Decisão Arbitral
I - Relatório
1. A A..., Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na ... n.º..., ..., sala ..., ...-... ... (doravante designado por “Requerente”), apresentou, em 16-04-2018, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios, relativas ao ano de 2012, sob o n.º 2018..., com todas as consequências legais
3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 17-04-2018.
5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
6. A Requerente foi notificada, em 14-06-2018, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
7. De acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 04-07-2018.
8. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 10-07-2018, apresentou, em 24-09-2018, a sua Resposta e juntou o Processos Administrativo.
9. O Tribunal Arbitral por despacho, de 25-09-2018, determinou: (i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, de acordo com os princípios gerais da economia processual e da proibição de atos inúteis e para promover a celeridade, a simplificação e a informalidade do processo arbitral, nos termos do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º e do n.º 2 do artigo 29.º do RJAT, atendendo a que não foi invocada matéria de exceção nem suscitadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido; (ii) caso as partes pretendam proferir alegações escritas, estas deverão ser produzidas no prazo simultâneo de 10 dias; (iii) indicar o dia 5 de novembro de 2018 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
10. A Requerida, em 27-09-2018, requereu ao Tribunal Arbitral a produção de alegações finais de forma sucessiva.
11. O Tribunal Arbitral, por despacho de 04-10-2018, determinou que as partes podem apresentar alegações escritas, no prazo de 10 dias a partir da notificação do presente despacho, concedendo-se à Requerida a faculdade de juntar as suas alegações com caracter sucessivo relativamente às produzidas pela Requerente. O Tribunal Arbitral designou o dia 30 de novembro de 2018 como novo prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
12. As alegações foram apresentadas pela Requerente, em 18-10-2018, e pela Requerida, em 30-10-2018.
13. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:
13.1. Na sequência da inspeção tributária a que foi sujeita a Requerente foi notificada, em 16-01-2018, das notas de liquidação relativas ao ano de 2012, emitidas em 12-01-2018.
13.2. As referidas liquidações são ilegais, uma vez que o direito à liquidação do imposto e respetivos juros compensatórios caducou, em 31-12-2016, face ao disposto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.
13.3. O Relatório de Inspeção refere que o direito à liquidação encontra-se garantido pela aplicação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, mas não são invocadas quaisquer circunstâncias fácticas que permitam a aplicação de tal disposição.
13.4. A legalidade dos atos impugnados tem de ser aferida tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros atos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o ato praticado. Este é o entendimento unânime da jurisprudência, não só dos tribunais comuns como dos arbitrais (cf., entre outros, Ac. STA de 11-11-2015 – Proc. 0190/14 e de 01-10-2014 Proc. 178/14; Ac. TCA Norte de 26-03-2015 – Proc. 478/12.0BRPRT e de 18-01-2012 – Proc. 670/08.1BEBRG e, no âmbito das decisões arbitrais, Ac. de 18-11-2015 – Proc. 199/2015 e de 28-11-2016 - Proc, 7/2016).
13.5. Estabelece o invocado n.º 5 do artigo 45.º da LGT que “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”. Sucede que não consta do relatório de inspeção qualquer alusão ou elemento fáctico que permita comprovar e concluir, para o que aqui releva, que a liquidação em causa respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.
13.6. De qualquer forma, haveria que determinar em que circunstâncias, tendo presente o estabelecido nos artigos 42º e 47º do RGIT, se poderia entender que a liquidação em apreciação respeitaria aos ditos factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. Dizendo-se, desde já, ter-se por assente que, por regra, a definição da situação tributária precede o encerramento das investigações, face à regra da prejudicialidade do apuramento da situação tributária para a qualificação criminal dos factos e, consequentemente, para a prossecução do processo criminal fiscal e não o inverso.
13.7. O que significa que o n.º 5 do artigo 45.º da LGT constitui uma exceção àquela regra, pelo que tem o seu campo de aplicação restringido aos casos excecionais em que se demonstre expressamente que a qualificação tributária está dependente da qualificação criminal dos factos. Quer dizer, restringe-se àqueles casos em que a conclusão da investigação em inquérito criminal se mostre indispensável à liquidação dos tributos pela AT. O que, em qualquer circunstância, não é manifestamente o caso.
