira, o sujeito passivo deste imposto será o locatário (por ser quem tem o gozo do veículo) e não a locadora (em nome da qual o veículo se encontra registado) ficando, assim, afastada a regra de incidência subjetiva consagrada no nº 1 daquele artigo, nos termos do disposto nº 2 do mesmo artigo.

 

6.32.  Por tudo isto, dir-se-á, em consonância com o acima exposto que que se considera ilegal o acto de liquidação referente ao veículo identificado nos autos na medida em que, na data da exigibilidade do IUC, estava vigente um contrato de locação financeira, sendo sujeito passivo do imposto o respectivo locatário, e não a Requerente, face ao disposto no nº 2 do artigo 3º do Código do IUC.

 

6.33.  E importará ainda assinalar a falta de razão que assiste à Requerida, quando, nos artigos 75º e seguintes da sua Resposta alega que “(…) a ser aceite a interpretação veiculada pela Requerente, então a mesma mostra-se contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação traduz-se na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade”.

 

6.34.  Quanto ao princípio da segurança jurídica e da confiança deve notar-se, antes de mais, que no que que diz respeito ao princípio o da confiança, o mesmo corresponde a uma concretização do princípio da boa-fé, o qual tendo consagração no nosso ordenamento jurídico desde 1996, veio a ter expressa inscrição constitucional no nº 2 do artigo 266º da CRP, nos termos do qual se estabelece que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

 

6.35.  Por outro lado, o princípio da confiança é também tido como uma decorrência do princípio da segurança jurídica, indissociável do Estado de Direito, o qual tendo de garantir um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas jurídicas que lhes forem criadas, é gerador de confiança dos cidadãos na tutela jurídica da Administração Pública.

 

6.36.  Assim, os referidos princípios andam estreitamente associados, considerando-se que “(…) a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos” sendo que, em qualquer caso, o “(…) princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas” (sublinhado nosso).[19]

 

6.37.  Quanto ao princípio da eficiência do sistema tributário, poder-se-á afirmar, em sentido técnico, que este princípio é comummente tido, no domínio do procedimento tributário, como corolário do princípio da proporcionalidade, o qual impõe uma adequada proporção entre as finalidades legais e os meios escolhidos para alcançar esses fins, ou seja, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (in “Lei Geral Tributária”, Anotada e Comentada, 4.ª Edição 2012, página 488), trata-se de um princípio que obriga “(…) a administração tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir”.

 

6.38.  Neste contexto, o referido princípio da eficiência do sistema tributário significará a capacidade de alcançar os objectivos legalmente fixados com o mínimo de meios, o que nada terá também a ver com o respeito pelos direitos dos cidadãos, nem com a necessidade de observância de outros princípios a que a administração tributária deve subordinar a sua actividade (designadamente o do inquisitório e o da descoberta da verdade material), não podendo, obviamente, a aplicação do mencionado princípio da eficiência ser feita, quer com prejuízo dos direitos dos cidadãos, quer pela ausência de observação das finalidades legais.

 

6.39.  No que diz respeito ao princípio da proporcionalidade cabe, antes de mais, salientar que o mesmo, na medida em que é materialmente inerente ao regime dos direitos liberdades e garantias, inscrevendo-se na sua defesa, visa, no essencial, disciplinar a actuação da Administração Pública em ordem a que a sua actividade, no relacionamento com os particulares, seja pautada pela escolha das medidas mais equilibradamente adequadas à prossecução do interesse público.

 

6.40.  Citando J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Volume I, 4ª Edição, 2007, Coimbra Editora, páginas 392/393), estes autores consideram que o referido princípio é desdobrável em três subprincípios, a saber: “(…) a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade); b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade); c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos (…)”.

 

6.41.  Ora, conforme defendido na Decisão Arbitral nº 145/2017-T, de 13 de Julho de 2017, que aqui se tem seguido nesta matéria (com as necessárias adaptações), “os referidos subprincípios têm, todos eles, um denominador comum, qual seja o do justo equilíbrio e permanente coerência entre as finalidades da lei e os meios adoptados para atingir tais finalidades, o que, na circunstância e tentando a transposição do dito princípio para o caso dos autos, implicará responder à questão de saber qual a interpretação adequada do n.º 1 do art.º 3.º, tendo em vista a prossecução dos fins legais previstos no art.º 1.º do CIUC (…)” (sublinhado nosso).

 

6.42.  No sentido da proibição de excessos, aponta também a jurisprudência, designadamente o AC do STA de 01-07-1997 (Processo n.º 041177) quando considera que “o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, compreende a congruência, a adequação ou a idoneidade do meio ou da medida para lograr o fim legalmente proposto e, em sentido estrito, engloba a proibição do excesso”.

 

6.43.  Assim, “o princípio da proporcionalidade é um corolário do princípio da justiça, o qual significa e implica que na sua actuação a Administração Pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados pelos seus actos, interesses e direitos estes que, no caso em apreço, se reconduzem à não tributação em IUC das pessoas que (…) em nada contribuem para a efectivação de qualquer custo viário e ambiental”.[20]

 

6.44. Assim, o que importa é balancear as finalidades legais e os meios para as prosseguir, e, no quadro de um juízo de ponderação, identificar os meios mais adequados para esse efeito que, no caso, se traduzem na interpretação perfilhada pelo Tribunal Arbitral.

