Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 298/13-T
Tema: Dedutibilidade de tributação autónoma
I – Relatório
1. No dia 19.02.2013, o Requerente, BANCO A... S.A., com sede na Avenida …, Lisboa, contribuinte fiscal n.º …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação parcial do ato de autoliquidação de IRC e derrama relativo ao exercício de 2010, no que respeita a lucro tributável alegadamente apurado em excesso no montante de € 158.056,78, com a consequente redução naquele valor da dedução de prejuízos fiscais utilizados nesses exercício e, bem assim, com a consequente redução da autoliquidação de derrama municipal nesse exercício em € 2.370,85.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o Dr. Marcolino Pisão Pedreiro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 19.02.2014.
3. A reunião prevista no artigo 18º do RJAT teve lugar no dia 7.04.2014 de 2014, pelas 15.30 horas.
4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, são, sinteticamente, os seguintes:
-A requerente não deduziu, para efeitos do apuramento do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do exercício de 2010 o encargo suportado com as tributações autónomas previstas no Código do Imposto sobre Rendimento das Pessoas Coletivas.
- As tributações autónomas previstas no CIRC têm a natureza de imposto sobre a despesa e não são imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
- As tributações autónomas, criadas pelo Decreto-Lei nº 192/90 (no âmbito deste diploma apenas incidia sobre despesas confidenciais ou não documentadas), não foram inicialmente inseridas nos Códigos de IRC e IRC, só o tendo sido com a Lei nº 30-G/2000.
- As tributações autónomas previstas no CIRC não são, nem nunca foram, IRC.
- No quadro 10 do modelo declarativo de IRC (modelo 22), de cuja conceção é responsável a ATA, aparece no quadro 10 de um lado o IRC (campos 358, 361 e 362) e de outro lado, mais abaixo e em campo próprio as tributações autónomas (campo 365).
- A função das tributações autónomas não é a de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento das pessoas coletivas.
- Aos encargos fiscais decorrentes das tributações autónomas aplica-se a regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais prevista no art. 23º, nº 1, al. f), do CIRC.
- Retira-se do CIRC que sempre que o legislador não quer que certo encargo seja dedutível fiscalmente no apuramento do lucro a sujeitar a IRC, di-lo expressamente.
-No que respeita às tributações autónomas em causa, há uma novidade para 2014 na proposta de Lei de reforma do IRC, que é a inclusão dos encargos fiscais com tributações autónomas na exceção que impede a dedutibilidade fiscal do IRC, equiparando-os para este efeito ao IRC (redação proposta para o novo art. 23º-A do CIRC) o que constitui mais uma confirmação de que até 2013, inclusive, este encargo fiscal não era excecionado da regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais.
5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação e por exceção.
Na defesa por exceção, alegou a Requerida a intempestividade do pedido, em síntese, com os fundamentos seguintes:
-A Requerente identifica como ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral o ato de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativo ao exercício de 2010, pedindo que se declare a ilegalidade parcial desta autoliquidação.
-O art. 10º do RJAT estabelece que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de noventa dias remetendo para o art. 102º, nºs 1 e 2 do CPPT quanto ao momento do início da contagem pelo que, sendo a data limite de pagamento do imposto em causa 31.05.2011, o prazo acima referido começou a correr no dia seguinte.
-Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 19.12.2013, mais de dois anos desde o decurso do mencionado prazo de 90 dias, o pedido formulado é intempestivo.
-A ora Requerente apresentou reclamação graciosa do ato de autoliquidação, que foi indeferida, tendo a Requerente feito alusão a essas circunstâncias, mas não tendo formulado ou concretizado qualquer pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido.
-Não tendo sido sindicado o ato de segundo grau, inexiste o pressuposto que poderia firmar a tempestividade do pedido.
-Estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido, fica o Tribunal impedido de apreciar o pedido concretizado –“declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação”- por o mesmo ser intempestivo, devendo a Requerida ser absolvida da instância.
Por impugnação, alegou a Requerida, ainda em síntese, o seguinte:
-A tese da Requerente é edificada com base em fragmentos de posições doutrinárias e jurisprudenciais, tendo a argumentação subjacente nascido, essencialmente, da circunstância do Tribunal Constitucional ter sustentando que as tributações autónomas, sendo IRC, tributam despesa e não rendimento, mas não resulta da mesma qualquer fundamento sério que permita sustentar a procedência da ação.
- Ao contrário do que pretende a Requerente, as tributações autónomas não são um imposto distinto, apesar das diferenças assinaladas pela jurisprudência nos factos sobre que incidem.
