Decisão Arbitral
I - RELATÓRIO
1 – A... Ldª, NIPC[1] ..., com sede na ... nº...– ...-... – Cascais, área do ... serviço de finanças de Cascais, veio ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,da alínea a) do nº 2 do artigo 5º e nº1 do artigo 6º, todos do RJAT[2], apresentar um pedido de pronúncia arbitral, com vista à apreciação da legalidade da liquidação adicional de IVA[3], referente ao ano de 2014 no montante de € 21 735,00 e juros compensatórios no montante de € 3 136,98, o que perfaz o valor global de € 24 871,98, conforme liquidações identificadas na petição e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[4] e automaticamente notificado à ATA[5] em 22/05/2018.
3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 12/07/2018, designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
4 – O Tribunal foi constituído em 01/08/2018 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido visa a requerente a declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios já referidas, uma vez que, em seu entender, as mesmas são ilegais por violarem a Lei, nomeadamente a alínea a) do nº 6 e alínea a) do nº 8º do artigo 6º do CIVA[6].
6 – Suporta o seu ponto de vista, em síntese, na errada qualificação feita pela ATA do facto tributário e do erro nos pressupostos de facto e de direito.
7 – Na verdade a ATA, considera que a fatura emitida pela sociedade de B..., contabilizada pela requerente como sendo uma comissão de mediação, quando isso não representa mais do que uma circunstância meramente contabilística, mas que a requerente não considera relevante para a correta qualificação do facto tributário.
8 – Considera que a legislação ao caso aplicável (artigos 4º e 6º do CIVA conjugados com artigo 47º da Diretiva IVA, 2006/112/CE de 28 de Novembro – e artigos 13-B, 31º A e 31º B do Regulamento de Execução EU nº 1042/2013 do Conselho) afasta taxativamente a tributação em IVA da prestação de serviços publicitários, como é o caso dos autos.
9 – Por último argumenta que nenhuma das disposições já citadas suporta o fundamento invocado pelos serviços inspetivos” contabilização da fatura” para a ATA proceder à liquidação de IVA em causa, devendo a mesma ser anulada por ilegal.
10 – Por sua vez, a ATA, na sua resposta, considera que o seu procedimento não enferma de qualquer erro na qualificação do facto tributário nem de erro nos pressupostos de facto e de direito.
11 - Vem dizer que a liquidação de IVA aqui posta em crise resulta de verificação inspetiva à respetiva contabilidade, concluindo que os serviços adquiridos em território nacional a um prestador que aqui não tem a sede, o sujeito passivo do imposto é a entidade residente, neste caso a requerente, conforme alíneas e) e g) do nº 1 e nº 5 do artigo 2º do CIVA, sendo tais operações tributáveis à taxa normal, conforme alínea a) do nº 6 e alínea a) do nº 8 do artigo 6º do CIVA.
11- Apesar de constatar da incoerência entre o serviço descrito na fatura “despesas de marketing associados à promoção de imóveis na China” foi a mesma contabilizada pela requerente como uma comissão por mediação imobiliária de um seu imóvel, o que justifica o procedimento da ATA de liquidação de IVA nos termos legais já referidos.
12 - Mas mesmo que os serviços tivessem sido de publicidade, nada alteraria o enquadramento em sede de IVA, uma vez que estamos perante uma operação localizada em território nacional prestada por uma entidade não residente, sem estabelecimento estável nem representante, pelo que a responsabilidade da liquidação caberia sempre à requerente.
13 - Sendo a operação relacionado com um imóvel concreto e dado visar a alteração jurídica do mesmo (alteração da propriedade), será a mesma sempre passível de IVA, também em consonância com o nº 1 do artigo 31ºA do Regulamento de Execução (EU) nº 282/2011, não se aplicando o seu nº 3, uma vez que o que está em causa é a sua venda.