13.8. Além de não terem sido identificados no relatório de inspeção quaisquer factos que tivessem determinado a instauração de inquérito criminal, não é sequer feita alusão e, muito menos, a invocação de que a liquidação ora impugnada estivesse dependente de investigação em processo-crime e de que o conhecimento dos factos determinantes da liquidação tivesse sido obtido precisamente a partir das investigações e diligências pretensamente levadas a cabo no âmbito de processo-crime.
13.9. Não é alegado e, muito menos, demonstrado no relatório de inspeção que o ato de liquidação em crise respeita a factos relativamente aos quais tivesse sido instaurado inquérito criminal, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT.
Donde se conclui, de forma inelutável, que quando a Requerente foi notificada das liquidações objeto do presente pedido arbitral, já tinha ocorrido a caducidade de tal direito, o que determina a ilegalidade das mesmas, o que se argui para todos os efeitos legais.
13.10. A Requerente desconhecia – e continua a desconhecer – se efetivamente existe um processo de inquérito instaurado contra si (não tendo recebido qualquer notificação nesse sentido ou tido qualquer intervenção num tal processo) e, muito menos, se existiria coincidência de factos entre este e os que estiveram na base da inspeção tributária.
14. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:
14.1. Nos termos do artigo 45.º, n.º 1, da LGT “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”. Quanto à contagem do prazo dispõe o n.º 4 daquele artigo que “o prazo de caducidade conta-se (…) no imposto sobre o valor acrescentado (…) a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”
14.2. Transpondo para o caso em análise, considerando que o tributo em causa se reporta ao 3.º trimestre de 2012, o prazo de caducidade verificar-se-ia a 01-01-2017.
14.3. No presente caso aplica-se o disposto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT nos termos do qual “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.
14.4. A Requerente foi notificada da suspensão do procedimento inspetivo em face da instauração do processo de inquérito n.º .../2016...DPRT (fls. 10 do Processo Administrativo).
14.5. Na sequência da notificação, referida no n.º anterior, a Requerente informou a Requerida que doravante exerceria “(…) o direito de não responder a quaisquer perguntas que tenham reflexo nos procedimentos de inspeção suspensos”(Cfr., fls. 13 do Processo Administrativo). Assim, muito antes da notificação do relatório da inspeção tributária já a Requerente havia adquirido o conhecimento da suspensão e inclusivamente adequou o seu comportamento.
14.6. A Requerente esquece o que consta nas páginas 10 a 12 do relatório da inspeção tributária, ou seja, a razão de ser da suspensão, o n.º de processo de inquérito e a conduta encetada pela própria Requerente a partir do momento em que foi notificada daquela suspensão.
14.7. A Requerente não suscitou a questão da falta de fundamentação em sede procedimental, porque, na realidade, nenhuma dúvida teve quanto às razões subjacentes à causa suspensiva. Pelo que, não tendo suscitado tal questão em sede procedimental, naturalmente que ter-se-á de haver por precludida de agora, em sede processual, suscitar tal questão.
14.8. Ainda que se venha a admitir a possibilidade de, agora, ser invocada a insuficiência da fundamentação – hipótese que só em teoria e sem conceder se admite – sempre cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT. Ora não tendo a Requerente usado daquela faculdade conferida por lei, forçoso se torna concluir que o ato sub judice continha, e contem, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício ficou sanado. Improcedendo assim os argumentos que a Requerente esgrime no que concerne à falta de fundamentação quanto ao recurso ao mecanismo previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT.
14.9. Subsidiariamente a Requerente alega a ilegalidade dos atos tributários sub judice defendendo que a Requerida não demonstrou em que medida o inquérito criminal se tornou indispensável à liquação do tributo. Ora, no caso vertente o procedimento inspetivo (que está na base da liquidação de IVA sub judice) e a investigação criminal referem-se aos mesmos factos. Só que não pode encontrar-se no alargamento do prazo de caducidade do artigo 45.º, n.º 5, da LGT qualquer argumento no sentido da suspensão do procedimento tributário até ao termo do processo de inquérito. Dado que as condutas que possam estar em causa no âmbito do processo de inquérito não se confundem com os factos que relevam para a fixação da matéria coletável, nem dependem da qualificação desses factos como crime.