-As tributações autónomas constituem uma componente do IRC a liquidar e a pagar pelos contribuintes nos termos e prazos previstos respetivamente nos artigos 89º e seguintes e 104º e seguintes do CIRC, os quais se referem indiferenciadamente quer a IRC sobre o lucro, quer às tributações autónomas em sede de IRC.
- É o próprio legislador que, no art. 12º, confirma, à contrario sensu que as tributações autónomas são por ele consideradas IRC ao dispor que “As sociedades e outras entidades a que, nos termos do art. 6º, seja aplicável o regime da transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”, pelo que as tributações autónomas se subsumem na previsão do art. 45º, nº 1, al. a) sendo, pois, despesas não dedutíveis para efeitos de IRC.
-No sentido de que as tributações autónomas de IRC são uma componente integrante deste imposto vai também a nova redação do art. 23º-A do CIRC, que com um alcance manifestamente clarificador, vem esclarecer que considera as tributações autónomas com uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC, sendo que tal redação correspondeu à adoção da melhor interpretação da redação do anterior art. 45º, nº1, al. a) do CIRC.
-Acresce que mal se compreenderia que no processo de apuramento do IRC interviessem parcelas que compõem elas próprias o montante do IRC a pagar no final com efeito autofágico do imposto.
6. Notificada da resposta apresentada pela Requerida, veio a Requerente apresentar resposta por escrito à exceção suscitada alegando, em síntese:
-Que do art. 2º do RJAT emerge que só os atos tributários nele previstos estão abrangidos pela competência dos tribunais arbitrais, dele se excluindo o ato administrativo que indefere o pedido de anulação do ato tributário que é meramente confirmativo.
-Que a tentativa de resolver o diferendo pela via graciosa não tem que prejudicar a faculdade de discutir a legalidade do ato lesivo nos tribunais pelo que, encerrado o procedimento administrativo com recusa de anulação do ato lesivo, abre-se prazo para deduzir pretensão arbitral contra esse mesmo ato lesivo.
-Que “é inconstitucional, por violar quer o princípio constitucional de acesso aos tribunais para tutela de direitos, previsto nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da CRP, quer o princípio constitucional da protecção da confiança (…) a interpretação do disposto nos artigos 2º, 10º, nº 1, al. a) e nº 2, al. b), do RJAT, na interpretação, contrária à interpretação declarativa, de que para efeitos do prazo de reação de 90 dias que se abre contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa, o objeto do processo e a pretensão arbitral não poderiam ser, respectivamente, o acto tributário e o pedido de declaração da sua ilegalidade.”
-Que “a substância real das coisas é esta: quer-se discutir as ilegalidades do acto lesivo primário (…) sendo nele que radica a discórdia, sendo nele que se verificam os vícios (ou alegados vícios) que justificam o recurso à tutela jurisdicional, e sendo nele (sua existência na ordem jurídica) que radica o interesse em agir”.
- Concluindo que, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo previsto no art. 10º, nº1, al. a) do RJAT, o mesmo é tempestivo, improcedendo a exceção suscitada pela Requerida.
7. As partes apresentaram alegações escritas nas quais mantiveram as suas posições.
8. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
II – A matéria de facto relevante
9. O tribunal considera provados os seguintes factos:
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Em 30.05.2011, a Requerente procedeu à autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2010 mediante a apresentação da declaração modelo 22.
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Nesta autoliquidação a requerente procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no art. 88º do CIRC, num total de € 158.056,78, sendo € 64.615,87 a título de tributação autónoma sobre encargos com despesas de representação e € 93.440,91 sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros.
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Em 31.05.2011, a requerente através do documento nº …, denominado Pagamento do IRC Modelo P1, pagou o valor resultante da autoliquidação, ficando pagas as tributações autónomas.
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Na autoliquidação de IRC em causa, o Requerente não deduziu, para efeitos do apuramento do lucro tributável do período, o encargo suportado com as tributações autónomas.
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No modelo 22 de declaração de IRC, o apuramento do lucro tributável (quadro 7) e da matéria coletável (quadro 9) precedem o apuramento do valor das tributações autónomas (quadro 10).
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Em 30.05.2013, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação referida em 1).
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Esta reclamação foi indeferida por despacho de 26.09.2013, notificado ao Requerente por carta registada de 30.09.2013.
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O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 19.12.2013.
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Nos artigos 4º, 5º,6º e 7º do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente menciona expressamente ter apresentado reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC em causa, que a mesma foi indeferida e a respetiva data de notificação, explicitando o seu entendimento de que o prazo para dedução do pedido de pronúncia arbitral se conta a partir da notificação daquela decisão.
10. Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar não ter sido manifestada pela Requerida partes qualquer divergência relativamente à matéria de facto alegada pelo Requerente, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.
-III- O Direito aplicável
11. A Requerida veio invocar a extemporaneidade do pedido alegando que o ato cuja anulação se pede no presente processo arbitral é o ato de autoliquidação e que, relativamente a tal ato, há muito expirou o prazo para a sua impugnação, que é de 90 dias a contar do dia seguinte ao termo do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária, que situa em 31.05.2011.
12. A requerente sustenta que a competência do tribunal arbitral se circunscreve aos atos previstos no art. 2º, nº 1, do RJAT e entre os mesmos não se encontram os atos de indeferimento de reclamações graciosa, não sendo sindicáveis em sede arbitral, os atos de segundo grau e que tendo apresentado o pedido de pronuncia arbitral no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o mesmo é tempestivo nos termos do art. 10º, nº 1, al. a) do RJAT e 102º, nº 2, do CPPT.
13. Sobre esta temática, escreve-se na decisão do processo 117/2013-T do tribunal arbitral[1]:
“(…) a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta», utilizada na alínea a) do nº 1 do art. 2º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são objecto da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos termos dos arts. 131º e 133º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato no processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na al. a) do nº 1 do art. 10º do RJAT se faz ao nº 2 do art. 102º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau.
Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta que não tenham sido precedido de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º e 133º do Código de Procedimento e Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação aos casos em que esse acesso à via administrativa foi utilizado”.[2]
Com os fundamentos expostos nesta decisão arbitral, cuja posição sufragamos, entende-se, assim, que a decisão de indeferimento de reclamação graciosa é sindicável em processo arbitral, sendo, nestes casos, esta o objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral e o ato de liquidação o seu objeto mediato.
14. Entendemos, no entanto que, no caso em apreço, a exceção suscitada pela Requerida não procede.
Na verdade, apesar de não pedir expressamente a anulação do ato de segundo grau, a Requerente identifica-o expressamente, junta na petição cópia do mesmo e faz expressamente depender o início do prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral à notificação da decisão de indeferimento. O que se verifica é que a Requerente não aponta à decisão de indeferimento qualquer vício próprio desta decisão. A ilegalidade suscitada pela Requerente prende-se apenas com o ato de autoliquidação.
15. Nestes casos em que se verificou existir a reclamação graciosa prévia (e neste caso necessária) mas não se imputa qualquer ilegalidade especifica à decisão de indeferimento, o que está em causa, em substância, é apenas e tão só a apreciação da ilegalidade do ato de autoliquidação, (confirmada pela posição da ATA, decorrente do indeferimento da reclamação graciosa).
Embora, em termos formais, também esteja em causa o ato de indeferimento da reclamação graciosa, neste casos a mesma releva, na realidade, como pressuposto de natureza processual.[3]
16. No caso concreto, este pressuposto processual foi cumprido e a Requerente menciona-o, identifica-o e juntou ao processo arbitral documentos comprovativos da sua verificação.
Não pretendendo o Requerente imputar qualquer vício especifico à decisão que indeferiu a reclamação graciosa, mas apenas à autoliquidação que lhe serviu de objeto, nada de substancial se acrescentaria se o Requerente tivesse mencionado na sua petição como objeto da pronuncia arbitral também a decisão que indeferiu a reclamação, não resultando tal exigência do RJAT, designadamente do art. 2º, al. a) deste diploma que faz expressamente compreender na competência dos tribunais arbitrais “A declaração e ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta”. A tese da Requerida de que havendo reclamação graciosa, a declaração de anulação do ato primário depende da anulação do ato secundário, não encontra acolhimento claro neste preceito, que nem prevê expressamente a competência dos tribunais arbitrais para a apreciação das decisões que incidem sobre as reclamações graciosas, resultando tal competência, indiretamente, do art. 10º, nº 1, al. a) do RJAT.
17. Por outro lado, dispõe o art. 7º do CPTA[4] que “Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de Pronuncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
Como nos dizem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, em anotação a este preceito:
“Numa justiça até agora caracterizada, em tantas situações, por um excessivo formalismo, por «armadilhas» legais ou por dúvidas processuais insanáveis –que, sem motivo ponderoso do ponto de vista do interesse público judiciário, impediam que os tribunais se pronunciassem sobre o mérito da causa -, o princípio do favorecimento do processo (ou da promoção do acesso à justiça) constitui uma autêntica «válvula de escape» do sistema, através do qual o princípio estruturante da tutela judicial efectiva, de que ele constitui um corolário, pode agora «respirar» e intervir.”[5]
18. Assim sendo, tendo o pedido de constituição do Tribunal arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias a partir do facto previsto no nº 2, do art. 102º do CPPT, foi a ação arbitral deduzida tempestivamente, nos termos do art. 10º, nº 1, al. a) do RJAT, improcedendo, assim, a exceção dilatória de caducidade suscitada pela Requerida.
19. Determinava o art. 45º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas coletiva, na redação em vigor no ano de 2010, o seguinte:
“Nº 1- Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
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O IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros.
(…)”.
Inseridas no Capítulo IV-do CIRC (TAXAS), no seu artigo 88º, estavam previstas as taxas de tributação autónoma.
As tributações autónomas em causa no presente processo inserem-se na previsão dos nº 3 a 7 daquele artigo.
20. A questão objeto do presente processo é a de saber se as tributações autónomas em questão, são ou não IRC para efeitos do art. 45º, nº 1, al. a) deste Código.
-
Afigura-se pertinente uma breve análise da evolução das tributações autónomas em sede de IRC.
A redação originária do CIRC aprovado pelo Dec-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro, não previa taxas de tributação autónoma, sendo o Capítulo IV do Código constituído por um único artigo (69º) que previa as taxas do imposto (e que, com alterações, correspondia no período tributário em causa, ao art. 87º do referido Código).
-
O Decreto-Lei nº 192/90 de 9 de Junho veio, no seu art. 4º, dispor o seguinte:
“As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuem ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8º e 9º do respectivo Código são tributados autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do nº 1 do art. 41º do CIRC”[6].
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Na redação originária do CIRC, determinava o art. 41º o seguinte:
“Nº 1- Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
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O Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) incluindo as importâncias pagas por retenção na fonte ou por conta.
(…)”.
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Apesar de não inserida formalmente nos respetivos Códigos, a tributação autónoma criada pelo Decreto-Lei nº 192/90 de 9 de Junho foi interpretada e aplicada pela administração fiscal e pelos contribuintes como estando abrangida pela não dedutibilidade fiscal do art. 41º, nº 1, al. a) do CIRC, não havendo notícia de qualquer entendimento em sentido diverso por parte dos contribuintes sujeitos passivos de IRC, nem havendo também notícia de qualquer discordância relativamente a esta interpretação-aplicação, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Ao invés da total ausência de controvérsia relativamente à não dedutibilidade das tributações autónomas previstas no Dec-Lei nº 192/90 de 9 de Junho, em sede da não dedutibilidade de impostos em sede de IRC, a polémica eclodiu relativamente à não dedutibilidade da derrama[7].
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A Lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro veio inserir formalmente as taxas de Tributação autónoma no CIRC ampliando a incidência objetiva das mesmas, através do art. 69º-A[8], com a epígrafe “Taxas de tributação autónoma” nos seguintes termos:
“1-As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na al. h) do nº 1 do art. 41º.
2- A taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efetuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.
3- São tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial industrial ou agrícola.
4-Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, nomeadamente as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
5- Excluem-se do disposto no nº 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como o acordo previsto no nº 8 alínea c) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS.
6-Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
7- São sujeitos ao regime dos nºs 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definidos nos termos do Código, salvo se o sujeito passivos puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter normal ou um montante exagerado.
8- Excluem-se do disposto no nº 3 os sujeitos passivos a que seja aplicado o regime previsto no artigo 46º-A.”.
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O Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho aprovou a revisão do CIRC e do CIRS.
Em consequência desta revisão, o artigo 69º-A do CIRC passou a ser o artigo 81º, tendo apenas sido objeto de alterações relacionadas com os números dos artigos do CIRC e do CIRS para os quais remetia (nºs 1, 5 e 8), não se tendo verificado qualquer alteração material do regime.
No mesmo ano, o artigo 32º da Lei nº 109-B/2001 de 27 de Dezembro (Lei de Orçamento de Estado para 2002), procedeu ainda a duas ligeiras alterações ao nº 3 do preceito ampliando a incidência objetiva às viaturas “mistas” e precisando que a exclusão de incidência relativamente aos sujeito passivos isentos, seria aplicável aos “isentos subjectivamente”.
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A Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro (art. 27ª) alterou novamente o art. 81º do CIRC, tendo acrescentado um novo nº 4, do seguinte teor[9]:
“São tributados autonomamente à taxa de 50% da taxa normal os encargos dedutíveis respeitantes às viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior a € 40 000, quando suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior que apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os referidos encargos digam respeito.”
Este nº 4, do art. 81º foi ainda objeto de alteração, no que respeita à taxa pela Lei nº 107-B/2003, de 30.12.
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A Lei nº 55-B/2004, de 30.12, além de proceder, também, a uma alteração do nº 3, do art. 81º, no que respeita à taxa, aditou o nº 9 (passando o anterior nº 9, para nº 10), com a seguinte redação:
“São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da al. f) do nº 1 do art. 42º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no exercício a que os mesmos respeitam”.
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O Decreto-Lei nº 192/2005, de 7 de Novembro, alterou novamente o artigo 81º do CIRC acrescentando os nºs 11 e 12, do seguinte teor:
“11- São tributados autonomamente, à taxa de 20%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
12- Ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do nº 2 do artigo 83º”.
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A Lei nº 67-A/2007, de 31-12, deu nova redação ao nº 1 do artigo em questão substituindo a expressão “Despesas confidenciais ou não documentadas” por “ despesas documentadas”.
Por sua vez, a Lei nº 64/2008, de 5-12, veio dar nova redação ao nº 3, nos seguintes termos:
“3- São tributados autonomamente, excluindo os veículo movidos exclusivamente a energia eléctrica:
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À taxa de 10%, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjetivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
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À taxa de 5%, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujos níveis homologados de CO2 sejam inferiores a 120 g/Km, no caso de serem movidos a gasolina, e inferiores a 90 g/Km, no caso de serem movidos a gasóleo, desde que, em ambos os casos, tenha sido emitido certificado de conformidade”.
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O Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, procedeu a diversas alterações ao Código do IRC e à republicação do Código, com produção de efeitos a partir de 1.01.2010, passando o artigo 81º do anterior Código a ser o 88º no novo Código, com a mesma redação.
O art. 42º, nº 1, al. a), permaneceu com a mesma redação, como art. 45º, nº1, al. a), no Código republicado.
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Ainda antes da entrada em vigor do novo Código, a Lei nº 100/2009 de 7 de Setembro, aditou ao artigo mais um número, com a seguinte redação:
“13-São tributados autonomamente, à taxa de 35%, os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas, não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente e, bem assim, os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações quer seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão do contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este sejam efetuado diretamente pelo sujeito passivo, quer haja uma transferência de responsabilidades inerentes para outra entidade.”
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A lei nº 3-B/2010, de 28.4, procedeu a novas alterações ao agora art. 88º do CIRC, tendo sido revogado o nº 10, com efeitos a partir de 1.01.2011, e alterado formalmente o nº 4.
O nº 13, aditado pela Lei nº 100/2009 de 7 de Setembro passou a al. a) do mesmo número, tendo sido aditado uma al. b) com o seguinte teor:
“Os gastos os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores e gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a € 27.500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período”.
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Percorrido o itinerário legislativo das tributações autónomas é altura proceder à análise do texto vigente à data dos factos a fim de, em conjugação com os demais elementos interpretativos, extrair a regra aplicável ao caso sub judice.
Resultando do elemento literal da lei que não é dedutível para efeito de determinação do lucro tributável o “IRC” (art. 45º, nº 1, al. a) do CIRC), questiona-se o que se deverá entender por tal expressão.
Em abstrato, poderão admitir-se, no nosso entendimento, duas possíveis interpretações à face do elemento literal da lei.
A primeira será a de entender incluída neste conceito as tributações previstas no Código do Rendimentos das Pessoas Coletivas. A segunda será a de incluir no conceito apenas e tão só uma parte das imposições fiscais previstas no CIRC: aquelas que tributem a capacidade contributiva dos sujeitos passivos manifestada em acréscimo patrimonial.
Adotando-se esta interpretação, seriam de excluir as tributações autónomas por as mesmas não consistirem em tributação de rendimento, mas de certo tipo de despesas.
Vejamos os demais elementos interpretativos.
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Dispõe o artigo 12º do CIRC que “As sociedades e outras entidades a que, nos termos a que, nos termos do art. 6º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”.
Esta norma se utilizasse o conceito de IRC mencionado em segundo lugar, não teria necessidade da ressalva “salvo quanto às tributações autónomas”.
Na verdade, a lei ao fazer tal ressalva parece apontar, à contrario sensu, para um conceito amplo de IRC que inclui as imposições fiscais previstas no Código do IRC, mesmo que não incidam sobre rendimento do sujeito passivo.
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Noutros preceitos do Código, o legislador parece também apontar para uma conceção de “IRC” correspondente a toda a tributação prevista no Código, nomeadamente, o art. 89º ao referir que “a liquidação do IRC é efectuada:
(….)”.
Não parece haver dúvidas que também aqui o legislador inclui as tributações autónomas, pois não existe qualquer preceito específico sobre a liquidação das tributações autónomas.
Também os arts. 112º, 113º, 115º, 116º e 137º, parecem apontar no mesmo sentido. Pressupõem o sentido de “IRC” no sentido de imposições fiscais previstas no código.
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A história do instituto aponta, também, no mesmo sentido.
Com mais de uma dezena de alterações desde a sua inserção formal do CIRC, incluindo uma “revisão” (com republicação) e uma “republicação”, nunca sentiu o legislador a necessidade de alterar o enunciado legal do art. 45º, nº 1, al. a) do CIRC (antes, sucessivamente 41, nº 1º, al. a) e 42º, nº 1, al. a), sendo de observar que todas as alterações legislativas em questão, ocorreram num contexto de inexistência de qualquer controvérsia interpretativa quando à circunstância da expressão IRC daquela norma incluir as tributações autónomas previstas no Código como, de resto, também sempre havia sido pacificamente entendido quando tais tributações não se encontravam formalmente inseridas neste diploma.
Naturalmente que, se a vontade do legislador de 2000, 2001, 2002, 2003,2005, 2007 ou 2009, tivesse sido a de excluir da não dedutibilidade as tributações autónomas previstas no CIRC, tê-lo-ia expressado.
Parece, pois, que “as circunstâncias em que a lei foi elaborada” apontam no sentido do legislador ter querido a não dedutibilidade das mesmas, continuando a utilizar a expressão IRC no sentido pacificamente perfilhado pela comunidade jurídica.
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Face à ausência de controvérsia durante tantos anos sobre a interpretação do art. 45º, nº 1, al. a) do CIRC, parece-nos pertinente citar o Professor Rui Duarte Morais que explica a polémica que recentemente eclodiu sobre o tema:
“A natureza das tributações autónomas foi, num passado recente, analisada enquanto pressuposto de decisões sobre pedidos de declaração de inconstitucionalidade de normas que alteraram o respectivo regime, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal. Como é sabido, a jurisprudência corrente do TC vai no sentido de, nos impostos periódicos, não ser necessariamente inconstitucional a aplicação da lei nova (entrada em vigor no ano em curso) a todo o período de tributação. Mas, relativamente aos impostos de obrigação única, o TC entende que a lei nova só pode ser aplicada aos factos geradores de imposto posteriores à sua entrada em vigor. Assim sendo, a questão era a de saber se as tributações autónomas têm a natureza de imposto periódico (se são um imposto sobre o rendimento) ou de um imposto de obrigação única (se são um imposto sobre a despesa).
O TC perfilhou a primeira tese.
Porém, escassos meses depois, o STA assumiu posição diferente, sustentando o segundo entendimento, considerando estar em causa uma tributação sobre a despesa (este imposto é apurado de forma independente relativamente à quantificação da matéria coletável dos impostos sobre o rendimento, existindo a obrigação do seu pagamento mesmos não havendo rendimento positivo), sendo que cada despesa constitui um facto tributário autónomo, instantâneo e de obrigação única, ao qual deve ser aplicada a lei em vigor no momento da sua realização. O que parece correto!
Pouco tempo depois, o TC reviu o seu entendimento, na linha do decidido pelo STA, pelo que a questão, aparentemente, estará ultrapassada.
Estas “pronúncias” jurisprudenciais abriram caminho para nova querela, que poderemos resumir da forma seguinte: se as tributações autónomas são um imposto sobre a despesa, então o valor pago a tal título será dedutível no cálculo da matéria coletável dos impostos sobre o rendimento, nomeadamente do IRC, uma vez que tal dedução só não é (era) legalmente admissível relativamente a impostos suportados pelo sujeito passivo, em decorrência do exercício da sua atividade, que revistam a natureza de impostos sobre lucros.
(…)
Pessoalmente, não partilhamos esta visão, por razões cuja explanação seria longa e, por isso, não compatível com as características deste texto.”[10]
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O art. 23º-A do atual CIRC, na sua alínea a) do nº 1, acrescentou “incluindo as tributações autónomas” a seguir à expressão “IRC”.
A nosso ver, tal nada acrescenta relativamente à situação anterior, uma vez que já resultava claramente do Código, designadamente do art. 12º, que a expressão “IRC” incluía as tributações autónomas.
Julgamos que a motivação do legislador terá sido a de, por prudência, e à luz da recente querela, evitar litígios futuros.
Tal não deverá ser entendido, todavia, no nosso entendimento, no sentido de entender que antes de tal querela a norma do art. 45º, nº 1, al. a) do CIRC (e antes com o mesmo conteúdo noutros artigos, como supra se referiu) suscitou dúvidas sobre se a não dedutibilidade prevista do “IRC” incluía as tributações autónomas, quanto, na realidade, tal não ocorreu durante os largos de vigência do mesmo enunciado normativo, sendo pacífico o entendimento de que a expressão “IRC” incluía as tributações autónomas, e não sendo conhecidos litígios em torno desta questão, nem qualquer opinião divergente na doutrina.
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Certamente em função da ausência de divergência durante muitos anos relativamente à interpretação do sentido da expressão “IRC” do art. 45º, nº 1, al. a) do CIRC, não se conhece qualquer decisão judicial sobre a questão que nos ocupa.[11]
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Recentemente, os Tribunais arbitrais (CAAD) foram chamados a pronunciar-se sobre a questão, tendo já sido publicadas as decisões de tribunais arbitrais coletivos no âmbito dos processos 187/2013-T e 209/2013-T.
A decisão em ambos os processos foi no sentido de negar a dedutibilidade.
Pode ler-se na decisão proferida no proc. 209/2013-T:
“(…) na perspectiva do legislador, as tributações autónomas integrarão, efectiva e inequivocamente o regime do IRC, sendo devidas a titulo deste imposto, como resulta do artigo 12º do CIRC, já vigente à data dos factos (….)
(…) na perspectiva do sistema, as tributações autónomas integram o regime do, e são devidas a titulo de, IRC, razão pela qual na norma que se vem de transcrever o legislador ressalvou expressamente a sua aplicação. Daí que, paralelamente, se fosse intenção do legislador excluir as tributações autónomas do âmbito da alínea a) do nº 1 do art. 45º do CIRC, o teria dito expressamente”.
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Escrevendo sobre os tipos de tributação autónoma sub judice, escreveu o Professor Saldanha Sanches:
“Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal das despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou distribuição oculta de lucros”[12]
Debruçando-se sobre a tributação autónoma das despesas não documentadas, escreve-se na decisão do processo nº 7/2011-T do Tribunal arbitral:
“Como referimos, a explicação doutrinária corrente é a de que a tributação das despesas não documentadas pretende compensar o pagamento oculto de rendimentos a outro sujeito passivo, não identificável pela administração tributária. Se desenvolvermos esta linha argumentativa, há uma presunção (no seu sentido amplíssimo) desse pagamento oculto de rendimentos a um outro sujeito passivo. Não basta, como vimos, a não dedutibilidade das despesas como acontece com outros ordenamentos jurídicos; teremos ainda entre nós a tributação dos mesmos na esfera do sujeito que declara tais despesas como uma forma de recuperação da receita que não consegue ser tributada na esfera do beneficiário de tal distribuição.
40. Se assim é, a tributação autónoma do artº 88º do CIRC cria uma espécie de responsabilidade tributária e por isso não assenta nos métodos diretos de tributação, ou seja, não assenta na tributação do rendimento acréscimo ou rendimento real líquido.
Nesta perspectiva, trata-se não só da tributação da despesa na esfera do devedor do rendimento mas não só. Tributa-se ainda e em última análise o rendimento, mas na esfera de um substituto responsável tributário”[13]
Entendemos que esta ideia, válida com especial intensidade para a tributação autónoma das despesas não documentadas, não deixa de ser pertinente para explicar a tributação prevista nos nºs 3 a 7º do art. 88º do CIRC, relativamente às remunerações em espécie referidas por Saldanha Sanches.
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Embora considerando-se correta a tese que sustenta que as tributações autónomas, pelo menos na generalidade das situações, incidem sobre a despesa[14], as mesmas não estão desligadas da ideia de tributação do rendimento, afigurando-se que a tributação da despesa será o meio e a tributação do rendimento (de terceiro) o fim.
Assim sendo, se nos afigura estarem as tributações autónomas ainda materialmente conexionáveis com o IRC, não estando excluídas do tipo sistemático do imposto.
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Por último, dir-se-á que esta solução normativa, que temos por correta à luz do exposto, é a que melhor se harmoniza com o princípio da praticabilidade, pois como escreve o Professor Casalta Nabais “ (…) a ideia de praticabilidade exige do legislador a elaboração de leis cuja aplicação e execução seja eficaz e económica ou eficiente, ou seja leis que conduzam a resultados consonantes com os objectivos pretendidos e a custos que evitem o desperdício. O que implica, seja a simplificação das leis fiscais, de modo a obstar ou a atenuar a sua natural complexização, incoerência e falta de adaptação ao desenvolvimento económico, seja o reforço em meios humanos e materiais da administração fiscal para adequar a sua capacidade às necessidades executivas exigidas pelas leis exequendas”.[15]
No caso em apreço, afigurar-se-ia menos simples e eficiente um sistema que admitisse a consideração como gasto dedutível para efeito de IRC do valor liquidado a titulo de tributação autónoma neste imposto, por comparação ao sistema que o não admita, que é menos exigente em termos de cálculo do lucro tributável.
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Pelas razões expostas, considera-se que a expressão “IRC” constante da al. a), do nº 1, do art. 45º do CIRC, na redação vigente à data do facto tributário, inclui todas as imposições fiscais previstas no CIRC, não sendo dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável deste imposto as tributações autónomas em causa.
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral:
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Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação invocada Pela Requerida.
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Julgar totalmente improcedente a impugnação, não se declarando a anulação parcial da autoliquidação de IRC e de derrama municipal respeitante ao ano de 2010, efetuadas pelo Requerente.
Valor da ação: € 41.885,85 (quarenta e um mil oitocentos e oitenta e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos) nos termos do disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerente, no valor de 2142 € (dois mil cento e quarenta e dois euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Lisboa, CAAD, 18 de Junho de 2014.
O Árbitro
(Marcolino Pisão Pedreiro)
[2] No mesmo sentido Cfr. Jorge Lopes de Sousa “Comentário ao Regime da Arbitragem Tributária” in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Almedina, 2013, pags.104 e segs. e 120 e segs..
[3] Casalta Nabais fala de “uma impugnação administrativa necessária” acrescentando que “Constitui, assim, pressuposto da impugnação judicial das liquidações feitas pelo próprio contribuinte” (Cfr. DIREITO FISCAL, 3ª Ed., 2005, pag. 392).
[4] Aplicável por força do art. 29º, nº 1, al. c) do RJAT.
[5] CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRTIVOS E ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS ANOTADOS, Almedina, 2004, Vol. I, pág. 146.
[6] A redação, do nº 1, al. h) do art. 41º do CIRC era, então, a seguinte:”1- Não são dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável, os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
(…)
h) Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial.”
[7][7] Cfr. Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, “DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA PARCIAL ENTRE A CONTABILIDADE E O DIREITO FISCAL NA DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL DAS PESSOAS COLECTIVAS: ALGUMAS REFLEXÕES AO NÍVEL DOS CUSTOS, em Ciência e Técnica Fiscal, nº 396, 1998, págs. 99-101 e António Moura Portugal, A DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS NA JURISPRUDÊNCIA FISCAL PORTUGUESA, Coimbra Editora, 2004, págs. 304-313.
[8] E, em paralelo no CIRS, através do art. 75º-A.
[9] Os anteriores números 4 a 8 foram, em consequência, renumerados.
[10] SOBRE O IRS, Almedina, 2014, 3ª Ed., págs. 170-171.Negrito nosso.
[11] Referindo-se à jurisprudência consubstanciada no acórdão do Tribunal Constitucional nº 617/2012, de 19-12-2012, escreve-se na Decisão arbitral proferida no Processo nº 209/13-T “Esta jurisprudência, contudo, não se debruçou diretamente sobre a natureza jurídico-tributária das tributações autónomas em questão, mas incidiu especificamente sobre a questão da determinação da natureza do respectivo facto impositivo-tributário, ou seja, visou apurar qual o concreto facto do qual resultava o nascimento da obrigação jurídico-tributária de suportar o imposto, tendo concluído que tal facto era a realização de determinadas despesas relativas a encargos identificados na lei –facto de natureza instantânea – e que, como tal, a aplicação impositiva a factos anteriores à entrada em vigor da lei seria contrária à constituição.
(…).
(…) independentemente do que se considere ser o entendimento subjacente relativamente à natureza das tributações autónomas de despesas dedutíveis em IRC, conclui-se que na própria linha jurisprudencial em que os requerentes sustentam a sua pretensão, nunca esteve em causa que a quantia arrecadada por via daquelas tributações autónomas o era a título de IRC, de onde se conclui que daquela jurisprudência não decorre, então, como pretendem os Requerentes, que os encargos suportados por aquelas devam ser considerados custos dedutíveis para efeitos do referido imposto”.
[12] MANUAL DE DIREITO FISCAL, Coimbra Editora, 3ª Edição, 2007, pág. 407.
[14] A parte final da al. a), do nº 13, do art. 88º, prevê um caso de tributação autónoma que não incide sobre uma despesa do sujeito passivo pois, além de se prever a tributação em caso de pagamento efetuado pelo sujeito passivo prevê-se também a mesma quando, verificando-se a ausência de tal pagamento “haja transferência de responsabilidades inerentes para uma outra entidade”. Ou seja, neste último caso, em rigor o facto tributário não é a despesa porquanto a mesma não se verifica na esfera do sujeito passivo que suporta a tributação.
[15] O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS, Almedina, coleção teses, 2004, pág. 621, negrito nosso.