14 - Concluindo pelo acerto do enquadramento efetuado pelos serviços inspetivos da requerida do facto tributário que deu origem à liquidação de IVA, aqui posta em crise, pelo que deverá a mesma ser mantida na ordem jurídica.
II – SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Face à resposta da requerida, o tribunal proferiu em 01/10/2018, o seguinte despacho:” Não há exceções a apreciar e apesar de requerida prova testemunhal, o Tribunal considera desnecessária a sua produção dado não haver litígio quanto aos factos, mas apenas quanto ao seu enquadramento legal.
Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a realização da inquirição das testemunhas arroladas e também a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, determinando-se que o processo prossiga com alegações escritas, facultativas, por um período de 10 dias, iniciando-se com a notificação do presente despacho o prazo para alegações da Requerente, que deverá ainda, no mesmo prazo, esclarecer da inserção de dois atos de resposta no SGP, embora o Tribunal tenha considerado a segunda inserção, lapso. Com a notificação da apresentação das alegações da Requerente, iniciar-se-á o prazo de 10 dias para as alegações da Requerida.
Indica-se o dia 27-11-2018 para prolação da decisão arbitral. Até essa data, a Requerente deverá fazer prova junto do CAAD do pagamento da taxa de justiça subsequente”.
As partes nada disseram quanto ao procedimento determinado e produziram as alegações que consideraram pertinentes, nos prazos concedidos, verificando-se, no essencial, a manutenção dos respetivos pontos de vista.
O processo não enferma de nulidades e não há questões que obstem à apreciação do mérito da causa, estando reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – Questões a dirimir:
Se a liquidação de IVA e juros compensatórios, no valor global de € 24 871,98, deverá ser anulada, por, no entender da requerente, padecer de ilegalidade, com a consequente restituição acompanhada de juros indemnizatórios, ou se, como pretende a requerida, deverá ser mantida na ordem jurídico, declarando-se a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
2 - Matéria de Facto:
A matéria de facto considerada relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
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A requerente tem com atividade principal a Construção de edifícios (residenciais e não residenciais) e secundarias a compra e venda de bens imobiliários, agricultura e produção animal combinadas e arrendamento de bens imobiliários, pelas quais se encontra coletada no ... serviço de finanças de Cascais.
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A requerente realizou o pagamento de fatura em 11 de Março de 2014, no valor de € 94 500,00 respeitante a despesas de markting associadas à publicidade de propriedades, emitida pela sociedade B..., sediada em Hong Kong, sem estabelecimento estável, domicílio, em território nacional, nem representante nos termos do artigo 30º do CIVA.
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Este pagamento decorreu de um contrato com a sua mediadora imobiliária a sociedade C... Ldª com sede em ...–..., que por sua vez, contratou os serviços publicitários de imóveis da B..., com vista à venda de imóveis da requerente, no caso concreto as moradia ... do lote ..., tendo ficado acordado que seria a requerente a pagar tais serviços.
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A referida fatura vinha acompanhada de cópias certificadas e de confirmação de residência das autoridades fiscais de Hong Kong nos termos acordados entre estas e Portugal bem como do respetivo modelo 21 – RFI da Direção-Geral dos Impostos.
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No modelo 21-RFI está identificada como entidade adquirente a requerente, sendo identificada a natureza dos serviços prestados como “outras”, especificando tratar-se de “Marketing consulting, transalations”.
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A requerente fez a contabilização da referida fatura como tratando-se do pagamento de uma comissão de mediação, lançado na conta 62252 – Comissões – Imobiliárias, tendo a prestadora de serviços sede em Hong Kong, correspondendo o valor contabilizado a 15% do valor da venda.
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O montante de IVA € 21 735,00 e juros compensatórios de € 3 136,98, tudo no valor global de € 24 871,98, conforme liquidações identificadas na petição e que aqui se dão como reproduzidas para os legais efeitos, tiveram por base o apurado pelos serviços inspetivos da requerida em ação inspetiva externa, suportada pela competente ordem de serviço.