14.10. A Requerente nenhuma prova faz quanto ao pagamento do tributo aqui em causa, encontrando-se agora precludida a possibilidade de a fazer.
II - Saneamento
15. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
Não foram suscitadas exceções.
Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
III - Mérito
III.1. Matéria de facto
16. Factos provados
16.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade por quotas, com capital de € 5 000,00, que se encontra coletada para o exercício da atividade de “Encadernação e Atividades Relacionadas”- CAE 18140 -, encontrando-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação e, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade trimestral (Vd., Relatório Final de Inspeção Tributária a fls. 53 e 54 do Processo Administrativo).
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Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2016... e OI2016... (Vd., fls. 3 e 5 do Processo Administrativo), realizaram um procedimento de inspeção externo à Requerente, relativo aos anos de 2012 e 2013, que foi iniciado em 05-07-2016 (relativamente à OI2016...) e em 24-10-2016 (relativamente à OI2016...), tendo os atos externos de inspeção sido concluídos em 11-10-2017 (Vd., Relatório Final de Inspeção Tributária a fls. 52 do Processo Administrativo).
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O procedimento de inspeção, identificado na alínea anterior, foi determinado em consequência da ação inspetiva realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto à B... Lda., ter revelado que entre esta empresa, a Requerente e a C... Lda. foram emitidas faturações cruzadas que indiciavam não corresponderem a operações efetivas (Vd., Relatório Final de Inspeção Tributária a fls. 52 do Processo Administrativo).
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O Relatório Final de Inspeção Tributária descreve a situação nos seguintes termos: “Na sequência da ação inspetiva à entidade relacionada – B...Lda.)- verificou-se que o SP (A...) participou no esquema montado por essa entidade, que passou pelo sobreavaliação (empolamento) e emissão de faturas falsas de forma a “compensar” empresas veículo/instrumentais – caso da D...– ou a “compensar” os fornecedores da B..., que também tinham emitido faturas sobreavaliadas (empoladas)/falsas, pelo que a simulação de negócio jurídico foi relativa (só preço)/absoluta (transação falsa), nos termos do art.º 39.º da Lei Geral Tributária (LGT), conforme se passará a demostrar. Todo o esquema surgiu porque a B... tinha em curso um Projeto de Investimento e a sobreavaliação das aquisições permitiria à mesma atingir o investimento contratualizado com IAPMEI sem que na realidade o tivesse feito, e consequentemente atingir o máximo dos prémios a receber (transformar empréstimos reembolsáveis em não reembolsáveis.” (Vd., Relatório Final de Inspeção Tributária a fls. 54 do Processo Administrativo).
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A Divisão de Inspeção Tributária III da Direção de Finanças do Porto, em 15-11-2016, elaborou a Informação Preliminar para Abertura de Processo de Inquérito na qual expôs o seguinte:
“Face ao relatado, considera-se que existem factos provados relativamente à sobreavaliação dos equipamentos adquiridos pelo SP, tendo em vista a alteração de subsídios indevidos (no âmbito do Projecto de Investimentos) bem como o empolamento dos gastos em sede de IRC, além de sérias dúvidas relativamente à veracidade de algumas operações comerciais realizadas pelo SP.
O esquema utilizado consiste na utilização de empresas “veículo” – A..., E..., D..., F...– que tiveram como missão sobreavaliar as facturações dos “verdadeiros” fornecedores e/ou compensarem os fornecedores do SP das sobreavaliações efetuadas nas suas faturações pelo SP – situação mais evidente na empresa A... e E... .”
“Os factos descritos configuram indícios da prática de crime fiscal por parte do SP – fraude qualificada, prevista no artigo 104.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.”
“Pelo que se elabora a presente Informação Preliminar para análise da Divisão de Processos Criminais e Fiscais e abertura do correspondente Processo de Inquérito às seguintes entidades (…)
A... LDA, NIPC..., para os anos de 2012 e 2013;”
(Vd., Documento n.º 1 anexo à Resposta da Requerida).
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Em 18-11-2016 foi instaurado o Processo de Inquérito n.º .../2016... DPRT (Vd., Relatório Final de Inspeção Tributária a fls. 55 do Processo Administrativo) e Documento n.º 2 anexo à Resposta da Requerida).
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De acordo com o Relatório Final de Inspeção Tributária o Processo de Inquérito foi instaurado: “Face aos factos que iam sendo apurados no decurso das ações de inspeção ao SP e à B..., nomeadamente a confirmação de que a faturação cruzada emitida entre o SP, a B... e a C... LDA não corresponderia a operações efetivas, foi elaborada a competente informação para a instauração de Processo de Inquérito aos anos de 2012 e 2013” (Vd., fls. 55 do Processo Administrativo).
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A Divisão de Inspeção Tributária III da Direção de Finanças do Porto através do ofício n.º 2016..., datado de 16-12-2016, notificou a Requerente que o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção (Ordens de Serviço n.ºs OI2016... e OI2016...) se encontrava suspenso, desde 18-11-2016, por instauração do Processo de Inquérito, identificado na alínea F), de acordo com o disposto no artigo 36.º, n.º 5, alínea c) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (Vd., fls. 9 do Processo Administrativo).
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O Gerente da Requerente em carta enviada, em 02-08-2017, à Divisão de Inspeção Tributária III da Direção de Finanças do Porto afirmou: “Fui notificado, na qualidade de gerente, que o procedimento de inspeção à sociedade se encontra suspenso por ter sido instaurado o processo de inquérito n.º .../2016... DPRT. Pelas razões constantes do requerimento já entregue pelo meu advogado no âmbito da inspeção também instaurada à B... assiste-me o direito de não responder a quaisquer perguntas que tenham reflexo nos procedimentos de inspeção suspensos.” (Vd., fls. 10 e 11 do Processo Administrativo).
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Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, por ofício n.º 2017..., de 30-10-2017, notificaram a Requerente para exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (Vd., fls. 47 do Processo Administrativo).
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Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, por ofício n.º 2017..., de 12-12-2017, notificaram a Requerente, nos termos do artigo 62.º Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, do Relatório Final de Inspeção Tributária (Vd., fls. 82 do Processo Administrativo).
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Relativamente ao ano de 2012, o Relatório Final de Inspeção Tributária detetou as seguintes infrações de IVA relativamente ao Requerente: “Pela dedução indevida de IVA no montante de €44.620,00, no período de 201203T, liquidado em faturas que não corresponderam a operações reais (emitida pela DP), o SP infringiu o art. 19.º do CIVA, infração que constitui crime de fraude fiscal qualificada, prevista e punível, nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 104.º do RGIT.” (Vd., pp. 33 do Relatório Final de Inspeção Tributária a fls. 66 do Processo Administrativo).
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Na sequência da ação inspetiva, identificada na alínea B) e cujo Relatório Final foi identificado na alínea K), o Serviço de Finanças de ...-... emitiu, em 12-01-2018, as seguintes liquidações (vd., Pedido de Pronuncia Arbitral):
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Liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao 3.º trimestre de 2012, no valor de € 44.620,00, tendo como fundamento “Liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária”;
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Liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 9.021,79, por retardamento da liquidação de IVA no valor de € 44 620,00.
16.2. Factos não provados
Não se provou que a Requerente tenha procedido ao pagamento dos valores constantes das notas de liquidação identificadas na alínea M) do n.º anterior.
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
16.3. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.
Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo, juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III.2. Matéria de Direito
17. A questão em causa nos presentes autos arbitrais consiste em saber se ocorreu a caducidade do direito à liquidação de IVA, nos termos do disposto no artigo 45.º da LGT.
Cumpre de apreciar.
18. No enquadramento legal da questão em causa nos presentes autos arbitrais importa ter presente o disposto nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 45.º da LGT que têm o seguinte teor:
“1 – O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.”
“4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5 – Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”
19. O prazo geral de exercício do direito de liquidação de IVA é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário, de acordo com o disposto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT.
No caso dos autos, os factos tributários ocorreram no terceiro trimestre do ano de 2012, consequentemente o prazo de caducidade verificou-se em 01-01-2017.
As liquidações impugnadas foram emitidas em 12-01-2018 (vd. alínea M) do n.º 16.2 supra), ou seja, depois do decurso do respetivo prazo geral de caducidade da liquidação, constante do n.º 1 do artigo 45.º da LGT.
20. Só que em 18-11-2016 foi instaurado o Processo de Inquérito n.º .../2016...DPRT que foi notificado ao Requerente, em 16-12-2016, e sobre o qual o Requerente tomou posição, em 02-08-2017, (vd. alíneas F), H) e I) do n.º 16.2 supra). O prazo de caducidade do direito de liquidação pode ser alargado devido à instauração de inquérito criminal, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 45.º da LGT.
21. Relativamente ao sentido do alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação, previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 199/2015-T, com a qual concordamos, afirma o seguinte:
“Como se escreveu no Acórdão do STA de 01-10-2014, proferido no processo 0178/146, “A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45º, nº 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos.”.
No referido Acórdão louvou-se no parecer do Exm.º Sr. Procurador Geral Adjunto, que apontou, para além do mais, que “tem que haver uma correspondência entre os factos objecto de investigação no processo-crime e os factos que constituíram fundamento para as correcções que deram origem à liquidação adicional” e que é necessário “aferir se tais correcções estão relacionadas com a matéria objecto de investigação no processo-crime”.
Também no Acórdão do TCA-Norte de 18-01-2012, proferido no processo 00670/08.1BEBRG, se havia considerado que “para que se verifique esse alargamento do prazo de caducidade é imperioso que os factos tributários subjacentes à(s) liquidação(ões) em causa tenham sido objecto de uma investigação em sede criminal e quanto a eles instaurado inquérito criminal «O que se compreende, pois não havendo a exigida identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação, não se vislumbra de que forma a pendência daquele processo possa afectar o exercício do direito de liquidação dos tributos.» [cfr. Ac. do TCA Norte de 22 de Abril de 2010].”
Também no recente Acórdão do TCA-Norte de 26-03-2015, proferido no processo 00478/12.0BEPRT, se reafirmou o entendimentos anteriores, considerando-se que “O alargamento do prazo regra de caducidade previsto no n.º 5 do art.º45.º, da LGT pressupõe que as correcções que originaram a liquidação em causa assente em factualidade material investigada no âmbito de um inquérito criminal;”, salientando-se a necessidade de se “entender com (...) alcance restritivo, (...), a expressão “…respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal…”” do artigo 45.º, n.º 5, da LGT.”
22. Da factualidade objeto dos presentes autos arbitrais resulta que o Requerente participou num esquema, com outras entidades, de emissão de “faturas falsas” (vd. alíneas D) do n.º 16.2 supra) tendo procedido à dedução indevida de IVA, no terceiro trimestre de 2012, liquidado em faturas que não corresponderam a operações reais e, em consequência, violou o disposto no artigo 19.º do Código do IVA (vd. alíneas L) do n.º 16.2 supra). A referida infração constitui também crime de fraude fiscal qualificada, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 104.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (vd. alíneas E), F), G) e L) do n.º 16.2 supra). Assim, os fatos que constituíram fundamento para as liquidações são os mesmos objetos de investigação no inquérito criminal.
Nestes termos, considera-se que está verificado o pressuposto da aplicação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT de que o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se refiram aos mesmos factos, em termos de haver uma correspondência entre os factos objeto de investigação no processo-crime e os factos que constituíram fundamento para a liquidação.
Daqui decorre que as liquidações impugnadas foram emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira de acordo com o disposto na lei.
IV - Decisão
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida do pedido, com as devidas consequências legais.
V - Valor do Processo
Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em €53.641,79 (cinquenta e três mil seiscentos e quarenta e um euros e setenta e nove cêntimos).
VI - Custas
O montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros) a cargo da Requerente, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 13 de novembro de 2018
O Árbitro
Olívio Mota Amador