 

6.45.  Por último, importará ainda referir que a interpretação adoptada pelo Tribunal Arbitral, para além de não conflituar com qualquer dos referidos princípios, se inscreve directa e substantivamente no contexto da ordem constitucional, levando em linha de conta“(…), dentro do elemento sistemático da interpretação, aquilo que se reporta à Constituição” porquanto “(…) cada disposição legal não tem somente de ser captada no conjunto das disposições da mesma lei e cada lei no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional (…)”.[21] [22]

 

6.46.  Nestas circunstâncias, não se vislumbra que a interpretação efectuada pela Requerente (no pedido arbitral) e por este Tribunal Arbitral, na presente decisão, relativamente ao disposto no artigo 3º do Código do IUC, contenda com quaisquer normas ou princípios constitucionais invocados pela Requerida.

 

6.47.  Em face do exposto, conclui-se não haver fundamento legal para o acto de liquidação de IUC e de juros compensatórios relativos ao veículo automóvel identificado no pedido de pronúncia arbitral porquanto, à data da exigibilidade do imposto, aquele encontrava-se cedido ao respectivo locatário ao abrigo de um contrato de locação financeira pelo que se considera procedente a pretensão da Requerente quanto ao pedido de anulação da liquidação de IUC em apreço.

 

Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios

 

6.48.  No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.49.  De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.50.  Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”.

 

6.51.  Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.52.  Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.53.  Na sequência da declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IUC acima já identificado (vide ponto 6.47.) nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, havendo pois de avaliar se houve ou não erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.54.  Analisada a situação, verifica-se que a Requerida ao liquidar o IUC nos termos em que o fez, deu cumprimento ao normativo legal estabelecido no nº 1º do artigo 3º do Código do IUC, uma vez que este atribui a qualidade de sujeito passivo à pessoa em nome do qual se encontra registado o veículo na Conservatória do Registo Automóvel, razão pela qual se conclui pela inexistência de erro imputável aos serviços.

 

6.55.  Nestes termos, terá de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos pela Requerente, relativos ao IUC do ano 2018 da viatura automóvel identificada, mas sem direito a juros indemnizatórios, por não se verificarem os requisitos para a sua atribuição (existência de erro imputável aos serviços da Requerida).

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.56.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.57.  Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.58.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.59.  No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IUC identificada no processo, com as consequências daí decorrentes;

7.1.2.     Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

7.1.3.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 257,76.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 306,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Novembro de 2018

 

O Árbitro

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] No início das alegações, possivelmente por lapso, a Requerida refere uma reunião havida em 11-12-2017, que não existiu neste processo e uma data errada de apresentação do pedido arbitral (17-01-2017).

[3] Neste âmbito, refira-se que a Requerida aproveita as alegações para reestruturar todo a sua defesa, orientando-a para a nova redação do artigo 3º do Código do IUC, introduzida pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de Agosto (aplicável à liquidação em crise), porquanto, na Resposta, a Requerida abordou toda a questão da incidência do IUC face ao teor da anterior redação daquele artigo 3º e da questão da presunção ilidível nele consagrada, posição com a qual a Requerida nunca concordou (vide Capítulo 3. desta Decisão). Aliás, na Resposta, a Requerida desenvolveu todo o seu raciocínio em conformidade com a posição que veio defendendo, junto do CAAD, desde 2012, de que o artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, na redacção anterior a Agosto de 2016, não admitia a possibilidade de ilidir a presunção nele estabelecida.

[4] Neste âmbito, a Requerente cita a Proposta de Lei nº 118/X, que precedeu a Lei nº 22-A/2007, diploma que promoveu a substituição do extinto Imposto Automóvel pelo actual IUC.

[5] Neste propósito, cita a Requerente os motivos apresentados pelo então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aquando da votação da Proposta de Lei no Parlamento.

[6] Em parecer realizado a pedido de ALF - Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting, cuja cópia a Requerente anexou ao processo (Anexo H).

[7] Nesta matéria, cita a Requerente Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, página 186.

[8] Aqui, e uma vez mais, a Requerente cita Diogo Leite Campos no parecer já referido na nota de rodapé nº 4.

[9] Vide Ensaio de Análise Tipológica do Contrato de Locação Financeira, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXIII, página 10.

[10] Nesta matéria, cita a Requerente o Professor Dr. Agostinho Cardoso Guedes, em Parecer emitido a pedido da Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC), cuja cópia foi anexado aos autos (Anexo I), no sentido que “teremos de os considerar (aos locatários) sujeitos passivos únicos desse imposto, dado que não existe qualquer norma legal que, directa ou indirectamente, atribua às locadoras (…)” essa responsabilidade.

[11] A este respeito, a Requerente cita diversas decisões arbitrais proferidas em matéria de arbitragem tributária, nomeadamente, as decisões proferidas no âmbito dos processos nº 27/2013-T, nº 14/2013-T e nº 73/2013-T, para além de enumerar as prolatadas nos processos nºs 170/2013-T, 256/2013-T, 286/2013-T, 45/2014-T, 60/2014-T, 129/2014-T, 136/2014-T, 221/2014-T, 222/2014-T, 225/2014-T, 228/2014-T, 229/2014-T, 230/2014-T, 232/2014-T, 235/2014-T, 645/2014-T, 655/2015-T, 371/2015-T, etc., que “concluem exactamente no mesmo sentido” do aqui propugnado pela Requerente.

[12] Para reforço deste entendimento, a Requerida cita e transcreve parcialmente a decisão proferida no âmbito do Processo nº 210/13.0BEPNF do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, nos termos da qual, em síntese, se refere que “(…) a falta de registo em nome do novo adquirente faz com que a incidência subjectiva do IUC (…) se mantenha no titular do direito de propriedade inscrito na Conservatória do Registo Automóvel e seja o responsável pela liquidação e pagamento do IUC, independentemente da sua alienação efectiva. (…)”, anexando, com a Resposta, cópia da referida decisão ao processo.

[13] Neste âmbito, refere a Requerida o teor dos debates parlamentares de 12-03-2008, em torno da aprovação do Decreto-Lei nº 20/2008, de 31 de Janeiro, “(…) dos quais resulta inequivocamente que o IUC é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”, de modo a “evitar os problemas (…) relacionados com o facto de existirem muitos veículos não registados em nome do real proprietário”.

Na mesma esteira, é citada a recomendação nº 6-B/2012 do Provedor de Justiça, datada de 22 de Junho de 2012, nos termos da qual, em síntese, se refere que “(…) com a aprovação da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de julho, diploma que aprovou o Código do Imposto Único de Circulação e que veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel (…) os sujeitos passivos do imposto passaram a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública (…)” pelo que “a nível fiscal (…) o Imposto Único de Circulação é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”.

[14] Neste sentido, cita e transcreve a Requerida a exposição de motivos referente à Proposta de Lei nº 118/X, ou seja, à proposta de reforma global da tributação automóvel.

[15] Neste âmbito, a Requerida cita e transcreve parcialmente, decisão proferida em sede arbitral, no âmbito do processo nº 26/2013.

[16] Neste âmbito, cide AC TCAS de 19-03-2015 (processo nº 08300/14), nos termos do qual se refere que “relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr. artºs. 596, nº. 1 e 607, nºs. 2 a 4, do CPC) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artº. 123, nº. 2, do CPPT)”.

[17] Em termos gerais, de acordo com o artigo 4º (Incidência temporal) do Código do IUC, “1 - O imposto único de circulação é de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita. 2 - O período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, e ao ano civil, relativamente aos veículos das categorias F e G. 3 - O imposto é devido até ao cancelamento da matrícula ou registo em virtude de abate efetuado nos termos da lei” (sublinhado nosso).

Refira-se que no caso, se trata de uma viatura da categoria B.

Neste âmbito, foi ainda tido em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 6º, nº 3 do Código do IUC, “o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no nº 2 do artigo 4º” daquele Código.

[18] De acordo com o disposto no artigo 571º do CPC [aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1 alínea e) do RJAT], “na contestação cabe tanto a defesa por impugnação como por exceção”, sendo que “o réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido”.

Nos termos do disposto no artigo 572º do CPC, “na contestação deve o réu (…) expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor (…)” sendo que, de acordo com o disposto no artigo 573º do CPC, “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado” e “depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente” (sublinhado nosso).

Nos termos do previsto no artigo 120º do CPPT [aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1 alínea a) do RJAT], “finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz”, sendo que “tais alegações destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo (…)” em nome do princípio da estabilidade da instância (artigo 268º do CPC) (neste sentido, vide AC STA nº 0895/13, de 25-09-2013).

Ora, em conformidade com a nota de rodapé nº 3, a Requerida alterou a estrutura da sua defesa nas alegações (ainda que tenha mantido a conclusão de improcedência do pedido arbitral), porquanto havia fundamentado a sua Resposta em argumentação construída face ao teor da anterior redação do artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, enquanto que nas alegações orientou a sua defesa tendo por base a nova redação daquele artigo, em vigor desde Agosto/2016 e aplicável ao caso.

Não obstante, as alegações escritas deveriam ter servido apenas para efectuar uma síntese final do processo, tendo em consideração a posição anteriormente assumida na Resposta. Nestes termos, será com base no teor da Resposta que será analisada a posição da Requerida neste processo.

[19] Nesta matéria, vide a opinião do Prof. J. J. Gomes Canotilho (in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Almedina, Coimbra, 1998, página 250 e segs).

[20] Neste sentido, vide decisão arbitral nº 145/2017-T, com as necessárias adaptações, acima já referida.

[21] Vide Prof. Jorge Miranda (in “Manual de Direito Constitucional”, Tomo II, 2ª edição, Coimbra Editora, 1987, página 232 e segs).

[22] Sobre o mencionado elemento sistemático cabe referir o seguinte o entendimento de Baptista Machado (in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 2014, Almedina, página 183), segundo o qual o elemento sistemático “(…) compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico”.