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A referida ação visava o controlo tributário resultante dos “Vistos Gold” para os anos de 2013 e 2014, tendo os serviços inspetivos concluído que face à contabilização que a requerente fez da aludida fatura, era ela própria o sujeito passivo do imposto (conforme alíneas e) e g) do nº 1 e nº 5 do artigo 2º do CIVA) aquisição de serviços em território nacional e o prestador aqui não tem sede.
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Os montantes de IVA e Juros compensatórios foram pagos pela requerente em 19 de Fevereiro de 2018, no valor global de € 24 871,98.
Os factos descritos estão provados por documentos ou constam do processo administrativo ou foram alegados sem impugnação das partes e são os considerados relevantes para a decisão da causa.
2– Matéria de Direito
A questão a dirimir é saber se a liquidação de IVA em crise e os consequentes juros compensatórios padecem de ilegalidade e, por isso, deverão ser anulados, ou se pelo contrário, não enfermam de qualquer ilegalidade e deverão ser mantidos na ordem jurídica.
Estamos em presença de uma situação de “localização das operações” a que alude o artigo 6º do CIVA, concretamente as prestações de serviços, conforme alínea a) do nº 6 e alínea a) do nº8 deste artigo, sendo sujeitos passivos do imposto os referidos no nº 1 alíneas e) e g) e nº 5 do artigo 2º do CIVA.
Entende a requerente que a interpretação conjugada destes normativos com artigo 47º da Diretiva (IVA) e do artigo 31º A do Regulamento de Execução (EU) nº 1042/2013 de 07 de outubro, ficam os serviços publicitários prestados na China pela “B...”, fora do âmbito das disposições contidas no nº 1 do artigo 31º- A do Regulamento de Execução, por força do seu nº 3 alínea c) que exclui expressamente esses serviços e o facto de terem sido contabilizados como comissão de mediação, não permite a sua tributação nos termos pretendidos pela ATA.
Por sua vez a requerida considera que os referidos normativos têm aplicabilidade à situação concreta, tanto mais que é a própria requerente a fazer a sua contabilização como uma comissão de mediação, ao mesmo tempo que a operação em causa está relacionada com um imóvel concreto, visava alteração da sua propriedade o que está em harmonia com o disposto no artigo 31º-A do Regulamento de Execução, não tendo aplicação ao caso concreto o seu nº 3, dado que este se reporta a serviços publicitários que envolvam um imóvel e não aos serviços publicitários que visem a sua venda.
Sintetizadas as posições das partes, cumpre decidir.
A requerente pagou os serviços publicitários prestados pela empresa “B...” contratados pela sua mediadora imobiliária C..., conforme contratado entre ambas. A prestadora de serviços estava sedeada em Hong Kong, sem estabelecimento estável, domicílio, em território nacional, nem representante nos termos do artigo 30º do CIVA, pelo que a requerente, nestas circunstâncias, é sujeito passivo de IVA nos termos do nº1, alíneas e) e g) e nº 5 do artigo 2º do CIVA , nos termos das disposições contidas nas alíneas a) dos nºs. 6 e 8 do artigo 6º do mesmo diploma legal, tais prestações de serviços são passíveis de IVA, a cargo do respetivo sujeito passivo, neste caso a requerente.
Argumenta a requerente que a conjugação destas normas com artigo 47º da Diretiva (IVA) e do artigo 31º A do Regulamento de Execução (EU) nº 1042/2013 de 07 de outubro, ficariam os serviços publicitários prestados na China pela “B...”, fora do âmbito das disposições contidas no nº 1 do artigo 31º- A do Regulamento de Execução, por força do seu nº 3 alínea c) que exclui, expressamente, tais serviços.
Entende o Tribunal que tal conjugação nos conduz precisamente à tributação, na medida em que a operação em questão está relacionada com um imóvel concreto e que visava a alteração jurídica da sua propriedade, tal como preconiza o nº 1, nas suas alíneas a) e b), do artigo 31º-A do Regulamento de Execução já referido. Na verdade, os serviços prestados têm uma relação direta com um imóvel concreto, sendo este o elemento constitutivo, central e essencial do serviço prestado, ao mesmo tempo que se destinava à alteração jurídica da sua propriedade. A invocação do nº 3 do aludido artigo 31º-A para afastar o preenchimento dos requisitos de localização, no entender do Tribunal só seriam de aplicar se os serviços publicitários não visassem a venda de um imóvel em concreto, o que não é o caso.
Por outro lado, é a requerente que contabiliza a fatura no valor € 94 500,00, correspondente a 15% do valor da venda do imóvel em questão, como uma comissão de mediação e que apesar do descritivo da mesma se reportar a serviços publicitários, não deixou de assim a contabilizar como comissão de mediação, até por força do contrato de mediação que tinha coma sua mediadora C... e não apenas por uma “ circunstância meramente contabilística”.
O CIVA impõe aos sujeitos passivos, para além de outras obrigações, a obrigatoriedade de possuírem contabilidade que permita apurar e fiscalizar o imposto (alínea g) do nº 1 do artigo 29º), preceito que a requerente cumpre, tendo em conta o apuramento que permitiu aos serviços inspetivos da requerida fazer.
Dado o que fica expendido é convicção do Tribunal que os serviços prestados pela “B...” quer fossem de comissão, como foram contabilizados e os serviços inspetivos assim os aceitaram, quer fossem de publicidade como pretende a requerente, a sua localização será sempre em território nacional e a requerente o respetivo sujeito passivo a quem cabia a obrigatoriedade de liquidação do imposto devido.
Mesmo que fossem serviços publicitários, a sua relação direta com o imóvel concreto (moradia ... do ... localizado em território nacional) cujo objeto era a alteração jurídica da sua propriedade, haveria sempre lugar, ao enquadramento jurídico-fiscal levado a efeito pelos serviços inspetivos da requerida, com a consequente tributação, dada a localização da sua prestação e o relação com imóvel aqui localizado, conforme alíneas a) do nº 6 e nº 8 do artigo 6º do CIVA e que, o nº 1 e suas alíneas a) e b) do artigo 31º-A do Regulamento de Execução EU já referido, também acata, não tendo aplicabilidade, ao caso concreto, o seu nº 3, dada a relação direta dos serviços publicitários com a venda de um imóvel em concreto como já se viu.
O que é decisivo é a localização dos serviços em território nacional e o seu prestador não ter sede, estabelecimento estável, ou representante aqui localizado e nestas circunstâncias incumbia à requerente a autoliquidação do imposto.
Nesta perspetiva o tribunal considera que deverá ser mantida na ordem jurídica a liquidação aqui posta em crise, declarando-se a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
3 – Direito a juros indemnizatórios
Atendo à conclusão a que se chegou anteriormente, torna-se desnecessário apreciar esta matéria.
IV – DECISÃO
Face ao exposto o tribunal declara:
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O pedido de pronúncia arbitral totalmente improcedente e consequentemente manter na ordem jurídica a liquidação de IVA e juros compensatórios aqui postos em crise, absolvendo a requerida do pedido.
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Fixar o valor do processo em € 24 871,98, considerando as disposições contidas nos artigos 299 nº 1 do CPC[7], 97º-A do CPPT[8] e 3º nº 2 do RCPAT[9].
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Fixar o montante das custas, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, em €1 530,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da requerente
Notifique,
Lisboa, 27 de Novembro de 2018
O árbitro singular,
Arlindo Francisco
[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Coletiva
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Imposto sobre o Valor Acrescentado
[4] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[5] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[6] Acrónimo de Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado
[7] Acrónimo de Código de Processo Civil
[8] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo tributário
[9] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária